“O pobre
de direita: a vingança dos bastardos. O que explica a adesão dos ressentidos à
extrema direita?”
O pobre de direita: a vingança dos bastardos (Civilização Brasileira) é o mais novo livro de Jessé
Souza, doutor em Sociologia pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg
(Alemanha), autor de best-sellers como A elite do atraso (Leya)
e A ralé brasileira (Civilização Brasileira), e um dos mais
importantes sociólogos brasileiros da atualidade.
Nesta
entrevista ao Extra Classe, Jessé discute como o ressentimento social,
originado na humilhação e na exclusão, tem sido explorado por figuras como Jair
Bolsonaro, que manipula as fragilidades de populações vulneráveis.
Independente
de ganho econômico ou pauta de costumes, o novo trabalho do sociólogo indica
que é o racismo que está na raiz da virada moralista que impulsionou a extrema
direita no Brasil.
Para
ele, de fato – em conexão a histórias de racismo e desigualdade no Brasil – há
sentimentos que perpetuam a dominação por meio da manutenção de estruturas de
poder que limitam o desenvolvimento de uma verdadeira democracia social.
Na
conversa, Souza aprofunda o conceito de pobre de direita e revela como
indivíduos desprivilegiados, tanto brancos quanto negros e mestiços, são
seduzidos por discursos que prometem reconhecimento e dignidade, mesmo que isso
signifique apoiar políticas que perpetuam sua própria opressão.
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Confira a entrevista.
·
Você tem dito que o
pobre de direita é o fenômeno mais importante do país hoje. Como assim?
Lembra
que os pobres votavam em uníssono com o PT até 2016? O que foi que aconteceu
para que, agora, metade dos pobres, pelo menos, votem em partidos elitistas e
na extrema-direita? Aquela história da barata votando no chinelo, contra seus
melhores interesses. As explicações que existem para isso não são boas. Uma diz
que essas pessoas são burras, o que não é verdade; os seres humanos são
inteligentes. Outra resposta, mais acadêmica, diz que é uma mera filiação
religiosa. Como se não tivesse que explicar por que as pessoas procuram e
escolhem uma certa orientação religiosa. A causa é muito mais profunda.
·
Chama a atenção no seu
livro O Pobre de Direita o subtítulo: A Vingança dos Bastardos. Imagino que
isto tenha relação ao comportamento chave que diversos estudiosos sobre a
extrema-direita identificam, o ressentimento. É por aí?
Exatamente,
é por aí. Mas esse ressentimento precisa ser explicado. Ressentimento é uma
palavra que precisa ser definida; mas, obviamente, tem a ver com o quê? Tem a
ver com o sentimento de humilhação que as parcelas mais econômicas das classes
populares sofrem, ainda que as classes populares não sejam a mesma coisa. No
Brasil, 80% do povo, dividido entre aqueles que ganham 2,5 salários mínimos e
abaixo de 2, você teria duas classes. Uma classe que eu chamo provocativamente
de ralé, a de oprimidos, de odiados, de abandonados, é 40%. Estão abaixo, ficam
de zero a dois salários mínimos. E a que eu já chamei em outro livro de
batalhadora, uma espécie de classe trabalhadora precária entre nós. Estes são
bastardos de quê? Eles são os bastardos da nação brasileira, do projeto da
nação brasileira. Desde Getúlio Vargas se tem a ideia de que isso aqui pode ser
um país rico para todos, não apenas para uma pequena minoria, o 0,1% que tem
toda a propriedade relevante e explora todo o mundo.
·
E a, digamos, classe
média real?
É
comparável a uma classe média europeia ou americana. Não chega nunca aqui, em
nenhum lugar, a 20% da população. Esses 80% que estão abaixo de 2,5 salários,
sofrem uma humilhação com objetivo. Não tem dinheiro, nem conhecimento
incorporado. Assim, vão ser expostos à vergonha, a obrigações, etc., etc., etc.
Ou seja, vão ser bastardos de um projeto de desenvolvimento que foi abortado.
·
Mas, o conceito não é
novo, não? Tim Maia nos anos 1980 já dizia, entre outras coisas, que o Brasil
não podia dar certo porque pobre é de direita (risos). Além de um contraponto
ao socialista de iPhone, a que você atribui a popularização do termo pobre de
direita?
