Doença de Huntington:
estigma, dificuldade de diagnóstico e tratamento ainda são desafios
A
Doença de Huntington (DH), uma rara condição genética e neurodegenerativa que
afeta cerca de 3 pessoas a cada 100 mil no mundo, continua pouco conhecida pela
sociedade, apesar de seu impacto sobre pacientes e cuidadores. Além de a
condição carregar desafios ligados ao diagnóstico e a avanços no tratamento – a
DH ainda não tem cura –, a falta de disseminação nas informações eleva o
estigma associado à condição. Este foi o tema do novo Webinar Futuro da Saúde.
Com apoio da Associação Brasil Huntington (ABH) e
da Teva Brasil, o encontro recebeu o neurologista Gustavo Franklin,
especialista em Doença de Huntington e distúrbios do movimento, membro titular
da Academia Brasileira de Neurologia e Doutor em Medicina Interna e Ciências da
Saúde pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Tatiana Henrique, psicóloga
formada pela Universidade Federal de Alagoas, pós-graduanda em prática baseada
em evidências em psicologia clínica e psicóloga na Associação Brasil Huntington
(ABH). A moderação foi da jornalista especializada em saúde, Natalia Cuminale,
fundadora do Futuro da Saúde.
Franklin
esclareceu que a doença é genética e hereditária, possuindo um componente
familiar muito grande. “Quando o pai ou a mãe apresenta a doença, os filhos têm
50% de chance de ter. Uma vez que a doença tem um componente evolutivo,
progressivo, inevitável, múltiplos pacientes dentro da mesma família podem
estar acometidos”, explica.
Este
é um dos fatores que reforça a necessidade de combater o estigma e investir em
campanhas de educação, como defende Tatiana Henrique. Segundo ela, por muito
tempo, a condição era popularmente conhecida como ‘nervoso’, e nem mesmo a
família sabia o que estava acontecendo com o familiar. “Precisamos trabalhar a
conscientização pública e enfrentar esse estigma que está associado à doença
que pacientes e famílias enfrentam, além do desconhecimento da sociedade e até
dos profissionais de saúde”, completa.
A
doença, que geralmente apresenta sintomas entre os 35 e 45 anos, impõe desafios
tanto para os pacientes quanto para seus cuidadores, exigindo uma abordagem
cuidadosa no tratamento e suporte emocional à família, que enfrenta uma carga
significativa com o diagnóstico.
• Características
da Doença de Huntington
A
condição genética neurodegenerativa é causada por uma mutação que leva à
produção de uma proteína anormal chamada huntingtina. Essa proteína se acumula
nos neurônios, resultando em sua morte. Segundo Franklin, a doença se manifesta
em três eixos principais: distúrbios motores, comprometimento cognitivo e
alterações comportamentais. “Esses sintomas, tanto cognitivos quanto os
distúrbios psiquiátricos, tendem a antecipar sintomas motores em anos, décadas,
e leva muitas vezes a confusão com outros distúrbios psiquiátricos, como
transtornos afetivos bipolares, depressão e esquizofrenia”, explica.
O
sintoma mais característico é a coreia, que se manifesta como movimentos
involuntários semelhantes a uma dança, que variam de tiques leves a
incapacitações. Além disso, os sintomas cognitivos afetam raciocínio, memória e
atenção, podendo evoluir para demência, semelhante à doença de Alzheimer. Por
fim, sintomas comportamentais, como apatia, falta de iniciativa, agitação,
ansiedade e, em alguns casos, agressividade, podem surgir antes dos sintomas
motores.
A
doença não afeta apenas o indivíduo diagnosticado, mas também toda a família.
Por ser genética, os descendentes correm risco, o que gera uma carga emocional
significativa. Muitas vezes, são os familiares que assumem a responsabilidade
de cuidar dos pacientes. “Se adiciona uma carga emocional muito grande em
cuidar de alguém com uma doença que o cuidador também pode desenvolver”,
explica Tatiana, que tem familiares diagnosticados com a doença.
Segundo
o neurologista, a raridade da doença dificulta o diagnóstico, especialmente
quando o paciente apresenta apenas sintomas psiquiátricos. Sem os movimentos
involuntários, que são mais característicos da condição, é comum que o
diagnóstico seja incorretamente atribuído a transtornos como depressão ou
transtorno bipolar, especialmente quando os sintomas motores são sutis. “Não
temos uma suspeição vinda muito rapidamente, seja pelo paciente, obviamente, ou
até mesmo pelo médico e isso leva a um atraso inevitável do diagnóstico”,
aponta.
O
diagnóstico definitivo é genético e pode ser realizado com amostras de saliva
ou sangue. Nos últimos anos, a acessibilidade do exame aumentou e os custos
diminuíram, graças aos avanços tecnológicos e ao suporte da pesquisa e da
indústria farmacêutica, resultando em diagnósticos mais rápidos e precisos.
