O
resultado do primeiro turno das eleições
municipais materializou um cenário que era esboçado pelas
principais pesquisas de intenção de voto há algumas semanas: um crescimento
significativo no número de prefeituras que serão comandadas por legendas do
chamado Centrão e da direita a partir de 2025.
Em
2020, as cinco maiores legendas de direita e centro-direita (MDB, PP, PSD, PSDB
e DEM conquistaram 3.223 mil prefeituras em todo o país. Foi o equivalente a
57% de todas as prefeituras do país.
Neste
ano, as cinco legendas no campo da direita com mais prefeituras venceram em
3.613 municípios, o equivalente a 64% de todas as cidades do país.
Em
uma primeira leitura, este resultado poderia até parecer contraintuitivo
considerando o noticiário relacionado à direita desde 2022: derrota nas
eleições presidenciais, envolvimento de militantes com a tentativa de golpe no
dia 8 de janeiro, a prisão de centenas de envolvidos e a inelegibilidade do seu
maior líder, o ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL).
Mas
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o crescimento no número
de prefeituras conquistadas pelas legendas de direita no Brasil é explicado, em
parte, pelo que alguns classificaram como uma espécie de “separação” entre a
direita tradicional e a direita bolsonarista.
Essa
“separação” é marcada não por uma ruptura da direita tradicional com a
liderança de Bolsonaro, mas por um certo distanciamento em relação ao
ex-presidente à medida em que boa parte dos candidatos entendem que as eleições
municipais giram em torno de temas concretos sobre a vida nas cidades e menos
sobre temas político-ideológicos.
Além
disso, segundo eles, estas eleições viram o surgimento de potenciais novas
lideranças competitivas no campo da direita, o que impõe um novo desafio ao
campo bolsonarista.
Os
especialistas também apontam que essa vitória robusta do campo da direita pode
indicar um cenário mais favorável nas eleições de 2026.
·
Direita consolidada
Um
dos principais pontos abordados pelos especialistas ouvidos pela BBC News
Brasil é o de que a ampliação no número de prefeituras conquistadas pela
direita no país é resultado de uma série de fatores e não pode ser,
necessariamente, atribuído a uma suposta vitória do bolsonarismo, ainda que
Bolsonaro se mantenha como o principal nome deste campo político no Brasil.
O
doutor em Ciência Política e diretor do Ipespe Analítica, Vinícius Alves, disse
à BBC News Brasil que, historicamente, as legendas de direita levam mais
vantagem que as da esquerda em eleições municipais.
Um
dos motivos, segundo ele, é o maior número de partidos de direita no Brasil em
comparação com os rivais à esquerda.
Um
levantamento feito pela reportagem mostra que dos 29 partidos registrados
atualmente junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somente nove são
apontados por especialistas como de esquerda ou de centro-esquerda: PT, PDT,
PSB, PCdoB, PCB, PSTU, UP, PSOL e PCO.
Os
demais ou são apontados como de direita, centro-direita ou não se manifestam
sobre isso em seus estatutos.
“Há
um ambiente com maior oferta de candidatos de legendas à direita. Isso tem
influência no resultado”, disse o especialista.
Ainda
de acordo com dados do TSE, dos cinco partidos com mais candidatos ao cargo de
prefeito, quatro são de centro-direita ou de direita: MDB (1.926), PSD (1.751),
PP (1.501) e PL (1.499).
O
único partido de esquerda entre os cinco primeiros é o PT, que neste ano lançou
1.412 candidaturas a prefeito.
Ou
seja: das 8.089 candidaturas lançadas pelos cinco principais partidos do país,
apenas 82,54% delas eram de legendas de direita ou
centro-direita.
Alves
disse ainda que um dos indícios de que a vitória da direita não pode ser
atribuída somente ao bolsonarismo é o fato de que algumas das legendas mais
vitoriosas não são aquelas mais ligadas diretamente ao ex-presidente.
“É
importante não colocar toda a direita no colo do Bolsonaro. O que as pesquisas
indicavam era um crescimento de legendas como o União Brasil, PSD e PL. São
partidos de direita ou centro-direita que são diferentes entre si. O União
Brasil e o PSD, por exemplo, têm cargos no governo do presidente Lula”,
disse Alves.