A
popularização do termo pobre de direita parece estar diretamente ligada à
figura de Jair Bolsonaro. Ele conseguiu transformar vulnerabilidades sociais em
algo perigoso. Manipulou as fragilidades do povo contra o próprio povo mesmo.
Foi esse cenário que me levou a escrever sobre o tema. Acho que a questão
central no Brasil hoje é justamente essa: como alguém, que tem seus direitos e
dignidade tolhidos, pode defender formas de opressão que perpetuam sua
condição?
·
No início da nossa
conversa você falou de respostas e que há complexidade para a origem desse
fenômeno. Qual a sua conclusão?
A
resposta mais comum tende a ser racionalista ou simplista, atribuindo a
explicação a fatores como a mentalidade conservadora ou religiosa,
especialmente entre a população evangélica. No entanto, essa abordagem me
parece insuficiente. Para entender de fato esse fenômeno, é preciso conectar os
erros do passado ao presente e tentar projetar para o futuro. A compreensão não
pode ser fragmentada; ela exige uma visão integrada. O que Bolsonaro fez foi
explorar exatamente as vulnerabilidades dessas pessoas. Ele se dirigiu a uma
parcela da população que trabalha em condições precárias, seja em empregos de
nível técnico ou em ocupações que desumanizam o trabalhador. E essa parcela da
população, muitas vezes privada de acesso ao conhecimento – o que explica os
ataques de Bolsonaro às universidades, artes e cultura – reage com raiva, mas
sem direcionar essa raiva à fonte real de seus problemas.
·
Parece que também
temos aí outros exemplos na história, não?
Essa
situação lembra os trabalhadores ingleses do início do século 19, que, sem
entender as causas de sua opressão, quebravam as máquinas nas fábricas. Da
mesma forma, muitos hoje atacam as expressões culturais e intelectuais, sem
perceber que estão lutando contra os efeitos, e não contra a origem de sua
marginalização. No fundo, o que essas pessoas buscam é reconhecimento, algo
fundamental na modernidade. Esse reconhecimento pode vir tanto do trabalho,
que, quando valorizado, traz respeito e autoestima, quanto das relações
pessoais e da construção de uma identidade moral. Ao escolher uma denominação
religiosa ou adotar valores conservadores, muitos encontram uma forma de se
sentirem superiores ou moralmente distintos, o que faz parte do mecanismo de
uma sociedade hierarquizada.
·
Um ponto muito
interessante foi a sua ideia em jogar luz sobre a parte majoritariamente branca
do país (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e a
“majoritariamente negra e mestiça – de São Paulo ‘para cima’ no mapa”. Como se
deu a metodologia para a coleta de dados que culminou em sua análise e a
produção do livro?
A
metodologia que resultou no livro não foi apenas técnica, baseada em dados
frios, mas também se formou a partir das minhas vivências e experiências
pessoais. Quando me mudei para São Paulo em 2017, isso foi crucial para
entender o Brasil de uma forma diferente. Percebi que São Paulo é o centro das
decisões do país. As elites paulistas, com toda sua diversidade, concentram um
poder que é difícil encontrar paralelo em outro lugar. São Paulo é o coração do
Brasil decisório, um espaço onde florescem todas as influências, e essa
realidade me permitiu enxergar as dinâmicas regionais de forma mais profunda.
Ao mesmo tempo, por meio de viagens ao Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul, fui conhecendo melhor a história e o orgulho dos descendentes de imigrantes
europeus. Há, nessas regiões, uma continuidade histórica muito clara, um
orgulho de sangue que, em muitos casos, impede que esses grupos se vejam como
parte integral do povo brasileiro. Existe uma distinção simbólica e social que
é mantida até hoje, especialmente em relação aos nordestinos. E essa visão se
expressa em preconceitos que ecoam ideias absurdas, como a de que nordestinos
“vivem de graça”, quando, na realidade, são trabalhadores incansáveis.
·
O que está por trás
disso?
