quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Como estão os países signatários do BRICS na 'corrida do urânio'?

Considerada fonte de energia limpa por não emitir gases poluentes, a energia nuclear tem ganhado cada vez mais atenção. Donos de grandes reservas de urânio, como estão os países signatários do BRICS nessa corrida?

Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, os primeiros membros do BRICS e que, nessa ordem, dão nome ao bloco, se destacam, cada um a sua maneira, quando o assunto é energia nuclear, segundo especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.

De acordo com Jorge Mortean, mestre em estudos regionais do Oriente Médio pela Escola Internacional de Relações Exteriores da República Islâmica do Irã e doutorando em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP), o Brasil pode ser considerado como um país que domina a tecnologia para a produção de energia nuclear.

O próprio diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, ressaltou o potencial brasileiro, baseado na infraestrutura nuclear existente e avançada com a qual o país conta.

O Brasil, atualmente, com as usinas Angra 1 e Angra 2, além de pequenos reatores em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, alocados com finalidade de pesquisa e treinamento.

A China, por sua vez, é quem mais constrói reatores nucleares para a produção de energia no mundo, conta Thalles Campagnani, engenheiro mecatrônico e mestrando em ciências e técnicas nucleares na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"A China está construindo reator nuclear numa velocidade muito grande. A China constrói reatores tradicionais, constrói reatores projetados por outras pessoas, ela projeta seus próprios reatores, ela constrói reator rápido, constrói reator térmico, ela está fazendo pesquisa em reatores a tório", resume.

Apesar da potência apresentada pela China, Mortean coloca Rússia e Índia no mesmo patamar dos chineses em relação ao domínio para a produção de energia atômica. O nível de desenvolvimento é tão alto que, conforme relembra o pesquisador, os três países já realizaram testes com armamentos nucleares e obtiveram sucesso.

A África do Sul também é um país rico em urânio. Segundo a Associação Nuclear Mundial, o país está entre os nove principais donos de jazida de urânio no mundo. Mortean conta que há, inclusive, suspeitas de que os sul-africanos testaram a detonação de uma bomba nuclear durante a década de 1980. "São suposições", enfatiza.

Irã, o enriquecimento de urânio e o limiar entre a produção de energia e armamentos

Com a entrada de novos membros para o BRICS concretizada neste ano, o bloco recebeu Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e o Irã. Este último, enfrenta preocupações por parte da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIEA) e tem o urânio enriquecido no centro das tensões com os EUA.

Urânio enriquecido

Campagnani explica que existem dois tipos de urânio-235 e o urânio-238, o primeiro é considerado físsil, ou seja, pode sustentar uma reação em cadeia de fissão nuclear. Portanto, este é o favorito por fissionar com nêutrons de qualquer quantidade de energia.

Entretanto, conforme lembra o pesquisador, "a cada mil átomos de urânio, sete são o 235, que é o favorito". O urânio-238, existente em maior quantidade na natureza, além de necessitar de nêutrons com maiores quantidades de energia para fissionar, ele produz plutônio.

Nesse sentido, para produzir energia nuclear sem necessariamente produzir plutônio, os cientistas aumentam a quantidade de urânio-235, o que é chamado de enriquecimento.

"Enriquecimento isotópico. Ou seja, a gente está aumentando a quantidade daquele isótopo, o isótopo urânio-235".

O analista comenta que há vários processos de enriquecimento, como à laser ou à difusão gasosa, mas o favorito, que tem um gasto menor de energia para fazer o processamento, é o enriquecimento por centrifugação.

Nesse exercício, ele conta que é preciso minerar o urânio e "fazer vários processos químicos até chegar ao hexafluoreto de urânio, que é o urânio misturado com flúor, ele vai ficar gasoso e então passa ele na centrífuga", explica, contando uma parte do processo.

A passagem na centrífuga é feita repetidas vezes. O pesquisador afirma que é gasto muito urânio para poder obter uma pequena quantidade de urânio enriquecido.

