Artesãs
entram na mira de clubes de futebol por uso irregular de marcas
Empresa
que representa 13 equipes cobrava por acordos extrajudiciais sob ameaça de
processos; sócios foram presos por suspeita de faturar R$ 4 milhões em
extorsão, mas acusam de 'frágil' a ordem de prisão
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Empreendedores
de produtos artesanais, decoração de festas temáticas e bolos de aniversário -
a maioria mulheres - entraram na mira de clubes de futebol pelo uso
não-licenciado de marcas. A busca e contato era feita por uma empresa cujos
sócios foram presos, sob suspeita de extorsão nas negociações, além de lavagem
de dinheiro e associação criminosa.
Entre
os clientes da NoFake está o Palmeiras. Segundo apurou o Estadão, o setor
jurídico do clube analisa o contrato, firmado em maio. A empresa, que teve as
atividades suspensas, lamenta o que chama de ação "fundamentada em provas
frágeis", enquanto representantes buscam a soltura dos sócios. Além da
investigação da Polícia Civil de Minas Gerais, o Ministério Público mineiro
endossou a prisão dos dois.
A
paulista Adriana Carvalho trabalhava com produção de canecas, cadernos e
camisetas há oito anos. Ela foi notificada pela NoFake por causa de um copo
térmico que postou em uma página em que divulgava produtos. O copo tinha o
escudo do Palmeiras.
Para
não ser processada, Adriana fez um acordo, no qual pagou R$ 1,6 mil. Desde
então, parou de produzir itens com escudos de clubes de futebol, o que se
tornou um problema. "Os personalizados de times saem muito. Tem muitos
pedidos, principalmente em datas comemorativas", conta ao Estadão. Hoje,
ela procura emprego para trabalhar com atendimento ao público.
"Infelizmente,
por não poder mais fazer, acaba limitando meu trabalho. E, além dos gastos de
casa, tive o acordo", lamenta a empreendedora que tentou migrar seu
negócio para Bíblias personalizadas, mas não conseguiu receita necessária para
se manter.
Casos
semelhantes ao de Adriana se tornaram mais comuns entre as empreendedoras do
ramo. "Não podemos mais fazer bolos com topos de time. Imagine se isso
pega, e a gente não pode fazer mais bolo de princesa?", questiona a
influenciadora Danni Confeiteira, em um vídeo no qual ela comenta outro caso.
Além do clube paulista, a NoFake também tem ou já teve parceria com ASA-AL,
Avaí, América-MG, Atlético-MG, Atlético-GO, Botafogo, Cruzeiro, Joinville,
Paysandu, Vasco e Vitória.
O
Palmeiras afirmou ao Estadão que conta com uma área destinada ao combate à
pirataria, da qual fazem parte empresas especializadas em identificar produtos
e serviços comercializados sem a devida autorização do clube. O clube tem
registro e proteção de marcas junto ao Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (Inpi).
A
reportagem apurou que duas artesãs pagaram ao Palmeiras para poder produzir
copos térmicos com a marca palmeirense. Internamente, há o entendimento de que
não cobrar, mesmo no caso de pequenos comerciantes, seria injusto com empresas
licenciadas.
O
primeiro caso de maior repercussão foi quando a NoFake e o Vitória notificaram
a artesã Patrícia França por ela produzir uma decoração de festa de aniversário
com o tema do clube. A página em que Patrícia divulgava seus trabalhos foi
derrubada no Instagram.
A situação
ficou conhecida após uma live em que Patrícia participou. Outras artesãs e
confeiteiras passaram a arquivar publicações em que divulgavam produtos e bolos
com emblemas de times, com medo de que a situação se repetisse.
Na
época, o Vitória disse que previa notificações para empresas, e não a pessoas
físicas, mas observou a necessidade de um "novo alinhamento".
"As novas diretrizes estabeleceram que o foco será voltado para grandes
empresas, e as pequenas, como o caso de Patrícia França, serão notificadas sem
a cobrança inicial de multa", publicou o clube.
A
aplicação de multa, contudo, seria apenas em caso de uma empresa continuar
comercializando a marca sem autorização. Além disso, o time manifestou
solidariedade à artesã e a convidou para participar de um vídeo de
esclarecimento da situação.
A
página de Patrícia já foi restabelecida. Nos produtos por ela divulgados mais
recentemente, não constam mais fotos de decorações de times de futebol. Em
fotos antigas, ainda há imagens de escudos esportivos.
No
site da NoFake, há uma seção que explica como entrar em contato caso tenha
recebido uma notificação extrajudicial. A empresa afirma contar com um time de
advogados para auxiliar nas tratativas.
