sábado, 5 de outubro de 2024

Entre a seca e o calor extremo, indígenas destacam emergência climática na eleição

A FUMAÇA, A SECA e o calor extremo invadiram as campanhas indígenas nas eleições de 2024. Enquanto as estações do ano mostram que não são mais as mesmas, os candidatos indígenas tentam convencer os eleitores de que as mudanças climáticas afetam a todos e que o conhecimento dos povos originários é um aliado nesse combate.

A líder indígena Chirley Pankará (PSOL), que concorre ao cargo de vereadora em São Paulo, exalta essa sabedoria tradicional ao dizer que os povos indígenas possuem uma relação muito forte com os rios, as árvores e os animais.

“Os povos indígenas são competentes, sabem dialogar, entendem de burocracia, de cosmologia e de terra. Sabem fazer essa relação dos saberes, da ciência das universidades e das ciências tradicionais de uma forma espetacular”, ela diz.

“Muitas das vezes as pessoas olham para gente e dizem assim: ‘ah, é uma pauta identitária’. Mas quando eu trago as questões ambientais, não são só os povos indígenas que vão respirar”, continua Chirley.

Nascida em Floresta, Pernambuco, ela vive há 26 anos na capital paulista. O estado de São Paulo foi alvo de queimadas intensas no final de agosto, que atingiram lavouras de cana-de-açúcar e cafezais. Entre agosto e setembro, o estado foi o nono mais queimado do país, com 6.134 focos detectados pelo BDQueimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Se eu estou lutando contra as queimadas, estou lutando pela sociedade que está dentro desse clima, para que eles não tenham que respirar esse ar aqui em São Paulo. A sociedade precisa olhar para nós e entender que temos capacidade de unir nossa sabedoria ancestral e a ciência no freio às mudanças do clima. Somos autoridades climáticas e isso não vai servir só para os indígenas, e sim para todos”, finaliza.

Em meio ao céu cinza de Rondônia por conta da fumaça das queimadas, Almir Suruí, de 50 anos, diz à reportagem que a emergência climática precisa ser debatida com mais seriedade. O líder do povo Paiter Suruí é candidato pelo PDT a prefeito de Cacoal (RO). O estado é o sexto com mais queimadas desde o início de agosto, com 7.261 focos, segundo o Inpe.

Ele também cobra as autoridades para fortalecerem não apenas o conhecimento científico e tecnológico, mas também o saber tradicional indígena como instrumento de desenvolvimento para a Amazônia. “É preciso fazer a educação ambiental. É possível produzir com quantidade e qualidade usando o sistema agroflorestal, ou seja, junto com a floresta”, ele diz.

Para isso, o candidato diz que é essencial ter indígenas nos espaços de decisão. “Essa queimada no Brasil, na Amazônia e em Rondônia é alarmante. Estamos respirando esse ar insalubre! Tem gente queimando a floresta que é patrimônio de todos. Isso já traz prejuízo à saúde dos idosos, das crianças e da população em geral”, continua.

Em Santarém, a jovem Raquel Tupinambá (PT) tem como um de seus principais compromissos o enfrentamento à emergência climática, cujos efeitos se refletem diretamente nas comunidades. “Muitas aldeias ficam sem acesso à água potável porque não tem poço artesiano ou o poço tem pouca profundidade”, diz.

Ela menciona que as secas no município estão mais severas e o rio está secando cada vez mais, fazendo com que o principal meio de locomoção dos indígenas entre aldeias e cidades seja afetado. Isso tem dificultado as vidas das populações que precisam se locomover. O Pará é o segundo mais queimado do país entre agosto e setembro, com 31.237 focos de incêndio no período.

A perda de agrobiodiversidade também é um tema trazido por Raquel para a campanha. “Muitas variedades de mandioca foram perdidas na seca do ano passado, enfrentamos uma mortalidade enorme de plantas que estão nos quintais e nas roças”, diz.

