Entre a
seca e o calor extremo, indígenas destacam emergência climática na eleição
A
FUMAÇA, A SECA e o calor extremo invadiram as campanhas indígenas nas eleições
de 2024. Enquanto as estações do ano mostram que não são mais as mesmas, os
candidatos indígenas tentam convencer os eleitores de que as mudanças
climáticas afetam a todos e que o conhecimento dos povos originários é um
aliado nesse combate.
A
líder indígena Chirley Pankará (PSOL), que concorre ao cargo de vereadora em
São Paulo, exalta essa sabedoria tradicional ao dizer que os povos indígenas
possuem uma relação muito forte com os rios, as árvores e os animais.
“Os
povos indígenas são competentes, sabem dialogar, entendem de burocracia, de
cosmologia e de terra. Sabem fazer essa relação dos saberes, da ciência das
universidades e das ciências tradicionais de uma forma espetacular”, ela diz.
“Muitas
das vezes as pessoas olham para gente e dizem assim: ‘ah, é uma pauta
identitária’. Mas quando eu trago as questões ambientais, não são só os povos
indígenas que vão respirar”, continua Chirley.
Nascida
em Floresta, Pernambuco, ela vive há 26 anos na capital paulista. O estado de
São Paulo foi alvo de queimadas intensas no final de agosto, que atingiram
lavouras de cana-de-açúcar e cafezais. Entre agosto e setembro, o estado foi o
nono mais queimado do país, com 6.134 focos detectados pelo BDQueimadas, do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Se
eu estou lutando contra as queimadas, estou lutando pela sociedade que está
dentro desse clima, para que eles não tenham que respirar esse ar aqui em São
Paulo. A sociedade precisa olhar para nós e entender que temos capacidade de
unir nossa sabedoria ancestral e a ciência no freio às mudanças do clima. Somos
autoridades climáticas e isso não vai servir só para os indígenas, e sim para
todos”, finaliza.
Em
meio ao céu cinza de Rondônia por conta da fumaça das queimadas, Almir Suruí,
de 50 anos, diz à reportagem que a emergência climática precisa ser debatida
com mais seriedade. O líder do povo Paiter Suruí é candidato pelo PDT a
prefeito de Cacoal (RO). O estado é o sexto com mais queimadas desde o início
de agosto, com 7.261 focos, segundo o Inpe.
Ele
também cobra as autoridades para fortalecerem não apenas o conhecimento
científico e tecnológico, mas também o saber tradicional indígena como
instrumento de desenvolvimento para a Amazônia. “É preciso fazer a educação
ambiental. É possível produzir com quantidade e qualidade usando o sistema
agroflorestal, ou seja, junto com a floresta”, ele diz.
Para
isso, o candidato diz que é essencial ter indígenas nos espaços de decisão.
“Essa queimada no Brasil, na Amazônia e em Rondônia é alarmante. Estamos
respirando esse ar insalubre! Tem gente queimando a floresta que é patrimônio
de todos. Isso já traz prejuízo à saúde dos idosos, das crianças e da população
em geral”, continua.
Em
Santarém, a jovem Raquel Tupinambá (PT) tem como um de seus principais
compromissos o enfrentamento à emergência climática, cujos efeitos se refletem
diretamente nas comunidades. “Muitas aldeias ficam sem acesso à água potável
porque não tem poço artesiano ou o poço tem pouca profundidade”, diz.
Ela
menciona que as secas no município estão mais severas e o rio está secando cada
vez mais, fazendo com que o principal meio de locomoção dos indígenas entre
aldeias e cidades seja afetado. Isso tem dificultado as vidas das populações
que precisam se locomover. O Pará é o segundo mais queimado do país entre
agosto e setembro, com 31.237 focos de incêndio no período.
A
perda de agrobiodiversidade também é um tema trazido por Raquel para a
campanha. “Muitas variedades de mandioca foram perdidas na seca do ano passado,
enfrentamos uma mortalidade enorme de plantas que estão nos quintais e nas
roças”, diz.