A
grande questão por trás dessa dinâmica é que o comportamento humano, em sua
essência, não é ditado exclusivamente por fatores econômicos. Ao contrário do
que muitos afirmam, nunca foi apenas sobre economia. A economia é, na verdade,
uma construção moral. Toda estrutura de produção e distribuição de bens carrega
consigo uma teoria implícita de justiça e moralidade, definindo quem fica com a
melhor ou a pior parte. Assim, o racismo no Brasil não pode ser explicado
apenas pela dimensão econômica, mas sim pela forma como a moralidade e as
hierarquias sociais foram moldadas ao longo da história.
·
O racismo sempre
presente, então?
Sim.
E é justamente aí que entra o racismo. A ideia de um Brasil cordial, onde não
se fala abertamente sobre racismo, é enganosa. O racismo continua existindo,
mas agora sob máscaras, disfarçado em preconceitos regionais e culturais. O
racismo racial foi transformado em racismo cordial, o que faz com que as
pessoas não se identifiquem mais como racistas, mas reproduzam comportamentos e
narrativas que perpetuam as mesmas desigualdades.
·
Racismo racial?
Sim.
Porque, agora, temos o racismo regional. Esse racismo se manifesta de forma
particularmente evidente no preconceito contra os nordestinos. É uma
continuidade do racismo racial, apenas sob diferentes formas. Os descendentes
de imigrantes no Sul do Brasil, por exemplo, muitas vezes se orgulham de sua
disciplina, de seu “amor ao trabalho”, como se isso fosse uma característica
exclusiva e superior. É, em essência, uma forma de racismo. E isso afeta as
mesmas pessoas que o racismo racial atinge. O ponto crucial é que o racismo
regional não é algo menor, como pode parecer à primeira vista.
·
Explique.
Ele
é uma variação do mesmo racismo estrutural que molda as relações de poder no
Brasil. E é nesse contexto que o fenômeno do pobre de direita pode ser melhor
compreendido. Uma grande parte da população branca pobre do Sul e de São Paulo,
que corresponde a cerca de 60% dessas regiões, compartilha dessa visão pobre de
direita, enquanto os 20% que são ricos acabam por não contar tanto na dinâmica
social. Esse racismo, sob suas diversas formas, é fundamental para entender
como essas pessoas classificam e avaliam o mundo, e ele está no cerne das
divisões sociais e políticas do país.
·
Fora o ressentimento,
o que você identificou como similar entre esses pobres de direita brancos e
negros ou mestiços?
A
semelhança entre os pobres de direita, sejam eles brancos, negros ou mestiços,
está profundamente relacionada com uma necessidade essencial de reconhecimento,
algo que a literatura neohegeliana explora bastante. A necessidade de ser
reconhecido é uma das mais prementes, especialmente para aqueles que vivem à
margem. Nós, da classe média, não experimentamos esse tipo de humilhação
constante. Para entendê-los, é preciso se colocar no lugar deles, e isso
significa compreender o sofrimento diário que essas pessoas enfrentam. A
humilhação, para essas pessoas, não é algo pontual – é uma constante, algo que
molda sua vida 24 horas por dia. É como se até nos sonhos a humilhação
continuasse, porque o material dos sonhos é o que vivemos durante o dia.
Imagine alguém que precisa passar três horas em um ônibus para chegar em casa.
Isso é um exemplo claro de uma experiência diária de humilhação. Essas pessoas
estão imersas nesse ciclo de desvalorização e dor.
·
E o que alguém que
vive assim deseja?
Escapar.
Nem que seja por um momento, dessa condenação. Aí entra o papel de um líder ou
de uma ideologia que oferece uma saída simbólica. Alguém chega e diz: “Você é
melhor porque é hétero, porque não é gay.” Isso, de repente, se transforma em
uma boia de salvação. Por um instante, aquela pessoa que se sente
constantemente humilhada encontra algo que a faz se sentir digna, respeitada.
Isso é o que chamo de manipulação das vulnerabilidades do pobre. Quando você
explora essa necessidade de reconhecimento, você está oferecendo uma fuga
temporária da humilhação. A extrema-direita entendeu isso há muito tempo e usa
esse conhecimento para captar essas pessoas, jogando com seus anseios e
frustrações de maneira calculada.
·
O que diferencia os
pobres de direita brancos, negros e mestiços?