•                                         Seca afeta pelo menos 42 terras indígenas na Amazônia

Dados divulgados em setembro pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena (GEMTI), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), revelaram que, em julho, a seca extrema atingiu 42 territórios indígenas na Amazônia, entre 15 povos e um povo isolado. Essa área corresponde a 53% dos territórios indígenas da Amazônia brasileira, afetando diretamente mais de 3.000 domicílios indígenas, 110 escolas e 40 unidades de saúde dentro dos territórios.

De acordo com o levantamento do GEMTI, os territórios indígenas que apresentaram maior quantidade de focos de calor ao longo de 2024 foram quatro de Mato Grosso (Paresi, Utiariti, Parabubure e Areões), três do Tocantins (Parque do Araguaia, Inawebohona e Kraolândia), dois do Pará (Kayapó e Munduruku) e um território no estado de Roraima (Yanomami).

Na cidade de Manaus, a candidata a vereadora Vanda Witoto (Rede Sustentabilidade), que também é ativista climática, conta que esse cenário alarmante afeta não apenas a sua campanha, mas a sua vida de modo geral, pois sua saúde já não é a mesma por conta da alta temperatura. “Nesse momento de calor extremo, o nosso corpo está muito adoecido. Estou bem debilitada de saúde, com baixa imunidade, com a garganta dolorida, o olho que arde, o corpo que arde com essa temperatura que a gente está sentindo aqui”, diz.

O aumento da temperatura fez com que a campanha da candidata tivesse outra dinâmica para fazer suas reuniões e conversas com os eleitores. “A gente está tendo que escolher horários para o fim da noite, fim da tarde ou de manhã bem cedo, para ir para algum ponto, porque é insuportável você estar fazendo campanha nessa temperatura”, relata Vanda.

Ela destaca também o risco enfrentado por indígenas em territórios quase isolados em razão da seca, e critica a falta de um plano para enfrentamento. “[Estou] vendo essa situação dramática das nossas comunidades ao longo dos municípios do interior com a seca. [Mas] a gente não pode fazer muita coisa, porque a cidade não tem um plano para enfrentarmos essa situação climática”, afirma.

Vanda destaca a necessidade de ter representantes preocupados com a pauta ambiental, pois muitos dos que estão hoje no poder são negacionistas quando se trata desse assunto, diz ela.

“As periferias e as comunidades estão em condições de vulnerabilidade, muitas estão sendo impactadas [pelo clima] num grau de desigualdade extrema. Dentro dessa trajetória política, um dos meus objetivos é criar mecanismo de enfrentamento a esses desafios, a essas desigualdades sociais que a gente já enfrenta historicamente e que hoje estão aguçadas pelas questões climáticas”, finaliza a ativista.

 

•                                         PF encontra lista que sugere repasses de R$ 980 mil de garimpo a candidatos do PA

UMA LISTA ENCONTRADA pela Polícia Federal sugere possíveis repasses de garimpos ilegais de ao menos R$ 980 mil a candidatos a prefeito e vereador no Pará. Em setembro, como revelado pela Repórter Brasil, a PF deu início a uma investigação sobre a exploração ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no sul do estado.

Os valores são descritos em uma folha escrita à mão com o título “gastos de campanha”. O papel foi achado durante busca e apreensão em uma das empresas de Pedro Lima dos Santos, servidor da prefeitura de Redenção (PA) preso na operação e apontado pelos investigadores como o cabeça da organização criminosa.

“Foram encontrados documentos que citam partidos eleitorais e prováveis políticos da região (fato a se investigar) em possíveis ‘folhas de pagamento’”, diz um trecho do relatório da operação, acessado com exclusividade pela Repórter Brasil. A PF apura se o dinheiro do garimpo ilegal financiou a campanha de candidatos nas eleições de 2024.

A lista traz nomes ligados a diferentes partidos, como União Brasil, MDB e PRD.