• Seca
afeta pelo menos 42 terras indígenas na Amazônia
Dados
divulgados em setembro pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena
(GEMTI), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
(Coiab), revelaram que, em julho, a seca extrema atingiu 42 territórios
indígenas na Amazônia, entre 15 povos e um povo isolado. Essa área corresponde
a 53% dos territórios indígenas da Amazônia brasileira, afetando diretamente
mais de 3.000 domicílios indígenas, 110 escolas e 40 unidades de saúde dentro
dos territórios.
De
acordo com o levantamento do GEMTI, os territórios indígenas que apresentaram
maior quantidade de focos de calor ao longo de 2024 foram quatro de Mato Grosso
(Paresi, Utiariti, Parabubure e Areões), três do Tocantins (Parque do Araguaia,
Inawebohona e Kraolândia), dois do Pará (Kayapó e Munduruku) e um território no
estado de Roraima (Yanomami).
Na
cidade de Manaus, a candidata a vereadora Vanda Witoto (Rede Sustentabilidade),
que também é ativista climática, conta que esse cenário alarmante afeta não
apenas a sua campanha, mas a sua vida de modo geral, pois sua saúde já não é a
mesma por conta da alta temperatura. “Nesse momento de calor extremo, o nosso
corpo está muito adoecido. Estou bem debilitada de saúde, com baixa imunidade,
com a garganta dolorida, o olho que arde, o corpo que arde com essa temperatura
que a gente está sentindo aqui”, diz.
O
aumento da temperatura fez com que a campanha da candidata tivesse outra
dinâmica para fazer suas reuniões e conversas com os eleitores. “A gente está
tendo que escolher horários para o fim da noite, fim da tarde ou de manhã bem
cedo, para ir para algum ponto, porque é insuportável você estar fazendo
campanha nessa temperatura”, relata Vanda.
Ela
destaca também o risco enfrentado por indígenas em territórios quase isolados
em razão da seca, e critica a falta de um plano para enfrentamento. “[Estou]
vendo essa situação dramática das nossas comunidades ao longo dos municípios do
interior com a seca. [Mas] a gente não pode fazer muita coisa, porque a cidade
não tem um plano para enfrentarmos essa situação climática”, afirma.
Vanda
destaca a necessidade de ter representantes preocupados com a pauta ambiental,
pois muitos dos que estão hoje no poder são negacionistas quando se trata desse
assunto, diz ela.
“As
periferias e as comunidades estão em condições de vulnerabilidade, muitas estão
sendo impactadas [pelo clima] num grau de desigualdade extrema. Dentro dessa
trajetória política, um dos meus objetivos é criar mecanismo de enfrentamento a
esses desafios, a essas desigualdades sociais que a gente já enfrenta
historicamente e que hoje estão aguçadas pelas questões climáticas”, finaliza a
ativista.
• PF
encontra lista que sugere repasses de R$ 980 mil de garimpo a candidatos do PA
UMA
LISTA ENCONTRADA pela Polícia Federal sugere possíveis repasses de garimpos
ilegais de ao menos R$ 980 mil a candidatos a prefeito e vereador no Pará. Em
setembro, como revelado pela Repórter Brasil, a PF deu início a uma
investigação sobre a exploração ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no sul
do estado.
Os
valores são descritos em uma folha escrita à mão com o título “gastos de
campanha”. O papel foi achado durante busca e apreensão em uma das empresas de
Pedro Lima dos Santos, servidor da prefeitura de Redenção (PA) preso na
operação e apontado pelos investigadores como o cabeça da organização
criminosa.
“Foram
encontrados documentos que citam partidos eleitorais e prováveis políticos da
região (fato a se investigar) em possíveis ‘folhas de pagamento’”, diz um
trecho do relatório da operação, acessado com exclusividade pela Repórter
Brasil. A PF apura se o dinheiro do garimpo ilegal financiou a campanha de
candidatos nas eleições de 2024.
A
lista traz nomes ligados a diferentes partidos, como União Brasil, MDB e PRD.