O
PSD e o União Brasil são dois dos partidos de centro-direita que viram suas
fatias no número de prefeituras aumentar nestas eleições. O PSD, presidido por
Gilberto Kassab, saiu de 664 prefeituras em 2020 para 888 prefeituras em 2024.
O União Brasil, que nasceu da fusão entre o Democratas e o PSL, obteve 589.
Para
o cientista de dados e CEO da empresa de análise dados AP Exata Sérgio
Denicoli, as eleições deste ano trouxeram uma “consolidação” da direita no
Brasil.
“Eu
diria que houve uma consolidação de um espaço político que é o espaço da
direita. Antes, havia um certo receio em candidatos se assumirem como de
direita. Hoje, não há mais essa preocupação. Como o Brasil é um país muito
conservador, os membros das antigas elites políticas do país usaram suas
antenas para captar esse sentimento”, disse à BBC News Brasil.
·
Pausa na polarização?
A
doutora em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e coordenadora do projeto Monitor do Debate Público, Carolina de Paula,
disse à BBC News Brasil que os “motores” das eleições municipais são diferentes
dos de uma eleição presidencial e que, por isso, a polarização política que
marcou as disputas de 2018 e 2022 acabam tendo menor peso.
Segundo
ela, em suas pesquisas os eleitores apontam a identificação partidária ou as
pautas ideológicas como fatores secundários na escolha do candidato em uma
eleição municipal.
“A
eleição municipal é mais ligada a fatos concretos e a políticas públicas que
afetam a vida das pessoas na ponta quando você pergunta aos eleitores sobre ser
de esquerda ou de direita, isso não aparece como algo determinante na escolha
dos candidatos”, disse a especialista.
Sérgio
Denicoli disse concordar.
“Eleição
municipal é como se a cidade fosse escolher um síndico para cuidar de problemas
pontuais. A pauta ideológica, que é mais ampla, ele acaba sendo mais influente
numa disputa nacional”, disse.
Para
Carolina de Paula, à medida em que a identificação político-partidária passa a
ter menos relevância na escolha de um candidato a prefeito ou a vereador, o
peso do bolsonarismo como fator de influência de voto passa a ser relativizado.
“Bolsonaro
teve um papel importante na consolidação da direita no Brasil, mas ao mesmo
tempo, o seu apoio se mostrou tóxico em alguns casos. Inclusive, houve
candidatos de direita que não se declararam bolsonaristas com todas as forças
por ficarem com receio de perder o eleitor de centro. Em alguns segmentos, há
uma forte rejeição a Bolsonaro”, disse.
A
rejeição a Bolsonaro foi apontada por uma pesquisa realizada pelo Datafolha em
agosto com eleitores e eleitoras da cidade de São Paulo.
A
pesquisa apontou que 63% dos entrevistados disseram que não votariam “de jeito
nenhum” em um candidato apoiado por Bolsonaro.
Na
capital paulista, o candidato apoiado por Bolsonaro foi o atual prefeito
Ricardo Nunes (MDB).
Da
mesma forma, a pesquisa apontou que 48% dos entrevistados disseram que não
votariam em um candidato apoiado pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
·
Fragmentação e
bolsonarismo ameaçado?
Um
dos movimentos detectados pelos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil é o
que eles classificaram como “separação” ou descolamento entre a direita e o
bolsonarismo.
Segundo
eles, esse processo pode levar ao surgimento de novas lideranças no campo
político até então dominado por Bolsonaro e seu entorno.
Essa
separação, eles avaliam, não aconteceu de forma ruidosa, na maior parte dos
casos, porque Bolsonaro segue como o principal nome deste campo.
“A
gente vê que há uma separação, mas os políticos de direita evitaram criticar o
Bolsonaro. O bolsonarismo segue vivo. Mas a militância, ao menos nas redes, tem
muitas críticas a Bolsonaro”, disse o pesquisador.
Denicoli
aponta que Bolsonaro estaria sendo criticado por ter, supostamente, se rendido
ao Centrão e por não ter tomado medidas mais drásticas quando perdeu as
eleições em 2022.
Um
exemplo da relevância de Bolsonaro no cenário político, cita Denicoli, é o que
ocorreu nas eleições de São Paulo.
Na
capital paulista, houve uma disputa acirrada entre dois candidatos no campo da
direita, o atual prefeito Ricardo Nunes e Pablo Marçal.
