Frei Betto: ‘Ressignificar o socialismo’
Tive a honra de ser
convidado a abrir, em 26 de setembro último, na Cidade do México, o XXVI
Seminário Internacional “Os partidos e uma nova sociedade”, promovido pelo
Partido do Trabalho que, em aliança com os partidos Morena e Verde, elegeram a
primeira mulher presidente do México: Claudia Sheinbaum.
Na presença de
delegações de partidos progressistas de cinco continentes, iniciei por
ressaltar os sete obstáculos à governabilidade:
1) Dificuldades
econômicas devido à dependência externa, o que impossibilita implementar
políticas de distribuição de renda e combate à pobreza. Em geral, os países em
desenvolvimento dependem, historicamente, da exportação de commodities e da
exploração de seus recursos naturais. A volatilidade dos preços no mercado
internacional e a pressão das instituições financeiras hegemônicas, como o FMI,
impedem os governos de manterem, a longo prazo, programas sociais sustentáveis.
2) Governança e
corrupção. Em muitos países as forças progressistas se sentem obrigadas, para
garantir a governabilidade, a negociar com as forças conservadoras. E as
estruturas de governo são contaminadas pela corrupção, o que faz refluir o
apoio popular.
3) Avanço da direita.
Os setores de direita, respaldados pelas Big Techs e as redes digitais (robôs,
algoritmos, Inteligência Artificial), se apropriam da agenda de costumes, tão
sensível à população, e manipulam o sentimento religioso. Adotam uma retórica
nacionalista, xenófoba, anti-imigração e favorável ao neoliberalismo.
4) Falta unidade das
tendências de esquerda de cada país e, portanto, de estratégias comuns.
5) A pressão
imperialista, como os bloqueios a Cuba e Venezuela, asfixia a economia dos
países progressistas, afetando as condições de vida da população.
6) Falta uma correta
gestão da crise climática e dos recursos naturais. Há tensão entre
desenvolvimento econômico e preservação ambiental. A exploração de recursos
naturais (minério, petróleo, agronegócio etc.), em geral feita pelo capital
privado, desencadeia conflitos com os movimentos indígenas e ambientalistas.
7) São insuficientes
os mecanismos para combater a desigualdade social e o racismo estrutural. E as
populações indígenas e negras são precariamente incluídas nas esferas de poder.
Ressaltei que ser de
esquerda é, sobretudo, uma opção ética, o que exige de seus militantes
coerência de ação com os princípios abraçados. Fidel me disse um dia que um
revolucionário pode perder tudo: a família e o emprego, porque caiu na
clandestinidade; a liberdade, porque foi preso; a vida, porque o assassinaram.
Só não pode perder a moral, pois isso compromete, aos olhos do povo, a causa
que defende.
Na América Latina, os
governos progressistas criaram ferramentas importantes de integração entre os
países, como ALBA, CELAC, UNASUR, Fórum Mundial Social e Fórum de São Paulo,
todas sem a presença dos EUA. No entanto, nem sempre essas instâncias são
devidamente valorizadas.
Muitas lideranças de
esquerda se deixam picar pela “mosca azul”, e insistem em se perpetuar no
poder, causando ruptura entre os setores progressistas e desgaste popular. E
muitos militantes são incorporados às estruturas de governo sem a
responsabilidade de dar prosseguimento ao trabalho de base. Em muitos países a
capacidade de mobilização popular promovida pela direita supera a da esquerda.
Os fatos comprovam que
políticas sociais não são suficientes para mudar a cabeça do povo. Para isso se
requer um intenso e sistemático trabalho de educação política, já que toda a
população sofre uma deseducação política profunda, capilar, seja pela cultura
que se respira, seja pela família, escola, religião e, sobretudo, redes
digitais.
É preciso menos
palavras de ordem e mais Paulo Freire. Sem valorizar a educação popular, a
economia solidária, o cooperativismo, a cultura e a arte populares e os
movimentos identitários e ambientalistas, dificilmente surgirá uma nova geração
de militantes capaz de formular e lutar por uma sociedade pós-capitalista.
Enfim, precisamos
ressignificar o socialismo. E guardar o pessimismo para dias melhores.