O
primeiro na lista é Rener, uma menção a Rener de Santana Miranda (PRD),
candidato a prefeito que lidera a disputa em Redenção (PA). O nome aparece ao
lado do valor R$ 300 mil; o mais elevado.
À
Repórter Brasil, a campanha de Dr Rener, como ele é conhecido, negou
irregularidades e afirmou não ter recebido doações de Pedro Lima dos
Santos.
A
lista traz ainda outros cinco nomes de candidatos a prefeito: Júlio Cesar
Dairel (MDB), de Ourilândia do Norte; José Barbosa de Faria (União Brasil), de
Santa Maria das Barreiras; Márcia Ferreira Lopes (MDB), de Rio Maria; Clidean
Ferreira Chaves (MDB), de Pau D’Arco; e Adelar Pelegrini (MDB), de Tucumã.
O documento
ainda inclui anotações como “10 vereadores”. Os valores repassados vão de R$ 30
mil a R$ 300 mil.
• MDB
O
médico Júlio Cesar Dairel, o Dr. Júlio, tenta a reeleição em Ourilândia do
Norte. Com ampla margem, o candidato do MDB pode sair vitorioso ainda no
primeiro turno.
Seu
nome é o segundo na lista apreendida pela PF, logo após o de Rener. A anotação
“Ourilândia – 100.000 – Dr. Júlio” seria uma referência ao candidato. Ao lado
do valor, é possível ler a sigla “PG”, comumente utilizada no lugar da palavra
“pago”, segundo os investigadores.
Na
prestação de contas oficial do candidato, informada ao Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), não há nenhuma doação neste valor. O total de R$ 463.969,41 é
dividido entre repasses do MDB, PL (parte da coligação) e doações de pessoas
físicas.
“Todas
as doações para o Dr. Júlio foram feitas por pessoas idôneas e da forma que
determina a Justiça Eleitoral”, afirmou o advogado da campanha, que pediu para
não ser identificado. Ele disse ainda que o candidato desconhece qualquer tipo
de investigação da PF e destacou que Ourilândia do Norte não consta entre os
municípios alvo da operação.
Em
seu plano de governo, o candidato não menciona o tema mineração. Em seu mandato
atual, chegou a aprovar uma lei para taxar as atividades de pesquisa e
exploração de recursos minerários no município.
O
número “50.00o” está ao lado de “Adelar”, uma referência a Adelar Pelegrini
(MDB). Em sua prestação de contas,
também não há nenhuma doação com esse valor. O grosso dos R$ 391.495,99 foi
doado pelo MDB e o restante por pessoas físicas.
Ele
tenta ser prefeito de Tucumã pela terceira vez, após se eleger para o cargo em
2012 e 2016.
Seu
plano de governo é o único que menciona o tema da mineração. Mas o tópico é
descrito apenas como “Parceria Público Privada com as empresas de mineração e
empresas parceiras”, sem detalhar quais seriam as propostas.
Tanto
Dr Júlio quanto Adelar são apoiados pelo governador e colega de partido, Helder
Barbalho. Procurado pela reportagem, o político não retornou até a publicação
do texto.
Atual
prefeita de Rio Maria, Márcia Ferreira também tenta a reeleição. Na política
desde 2012 quando se elegeu vereadora, ela é apoiada por Jader Barbalho Filho,
atual Ministro das Cidades e irmão do governador paraense.
Na
lista encontrada pela PF há uma anotação de “Márcia” ao lado de “Rio Maria”
e “30.000”, o que indicaria a candidata.
A citação também traz a sigla “PG”.
A
prestação de contas da candidata não tem nenhuma doação com esse valor. O MDB
repassou 99% dos R$ 161 mil utilizados na campanha até o momento.
A
Repórter Brasil procurou a prefeitura de Rio Maria, que negou o recebimento de
“ajuda financeira de origem irregular ou ilícita, tampouco de pessoas
envolvidas em operações da Polícia Federal na região”. A nota da prefeitura
ressaltou que “eventuais menções a suposta ajuda financeira por quem quer que
seja não significam vinculação com a administração municipal ou com a campanha
eleitoral”.
