Programa de vigilância do MJ permite a 55
mil agentes seguir "alvos" sem justificativa
O Ministério da
Justiça e Segurança Pública (MJSP) opera e disponibiliza para mais de 180 órgãos
públicos uma poderosa plataforma de dados capaz de monitorar pessoas e veículos
nas ruas em tempo real e sem autorização judicial. O MJSP reconheceu à Agência
Pública que os 55 mil usuários civis e militares do sistema não estão obrigados
a explicar o motivo da escolha de seus “alvos”.
Para fazer o
monitoramento, o sistema de vigilância e controle se vale, entre outras
informações, de imagens captadas em tempo real por 35,9 mil câmeras espalhadas
por lugares públicos em todo o Brasil: rodovias federais, ruas e avenidas
urbanas, entradas e saídas de estádios de futebol, entre outros pontos. O
sistema conta ainda com uma funcionalidade chamada de “cerco eletrônico”, que
na prática consegue monitorar ao vivo veículos por ruas e avenidas pelo país a
partir da “leitura” dos caracteres das placas.
A Pública apurou que
os usuários do sistema podem vigiar “alvos” em tempo real sem explicar a
necessidade, quem ordenou o monitoramento, qual foi o tempo de sua duração nem
o resultado da vigilância.
Oficialmente chamado
pelo governo federal de Plataforma de Monitoramento Córtex, o sistema é usado
como ferramenta do setor de “inteligência” do MJSP, em Brasília (DF), condição
usada como argumento jurídico para que as consultas ocorram sem prévia análise
do Judiciário, fora de inquéritos policiais e processos judiciais.
Indagado pela Pública,
o MJSP reconheceu que “não há necessidade de se motivar a consulta [no Córtex],
haja vista se tratar de consultas visando atividades de segurança pública (que
é o objetivo do sistema). Porém, caso haja suspeita de irregularidades nas
consultas, deve haver atuação da auditoria”.
Embora seja o criador,
coordenador e mantenedor da plataforma, o MJSP disse à reportagem que não cabe
à pasta controlar o acesso das consultas dos “alvos” pelos outros órgãos
públicos que usam o Córtex.
“O controle de acesso
para a realização de consultas de ‘alvos’ é feito pelo ponto focal de cada
instituição, indicado pelo seu representante maior, através de ofício, sendo
que todas as consultas realizadas deixam log de quem as realizou, para que seja
possível a auditoria”, respondeu o MJSP.
A portaria ministerial
que regulamenta o uso do Córtex indica que as auditorias devem ser feitas pelos
próprios órgãos que têm acesso ao sistema, com envio mensal de relatórios sobre
o uso da plataforma pelos 55 mil usuários civis e militares.
Em resposta à Pública,
porém, o MJSP afirmou que foram registrados somente 62 relatórios de auditoria
no sistema, em uso há mais de quatro anos.
Sobre o baixo número
desse tipo de documento, considerando que são mais de 180 órgãos usuários do
sistema há anos, o MJSP argumentou que “puxou para si a responsabilidade em
realizar relatórios de auditoria, sendo que todos os processos de auditoria do
órgão estão sendo revisados. Portanto, os 62 relatórios produzidos foram todos
no âmbito do MJSP”.
• Monitoramento 24h, por tempo
indeterminado
Entre os milhares de
usuários do Córtex há membros das Forças Armadas, policiais civis, militares e
federais, agentes penitenciários, integrantes do Ministério Público, bombeiros,
guardas civis e até servidores de órgãos de fora do Sistema Único de Segurança
Pública (SUSP).
Em resposta a um
pedido feito pela Pública por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o MJSP
se recusou a dizer quantas pessoas e veículos já foram vigiados por meio do
Córtex, sob a alegação de que, “caso a informação seja divulgada, poderá
comprometer investigações e/ou operações policiais em andamento”. A reportagem
não havia solicitado nomes, mas apenas os números totais, já consolidados.
A negativa ao pedido
de LAI da Pública teve respaldo da Controladoria-Geral da União (CGU), que
manteve o sigilo das informações, embora tenha admitido à reportagem, também
via LAI, nunca ter feito uma auditoria sobre o uso do Córtex.
