Brasil
deve explorar G20 e COP30 para aumentar influência, dizem analistas
Cultura,
economia, biodiversidade, diplomacia, poder de atração turística, influência
internacional: muitos desses pontos são importantes para a construção do soft
power de um país. E as nações sul-americanas os têm de sobra, incluindo o
Brasil.
Com
a proximidade de grandes eventos, como a cúpula do G20, em novembro, no Rio de
Janeiro, e a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025
(COP30), em agosto, no Pará, o Brasil conseguirá exercitar mais seu soft power,
como fazem as grandes potências?
Para
responder a essa e outras perguntas, a Sputnik Brasil conversou com
especialistas no assunto. O doutor em ciência política e professor da
Universidade Federal do Piauí (UFPI) Elton Gomes destaca a relevância histórica
do soft power como um ativo essencial para o Brasil.
Segundo
ele, "o soft power, historicamente, é um dos grandes ativos da diplomacia
brasileira". Gomes explica que, apesar de o país não estar entre os
líderes em hard power, como recursos militares, "o Brasil é sócio fundador
e participante da imensa maioria dos regimes internacionais mais
importantes".
O
professor aponta que a tradição brasileira se baseia em uma diplomacia voltada
para a cooperação e o prestígio internacional, focando em "cooperação
temática setorial". No entanto, ele expressa preocupação com a mudança de
tom na política externa nos últimos anos, especialmente sob os governos de Jair
Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.
"O
soft power brasileiro tem passado por momentos de redução da sua capacidade em
função da área internacional", observa.
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Nova retórica × tradição diplomática
As
tensões geopolíticas atuais, segundo Gomes, têm afetado a posição do Brasil.
Ele enfatiza que o país "procura não se alinhar em questões macro de
geopolítica", priorizando a "solução pacífica dos conflitos".
Contudo, a nova retórica diplomática estaria gerando certos questionamentos.
O
professor cita como exemplo a postura mais favorável à Palestina na guerra com
Israel, e a neutralidade "pró-Venezuela" nas últimas eleições
venezuelanas. "Isso foge da tradição diplomática brasileira, muito guiada
pelo cálculo objetivo", afirma.
As
consequências dessa nova abordagem não são irreversíveis, mas já estão afetando
a imagem do Brasil no cenário internacional, na opinião de Gomes. Com questões
climáticas e direitos humanos em pauta, ele alerta que "o Brasil ficou em
xeque agora com esse número recorde de queimadas".
"Essa
fuga do que tem dado certo para o Brasil há décadas, naturalmente, tem
consequências."
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Concorrências à influência cultural brasileira
Luciene
Godoy, internacionalista e professora de relações internacionais do Centro
Universitário Belas Artes de São Paulo, destaca a relevância desse momento para
o exercício do soft power brasileiro. "Esses grandes eventos [G20 e COP30]
vão permitir, sim, que o Brasil exercite ainda mais o seu soft power e se
projete cada vez mais como uma potência regional relevante", afirma.
De
acordo com a professora, o Brasil é a nona maior economia do mundo e possui um
Ministério das Relações Exteriores reconhecido internacionalmente. "A
gente tem uma cultura muito forte, elementos que fazem com que o nosso país já
seja, por natureza, considerado uma potência regional", observa. A partir
dessa perspectiva, Godoy enfatiza a importância de aproveitar essas
oportunidades, a fim de expandir a influência cultural brasileira no cenário
global.
Contudo,
o soft power brasileiro enfrenta desafios. Godoy analisa a concorrência
crescente de produções culturais de outros países, especialmente da Coreia do
Sul e da Turquia, além do histórico sufocamento provocado pelos Estados Unidos.
"O
soft power brasileiro está sendo sufocado não apenas pelos Estados Unidos, mas
também por essas novas potências culturais", ressalta. Essa realidade é
refletida na maneira como as produções são consumidas no Brasil, onde muitos
conteúdos importados, como as novelas coreanas e turcas, não necessariamente
refletem a cultura local. "As produções turcas que fazem sucesso aqui
refletem um estilo de vida que não é o estilo de vida da população turca",
explica.
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Falta de tom certo?