O
Ministério das Cidades respondeu que Jader Barbalho Filho “é presidente do MDB
no Pará e apoia todos os 130 candidatos do partido no Estado”.
• União
Brasil
Outro
nome na lista é José Barbosa de Faria, candidato a prefeito de Santa Maria Das
Barreiras pelo União Brasil. O nome “Mussum”, como ele é conhecido, aparece
junto com o valor de R$ 60.000 e a sigla “PG”.
Mussum
tenta a eleição depois de ocupar o cargo de prefeito entre 2013 e 2016. Assim
como no caso dos outros candidatos, sua prestação de contas não tem nenhuma
doação com o valor indicado na lista apreendida.
No
dia em que a operação da PF estourou, em 10 de setembro, Mussum estava em
Brasília com o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), aliado da pauta
garimpeira e defensor da extração de minérios em terras indígenas. “Eu quero pedir seu voto, você vai ter um cara
humilde, sensato, humano na direção do
município”, disse o senador. Em outro vídeo, publicado em julho, Zequinha chama
Mussum de “meu irmão querido”. Procurada pela Repórter Brasil, a assessoria do
senador não respondeu até o fechamento do texto.
O
nome de Zequinha também apareceu na boca de Pedro Lima do Santos, que foi preso
pela PF e é apontado como chefe do esquema de “esquentamento” de ouro extraído
ilegalmente. Em entrevista concedida para uma rede de televisão local, ele
contou que em 2020 foi a Brasília reunir-se com Marinho, a quem avaliou como
“solidário” à causa dos garimpeiros. Na época, a reportagem procurou o senador
que disse que não se manifestaria, pois o fato não tem vinculação com o mandato
dele.
Já
o candidato a prefeito de Pau D’Arco pelo União Brasil e ex-assessor especial
do governo do Pará Clidean Ferreira Chaves aparece na lista como “Dean”, como é conhecido, ao lado do valor de
R$100.000 e da sigla “PG”.
A
prestação de contas do candidato não tem nenhum repasse com esse valor. Grande
parte do recurso de R$ 347.500,00 foi doado pelo PL, que faz parte da
coligação, e outro repasse foi feito pelo próprio candidato.
Nas
redes sociais, ele se apresenta como advogado e produtor rural e ostenta apoio
do ex-deputado federal e atual Ministro do Turismo, Celso Sabino, a quem chama
de “meu amigo”.
A
reportagem procurou José Barbosa de Faria, Clidean Ferreira Chaves e Adelar
Pelegrini, por meio de seus advogados e campanhas, mas não obteve retorno até o
fechamento do texto. O espaço segue aberto para comentários.
• Milícia
e garimpo fantasma
No
começo de setembro, um esquema bilionário de garimpos irregulares na Amazônia
começou a ser desmantelado pela Polícia Federal, com a prisão de 13 suspeitos,
incluindo um político e quatro policiais.
A
investigação aponta que a empresa de Pedro Lima dos Santos, ex-vereador e
servidor da Prefeitura de Redenção (PA) , comprava ouro extraído ilegalmente em
diversos estados, como Pará, Amazonas, Mato Grosso e Roraima.
O
esquema era baseado no uso de um “garimpo fantasma” para emitir documentos
falsos e dar aparência de legalidade ao ouro extraído sem permissão de várias
partes da Amazônia, incluindo da Terra Indígena Kayapó.
Para
isso acontecer, a organização contava com uma série de pessoas físicas e
jurídicas (algumas de fachada), como mineradoras, cooperativas de garimpeiros,
postos de combustíveis, lojas de joias e de aluguel de máquinas.
A
PF também investiga uma milícia formada por policiais que controlavam garimpos
dentro do território indígena. A investigação aponta o envolvimento dos
policiais em outros crimes, como corrupção e o assassinato do garimpeiro Raí
Souza Lima, morto em setembro do ano passado.
Fonte:
Repórter Brasil
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