O MJSP reconheceu,
também por meio da LAI, que os “alvos” do Córtex podem ser vigiados por tempo
indeterminado, “até que sejam colhidos eventuais indícios” para indiciamentos
graças à natureza de “ferramenta auxiliar de investigação”.
Conforme divulgado
pelo próprio ministério em resposta a outro pedido feito pela LAI em 2022, um
total de 360 mil “alvos” havia sido “identificado” até janeiro daquele ano. De
acordo com o então governo Bolsonaro, esses “alvos” seriam “veículos furtados e
roubados, pessoas desaparecidas, entre outras bases integradas ao sistema”.
Entretanto, a Pública
apurou que não há como confirmar a alegação da gestão bolsonarista.
Uma tentativa de
auditoria do próprio MJSP, conduzida em 2023, desistiu de “realizar auditoria
do passado”, em referência ao uso do Córtex antes do atual governo.
O MJSP também
identificou casos de venda de senhas e presença de contas robotizadas no
sistema, capazes de extrair massivamente dados sigilosos de milhões de pessoas
no Brasil. Suspeitas dessa natureza foram denunciadas anteriormente pelo site
The Intercept Brasil e pela revista Crusoé.
A Pública apurou que o
ministério descobriu pelo menos um caso de usuário que fez 1 milhão de
pesquisas no Córtex em um único dia, o que sugere o uso de robôs para a
extração de dados sensíveis.
O MJSP suspeitava
também da presença de “laranjas” no sistema, com pessoas sem nenhuma ligação
com órgãos de segurança pública operando o Córtex.
Na ausência de um
controle externo, independente ou interno eficaz sobre a motivação das
consultas ao sistema, a seleção dos “alvos” pode recair sobre adversários
políticos do governo e do MJSP e até em benefício de interesses pessoais dos
usuários.
Por exemplo: um agente
pode rastrear em tempo real o veículo de sua cônjuge graças a imagens obtidas
via Córtex sem precisar, antes, indicar a motivação para tal monitoramento.
Entre os documentos do MJSP obtidos pela Pública aparece a menção a essa possibilidade,
chamada pela equipe do ministério de “rastreio (cônjuge)”.
Outro documento obtido
pela reportagem revela que servidores do MJSP chegaram até a discutir a criação
de “um alerta quando o policial rastrear o veículo da esposa, considerando os
crimes de violência doméstica” no Brasil.
Um total de 108 órgãos
municipais e estaduais, como secretarias de Fazenda, de Segurança Pública e de
Trânsito, tem acesso à plataforma Córtex por meio de APIs (em inglês,
Application Programming Interface), uma funcionalidade que permite a integração
de sistemas de informação.
Quando a API é usada,
o MJSP em Brasília (DF) pode até saber qual órgão está conectado ao Córtex em
determinado momento, mas o controle sobre o uso do sistema fica a cargo dos
próprios órgãos com acesso.
<><> Por
meio de documentos do MJSP, a Pública apurou que durante o governo Bolsonaro e
pelo menos até março de 2023 também detinham a ferramenta API no Córtex:
1. o setor de inteligência do Exército
2. o Centro Gestor e Operacional do Sistema
de Proteção da Amazônia (Censipam), ligado ao Ministério da Defesa
3. o Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP)
4. o Ministério Público Federal (MPF), entre
outros órgãos.
<><> Todos
os 49 órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) também
possuem acesso ao Córtex, incluindo:
1. a Agência Brasileira de Inteligência
(Abin)
2. a Polícia Federal (PF)
3. a Polícia Rodoviária Federal (PRF)
4. o Gabinete de Segurança Institucional
(GSI).
O MJSP reconheceu à
reportagem que, além das imagens de câmeras de rua, o Córtex dá acesso a dados
de veículos, cadastros de pessoa física na Receita Federal, cadastros de
embarcações e condutores, restrições judiciais e base nacional de carteiras de
habilitação.
Contudo, um documento
obtido pela Pública sugere que essa informação oficial está incompleta.
Um ofício assinado em
18 de junho passado pela diretora de Gestão e Integração de Informações do
ministério, Vanessa Fusco Nogueira Simões, revela que “as bases de dados
internalizadas no Córtex” incluem outros dados sensíveis não mencionados na
resposta do MJSP.