A
professora observa que o Brasil possui a imagem construída de um país alegre e
leve, que cativa o mundo. "Se você perguntar para os nossos vizinhos, não
é assim que eles nos enxergam, principalmente do ponto de vista militar",
admite. No entanto, a imagem vendida ao exterior é de um país feliz, que
promove o carnaval, o futebol e uma rica musicalidade. E isso poderia ser ainda
mais explorado. "A gente vende alegria, só vende coisa boa", destaca.
Para
Godoy, a chave para o Brasil retomar sua influência cultural global está em
acertar o tom. "Essa nossa imagem, que foi construída, é uma imagem que
cativou o mundo", conclui.
• Marina
Silva celebra consenso sobre clima e sustentabilidade por países do G20
A
ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, celebrou nesta
quinta-feira (3), em evento do G20, no Rio de Janeiro, que representantes de
países-membros do G20 tenham chegado a um consenso sobre as prioridades
brasileiras para o clima e a sustentabilidade.
Ela
participou de uma coletiva de imprensa, acompanhada pela Sputnik Brasil, após
um evento presidido por ela com ministros do meio ambiente do G20 no Museu do
Amanhã, na Zona Portuária da capital fluminense.
No
encontro, foram debatidos os impactos das mudanças climáticas no meio ambiente,
a cooperação no avanço da agenda ambiental e a promoção do desenvolvimento
sustentável.
"Qual
é a minha alegria de ver que todo mundo celebra no G20 o fato de que os temas
ambientais foram tratados de forma transversal, e […] essa ideia de uma junção
entre ministros de Meio Ambiente, ministros de Economia… Na conversa que tive
com o ministro da África do Sul, ele disse 'Eu era ministro da Economia, agora
eu sou ministro do Meio Ambiente', e quero que essa forma como o Brasil vem
tratando as questões possa ter continuidade", disse ela aos jornalistas.
O
fórum acordou uma declaração com compromissos para ampliar o enfrentamento aos
desafios impostos pelas mudanças do clima, como perda da biodiversidade,
desertificação, degradação dos oceanos e da terra, seca e poluição no mundo.
Marina
Silva também confirmou que na reunião com seus homólogos ficou estabelecido um
esforço conjunto no combate à desertificação, e que a Conferência das Nações
Unidas sobre Diversidade Biológica de 2024 (COP16), na Colômbia, trate de
questões voltadas para a proteção da biodiversidade e das comunidades locais, e
o pagamento dos serviços ecossistêmicos para cumprir com a meta de proteção
para cerca de 30% da área terrestre e de áreas marinhas.
Ela
voltou a defender a taxação dos países super-ricos para fazer o enfrentamento
das mudanças climáticas.
"Com
a taxação de mais ou menos 2% da margem de lucro que tem em cima de suas
fortunas de 5%, daria para ter um fundo de US$ 250 bilhões [cerca de R$ 1,25
trilhão]", declarou ela.
Na
abertura do evento, pela manhã, a ministra afirmou que os conflitos atualmente
em curso têm ofuscado a agenda climática.
"Os
países integrantes do G20 têm grande responsabilidade e a oportunidade de
fazerem a diferença. Conjuntamente, representam mais de 80% do produto interno
bruto mundial, 80% da população mundial, assim como aproximadamente 80% das
emissões globais de gases de efeito estufa. Por isso devem ajudar a liderar o
enfrentamento à crise climática, somada às demais crises ambientais em
curso", discursou a ministra.
Outra
proposta do Brasil foi o Mecanismo Florestas Tropicais para Sempre (TFF, na
sigla em inglês), que buscará gerar financiamento previsível e de grande volume
para países que conservem suas florestas.
Em
relação aos oceanos, a ministra defendeu a ratificação do acordo sobre
conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha.
G20
O
Grupo dos Vinte é um fórum internacional que reúne as 19 maiores economias do
mundo, além da União Europeia. Foi criado em 1999 como resposta às crises
financeiras da época, com o objetivo de promover a cooperação econômica e
financeira global.
• Regulamentação
verde passa por 'disputa diplomática e estratégica', diz Mercadante
Na
quinta-feira (3) ocorreu na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, a apresentação dos avanços no
ClimateScanner, ferramenta desenvolvida por órgãos fiscalizadores, como o
Tribunal de Contas da União (TCU), para avaliar os esforços climáticos ao redor
do mundo.
