segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Brasil deve explorar G20 e COP30 para aumentar influência, dizem analistas

Cultura, economia, biodiversidade, diplomacia, poder de atração turística, influência internacional: muitos desses pontos são importantes para a construção do soft power de um país. E as nações sul-americanas os têm de sobra, incluindo o Brasil.

Com a proximidade de grandes eventos, como a cúpula do G20, em novembro, no Rio de Janeiro, e a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em agosto, no Pará, o Brasil conseguirá exercitar mais seu soft power, como fazem as grandes potências?

Para responder a essa e outras perguntas, a Sputnik Brasil conversou com especialistas no assunto. O doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Elton Gomes destaca a relevância histórica do soft power como um ativo essencial para o Brasil.

Segundo ele, "o soft power, historicamente, é um dos grandes ativos da diplomacia brasileira". Gomes explica que, apesar de o país não estar entre os líderes em hard power, como recursos militares, "o Brasil é sócio fundador e participante da imensa maioria dos regimes internacionais mais importantes".

O professor aponta que a tradição brasileira se baseia em uma diplomacia voltada para a cooperação e o prestígio internacional, focando em "cooperação temática setorial". No entanto, ele expressa preocupação com a mudança de tom na política externa nos últimos anos, especialmente sob os governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.

"O soft power brasileiro tem passado por momentos de redução da sua capacidade em função da área internacional", observa.

<><> Nova retórica × tradição diplomática

As tensões geopolíticas atuais, segundo Gomes, têm afetado a posição do Brasil. Ele enfatiza que o país "procura não se alinhar em questões macro de geopolítica", priorizando a "solução pacífica dos conflitos". Contudo, a nova retórica diplomática estaria gerando certos questionamentos.

O professor cita como exemplo a postura mais favorável à Palestina na guerra com Israel, e a neutralidade "pró-Venezuela" nas últimas eleições venezuelanas. "Isso foge da tradição diplomática brasileira, muito guiada pelo cálculo objetivo", afirma.

As consequências dessa nova abordagem não são irreversíveis, mas já estão afetando a imagem do Brasil no cenário internacional, na opinião de Gomes. Com questões climáticas e direitos humanos em pauta, ele alerta que "o Brasil ficou em xeque agora com esse número recorde de queimadas".

"Essa fuga do que tem dado certo para o Brasil há décadas, naturalmente, tem consequências."

<><> Concorrências à influência cultural brasileira

Luciene Godoy, internacionalista e professora de relações internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, destaca a relevância desse momento para o exercício do soft power brasileiro. "Esses grandes eventos [G20 e COP30] vão permitir, sim, que o Brasil exercite ainda mais o seu soft power e se projete cada vez mais como uma potência regional relevante", afirma.

De acordo com a professora, o Brasil é a nona maior economia do mundo e possui um Ministério das Relações Exteriores reconhecido internacionalmente. "A gente tem uma cultura muito forte, elementos que fazem com que o nosso país já seja, por natureza, considerado uma potência regional", observa. A partir dessa perspectiva, Godoy enfatiza a importância de aproveitar essas oportunidades, a fim de expandir a influência cultural brasileira no cenário global.

Contudo, o soft power brasileiro enfrenta desafios. Godoy analisa a concorrência crescente de produções culturais de outros países, especialmente da Coreia do Sul e da Turquia, além do histórico sufocamento provocado pelos Estados Unidos.

"O soft power brasileiro está sendo sufocado não apenas pelos Estados Unidos, mas também por essas novas potências culturais", ressalta. Essa realidade é refletida na maneira como as produções são consumidas no Brasil, onde muitos conteúdos importados, como as novelas coreanas e turcas, não necessariamente refletem a cultura local. "As produções turcas que fazem sucesso aqui refletem um estilo de vida que não é o estilo de vida da população turca", explica.

<><> Falta de tom certo?

A professora observa que o Brasil possui a imagem construída de um país alegre e leve, que cativa o mundo. "Se você perguntar para os nossos vizinhos, não é assim que eles nos enxergam, principalmente do ponto de vista militar", admite. No entanto, a imagem vendida ao exterior é de um país feliz, que promove o carnaval, o futebol e uma rica musicalidade. E isso poderia ser ainda mais explorado. "A gente vende alegria, só vende coisa boa", destaca.

Para Godoy, a chave para o Brasil retomar sua influência cultural global está em acertar o tom. "Essa nossa imagem, que foi construída, é uma imagem que cativou o mundo", conclui.

•                                         Marina Silva celebra consenso sobre clima e sustentabilidade por países do G20

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, celebrou nesta quinta-feira (3), em evento do G20, no Rio de Janeiro, que representantes de países-membros do G20 tenham chegado a um consenso sobre as prioridades brasileiras para o clima e a sustentabilidade.

Ela participou de uma coletiva de imprensa, acompanhada pela Sputnik Brasil, após um evento presidido por ela com ministros do meio ambiente do G20 no Museu do Amanhã, na Zona Portuária da capital fluminense.

No encontro, foram debatidos os impactos das mudanças climáticas no meio ambiente, a cooperação no avanço da agenda ambiental e a promoção do desenvolvimento sustentável.

"Qual é a minha alegria de ver que todo mundo celebra no G20 o fato de que os temas ambientais foram tratados de forma transversal, e […] essa ideia de uma junção entre ministros de Meio Ambiente, ministros de Economia… Na conversa que tive com o ministro da África do Sul, ele disse 'Eu era ministro da Economia, agora eu sou ministro do Meio Ambiente', e quero que essa forma como o Brasil vem tratando as questões possa ter continuidade", disse ela aos jornalistas.

O fórum acordou uma declaração com compromissos para ampliar o enfrentamento aos desafios impostos pelas mudanças do clima, como perda da biodiversidade, desertificação, degradação dos oceanos e da terra, seca e poluição no mundo.

Marina Silva também confirmou que na reunião com seus homólogos ficou estabelecido um esforço conjunto no combate à desertificação, e que a Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica de 2024 (COP16), na Colômbia, trate de questões voltadas para a proteção da biodiversidade e das comunidades locais, e o pagamento dos serviços ecossistêmicos para cumprir com a meta de proteção para cerca de 30% da área terrestre e de áreas marinhas.

Ela voltou a defender a taxação dos países super-ricos para fazer o enfrentamento das mudanças climáticas.

"Com a taxação de mais ou menos 2% da margem de lucro que tem em cima de suas fortunas de 5%, daria para ter um fundo de US$ 250 bilhões [cerca de R$ 1,25 trilhão]", declarou ela.

Na abertura do evento, pela manhã, a ministra afirmou que os conflitos atualmente em curso têm ofuscado a agenda climática.

"Os países integrantes do G20 têm grande responsabilidade e a oportunidade de fazerem a diferença. Conjuntamente, representam mais de 80% do produto interno bruto mundial, 80% da população mundial, assim como aproximadamente 80% das emissões globais de gases de efeito estufa. Por isso devem ajudar a liderar o enfrentamento à crise climática, somada às demais crises ambientais em curso", discursou a ministra.

Outra proposta do Brasil foi o Mecanismo Florestas Tropicais para Sempre (TFF, na sigla em inglês), que buscará gerar financiamento previsível e de grande volume para países que conservem suas florestas.

Em relação aos oceanos, a ministra defendeu a ratificação do acordo sobre conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha.

G20

O Grupo dos Vinte é um fórum internacional que reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia. Foi criado em 1999 como resposta às crises financeiras da época, com o objetivo de promover a cooperação econômica e financeira global.

•                                         Regulamentação verde passa por 'disputa diplomática e estratégica', diz Mercadante

Na quinta-feira (3) ocorreu na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, a apresentação dos avanços no ClimateScanner, ferramenta desenvolvida por órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União (TCU), para avaliar os esforços climáticos ao redor do mundo.