A
operação Verita Visus, desencadeada pela Polícia Civil de Minas Gerais, prendeu
os dois sócios da empresa NoFake. A ação aconteceu na segunda-feira, 30, na
cidade de Santos Dumont, a cerca de 215 km de Belo Horizonte. Segundo a
investigação, o faturamento ilegal dos dois chegou a R$ 4 milhões.
O
homem, de 30 anos, e a mulher, de 26, detidos na operação atuam com o serviço
de proteção a marcas, buscando compensações e acordos com quem comercializa
produtos sem licenciamento.
Conforme
divulgou a Polícia Civil, a empresa atuava com busca em redes sociais por
perfis que vendiam produtos com marca dos clientes, mas sem licença. A NoFake,
então, simulava interesse em uma compra, para conseguir mais informações dos
vendedores.
Depois,
outro setor fazia contato, sob a ameaça de registrar ocorrência. Para evitar um
processo por violação de direitos intelectuais, era exigido o pagamento de um
acordo extrajudicial. Também eram apontados como possíveis medidas a retirada
de páginas online, como aconteceu com Patrícia, e denúncia ao Procon.
A
polícia apontou que os valores tratados eram estabelecidos conforme o número de
seguidores nas redes sociais dos vendedores. Era usado o argumento de que o
acordo seria mais barato do que uma possível ação judicial proposta contra o
vendedor.
Quando
o acordo não era cumprido, a empresa denunciava o perfil da rede social
utilizada e o derrubava do ar. Conforme o delegado responsável pelo caso,
Daniel Gomes de Oliveira, essas negociações não seriam suficientes para livrar
a responsabilidade criminal dos vendedores pelo uso irregular de marcas, caso
fosse comprovada a prática criminosa. Isso porque o pagamento era apontado para
cobrir "custos operacionais" e não como compensação por danos morais
e materiais às marcas.
A
investigação da Polícia de Minas começou a partir do registro de diferentes
locais do Brasil. As ocorrências tinham em comum o modo de operação da NoFake,
o qual foi considerado como extorsão pela autoridade policial.
A
mulher foi presa na sede da empresa em Santos Dumont. Há, ainda, outros dois
escritórios, em Brasília e em São Paulo, segundo o site da NoFake. A prisão do
homem foi na residência dele, também na cidade mineira.
Os
dois sócios tiveram bloqueio de contas bancárias, assim como a própria empresa.
As atividades da empresa estão suspensas. Foram apreendidos computadores,
celulares, notebooks, livros de registro, equipamento de informática e um
veículo de luxo.
Em
nota, a NoFake lamentou a suspensão das atividades e afirmou que a decisão
judicial "desconsidera o modelo de negócio da empresa e ignora as licenças
oficiais concedidas por todos os seus clientes que a credenciam para o
exercício legitimo de combate aos ilícitos desta natureza".
"Ao
longo de sua trajetória, a NoFake desenvolveu uma metodologia eficaz e
especializada no combate à pirataria, conquistando a confiança de seus clientes
e parceiros de negócios", continua o texto.
Conforme
representantes legais da NoFake, foram tomadas medidas para tentar reverter as
prisões, o que ainda não surtiu efeito.
• Clubes
podem adotar 'postura mais simpática', avalia especialista
A
lei de propriedade intelectual não faz distinção entre o porte do chamado
ofensor (quem utiliza a marca de forma irregular). "Um pequeno
empreendedor que utiliza uma marca de clube sem autorização está infringindo a
lei, assim como um grande CNPJ. O valor do licenciamento é determinado
exclusivamente pelo titular do direito, e não há caminho legal para que
pequenos empreendedores obtenham licenças a preços mais baixos simplesmente por
seu tamanho", explica Luciano Andrade Pinheiro, mestre em propriedade intelectual
e sócio do Corrêa da Veiga Advogados.
"No
entanto, os clubes poderiam adotar uma postura mais simpática e acessível,
criando linhas de licenciamento mais econômicas para pequenos empreendedores.
Isso seria uma medida mais eficaz para a proteção de sua propriedade
intelectual e, ao mesmo tempo, ajudaria a evitar uma percepção negativa por
parte do público", completa Pinheiro.
Ainda
conforme Pinheiro, a prática de clubes e empresas pode ser contraproducente,
mesmo dentro do direito. Ele sugere recalcular a estratégia para manter o
equilíbrio entre a proteção da marca e a empatia social.
Fonte:
Agencia Estado
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