O primeiro na lista é Rener, uma menção a Rener de Santana Miranda (PRD), candidato a prefeito que lidera a disputa em Redenção (PA). O nome aparece ao lado do valor R$ 300 mil; o mais elevado.

À Repórter Brasil, a campanha de Dr Rener, como ele é conhecido, negou irregularidades e afirmou não ter recebido doações de Pedro Lima dos Santos. 

A lista traz ainda outros cinco nomes de candidatos a prefeito: Júlio Cesar Dairel (MDB), de Ourilândia do Norte; José Barbosa de Faria (União Brasil), de Santa Maria das Barreiras; Márcia Ferreira Lopes (MDB), de Rio Maria; Clidean Ferreira Chaves (MDB), de Pau D’Arco; e Adelar Pelegrini (MDB), de Tucumã.

O documento ainda inclui anotações como “10 vereadores”. Os valores repassados vão de R$ 30 mil a R$ 300 mil.

•                                         MDB

O médico Júlio Cesar Dairel, o Dr. Júlio, tenta a reeleição em Ourilândia do Norte. Com ampla margem, o candidato do MDB pode sair vitorioso ainda no primeiro turno.

Seu nome é o segundo na lista apreendida pela PF, logo após o de Rener. A anotação “Ourilândia – 100.000 – Dr. Júlio” seria uma referência ao candidato. Ao lado do valor, é possível ler a sigla “PG”, comumente utilizada no lugar da palavra “pago”, segundo os investigadores.

Na prestação de contas oficial do candidato, informada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há nenhuma doação neste valor. O total de R$ 463.969,41 é dividido entre repasses do MDB, PL (parte da coligação) e doações de pessoas físicas.

“Todas as doações para o Dr. Júlio foram feitas por pessoas idôneas e da forma que determina a Justiça Eleitoral”, afirmou o advogado da campanha, que pediu para não ser identificado. Ele disse ainda que o candidato desconhece qualquer tipo de investigação da PF e destacou que Ourilândia do Norte não consta entre os municípios alvo da operação.

Em seu plano de governo, o candidato não menciona o tema mineração. Em seu mandato atual, chegou a aprovar uma lei para taxar as atividades de pesquisa e exploração de recursos minerários no município.

O número “50.00o” está ao lado de “Adelar”, uma referência a Adelar Pelegrini (MDB).  Em sua prestação de contas, também não há nenhuma doação com esse valor. O grosso dos R$ 391.495,99 foi doado pelo MDB e o restante por pessoas físicas.

Ele tenta ser prefeito de Tucumã pela terceira vez, após se eleger para o cargo em 2012 e 2016.

Seu plano de governo é o único que menciona o tema da mineração. Mas o tópico é descrito apenas como “Parceria Público Privada com as empresas de mineração e empresas parceiras”, sem detalhar quais seriam as propostas.

Tanto Dr Júlio quanto Adelar são apoiados pelo governador e colega de partido, Helder Barbalho. Procurado pela reportagem, o político não retornou até a publicação do texto.

Atual prefeita de Rio Maria, Márcia Ferreira também tenta a reeleição. Na política desde 2012 quando se elegeu vereadora, ela é apoiada por Jader Barbalho Filho, atual Ministro das Cidades e irmão do governador paraense.

Na lista encontrada pela PF há uma anotação de “Márcia” ao lado de “Rio Maria” e  “30.000”, o que indicaria a candidata. A citação também traz a sigla “PG”.

A prestação de contas da candidata não tem nenhuma doação com esse valor. O MDB repassou 99% dos R$ 161 mil utilizados na campanha até o momento. 

A Repórter Brasil procurou a prefeitura de Rio Maria, que negou o recebimento de “ajuda financeira de origem irregular ou ilícita, tampouco de pessoas envolvidas em operações da Polícia Federal na região”. A nota da prefeitura ressaltou que “eventuais menções a suposta ajuda financeira por quem quer que seja não significam vinculação com a administração municipal ou com a campanha eleitoral”.