O ofício do MJSP lista
a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que contém vencimentos salariais
de milhões de pessoas empregadas no Brasil; o Cadastro do Sistema Único de
Saúde (Cadsus), com dados sigilosos de pacientes do SUS; e informações não especificadas
sobre autoridades em geral qualificadas como Pessoas Expostas Politicamente
(PEPs).
O MJSP trabalha para
ampliar ainda mais a base do Córtex, agregando dados obtidos por prefeituras,
governos estaduais e até concessionárias de serviço público. Para isso, tem
estabelecido parcerias.
Para que prefeituras,
governos estaduais e outros órgãos tenham acesso irrestrito ao Córtex, basta
que deem uma “contrapartida”, ou seja, o acesso a bases de dados que eles já
possuem. São então assinados entre o MJSP e a outra parte Acordos de Cooperação
Técnica (ACTs), que, em muitos casos, deram acesso ao Córtex para guardas civis
e servidores de órgãos fora do Sistema Único de Segurança Pública.
Até março de 2023, o
MJSP havia firmado 184 ACTs em todo o país. Outras 191 propostas de acordo
aguardavam pareceres e despachos de diferentes setores da pasta. Após seguidas
negativas, somente depois de um recurso protocolado na CGU o ministério disponibilizou
à Pública cópias dos acordos assinados com estados e municípios.
Os ACTs mostram que
prefeituras alimentam as bases do Córtex com dados diversos, como informações
“em tempo real da bilhetagem dos ônibus”, incluindo “CPF e Nome [dos
passageiros], Linha e Prefixo [dos ônibus], Data e Hora da Leitura [dos cartões
de embarque], Latitude e Longitude [dos ônibus em trânsito]”.
Os documentos dos ACTs
sugerem contradições entre compromissos já assinados e o que foi informado pelo
MJSP à Pública. Foi assinado, por exemplo, um acordo entre a pasta e os
secretários estaduais de Fazenda, Receita, Economia, Finanças ou Tributação de todos
os estados mais o Distrito Federal “visando o intercâmbio de informações” e
acesso ao Córtex.
O ministério disse à
reportagem, porém, que apenas três secretarias estaduais de Fazenda – dos
governos de Alagoas, Paraíba e Acre – compartilham seus dados com o Córtex. O
MJSP alegou sigilo para não explicar o conteúdo das informações recebidas das
secretarias de Fazenda.
• Como ministro, Moro comemorou sistema de
vigilância
Herdado do governo de
Michel Temer (2016-2018), quando ainda operava pontualmente, o Córtex passou a
ser usado em larga escala durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro
(2019-2022), nas gestões dos ex-ministros Sergio Moro (2019-2020), André Mendonça
(2020-2021) e Anderson Torres (2021-2022).
O MJSP formalizou o
uso do Córtex no seu atual formato em 2021, na gestão de Torres.
Antes, em setembro de
2019, na gestão de Moro, hoje senador pelo União Brasil, já existia um sistema
com esse nome, conforme o ex-juiz divulgou naquele mês em sua conta no antigo
Twitter: “A unificação dos sistemas de monitoramento viário Alerta Brasil 3.0
da PRF e Córtex da Seopi, ambos do MJSP, levará à redução de custos e a [sic]
criação de um sistema integrado com seis mil pontos de monitoramento no país”.
O número de câmeras
conectadas ao Córtex aumentou desde então. Em 2021, dois anos após o tuíte de
Moro, o sistema já tinha acesso a 26 mil equipamentos espalhados pelo Brasil.
Hoje, o número chega a quase 36 mil.
Documentos obtidos
pela Pública e variadas fontes com acesso ao sistema, ouvidas sob a condição de
anonimato, confirmam que o Córtex é capaz de monitorar o deslocamento em tempo
real de veículos e pessoas, além de emitir “alertas de inteligência para alvos
de interesse”. Há diversas referências a “alvos móveis”.
O monitoramento se
assemelha às capacidades do programa First Mile, foco de um escândalo na
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) após a descoberta de que ele consegue
acompanhar, em tempo real, usuários de telefones celulares.