O ex-coach se apresentou como representante legítimo da direita, em
contraposição a Nunes, que tinha o apoio formal de Bolsonaro.
E
apesar de ter sido criticado por pessoas do entorno de Bolsonaro como seu
filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PL), Marçal evitou confrontar o
ex-presidente e trabalhou para cativar os seus ex-eleitores.
Para
Carolina de Paula, a separação entre a direita e o bolsonarismo é nítida.
“Acho
que houve uma separação bem nítida entre uma coisa e outra. Isso ficou claro,
inclusive, em locais onde candidatos de direita não tiveram apoio do PL ou
mesmo em locais onde tivemos candidatos de outros partidos como o União Brasil
que não tocaram no nome de Bolsonaro durante a campanha”, disse Carolina de
Paula.
Apesar
dessa separação, os pesquisadores avaliam que o bolsonarismo segue como uma das
principais correntes da direita no Brasil. Tanto é assim que o PL, partido de
Bolsonaro, viu sua fatia de prefeituras saltar de 344 em 2020 para 523 em 2024,
um fenômeno semelhante ao que fez o partido obter a maior bancada de deputados
federais (99) em 2022, ano em que Bolsonaro disputou e perdeu as eleições
presidenciais pela legenda.
Para
Denicoli, apesar do crescimento do PL, essa fragmentação da direita vem abrindo
espaços para nomes que podem, potencialmente, liderar este campo político a
partir de 2026, considerando que Bolsonaro seguirá inelegível até lá.
Em
2023, Bolsonaro foi condenado pelo TSE por abuso do poder político e uso
indevido de meios de comunicação e foi considerado inelegível até 2030. Ele
nega as acusações.
Denicoli
apontou Marçal e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) como
potenciais lideranças em 2026. Marçal, por exemplo, disse em agosto que poderia
se candidatar, novamente, às eleições presidenciais em 2026. Em 2022, ele
chegou a lançar seu nome, mas o PROS, seu antigo partido, retirou sua
candidatura.
“As
pessoas querem ocupar um vácuo político e isso faz surgir novas lideranças. Uma
delas é Caiado, que vem se articulando muito bem nos bastidores. Ele governa um
estado forte no agronegócio e tem muita experiência. Outro é Marçal. Ele surge
com um discurso ainda mais radical que o de Bolsonaro e muita experiência em um
novo tipo de campanha focado em redes”, disse Denicoli.
Vinicius
Alves, do Ipespe Analítica, disse acreditar que a vitória expressiva da direita
em 2024 abre caminho para um cenário mais favorável em 2026.
“Os
estudos mostram que há uma co-relação entre o resultado das eleições municipais
e as eleições para o Congresso Nacional em 2026. Geralmente, os partidos que
elegem a maior quantidade de prefeitos e vereadores tendem a eleger maiores
bancadas federais nas eleições seguintes. Isso me leva a crer que a direita vai
nadar em uma raia mais favorável na próxima disputa”, afirmou.
Alves,
assim como Denicoli e Carolina de Paula, disse avaliar que Bolsonaro segue
forte como liderança na direita, mas que o futuro deste campo político em 2026
pode não passar pelo ex-presidente.
“Hoje,
ele está inelegível. Uma reversão disso é um cenário improvável. Isso me leva a
crer que, em 2026, vamos ter novas lideranças neste campo. Além de Marçal e
Caiado, temos o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas”, afirmou.
Sergio
Denicoli disse avaliar que, apesar da ampla vitória da direita nas prefeituras
do país, a fragmentação observada neste ano pode ter consequências negativas em
2026.
“A
ideia da direita como um campo político saiu maior destas eleições. Mas houve
uma fragmentação entre a direita e a extrema-direita. Se uma vai conseguir
dialogar com a outra, não sabemos. Nestas eleições, vimos uma parte do
eleitorado se encantar com um discurso ainda mais radicalizado e essa divisão
pode custar caro à direita, principalmente em 2026”, disse.
Para
Carolina de Paula, ainda seria cedo para afirmar categoricamente que o
bolsonarismo está ameaçado.
"Eleições
municipais não seriam o melhor termômetro para medir o tamanho do bolsonarismo
justamente porque essa disputa não é tanto sobre a polarização [...] seria
preciso esperar um pouco mais para saber", disse a professora.
Fonte:
BBC News Brasil
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