O urânio-235 é justamente aquele que tem capacidade explosiva. "Para você conseguir fazer um dispositivo, um explosivo nuclear, você precisa de muito, muito urânio-235. Para você produzir uma energia, para você fazer uma usina nuclear, para você produzir energia com urânio, você não precisa de tanto enriquecimento", explica Campagnani.

•        Urânio e a tensão EUA x Irã

O novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian foi eleito neste ano sob a promessa de retomar diálogo e acordo nuclear com Ocidente. Em 2018, o então presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a decisão de abandonar o acordo nuclear firmado com o Irã, retomando as sanções contra o país.

Pezeshkian afirmou, além da perspectiva de retomar o diálogo, que o Irã fora forçado a enriquecer urânio devido a saída dos EUA do acordo nuclear.

Mortean analisa que apontar para a ausência de escolhas soa reducionista do ponto de vista diplomático e que os EUA tem seus interesses estratégicos.

Por outro lado, não se pode afirmar que o Irã está enriquecendo urânio para fins bélicos. "Na prática, até agora, não houve provas de que o Irã conseguiu um domínio pleno da tecnologia nuclear que aponte que o país esteja pronto para testar um armamento".

O especialista encara esse grande desenvolvimento nuclear no âmbito do enriquecimento de urânio como a "grande barganha" que o Irã tem diante do atual cenário geopolítico.

"Se eles concluem o desenvolvimento dessa bomba e testam com sucesso, eles fecham qualquer tipo de porta para negociações financeiras que estão por trás dessa ferramenta de barganha, que é o programa de desenvolvimento nuclear iraniano. Ou seja, a 'ameaça iraniana' de poder desenvolver, de mostrar ao mundo que eles têm capacidade, de rapidamente escalar um desenvolvimento de uma arma nuclear faz com que o mundo pare para escutá-los", avalia.

O pesquisador, que esteve no Irã entre 2009 e 2012, atesta, a partir de suas vivências no país do Oriente Médio e acompanhar o setor que o Irã "não desenvolveu a arma, mas já conseguiram um nível de desenvolvimento tecnológico que lhes capacita para a produção dessa arma".

Países do BRICS podem cooperar com o Irã no âmbito da energia nuclear?

Para Mortean, devido à tensão com os EUA e a priorização dos países em manter boas relações com os norte-americanos, a cooperação no âmbito da energia nuclear entre os países do BRICS e o Irã pode não decorrer de forma pujante.

A exceção, segundo ele, é a Rússia, que já está envolvida nessas relações com o Irã. O especialista recorda que graças a ajuda dos russos que os iranianos conseguiram restabelecer suas usinas nucleares após o fim da guerra contra o Iraque nos anos 1990.

Para Estados Unidos e União Europeia, principais opositores do programa de desenvolvimento nuclear iraniano, o envolvimento de outros novos membros poderia "convalidar qualquer desenvolvimento nuclear iraniano que possa levantar suspeita com relação aos seus objetivos não pacíficos, digamos assim", comprometeria outros países que "não querem se envolver com conflitos de qualquer natureza. Infelizmente, o programa nuclear iraniano arrastaria esses outros membros nessa direção caso houvesse publicamente uma declaração de apoio", finaliza Mortean.

<><> Líbia está estudando adesão ao BRICS para expandir laços com países emergentes, diz Benghazi

As autoridades do leste da Líbia estão estudando seriamente a questão da adesão ao BRICS como parte de uma estratégia econômica comum para expandir os laços com os países em desenvolvimento, disse o ministro das Relações Exteriores do governo do leste da Líbia, Abdul Hadi al-Hweij, à Sputnik.

Após a derrubada e o assassinato do líder líbio Muammar Kadhafi em 2011, a Líbia deixou de funcionar como um Estado unificado e agora tem dois governos que não se reconhecem um ao outro.

O primeiro, apoiado pela ONU e liderado por Abdul Hamid Mohammed al-Dabaib, opera em Trípoli.