O Córtex do MJSP
acompanha veículos, em vez de telefones, mas o efeito prático é semelhante: os
usuários da plataforma têm a capacidade de saber onde e quando uma pessoa
esteve ou por quais ruas e avenidas passou ou costuma passar, bastando
reconstituir seu trajeto por meio das câmeras.
Consultas ao sistema
podem ser feitas apenas pela placa do carro. As câmeras instaladas em ruas,
avenidas e rodovias conseguem “ler” os caracteres das placas e indicar
exatamente por onde o veículo passou ou costuma passar em determinado dia ou
hora.
• “Processo permanente de vigilância”, diz
especialista
Sem apresentar todos
os detalhes sobre o caso concreto, a reportagem ouviu especialistas sobre os
riscos inerentes ao avanço de um sistema de vigilância tão poderoso quanto o
Córtex.
“O Córtex dá a
possibilidade de nos submeter a um processo permanente de vigilância,
identificando todas as vezes que você entra e sai de uma rodovia ou de um
shopping center, como se alega que ele seja capaz de fazer. Na prática, nossa
presunção de inocência é totalmente ignorada”, disse à Pública Rafael Zanatta,
diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, especializada em
direitos digitais.
“Um dos problemas do
Córtex é que, do ponto de vista de estratégia de integração e de segurança
pública, ele tem uma cara de política pública robusta, mas sua parte normativa
é precária”, afirmou Zanatta.
O desembargador do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Marcelo Semer disse à Pública em
teoria, sem conhecer o caso concreto, que “a consolidação de um projeto de
vigilância total deve ser vista com cuidado, pois a reunião irrestrita de dados
pessoais pode gerar uma situação de compressão absoluta da privacidade e pode
ser utilizado para diversos fins, nem todos lícitos”.
Semer, doutor em
criminologia e mestre em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP),
mencionou uma recente investigação da Polícia Federal (PF). Em 2023, a PF
descobriu que criminosos da facção PCC usaram um sistema da polícia de São
Paulo para localizar um carro descaracterizado da própria Polícia Civil.
“É preciso
transparência acerca dos protocolos, até para impedir que dados que estejam
sujeitos à reserva de jurisdição não sejam obtidos sem ela nem sejam
compartilhados com empresas para fins próprios”, disse o desembargador.
• Vigilância sobre alvos “com ou sem
restrições”
A plataforma Córtex
recebe imagens geradas dia e noite por 35,9 mil câmeras espalhadas em rodovias
e zonas urbanas, as que registram entradas e saídas em estádios de futebol,
fluxo em rodovias federais, entre outros lugares.
Graças à função de
alertas programados do Córtex, os usuários podem marcar determinada pessoa ou
veículo e serem avisados, em tempo real, em caso de avistamento ou atividade
ligada ao “alvo”.
O Córtex consegue
vigiar 24 horas por dia, sete dias por semana, pessoas e veículos “com ou sem
restrições”, conforme os acordos firmados pelo MJSP com órgãos públicos.
Nas prefeituras e
estados, o Córtex é mais uma entre outras ferramentas que também possuem
“câmeras inteligentes”, isto é, capazes de “ler” os caracteres das placas de
carros e monitorar carros e pessoas. Formou-se uma verdadeira indústria em
torno do tema, com empresas privadas montando e vendendo os sistemas para as
prefeituras.
No interior de São
Paulo, destaca-se a empresa Sentry, que se apresenta na internet como “a
verdadeira criadora da Muralha Eletrônica”. Um programa com nome semelhante,
que repete o modelo do Córtex, é um carro-chefe do governador Tarcísio de
Freitas no campo da segurança pública – a chamada Muralha Paulista.
O coordenador da
Guarda Civil Metropolitana de Cordeirópolis (SP), Leonardo Maximiliano,
explicou à Pública, durante um seminário sobre segurança pública realizado em
junho passado em Brasília, como funcionam as “câmeras inteligentes” no dia a
dia do município. Ele disse que são instrumentos eficazes no combate ao crime.
“A gente detecta
carros clonados até no Acre, até no Amazonas, onde tiver o sistema funcionando.