O Ministério das Cidades respondeu que Jader Barbalho Filho “é presidente do MDB no Pará e apoia todos os 130 candidatos do partido no Estado”.

•                                         União Brasil

Outro nome na lista é José Barbosa de Faria, candidato a prefeito de Santa Maria Das Barreiras pelo União Brasil. O nome “Mussum”, como ele é conhecido, aparece junto com o valor de R$ 60.000 e a sigla “PG”.

Mussum tenta a eleição depois de ocupar o cargo de prefeito entre 2013 e 2016. Assim como no caso dos outros candidatos, sua prestação de contas não tem nenhuma doação com o valor indicado na lista apreendida.

No dia em que a operação da PF estourou, em 10 de setembro, Mussum estava em Brasília com o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), aliado da pauta garimpeira e defensor da extração de minérios em terras indígenas. “Eu  quero pedir seu voto, você vai ter um cara humilde, sensato,  humano na direção do município”, disse o senador. Em outro vídeo, publicado em julho, Zequinha chama Mussum de “meu irmão querido”. Procurada pela Repórter Brasil, a assessoria do senador não respondeu até o fechamento do texto.

O nome de Zequinha também apareceu na boca de Pedro Lima do Santos, que foi preso pela PF e é apontado como chefe do esquema de “esquentamento” de ouro extraído ilegalmente. Em entrevista concedida para uma rede de televisão local, ele contou que em 2020 foi a Brasília reunir-se com Marinho, a quem avaliou como “solidário” à causa dos garimpeiros. Na época, a reportagem procurou o senador que disse que não se manifestaria, pois o fato não tem vinculação com o mandato dele.

Já o candidato a prefeito de Pau D’Arco pelo União Brasil e ex-assessor especial do governo do Pará Clidean Ferreira Chaves aparece na lista como  “Dean”, como é conhecido, ao lado do valor de R$100.000 e da sigla “PG”.

A prestação de contas do candidato não tem nenhum repasse com esse valor. Grande parte do recurso de R$ 347.500,00 foi doado pelo PL, que faz parte da coligação, e outro repasse foi feito pelo próprio candidato.

Nas redes sociais, ele se apresenta como advogado e produtor rural e ostenta apoio do ex-deputado federal e atual Ministro do Turismo, Celso Sabino, a quem chama de “meu amigo”.

A reportagem procurou José Barbosa de Faria, Clidean Ferreira Chaves e Adelar Pelegrini, por meio de seus advogados e campanhas, mas não obteve retorno até o fechamento do texto. O espaço segue aberto para comentários.

•                                         Milícia e garimpo fantasma

No começo de setembro, um esquema bilionário de garimpos irregulares na Amazônia começou a ser desmantelado pela Polícia Federal, com a prisão de 13 suspeitos, incluindo um político e quatro policiais. 

A investigação aponta que a empresa de Pedro Lima dos Santos, ex-vereador e servidor da Prefeitura de Redenção (PA) , comprava ouro extraído ilegalmente em diversos estados, como Pará, Amazonas, Mato Grosso e Roraima.

O esquema era baseado no uso de um “garimpo fantasma” para emitir documentos falsos e dar aparência de legalidade ao ouro extraído sem permissão de várias partes da Amazônia, incluindo da Terra Indígena Kayapó.

Para isso acontecer, a organização contava com uma série de pessoas físicas e jurídicas (algumas de fachada), como mineradoras, cooperativas de garimpeiros, postos de combustíveis, lojas de joias e de aluguel de máquinas.

A PF também investiga uma milícia formada por policiais que controlavam garimpos dentro do território indígena. A investigação aponta o envolvimento dos policiais em outros crimes, como corrupção e o assassinato do garimpeiro Raí Souza Lima, morto em setembro do ano passado.

 

Fonte: Repórter Brasil

 

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