• Tratamentos
e desafios
Mesmo
sem estatísticas oficiais, estima-se que no Brasil entre 13 mil e 19 mil
pessoas sejam portadoras do gene, enquanto entre 65 mil e 95 mil estão em
risco. Pelo seu caráter genético, três regiões concentram a prevalência da
condição: Ervália, em Minas Gerais, onde 72 pessoas a cada 100 mil são
afetadas, Feira Grande, em Alagoas, com 104 casos por 100 mil habitantes, e
Senador Sá, no Ceará, onde o número chega a 230 por 100 mil. Ao longo do tempo,
a união entre pessoas portadoras dos genes nas famílias justifica a incidência
acima da média.
Hoje,
não existem tratamentos modificadores da doença e que impeçam sua progressão,
mas apenas focados no alívio dos sintomas comportamentais e motores, trazendo
mais qualidade de vida. “Não temos algo como gostaríamos, um tratamento para
corrigir, mas ao longo do tempo mantemos a esperança de que isso surja. E
talvez surja até antes de outras doenças, só não sabemos quando isso vai
acontecer”, analisa Franklin.
Um
dos fatores que facilita o avanço dos estudos sobre a Doença de Huntington é
sua associação com um gene específico e bem identificado. Isso contrasta com
outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, que envolvem
múltiplos genes, tornando as intervenções mais complexas. Atualmente, a terapia
genética é o foco principal das pesquisas, com a proposta de intervir
diretamente no gene responsável pela doença para evitar sua progressão. Mesmo
que esses estudos ofereçam esperança, ainda não existem curas ou tratamentos
genéticos disponíveis na prática clínica.
A
ausência de intervenções, medicamentosas ou não, contribui para uma
deterioração física e cognitiva mais acelerada, o que leva os pacientes a
perderem rapidamente a autonomia, comprometendo habilidades básicas como andar
e se alimentar, o que acelera sua dependência. Por isso, especialistas defendem
abordagem multidisciplinar que leve em consideração tanto o contexto familiar
quanto as particularidades cognitivas da doença, a fim de proporcionar um
cuidado mais adequado e menos sobrecarregado para todos os envolvidos.
• O papel
dos cuidadores
Diante
do cenário de uma doença rara que evolui progressivamente ao longo dos anos,
cuidar de um parente com a condição, especialmente quando há o risco de também
desenvolvê-la, pode causar ansiedade e desgaste emocional intenso, conforme
esclareceu Tatiana. Ela afirma que esse papel de cuidador é frequentemente
assumido por mulheres – esposas, mães ou irmãs – que abandonam muitas vezes
suas carreiras e vida pessoal para assumir essa responsabilidade. “Falamos que
Huntington é uma doença familiar, não apenas pela herança genética, mas por
todo esse impacto que ela causa em todos da família”.
Algumas
famílias optam por não falar sobre a doença por medo e vergonha, resultando em
um acúmulo de emoções e problemas não resolvidos ao longo dos anos. Essa
negação frequentemente serve como uma estratégia para lidar com o peso da
condição. “O cuidado do paciente é muito intenso e ele vai variando de acordo
com essa jornada e com as fases que a pessoa enfrenta”, declara a psicóloga.
Portanto, o autocuidado deve ser priorizado, incentivando a participação em
grupos de apoio e práticas que preservem a saúde física e mental.
Além
disso, familiares em risco de desenvolver a doença enfrentam uma decisão:
realizar ou não o teste genético, que pode ter um impacto emocional
significativo. Muitos escolhem não se submeter ao exame, lidando com a
incerteza de carregar o gene da doença, o que pode influenciar decisões sobre
planejamento familiar e opções profissionais, gerando ansiedade em relação ao
futuro. “Diante da confirmação do diagnóstico, toda a família acaba sendo
abalada emocionalmente. E, infelizmente, nem todos acabam tendo acesso ao apoio
que precisam nesse momento, nessa jornada”, explica a psicóloga.
Outro
aspecto que merece atenção, segundo a psicóloga, é a anosognosia, que impede o
paciente de reconhecer seus próprios sintomas. Essa condição apresenta desafios
adicionais para as famílias, que muitas vezes lidam com a negação do paciente
em relação à doença. O fenômeno é particularmente comum na Doença de Huntington
e pode complicar o cuidado e agravando ainda mais a situação do paciente. “A própria pessoa que tem esses sintomas não
faz essa leitura, o que gera ainda mais desgaste para a família. Como cuidar de
alguém que não reconhece que está precisando de cuidado?”, reflete Tatiana.
Fonte:
Futuro da Saúde
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