Por exemplo, você tem um carro com uma determinada placa rodando num lugar e a
mesma placa rodando em outro. Se eles vão passar por uma câmera inteligente num
curto espaço de tempo, o sistema já parametriza. ‘Peraí, essa placa está lá e
aqui?’ E manda um alerta automático”, disse o coordenador da Guarda Civil de
Cordeirópolis.
Segundo Maximiliano, o
sistema da Sentry integra “mais de 140 cidades” no país, incluindo Curitiba
(PR), Manaus (AM), Vitória (ES) e Rio de Janeiro (RJ). “É um software que está
ganhando espaço. Eu posso cadastrar para [receber] um alerta. Se esse carro passar
na minha cidade por uma câmera inteligente, ele vai me dar um alerta. […] O
sistema tem um caráter preventivo muito forte. A gente identifica os veículos,
as ações, e encaminha para o Judiciário. Então, assim, [hoje] é o carro-chefe
de qualquer cidade”, disse Maximiliano.
Conforme o coordenador
da Guarda Civil, o Córtex “ajuda muito”, principalmente com imagens captadas
nas rodovias federais.
À Pública, a Sentry
confirmou sua atuação em mais de 130 municípios e nove capitais. A empresa
disse que seu sistema “tem como objetivo realizar a ‘análise comportamental’ do
deslocamento dos veículos”.
“Quando a câmera
identifica o veículo e faz a leitura da placa, automaticamente essa informação
chega para o sistema, que realiza através de inteligência artificial e
algoritmos a identificação desse veículo. Tendo essa identificação, o sistema
tem uma integração com bancos de dados de órgãos públicos”, afirmou à
reportagem o setor de marketing da empresa. “A gente consegue, por exemplo,
vincular o nosso sistema à iniciativa público-privada, em escolas,
universidades, comércios. Porém, o ‘passo inicial’ é sempre feito pelas
prefeituras porque é necessário que a cidade possua o sistema para que a gente
consiga replicar”, disse a Sentry.
• Inteligência do MJSP quer ampliar suas
bases de dados
Preocupa aos
especialistas o fato de o Córtex ser apenas a ponta do iceberg, pois o MJSP já
mantém uma miríade de bases de dados sensíveis em seu poder, além de criar
novas ferramentas.
A Pública apurou que o
governo trabalha, desde o ano passado, para formar uma plataforma ainda mais
poderosa, denominada Orcrim (Sistema Nacional de Inteligência para
Enfrentamento ao Crime Organizado), na qual o Córtex seria inserido como apenas
uma das peças.
Na futura base Orcrim,
segundo documentos obtidos pela reportagem, estariam relatórios de inteligência
financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao
Ministério da Fazenda, e um sistema chamado de Projeto Excel – já tratado em
reportagem do site The Intercept Brasil –, que agrega e disponibiliza dados
extraídos de aparelhos eletrônicos como telefones celulares de investigados e
réus em processos e inquéritos criminais no país.
O sistema Orcrim foi
institucionalizado por uma portaria assinada por Sergio Moro em março de 2020.
Em 2023, o governo Lula anunciou que o Orcrim integra um programa de
enfrentamento às organizações criminosas orçado em R$ 900 milhões.
• Sistemas ficam no âmbito da
“inteligência” do ministério
Tanto no Córtex quanto
no Orcrim, esse grande conjunto de informações sensíveis fica sob a
administração da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (Diopi),
subordinada à Secretaria Nacional de Segurança Pública do MJSP.
Até janeiro de 2023, o
principal braço da Diopi era a Secretaria de Operações Integradas (Seopi). Foi
nesse setor que o ministério produziu, em 2020, os relatórios contra 579
policiais e professores antifascistas. Acionado na época pela oposição ao governo
Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ilegal a fabricação de
tais dossiês.
Quatro anos depois, a
Pública confirma que a produção dos relatórios de inteligência foi uma prática
generalizada e intensa no MJSP, com uso de ferramentas como o Córtex e o Excel,
entre outras.
O ministério produziu
6.841 relatórios de 2015 a 2023 que, por meio de uma manobra conceitual da
pasta, caíram em “sigilo eterno” – ou seja, sem prazo definido para que um dia
venham a público. Desse total, 66% foram produzidos durante os quatro anos do governo
Bolsonaro.
Fonte: Por Rubens
Valente e Caio de Freitas, da Agencia Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário