terça-feira, 8 de outubro de 2024

Prefeitos multados por desmatamento e queimadas são reeleitos

Reeleito com 12 mil votos e R$ 5,5 milhões em multas ambientais: Weder Makes Carneiro (MDB), o atual prefeito de Brasil Novo, município de pouco mais de 24 mil habitantes no Pará, é um dos muitos políticos brasileiros que foram autuados por infrações contra o meio ambiente, mas, mesmo assim, foram reeleitos em suas cidades.

Carneiro, conhecido como Pirica, é um dos casos mais emblemáticos. Isso porque, entre os prefeitos eleitos em 2020 que disputavam a reeleição, ele é o que tem a maior multa ambiental.

A Agência Pública mostrou que 69 prefeitos eleitos em 2020 foram multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Juntos, eles tinham quase R$ 35 milhões, resultado de infrações ocorridas entre 2015 e 2024.

<><> Por que isso importa?

Pará e Mato Grosso são dois dos estados com os maiores valores em multas ambientais de prefeitos eleitos em 2020.

Mato Grosso é o estado com mais focos de queimadas neste ano.

Segundo o Ibama, Pirica usou fogo para destruir mais de 739 hectares de floresta amazônica nativa dentro da Terra Indígena Cachoeira Seca em 2019. Nesse ano, a terra foi a terceira área indígena mais desmatada do país, segundo dados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A Cachoeira Seca perdeu mais de 60 km² entre 2018 e 2019.

<><> Alvo da polícia, prefeito multado é reeleito em Mato Grosso

Após Pirica, a segunda maior multa entre os prefeitos eleitos em 2020 e reeleitos neste ano é de José Antônio Dubiella (MDB), prefeito de Feliz Natal, em Mato Grosso. Ele foi reeleito com quase 60% dos votos do município, apesar de ter multas de R$ 3,3 milhões e ter sido alvo de pelo menos duas operações policiais contra o desmatamento ilegal.

A última operação contra Dubiella aconteceu no ano passado, quando a polícia mirou uma madeireira do político. A Operação Ronuro – que é o nome do rio que corta a região e de uma unidade de conservação estadual – teve como alvos tanto Dubiella quanto o seu vice-prefeito, Antônio Alves da Costa (PDT), que também atua no setor de extração de madeira.

Segundo a investigação policial, os dois teriam burlado a fiscalização ambiental para vender madeira extraída de forma ilegal, o que caracterizaria crime ambiental e sonegação de impostos. O vice, Costa, chegou a ser preso. A polícia encontrou armas e munições sem registro na empresa do prefeito.

Um ano antes, em 2022, Dubiella já havia sido multado pelo Ibama por descumprir a proibição de utilizar uma área da fazenda Chaparral, em Nova Ubiratã, que fica ao lado de Feliz Natal. O valor da infração foi de R$ 220 mil. A fazenda, no caso, havia sido multada em 2017 pela destruição de quase 250 hectares de floresta amazônica.

Ao todo, o prefeito tem multas que vêm desde 2015, ligadas à atuação da sua madeireira. O município de Feliz Natal teve 99 km² desmatados em 2023, de acordo com o Prodes/Inpe. A área é maior que a da capital do Espírito Santo, Vitória.

<><> Na cidade do “Dia do Fogo”, prefeito multado ganha de concorrente, que também é infrator ambiental

Em Novo Progresso, no Pará, o atual prefeito, Gelson Dill (MDB), conseguiu uma vitória acachapante: 81% dos votos.

Outro número que também impressiona na carreira do político é o valor das multas que ele possui: mais de R$ 4 milhões, apenas nos últimos dez anos, aplicadas pelo Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Dill foi multado por ter sido acusado de destruir quase 200 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará.

Dill concorreu contra Juscelino Alves (Podemos), que já foi seu aliado: Dill foi eleito vice-prefeito de Alves, conhecido como Macarrão, em 2016. Apesar de hoje estarem em campos opostos, ambos têm um histórico contrário ao meio ambiente. Macarrão também tem multas de R$ 1,6 milhão pelo Ibama e já foi indiciado pela Polícia Federal por garimpo ilegal envolvendo exploração de ouro em balsas de garimpo no Amazonas, conforme apuração da Repórter Brasil.

Novo Progresso ficou conhecido como o município do “Dia do Fogo”, uma ação de fazendeiros em 2019 combinada por WhatsApp para queimar áreas de preservação. Como mostrou a Pública, os responsáveis permanecem impunes até hoje.

<><> Prefeito multado perde para pecuarista, que também tem multas

No Pará, São Félix do Xingu, o sexto maior município em área do país, o atual prefeito, João Cleber De Souza Torres (MDB), perdeu para Fabrício Batista (Podemos).

João Cleber, como é conhecido, foi multado quatro vezes desde 2015, num total de R$ 2,7 milhões. Ele é pecuarista e foi multado por destruição de mata nativa e descumprimento da proibição de usar áreas embargadas pelo Ibama.

Além disso, há menos de um ano, o seu afastamento chegou a ser pedido pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA). No final de outubro de 2023, o MPF acusou o prefeito de não cumprir consulta prévia a indígenas da Terra Apyterewa, considerada a terra indígena mais desmatada da Amazônia Legal, alvo frequente de madeireiros e pecuaristas ilegais.

Segundo o MPF, a prefeitura de Cleber estaria apoiando a ocupação irregular de áreas no interior da terra, não estaria conduzindo licenciamento ambiental de forma regular e o próprio prefeito estaria espalhando notícias falsas em suas redes sociais e nas da prefeitura sobre as ações que tentavam retirar os invasores. 

A prefeitura chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reduzir à metade o território indígena. A Justiça decidiu por não afastar o prefeito, mas foi proibido de se manifestar nas redes contra a operação. 

Em setembro de 2023, a Pública mostrou que o governo federal ainda hesitava para retirar os invasores da terra. Na época, o Ministério da Justiça havia autorizado o uso da Força Nacional na ação.

O novo prefeito de São Félix do Xingu, contudo, também tem multas ambientais no histórico. Fabrício Batista foi autuado em 2014 por desmatamento no município vizinho de Altamira e multado em mais de R$ 2,2 milhões.

Durante o período eleitoral, na primeira semana de setembro, São Félix do Xingu foi o município com mais focos de incêndio no Brasil, segundo dados do Programa Queimadas, do Inpe. De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, famílias estavam deixando crianças em casa em vez de elas irem para as aulas.

<><> Candidato a prefeito que foi multado por fogo em meio à campanha perde eleição

Em Mato Grosso, um candidato multado durante o período eleitoral não ganhou as urnas, mas abriu espaço para outro desmatador assumir o cargo.

O caso de Siwal Sant Ana Soares, mais conhecido como Walzinho, foi revelado pela Pública: concorrendo a prefeito de Colniza pelo PL, o ex-vereador da cidade foi multado quatro vezes em setembro.

As multas aconteceram em Colniza e no município vizinho de Aripuanã. O político foi multado por desmatar floresta nativa da Amazônia, sem autorização. Em ao menos um dos casos ele fez isso com uso de fogo. Segundo o Ibama, a ação teria claros indícios de que a área está sendo preparada para ser usada como pasto. “É uma área grande em uma região onde a atividade agropecuária vem se estabelecendo sem as devidas licenças necessárias”, diz a descrição da multa.

Siwal se apresentava como “o candidato do Bolsonaro” nas redes sociais. Ele postou um vídeo dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Coronel Fernanda (PL-MT), no qual dão apoio ao candidato derrotado.

Ele teve 2,8 mil votos, contra 10,4 mil do seu concorrente, Milton de Souza Amorim, do União. Miltinho, como é conhecido, é sócio-administrador da madeireira Santa Clara, que foi multada em 2019 por desmatamento em Colniza. A multa foi de R$ 11,5 mil.

Colniza foi o município que mais teve focos de incêndio em Mato Grosso neste ano. Fica lá a fazenda que mais teve focos de incêndio em todo o país em 2024, que virou alvo de uma disputa judicial entre um ex-governador e um ex-deputado estadual condenados por corrupção: Silval da Cunha Barbosa (MDB) e José Geraldo Riva (PSD).

<><> Eleito sem concorrência

Celso Padovani (União) levou de novo a prefeitura de Marcelândia, no norte de Mato Grosso. A vitória, contudo, já era garantida: ele precisava de apenas um voto, pois era o único candidato concorrendo na cidade. Ele recebeu 5.429 votos.

Como a Pública mostrou, Padovani tem duas multas aplicadas em 2018 pelo Ibama. Juntas, elas passam de R$ 1,2 milhão. O político foi multado pela destruição de 181 hectares de floresta amazônica nativa em Marcelândia e por entregar informações enganosas sobre área de vegetação que deveria ser preservada na propriedade privada.

Padovani é dono da ProNorte Colonização, empresa ré em uma ação civil pública de 2021 por desmatar vegetação sem autorização para um projeto imobiliário. 

Além da multa milionária, Padovani tem um patrimônio ainda mais expressivo: R$ 16 milhões em fazendas e cabeças de gado, cavalos, ovelhas, mulas e porcos. Além disso, o político tem quase R$ 100 mil em armas, incluindo um fuzil, no valor de R$ 17 mil.


Candidato a prefeito é multado por desmatar floresta amazônica com fogo nas eleições

Em plena campanha eleitoral, no município que registrou a maior quantidade de focos de incêndio de Mato Grosso neste ano, um candidato a prefeito foi multado por desmatar a floresta Amazônica usando fogo.

O político no caso é Siwal Sant Ana Soares, mais conhecido como Walzinho, candidato a prefeito de Colniza pelo Partido Liberal (PL) e ex-vereador na cidade, entre 2016 e 2020. Em agosto e setembro deste ano, Colniza, no norte de Mato Grosso, registrou mais de 1,8 mil focos de queimada. O município, localizado a mil quilômetros de Cuiabá, foi o que mais queimou no estado durante esse período.

Combater as queimadas na região, que aumentaram a procura por serviços de saúde pela população, poderia ser uma das prioridades nas propostas dos candidatos à prefeitura – mas na prática a história é outra.

Walzinho foi multado após quatro infrações ambientais, ocorridas entre os dias 18 e 20 de setembro em áreas pertencentes ao bioma amazônico. Segundo os dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), as infrações ocorreram em Colniza e na vizinha Aripuanã. Ao todo, elas somam R$ 5 milhões.

Segundo a reportagem apurou, a multa de valor mais alto ocorreu na fazenda Leopardo, em Aripuanã. De acordo com o Ibama, foi destruída uma área de 427,7 hectares de floresta nativa da Amazônia, sem autorização e com uso de fogo, o que resultou em uma multa de R$ 3,2 milhões. A outra multa na cidade ocorreu em zona rural e foi de R$ 236 mil. Nesse caso, o candidato também foi enquadrado por desmatamento de floresta nativa, dessa vez por 47,2 hectares.

<><> Por que isso importa?

A quantidade de queimadas em 2024 tem afetado a saúde de brasileiros em diversos estados e contribuído para a devastação de biomas como o Pantanal e a Amazônia.

Colniza é o município com mais focos de calor em Mato Grosso, que é o estado com mais focos neste ano.

Já na cidade em que concorre ao cargo de prefeito, Siwal foi penalizado duas vezes por desmatamento na estância Chuvisco. No caso mais grave, a descrição da infração mostra que foram aproximadamente 296 hectares desmatados, com claros indícios de que a área está sendo preparada para ser usada como pasto. “É uma área grande em uma região onde a atividade agropecuária vem se estabelecendo sem as devidas licenças necessárias”, diz a descrição da multa. A outra multa em Colniza, de R$ 394 mil, envolve explorar mais de 78 hectares de floresta nativa sem autorização.