Participaram desse evento 17 delegações dos 143 países participantes, além do presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, o representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Claudio Providas, e Aloizio Mercadante, presidente do BNDES.

Feita durante coletiva de imprensa, a fala de Mercadante destacou as diferentes perspectivas entre os países do Norte e do Sul Global na hora de elaborar políticas de combate às mudanças climáticas.

"Há uma disputa diplomática e estratégica em torno das normas que estão sendo construídas para o enfrentamento das mudanças climáticas."

O presidente do BNDES deu dois exemplos para sua fala.

O primeiro é que a Organização Marítima Internacional (OMI), agência especializada das Nações Unidas que regulamenta o transporte naval, prevê a aplicação de uma multa a partir de 2027 para embarcações que utilizem combustível com emissões de carbono.

"Quem sair na frente com motores de navio a energia renovável vai ter uma vantagem competitiva", disse Mercadante.

"Você pode encarecer muito a produção de alguns países, especialmente os mais pobres, e gerar uma vantagem competitiva dos países mais ricos, porque têm uma capacidade de superar essa multa."

O segundo é que os reguladores da União Europeia (UE) querem incluir apenas o "escopo um" na definição de aço verde. O escopo um apenas considera o processo de produção siderúrgico do aço, enquanto a adição do "escopo dois", algo que não é considerado pela UE, incluiria também a matriz energética por trás dessa produção.

"Evidente que os custos que você têm para ter uma matriz energética renovável têm que ser considerados quando for fazer a métrica do que é o aço verde."

<><> O que é o ClimateScanner?

Pensado e desenvolvido durante a presidência brasileira da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai, na sigla em inglês), o ClimateScanner é uma iniciativa que cria uma metodologia única para os tribunais de contas de todo o planeta na hora de analisarem os esforços de combate às mudanças climáticas de seus países.

Em coletiva a jornalistas, Bruno Dantas destacou que o projeto tem dois lados, sendo um deles para os fiscais a nível global. De abril a julho, cerca de 240 auditores de 143 órgãos de controle de todo o mundo participaram de seis treinamentos para a aplicação da ferramenta.

Nesta semana será realizado o sétimo, com representantes de 17 tribunais de contas. O Líbano deveria estar presente, sublinhou Dantas, mas não pôde comparecer devido à escalada do conflito com Israel.

O outro lado é o de apresentação desses resultados. Qualquer pessoa poderá entrar no site da ferramenta e verificar a avaliação dos esforços de um país. Ela é dividida em três eixos (políticas públicas, governança e financiamento) e intuitiva, sendo fácil para o cidadão fiscalizar por ele mesmo as ações de seu e dos demais governos.

"O nosso desejo, e eu não posso falar isso antes da hora, senão acaba assustando os colegas de outros países, é evoluir para uma revisão de pares. Que o Brasil possa analisar a avaliação que auditores chineses, americanos, chilenos fizeram dos seus países."

"Mas isso é um passo de cada vez. Primeiro nós temos que mostrar qual é a visão que cada país tem de si mesmo a partir de uma métrica em comum e aí depois nós vamos desenvolver outros aperfeiçoamentos", afirmou Dantas.

Criação polêmica

O desenvolvimento do ClimateScanner não se deu sem ressalvas. Em consonância com a visão expressada por Mercadante, o presidente do TCU lembra que durante as reuniões de concepção da iniciativa, o controlador-geral dos Estados Unidos, Eugene Dodaro, se mostrou reticente quanto à ação. "É um tema que envolve muitas paixões e pode despertar uma politização", descreveu Dantas.

"Para nós seria fundamental que os Estados Unidos participassem porque os Estados Unidos estão entre os países com as maiores minas de carvão do mundo. [Mas] nós desenvolveremos a metodologia com ou sem os Estados Unidos."

Segundo Mercadante, esse instrumento é "muito relevante" para o Sul Global.

"Porque que é uma discussão horizontal de construção de conceito, metodologia, parâmetros, que quanto mais convergentes, mais importantes serão, especialmente para os países que têm menos condições de formular e disputar seus interesses."

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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