"Teremos
regras claras para publicidade de bets", diz presidente do IJL
O
mercado de apostas on-line, conhecido como "bets", está na agenda de
discussões dos brasileiros. Dados sobre o crescente número de endividados por
causado vício preocupam a sociedade e o governos. O tema também ganhou contorno
de relevância por causa de possíveis atividades ilícitas dentro das plataformas,
como a lavagem de dinheiro.
Recentemente,
o envolvimento de celebridades como o cantor Gusttavo Lima e a influencer
Deolane Bezerra deram ainda mais visibilidade à questão. Para o especialista em
mercados legalizados e regulamentados e presidente do Instituto Brasileiro Jogo
Legal (IJL), Magno José Santos de Souza, as medidas que o governo pretende
implementar até 2025 devem impedir que essas plataformas sejam usadas para o
crime. Ele explicou que, com níveis de compliance e monitoramento, o risco de
lavagem de dinheiro é reduzido.
Um
exemplo, diz, é a exigência, a partir de 1º de janeiro de 2025, para que
prêmios acima de R$ 10 mil sejam obrigatoriamente reportados ao Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf), dificultando o trânsito ilícito de
grandes quantias. Outro ponto citado por Magno é a responsabilidade do poder
público pela explosão de bet no Brasil. De acordo com o especialista, os seis
anos sem regulação permitiram a popularização das casas de apostas.
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Leia, a seguir, trechos da entrevista:
- A prisão da influencer Deolane e o envolvimento do cantor
Gusttavo Lima chamaram atenção para a prática de lavagem de dinheiro
dentro das plataformas Bets. Isso não depõe contra o setor?
No jogo legalizado e regulamentado, é muito improvável que seja
usado para lavagem de dinheiro. Existem outras atividades muito mais atraentes
do que o jogo para se lavar dinheiro. Hoje, a taxa é de 12%, além de toda
taxação de uma empresa prestadora de serviço de lucro presumido. Então, nós
estamos falando de uma tributação de 38%, 37% do Gross Gaming Revenue (GGR) do
lucro — que é um tributo de 12% sobre o rendimento bruto das apostas. Ou seja,
não é uma atividade atraente para o lavador. Existem atividades de prestação de
serviço que pagam 16,6%, muito mais atraente do ponto de vista de
rentabilidade. Do ponto de vista do apostador, ele vai ter que pagar imposto de
renda. Com quantias acima de R$ 10 mil, existe a notificação obrigatória ao
Coaf. O fato é que ninguém vai lavar R$ 9.999. Caso alguém comece a ganhar
milhões nos jogos, o Coaf vai informar à Polícia Federal e ela vai bater na
porta dessa pessoa.
- O governo anunciou um pacote de medidas para regular os
jogos de apostas. Uma delas está relacionada à publicidade. Como avalia
esse ponto?
Foram quatro anos do governo anterior e mais dois anos desse
governo sem regulamentação. Todos os recursos que poderiam ser destinados para
o pagamento de tributos e o pagamento da outorga foram destinados para o
marketing. Os recursos das plataformas, nesses seis anos, foram investidos em
marketing. O governo anterior acabou abrindo mão de regular a atividade porque
era uma questão de costumes. Não vou criticar o atual mandatário, pois ele foi
ágil em conseguir construir um marco regulatório dentro de seis meses. Pelo
fato do governo anterior não ter regulamentado a atividade porque atingiria os
eleitores conservadores, acabou permitindo que todos os recursos que seriam
destinados para o pagamento de tributos e de outorga, fosse para a publicidade.
O governo passado pensou que, ao não regulamentar esse mercado, não se
ampliaria. Mas acabou participando do investimento para que ele chegasse ao
tamanho e a explosão que tem agora.
- Isso ajudou a impulsionar o jogo ilegal?
O combustível do jogo on-line é a publicidade, o marketing. A
maioria das empresas gastam em torno de 35% a 40% dos seus recursos em
marketing. Por isso que você vê camisa do time de futebol, placa no gramado,
publicidade na TV, uma série de publicidades. Na minha opinião, serão reduzidas
a partir do momento que houver regulamentação, porque novos custos da operação
vão surgir, e eles vão acabar limitando e tirando da parcela da publicidade. O
Conar reeditou uma série de portarias sobre como deve ser a publicidade do
setor, mas, infelizmente, pelo fato de a gente não ter o mercado regulado, não
tem como responsabilizar as mensagens que são transmitidas hoje para os
usuários, principalmente a dos influenciadores. Isso é, talvez, o maior ganho
que nós vamos ter a partir da regulamentação.
- Por quê?
Porque nós teremos regras claras de publicidade a serem seguidas
pelas plataformas que aplicarem uma licença no Ministério da Fazenda. Com a
regulamentação, as bets terão responsabilidade sobre as mensagens transmitidas
e utilizadas, inclusive pelos seus embaixadores e influenciadores. Só para se
ter noção, na portaria de direitos e deveres, a multa vai de R$ 2 mil a R$ 2
bilhões para uma publicidade que é feita fora da legislação. Isso vai ser um
ganho muito grande. Vai acabar essa história de influencer ficar vendendo a
hora premiada, a hora que mais sai prêmio, dizendo que as pessoas vão ficar
ricas com o jogo do tigrinho. Esquece. Isso vai acabar a partir de 1º de
janeiro.