• O culto à erudição na esquerda: quando a
revolução se torna seminário. Por Diogo Almeida Camargos
Como alguém de
esquerda, é inevitável perceber que, em muitos momentos, nos perdemos em um
universo “cult” e altamente técnico. Enquanto debatemos teorias profundas e
complexidades do mundo, certa parte da juventude e as classes populares – que
precisam de mudança – se veem alheios a esses discursos. Pior ainda, a esquerda
ainda não acordou para o mundo digital, para a linguagem fácil e para dar
respostas sem dar voltas e voltas em teorias complexas.
<><> O
fetiche da complexidade: quando a revolução vira monografia
A esquerda com sua
bagagem intelectual, muitas vezes trata temas essenciais de maneira tão
rebuscada que parece estar mais preocupada em impressionar a si mesma e manter
um certo status quo do que em se comunicar com a sociedade. O discurso cheio de
referências e temas técnicos pode ser fascinante para acadêmicos, mas para a
pessoa comum, que lida com a precariedade todos os dias, simplesmente não tem
tempo para uma discussão abstrata.
Enquanto falamos de
“contradições sistêmicas”, “luta de classes” e “hegemonias de poder”, a direita
aparece com promessas simples: “mais segurança”, “mais emprego”, “menos
impostos”. São mensagens diretas, que apesarem de serem fantasiosas, são fáceis
de entender e atraentes para quem vive a realidade dura do dia a dia, além de
caber em um Tweet.
<><>
Promessas vazias, votos cheios: a fórmula do sucesso da direita
A direita tem sido
extremamente hábil em se apropriar da linguagem da simplicidade e das soluções
fáceis e rápidas. Ela oferece respostas diretas, sem enrolação ou discussões
teóricas exaustivas para os problemas que as pessoas enfrentam diariamente. Ainda
que tais soluções sejam superficiais ou inviáveis racionalmente, elas tocam
diretamente nas preocupações cotidianas de parte da população. A fórmula é
certeira: quanto mais fácil e direta a mensagem, maior o apelo junto às massas.
Esse discurso
simplista não precisa de teorias ou estudos para ser eficaz. Ela explora o medo
e o desejo de mudança imediata de forma eficiente, enquanto a esquerda parece
preocupar-se em debater como “descontruir o capitalismo globalizado” em mesas
redondas, seminários e grupos de estudos. Na prática, enquanto debatemos entre
paredes e portas fechadas, a direita está na rede, conquistando corações e
mentes com slogans de promessas, que geram uma identificação na camada mais
pobre da sociedade. Pois, ora, quem não quer ouvir aquilo que deseja?
<><> Entre
citações e slogans: a revolução não acontece no rodapé
Essa diferença de
abordagem entre a esquerda e a direita se reflete nas urnas. A esquerda, com
sua mensagem intelectualizada e distante, tem dificuldades de mobilizar jovens
e classes populares, os mesmos que sofrem com o sistema que criticamos. Do
outro lado, a direita, com sua simplicidade e apelo ao emocional, cresce em
popularidade, prometendo mudanças imediatas que, embora sejam meras ilusões,
são atraentes para os problemas do cotidiano.
A verdadeira revolução
que a esquerda tanto quer, infelizmente não vai começar em seminários, mas sim
no diálogo direto com as pessoas, não em debates internos que muitas vezes são
inacessíveis a população. Pois não querem saber o que pensaram Marx, Lukács,
Florestan, entre tanto outros pensadores que são necessários para entender os
reais problemas da sociedade brasileira.
A esquerda precisa se
atualizar, falar a linguagem digital, se tornar acessível, se conectar de forma
verdadeira ao povo, ela precisa tomar as dores diárias do povo. Isso significa
estar presente nas comunidades, escutar as necessidades que afligem cada um e
cada uma. A revolução não pode ser apenas uma retórica distante, ela deve ser
uma prática viva quer reflete as preocupações cotidianas da população. Contudo,
a revolução não pode ser como ocorreu nos séculos passados, mas sim, considerar
o mundo digital que vivemos hoje.
• Derrota da esquerda não foi tudo isso.
Por Eduardo Guimarães
Parafraseando Mark
Twain (1835-1910), as notícias sobre a morte da esquerda, na eleição de
domingo, foram exageradas. O clima de desânimo instalou-se nessa região do
espectro político e isso é até positivo, pois provoca -- ou deveria provocar --
reflexão.
Há meses venho dizendo
aos mais chegados que ocorreria o que ocorreu, mas só recebi sorrisos irônicos
e acusações de alarmismo. Não era alarmismo, a esquerda ficou muito aquém do
centro e da extrema direita. Todavia, o paciente sobreviveu e passa bem.