Relatórios gerados pela Agência Pública por meio do portal de Consulta de Atuações Ambientais e Embargos do Ibama mostram que, além das quatro áreas onde atividades com possível dano ambiental foram proibidas, Siwal tem seu nome indicado como responsável em outras dez áreas, em Colniza e Aripuanã, entre 2018 e 2024, todas decorrentes de infrações por desmatamento. Duas áreas embargadas em 2022 ficam próximas ou no interior da reserva extrativista Guariba-Roosevelt. O local foi alvo de uma operação do Ibama entre julho e agosto de 2024, que buscou combater crimes ambientais.

A Pública procurou Siwal através do PL de Mato Grosso, questionando qual a ligação do candidato com as fazendas e o que aconteceu com a propriedade e os animais que declarou nas eleições de 2016. Não houve resposta até o momento da publicação.

<><> Candidato declarou fazenda de quase meio milhão em 2016

Apesar de aparecer como responsável por essas áreas nos autos de infração, não há registros de que Siwal seja dono dessas fazendas. A consulta de imóveis no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) do Incra não mostra o político como titular de terras de nome Chuvisco ou Leopardo. O mesmo acontece no Cadastro Ambiental Rural (CAR) das duas cidades. 

Além das áreas embargadas pelo Ibama, Siwal tem ao menos seis outros embargos pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso, em resposta a infrações ambientais como desmatamento em área preservada e corte de vegetação.

No portal do Divulgacand, que disponibiliza publicamente dados sobre receitas, despesas e outras informações das candidaturas, o candidato declarou apenas uma casa na rua das Pedras, no valor de R$ 150 mil – diferentemente da eleição de 2016, quando foi eleito vereador de Colniza. Naquele ano, Siwal tinha declarado uma propriedade rural no valor de R$ 450 mil com área aproximada de 246 hectares e 180 cabeças de gado no valor total de R$ 210 mil, além de um automóvel de R$ 50 mil.

<><> Apoio de Bolsonaro e propostas para o agro

Em outubro de 2023, em entrevista para a Rádio Chapéu, do gabinete do deputado estadual Gilberto Cattani (PL-MT), Siwal foi apresentado como presidente do PL em Colniza. Nas redes sociais, ele se vende como “o candidato do Bolsonaro”, apesar de não ter registros ou fotos com o ex-presidente. Dentre as poucas postagens no instagram do candidato durante o período eleitoral, destaca-se um vídeo dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Coronel Fernanda (PL-MT), em que os dois mostram apoio a Walzinho.

Ao contrário de Miltinho, seu adversário, Walzinho não tem muita presença online. Seu instagram conta com pouco mais de 700 seguidores, onde posta algumas fotos e vídeos com apoiadores e moradores da cidade. Em um dos vídeos, Siwal aparece com a camisa símbolo de Bolsonaro com os dizeres “Deus, Pátria, Família e Liberdade”.

O plano de governo do candidato é dividido em dez tópicos, entre eles estão propostas para agricultura e para o meio ambiente. Entre as nove propostas para o meio ambiente estão: “desenvolver ações para preservar o meio-ambiente como forma de garantir a sobrevivência das gerações futuras” e “trabalhar para que o município de Colniza se desenvolva economicamente viável e ambientalmente de forma sustentável”. Apesar das propostas, nenhum nome de projeto foi citado, nem como o candidato pretende cumprir essas ações.

Já a área de agricultura teve mais atenção, com 15 propostas apresentadas. Um dos compromissos de Walzinho é promover a sustentabilidade e a inovação no campo, através de parcerias e incentivo aos pequenos produtores.

Diferentemente do que fez com as propostas de meio ambiente, Walzinho apresentou o nome de um projeto para agricultura, o “Porteira Adentro”, que visa “atender indistintamente todos os proprietários rurais”, mas não descreveu como faria isso.

O candidato prometeu também criar programas para fortalecer e incentivar a agricultura familiar, desenvolver a piscicultura na cidade e disponibilizar maquinário para atender os produtores rurais, para incrementar a produção agropecuária no município. No plano, Siwal promete também incentivar a criação de pequenos animais e dar apoio à produção de rebanho leiteiro.


Fonte: Agência Pública


 

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