- Muitos brasileiros estão ficando viciados em apostas
on-line. Como vê essa questão?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) criou a Classificação
Internacional de Doenças (CID) para a questão de jogadores compulsivos. Não se
usa mais ludopatia, ludomania, viciados, porque, na verdade, as pessoas que
perdem a mão, perdem a noção, acabam sendo compulsivas. E elas são compulsivas
com outras atividades. O jogo acaba sendo um gatilho. As apostas, de acordo com
a OMS, produzem externalidade negativa, e 3% da população é afetada por ela, da
mesma forma que outras atividades geram esse tipo de comportamento. Nessa
questão eu incluo a bebida alcoólica, sexo, compras, drogas, entre outros. O
melhor remédio para esse problema é o esclarecimento.
- Qual é o esclarecimento?
Jogo não é meio de vida, é entretenimento. Jogue como você vai
ao cinema, teatro, ou quando sai para jantar. Eu me entretive, me diverti e
acabou. Esse é o grande entendimento que a sociedade vai ter que aprender. Nós
vamos aprender, infelizmente a duras penas, com algumas pessoas cometendo
erros, amadurecendo o nosso mercado, que jogo é entretenimento e é diversão.
- Essa realidade existe em algum lugar?
O Reino Unido, hoje, pra mim, é o mercado mais amadurecido do
mundo. Lá, o percentual de jogadores patológicos está na faixa de 1,6%. A
criança que estuda no ensino médio tem uma cadeira de apostas, porque é uma
sociedade que vive aposta. O país educa o seu cidadão para que ele entenda o
seguinte: "Você vai conviver com esse ambiente pelo resto da vida, então é
melhor você aprender como lidar". O que está acontecendo aqui no Brasil é
que a gente tem uma demanda reprimida de 83 anos, em que as pessoas acabam de
descobrir um cassino na palma da mão. Dessa forma, nós estamos,
desordenadamente, exatamente no pico, no ponto máximo dessa cadeia de problemas
gerada pela oferta abusiva de jogos no país.
- Segundo o Banco Central, desde janeiro, houve um aumento
superior a 200% no valor que os apostadores transferem para essas
plataformas. Outra pesquisa, do Senado Federal, mostrou que o perfil do
apostador brasileiro é semelhante ao dos que usaram o Desenrola Brasil. O
diz desse resultado?
A maioria desses estudos e pesquisas não têm tanta
previsibilidade. Porque, hoje, todo mundo atua sob a ótica da estimativa.
Dentro dessa ótica, eu tive a oportunidade de ver pelo menos cinco estudos e
existe uma diferença de 380% entre um deles e do Banco Central (BC). É claro
que eu não quero desqualificar o estudo do BC, é uma instituição séria e
autoridade monetária do país.
- Mas o que o senhor vê de inconsistente no estudo do BC?
Por exemplo, o levantamento não levou em consideração o que
entra e o que sai de prêmio. Quando se diz que as plataformas de apostas têm
uma rentabilidade de 15%, só aí já tem uma distorção, porque mundialmente a
rentabilidade é de até 5%. Além disso, tive acesso a um outro estudo do BC, que
foi realizado em setembro do ano passado, e de janeiro a novembro de 2023. O
Banco Central informou que R$ 54 bilhões circularam nas plataformas de apostas
— uma média de R$ 5 bilhões por mês. O que me espanta agora é que, em setembro
de 2024, esse número pulou para R$ 20,8 bilhões mensais. É uma diferença muito
grande. Outro ponto é que a pesquisa do BC sobre esse tema, que é seríssimo,
não pode ter só três páginas. Seria necessário ter mais robustez para ser mais
factível.
- O senhor duvida, então, do levantamento do BC?
Eu só vou acreditar em estudos sobre o mercado de jogos a partir
do momento em que esse setor estiver totalmente regulamentado e conectado aos
servidores do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Assim,
teremos um raio-x preciso do que está acontecendo. Fora isso, é construção de
narrativa, é estimativa.
- O senhor acredita que a regulação e a fiscalização do
governo resolverão todos os problemas e dúvidas atuais do país em relação
às bets?
Elas vão resolver 90% dos problemas. Primeiro, o volume de
apostas será muito menor, porque, para o cidadão jogar, vai ter que mostrar sua
identidade, botar a carinha dentro daquele espaço redondo, igual quando a gente
abre uma conta bancária. Assim, vai-se identificar quem realmente está
apostando. Para todos os depósitos que você fizer numa casa de aposta, só o seu
CPF poderá sacar. Então, vai ter uma série de regras e limitações. Igual ao que
eu tenho visto ultimamente, em que você coloca o número do celular e gera um QR
code com o Pix, isso vai acabar.
- Isso será suficiente para reduzir o volume de apostas?
Sim. E passa a ter controle. Por exemplo, quando você se
cadastrar num site, vai estabelecer qual é o seu gasto diário de apostas. E se
estourar o valor, não vai poder aumentar o seu gasto naquele dia. Vai ter que
esperar 24 horas. Só isso já é uma ferramenta inibidora. Se eu estabelecer que
meu gasto é R$ 100 por dia, eu não posso apostar mais do que isso. É um
diferencial.
Fonte:
Correio Braziliense
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