Sim, o PT, até agora,
não elegeu nenhum prefeito na Grande São Paulo e o PSOL perdeu a única
prefeitura que tinha, em Belém . Porém, a eleição não acabou.
Antes de tratar da
razão pela qual é possível encontrar alento diante do fato de que o PT elegeu
metade dos prefeitos que o PL, vamos entender por que a esquerda não deslancha
mesmo tendo chegado à Presidência.
É inevitável tratar da
brutal desconexão entre a esquerda e as camadas populares. Estudo inédito do
Instituto Locomotiva, pilotado pelo inquieto Renato Meirelles*, ouviu
integrantes da classe C pelo país afora e detectou que esse estrato social
atravessa profunda transformação.
O mais amplo estrato
social do país acalenta a ideia de subir na vida através do que acha que é
empreendedorismo, cultua valores tradicionais e se vê aterrorizado pela
expansão da violência, o que explica que uma classe social que também é vítima
da violência policial se deixe seduzir pelos que a defendem.
Os
"remediados" cultuam valores conservadores que lhes orientam o voto.
A saber:
- 58% acham que a
religião pregada por aproveitadores é vital na educação dos filhos
- 57% se manifestam
contra a tão urgente educação sexual nas escolas
- 55% defendem a
"família tradicional", esse conceito homofóbico e reacionário
- 65% acreditam que
cabe ao Estado proteger as liberdades individuais
- 56% acham que o
"empreendedorismo" dos motoristas de aplicativo (entre outros) é o
caminho
- 53% acham que as
prisões têm muito espaço e querem penas mais longas e severas inclusive para um
garoto que carregue um baseado no bolso.
- 51% pregam nada
mais, nada menos do que mais violência policial em um país que tem a polícia
mais violenta do mundo, especializada em exterminar negros pobres inocentes e
culpados.
A maior barreira para
a esquerda nesse latifúndio da classe C é o rolo compressor em que se converteu
a expansão das igrejas evangélicas, que abrem dezessete novos templos por dia.
Esse exército de fiéis
já corresponde a quase um terço da população e é formado, em imensa maioria,
por mulheres negras que ganham até 3 mil reais, ultra dependentes de serviços
públicos.
O problema é que a
esquerda se afastou desse contingente. Tem "nojinho" dos
"crentes", em grande maioria, e só os procura no limiar das eleições.
E ainda espera ser
recebida com tapete vermelho.
O que dificulta o
diálogo são as novas prioridades da esquerda -- ou de sua parcela mais
estridente, que, apesar de minoritária, domina os fóruns de debates nas redes.
Fala-se muito de
Venezuela, Ucrânia, Gaza, LGBTQIA+, mas pouco da violência que ameaça essa
população muito mais do que uma polícia hidrófoba -- até pela quantidade dos
desesperados ou deserdados desde o berço que caem na criminalidade e a dos
policiais violentos.
Enquanto o discurso
fácil da violência polícial e das penas mais duras em presídios onde não não
cabe nem mais um palito de fósforo prospera nas bocarras autoproclamadas
"conservadoras" dos pastores de fancaria e dos políticos
espertalhões, a esquerda está bradando o futuro dos Brics e os insultos ao
nazista que governa Israel.
O que essa maioria
esmagadora de eleitores pobres e manipulados pensa desses temas? Pensa que a
esquerda quer que pobre se dane.
Mas não é só, pensa
que quem se preocupa consigo é quem está lá, no dia a dia, envenenando suas
mentes infantilizadas pelo fanatismo religioso e embotadas por sistemas
educacionais inócuos.
Porém, a esquerda está
longe de estar morta. A tão propalada vitória do centro nas eleições municipais
é um exagero baseado em números que não dizem o que é preciso sobre o ambiente
político e as preferências dos brasileiros.
A blitzrieg do PSD de
Gilberto Kassab e o costumeiro forte desempenho do MDB decorrem de máquinas
partidárias endinheiradas e estratégias eleitorais realistas, mas picaretas e
enganadoras.
A esquerda não perdeu
para as direitas, mas para si mesma, para um afastamento da mentalidade, dos
anseios e dos medos desses setores da sociedade.