O
que diferencia é que a situação do negro é muito pior. A diferença está no
nível de exclusão que cada um enfrenta. No caso do negro, a situação é
significativamente pior. Para entender isso, é preciso lembrar que a hierarquia
social que discutimos coloca as pessoas em diferentes níveis de reconhecimento,
especialmente no trabalho. Algumas, geralmente da classe média ou da parte
superior da classe trabalhadora, conseguem um certo reconhecimento, uma
sensação de que seu trabalho é valorizado, que têm um papel na sociedade. No
entanto, há aqueles que ficam para trás – seja por razões de classe, de
família, ou ambos.
·
Por exemplo?
O
branco pobre, por exemplo, pode perceber sua exclusão como uma diminuição de
seu valor. Ele vê outros brancos que têm acesso à educação, aos cargos mais
altos e ao capital, e essa comparação o fere, porque ele acredita que, como
branco, ele deveria estar num patamar melhor. Seu ressentimento nasce dessa
crença: ele se vê como alguém que deveria ocupar um lugar de destaque, mas não
consegue. Agora, o caso do negro é muito mais grave. A luta dele não é apenas
por melhores oportunidades econômicas ou sociais; é uma luta para ser
reconhecido como humano, algo básico. O negro enfrenta uma negação constante de
sua própria humanidade, de seu direito de existir no mundo. Ele precisa lutar,
diariamente, para afirmar que tem o direito à vida, algo que o branco pobre já
presume ter. A base do ressentimento do branco pobre é a perda de um status que
ele acredita que deveria ter, enquanto o negro nem sequer é considerado parte
da estrutura de poder e reconhecimento desde o início.
·
Em outras palavras?
O
branco pobre se sente deslocado de um lugar que acha que deveria ocupar,
enquanto o negro luta para ser minimamente reconhecido como parte da sociedade.
Esse é o nível mais profundo da exclusão racial no Brasil: o branco pobre ainda
tem um lugar presumido no mundo, mesmo que inferior ao de outros brancos. Já o
negro é constantemente negado, em múltiplas esferas, de seu direito de existir
com dignidade.
·
Você afirma “Nunca foi
a economia, tolinho!”, em contraste com a famosa frase “É a economia,
estúpido!”. Como dizer isso, considerando que governos caíram por causa de mau
desempenho econômico (Collor e Dilma), ao mesmo tempo que Lula, mesmo com a
questão do Mensalão, conseguiu se reeleger e terminar seu segundo mandato com
altíssima popularidade?
Isso
é uma questão filosófica fundamental. Eu entendo a economia como economia
política. Quando você pensa em economia política, já está envolvendo
moralidade. A forma como se distribui e produz bens tem uma dimensão moral que
geralmente não é visível. O que as pessoas enxergam é a economia como um
conjunto de números e fatos isolados, mas isso não é a verdade completa. Por
exemplo, a Dilma começou a ser atacada em 2012, quando a economia ainda estava
indo bem, porque ela tentou cortar pela metade a taxa de juros e vinha
reduzindo a taxa há anos. Isso não é sobre economia pura, é política. E
política sempre está ligada à moralidade, questões éticas, sociais. Então,
quando digo “nunca foi a economia”, é porque a economia em si, como algo neutro
e imutável, não existe. Isso é uma ilusão criada para manter o sistema de
dominação, para parecer que há uma ordem econômica natural que não pode ser
questionada. A economia é política, e é por isso que tentar formalizá-la em
equações e números não dá conta da realidade.
·
Você diz no livro que
este extrato da população que hoje é identificada como pobres de direita já
elegeu quatro vezes seguidas um partido de esquerda para presidir o Brasil.
Três vezes, sob a pecha do Mensalão. Você identifica a Operação Lava Jato como
um dos pontos de inflexão?
Sim.
A Lava Jato foi o golpe que conseguiram consolidar. Tentaram antes, com o
Mensalão, e não conseguiram. Naquela época, faltava organização, mas depois, os
americanos decidiram treinar o pessoal. Surgiu em um pretexto de estudar e
combater lavagem de dinheiro, mas, na verdade, era uma forma de capacitar
agentes no Estado para enfraquecer governos de esquerda, que os Estados Unidos
não queriam ver prosperar. Os Estados Unidos nunca toleraram projetos de
democracia soberana na América Latina. Aí entra a aliança entre a elite
norte-americana e a elite brasileira, que também tinha seus interesses. O
governo estava começando a redistribuir uma parte mínima da renda e do
orçamento público, o que, para essas elites, já era intolerável. A Lava Jato
começou a ser gestada em 2007 e culminou em 2014, com a dobradinha entre o juiz
Moro e o procurador Dallagnol. Ambos foram endeusados pela mídia, especialmente
pela Rede Globo.