Participaram
desse evento 17 delegações dos 143 países participantes, além do presidente do
TCU, ministro Bruno Dantas, o representante residente do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Claudio Providas, e Aloizio
Mercadante, presidente do BNDES.
Feita
durante coletiva de imprensa, a fala de Mercadante destacou as diferentes
perspectivas entre os países do Norte e do Sul Global na hora de elaborar
políticas de combate às mudanças climáticas.
"Há
uma disputa diplomática e estratégica em torno das normas que estão sendo
construídas para o enfrentamento das mudanças climáticas."
O
presidente do BNDES deu dois exemplos para sua fala.
O
primeiro é que a Organização Marítima Internacional (OMI), agência
especializada das Nações Unidas que regulamenta o transporte naval, prevê a
aplicação de uma multa a partir de 2027 para embarcações que utilizem
combustível com emissões de carbono.
"Quem
sair na frente com motores de navio a energia renovável vai ter uma vantagem
competitiva", disse Mercadante.
"Você
pode encarecer muito a produção de alguns países, especialmente os mais pobres,
e gerar uma vantagem competitiva dos países mais ricos, porque têm uma
capacidade de superar essa multa."
O
segundo é que os reguladores da União Europeia (UE) querem incluir apenas o
"escopo um" na definição de aço verde. O escopo um apenas considera o
processo de produção siderúrgico do aço, enquanto a adição do "escopo
dois", algo que não é considerado pela UE, incluiria também a matriz
energética por trás dessa produção.
"Evidente
que os custos que você têm para ter uma matriz energética renovável têm que ser
considerados quando for fazer a métrica do que é o aço verde."
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O que é o ClimateScanner?
Pensado
e desenvolvido durante a presidência brasileira da Organização Internacional de
Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai, na sigla em inglês), o
ClimateScanner é uma iniciativa que cria uma metodologia única para os
tribunais de contas de todo o planeta na hora de analisarem os esforços de
combate às mudanças climáticas de seus países.
Em
coletiva a jornalistas, Bruno Dantas destacou que o projeto tem dois lados,
sendo um deles para os fiscais a nível global. De abril a julho, cerca de 240
auditores de 143 órgãos de controle de todo o mundo participaram de seis
treinamentos para a aplicação da ferramenta.
Nesta
semana será realizado o sétimo, com representantes de 17 tribunais de contas. O
Líbano deveria estar presente, sublinhou Dantas, mas não pôde comparecer devido
à escalada do conflito com Israel.
O
outro lado é o de apresentação desses resultados. Qualquer pessoa poderá entrar
no site da ferramenta e verificar a avaliação dos esforços de um país. Ela é
dividida em três eixos (políticas públicas, governança e financiamento) e
intuitiva, sendo fácil para o cidadão fiscalizar por ele mesmo as ações de seu
e dos demais governos.
"O
nosso desejo, e eu não posso falar isso antes da hora, senão acaba assustando
os colegas de outros países, é evoluir para uma revisão de pares. Que o Brasil
possa analisar a avaliação que auditores chineses, americanos, chilenos fizeram
dos seus países."
"Mas
isso é um passo de cada vez. Primeiro nós temos que mostrar qual é a visão que
cada país tem de si mesmo a partir de uma métrica em comum e aí depois nós
vamos desenvolver outros aperfeiçoamentos", afirmou Dantas.
Criação
polêmica
O
desenvolvimento do ClimateScanner não se deu sem ressalvas. Em consonância com
a visão expressada por Mercadante, o presidente do TCU lembra que durante as
reuniões de concepção da iniciativa, o controlador-geral dos Estados Unidos,
Eugene Dodaro, se mostrou reticente quanto à ação. "É um tema que envolve
muitas paixões e pode despertar uma politização", descreveu Dantas.
"Para
nós seria fundamental que os Estados Unidos participassem porque os Estados
Unidos estão entre os países com as maiores minas de carvão do mundo. [Mas] nós
desenvolveremos a metodologia com ou sem os Estados Unidos."
Segundo
Mercadante, esse instrumento é "muito relevante" para o Sul Global.
"Porque
que é uma discussão horizontal de construção de conceito, metodologia,
parâmetros, que quanto mais convergentes, mais importantes serão, especialmente
para os países que têm menos condições de formular e disputar seus
interesses."
Fonte:
Sputnik Brasil
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