Contudo, o PT aumentou
o número de prefeituras vencidas — 251 no primeiro turno de 2024 contra 182 no
total de 2020. E em São Paulo, apesar de não ter um candidato, o partido é
avalista e divide com o PSOL a chapa do deputado federal Guilherme Boulos, que
só não venceu o primeiro turno graças a outra trapaça de Pablo Marçal, que lhe
tirou cerca de 50 mil votos espalhando que o número do psolista nas urnas era
13.
Contudo, a situação
não poderia ser melhor para Boulos. A vitória antecipada que a campanha de
Nunes alardeia não existe. Silas Malafaia e o próprio Marçal garantiram que o
prefeito paulistano morra na praia.
E Marçal precisa
ajudar a eleger Boulos para poder dizer à Justiça Eleitoral que sua trapaça com
o laudo falsário não prejudicou tanto a vítima -- o que não irá funcionar, mas
será argumento onde argumento inexistia.
Mas e se a esquerda
conquistar o terceiro PIB do país, com seus 12 milhões de habitantes? A
vantagem das direitas vira pó. Enquanto isso, os dois maiores extremistas de
direita estarão inelegíveis e/ou presos.
• Ainda é cedo para afirmar que o
bolsonarismo saiu fortalecido das eleições municipais, diz analista
No dia seguinte do 1°
turno das eleições municipais no Brasil, a cientista política Daniela
Constanzo, que está em Paris fazendo um pós-doutorado sobre o Centrão, diz que
ainda não se pode afirmar, como faz a imprensa francesa nesta segunda-feira
(7), que o bolsonarismo saiu fortalecido desse primeiro turno.
Pesquisadora do Cebrap
(Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Daniela Constanzo observou a
dinâmica e o resultado do primeiro turno das eleições municipais brasileiras de
longe. A especialista em política nacional está na França como pesquisadora
visitante do Ceri, o Centro de Pesquisa Internacional do Instituto de Ciências
Políticas de Paris, desenvolvendo o trabalho intitulado “O Centrão como um
desafio para a democracia no Brasil”.
Na esteira da agência
de notícias AFP, a imprensa francesa desta segunda-feira afirma que “o campo
bolsonarista saiu fortalecido do 1º turno das municipais no Brasil”. Daniela
Constanzo relativiza essa afirmação: “O PL sai muito fortalecido, mas a gente não
sabe se o bolsonarismo sai fortalecido, porque em capitais que eram chave para
o bolsonarismo, ele não foi tão bem assim”, analisa.
Para ela, a dinâmica
dessa eleição foi muito diferente da polarização que marcou as últimas eleições
presidenciais de 2022, que terminou com a vitória apertada de Lula contra
Bolsonaro. A principal evidência da eleição desse domingo (6) é que o Centrão “cresceu
e se diversificou (...), mas ele não é um Centrão que está tão próximo do
bolsonarismo”.
• Risco para a democracia
Essa supremacia do
bloco político conservador representa, na opinião de Daniela Constanzo, um
desafio para a democracia brasileira porque “ele tenta trazer uma ordem que foi
estabelecida desde a ditadura para o regime democrático”.
No entanto, esse
resultado não deve modificar muito a situação nacional. “O Centrão já era muito
forte e o partido do presidente (Lula), o Partido dos Trabalhadores, acabou
tendo mais prefeituras do que ele tinha antes. Então, ele cresceu, está com 69
prefeituras a mais e conseguiu alguns segundos turnos nas grandes cidades, o
que é bastante importante”, pondera.
Esse primeiro turno
confirma avanço da direita no Brasil. “É um resultado bastante conservador
(...) reproduzindo a chamada velha política”, salienta.
Muitos analistas
políticos apontam as eleições municipais brasileiras como uma prévia das
presidenciais de 2026. Mas Daniela Constanzo avalia que essa sinalização “ainda
vai depender um pouco do segundo turno e, principalmente, do resultado em São
Paulo. “A aliança costurada pelo Tarcísio (de Freitas) junto com o Centrão e
com o bolsonarismo para lançar o Nunes em São Paulo, e cuja ideia principal é
já ter uma aliança bem fechada para as eleições de 2026, lançando Tarcísio
(para presidente), é a principal indicação”, antecipa Daniela Constanzo.
No entanto, ela
ressalta que nomes “muito fortes, que podem ter projeção nacional” emergiram
neste domingo. “O grande exemplo seria o prefeito de Recife, o João Campos, que
se reelegeu no primeiro turno, com uma votação impressionante”.
Fonte: Correio da
Cidadania/Le Monde/Brasil 247/RFI
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