·
Não foi pela
corrupção, foi pela política?
Como
não conseguiram no voto, a Lava Jato foi o caminho encontrado para remover o PT
do poder. Por meios extraeleitorais, usando o sistema jurídico como arma
política. No Brasil, a Lava Jato teve o objetivo de desmantelar o projeto de
desenvolvimento iniciado por Getúlio Vargas e retomado por Lula, a construção
de uma indústria nacional, baseada em petróleo, gás e infraestrutura.
Refinarias foram abandonadas, passamos a exportar o petróleo cru e depender dos
produtos refinados de fora. A Lava Jato foi o mensageira desse pacto entre a
elite nacional anti-industrial e os interesses americanos, que não queriam ver
o Brasil se industrializar. E, quando o objetivo foi cumprido, a operação
praticamente se extinguiu.
·
Fale sobre esta elite
brasileira anti-industrial.
A
elite brasileira é anti-industrial no sentido de que nunca foi realmente
empreendedora. Nunca foi elite. A questão dessa gente sempre foi roubar o
Estado. É subsídios para quem não precisa; é o rentismo. Em vez de promover
investimentos que impulsionem a economia, o foco é “mamar” o orçamento público.
Mais da metade dos recursos do governo vai para uma pequena elite que detém os
títulos da dívida pública, uma dívida que, na verdade, é obscura e nunca foi
aplicada em benefícios concretos para o país.
·
Uma dívida, aliás, que
todo mundo paga.
O
grande problema é que a população paga por algo que nem entende. É uma dívida
que, em boa parte, pode ser fraude. O Equador, por exemplo, fez uma auditoria e
descobriu que 70% da sua dívida era fraudulenta. Quem estuda a dívida pública
brasileira sugere que essa fraude pode chegar a 90% aqui. É uma estrutura de
saque montada pela elite que tem o controle do Banco Central, o apoio de
figuras políticas como o presidente da Câmara, Arthur Lira, e a imprensa sob
seu domínio. Ou seja, ou eles são donos dos veículos de mídia, ou são seus
maiores anunciantes. Assim, controlam o discurso que chega à maioria da
população. Com o Banco Central nas mãos, com políticos e a mídia no bolso, a
elite faz o que quer, manipulando a economia de acordo com seus próprios interesses.
·
Você vê formas de sair
desta armadilha que acabou criando o pobre de direita?
Essa
questão é a de um bilhão de dólares. Para sair dessa armadilha, é preciso criar
uma contra-hegemonia, como diria o velho Gramsci. Ele percebeu que o poder não
é apenas material, mas fundamentalmente ideológico. São as ideias que moldam o
comportamento e tornam certas realidades aceitáveis. Nesse sentido, a mudança
não vem apenas por confrontar a estrutura material, mas por disputar a
narrativa, o controle das ideias. Hoje, o problema é que não há um esforço
coordenado para apresentar uma visão alternativa da sociedade. As publicações,
os meios de comunicação, são tratados como se não fossem tão importantes. Falta
uma estratégia clara para fazer com que essas ideias alternativas cheguem às
pessoas. Pode ser por rádios comunitárias, iniciativas locais, qualquer meio
que agregue. O grande drama é que parece que as pessoas nem percebem a urgência
disso.
·
Qual a dimensão desse
drama?
Quando
as ideias dominantes se tornam naturalizadas, quase não há questionamento. A
religião fundamentalista, por exemplo, entra nesse jogo e, podendo até se
diferenciar de figuras como Bolsonaro, no fundo, continua apoiando interesses
de privatização, juros altos e políticas que beneficiam uma minoria. E quem vai
desmascarar essa realidade para as pessoas? Quando o mundo é falseado e essa
falsa realidade se impõe como a única possível, as barreiras ficam quase que
intransponíveis.
Fonte:
Entrevista com Jessé Souza, para Menna Barreto, no Extra Classe
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