O segundo, com poderes da Câmara dos Representantes da Líbia, tem sede em Benghazi e é liderado por Osama Hammad.

Al-Hweij acredita que o BRICS é um bloco econômico importante e apoia a adesão da Líbia à associação.

"Estamos estudando esse passo como parte de nossa estratégia para fortalecer os laços econômicos com os países em desenvolvimento e realizar o desenvolvimento econômico sustentável. [...] Trabalharemos nessa questão, estamos interessados em participar do BRICS", disse o ministro.

Segundo ele, seu governo já tomou medidas para alcançar esse objetivo e pretende discutir o assunto com vários círculos políticos.

Ele acrescentou que a Líbia pode aderir ao BRICS, pelo menos como um país observador na primeira etapa.

A Rússia assumiu a presidência do BRICS em 1º de janeiro deste ano. Nessa data, além da Rússia, Brasil, Índia, China e África do Sul, entraram no bloco novos países-membros: o Egito, a Etiópia, o Irã, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita.

Em junho, o primeiro-ministro da Malásia Anwar bin Ibrahim confirmou a Lula da Silva a intenção da Malásia de participar do BRICS.

No dia 20 de agosto, o Azerbaijão solicitou oficialmente sua adesão ao BRICS.

Recentemente, o assessor presidencial russo Yuri Ushakov confirmou que a Turquia havia se candidatado a membro pleno do BRICS e que o pedido está sendo analisado.

 

•        e EUA articulam parceria para transição energética a partir de reservas brasileiras

O solo brasileiro tem tudo o que é preciso para transição energética, visto que possui reservas de todos os chamados minerais críticos, essenciais para a produção de baterias para carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares.

Por sua vez, os Estados Unidos querem liderar a transição e estão procurando por fornecedores confiáveis, visto que a China é um dos maiores produtores dos minerais, mas se encontra em meio a uma "guerra comercial" com Washington.

De acordo com o jornal O Globo, fatores políticos, econômicos e estratégicos colocam o Brasil em um espaço confortável na mesa de negociações da cadeia mundial de suprimentos de minerais críticos. Além dos EUA, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) já foi procurado por pares da China, Alemanha, Reino Unido, Austrália, Canadá, entre outros.

"Temos condições de oferecer todos os minerais críticos que o mundo precisa, sem exceção. Temos pelo menos um depósito de cada um desses minerais", disse Valdir Silveira, diretor de geologia e recursos minerais da SGB.

O fato de ter geração de energia elétrica majoritariamente de fontes renováveis reforça a pretensão do Brasil de ser mais do que um fornecedor de matéria-prima, e talvez mais do que isso, um processador dessas matérias primas e fabricante de bens, mas para que tal indústria se aqueça, é necessário muitos investimentos.

"Essa temática de minerais críticos ganhou outra proporção com a discussão da transição energética no pós-pandemia — afirma Abrão Neto, CEO da Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil). O CEO acrescentou que "seria uma relação ganha-ganha" que proporcionaria "ganhos potenciais para a indústria extrativa e para a indústria de beneficiamento e de produção de maior valor agregado no Brasil".

Em julho, o secretário de Estado Adjunto de Recursos Energéticos dos EUA, Geoffrey Pyatt, esteve no Brasil para "acelerar a cooperação com o Brasil em toda a gama de insumos energéticos da transição". Na época, Pyatt afirmou que o assunto mais importante da visita foi a parceria em minerais estratégicos, conforme noticiado.

Brasil e EUA têm um histórico de mais de três décadas de conversas sobre segurança energética com assinatura de acordos. Até 2012, foram oito documentos de parceria, muitos com foco nos biocombustíveis. No entanto, do ano citado até 2023, nenhum novo documento foi assinado pelos governos, apesar de ter havido uma continuidade das conversas técnicas entre membros do setor privado, escreve a mídia.

Recentemente, dois novos acordos de parceria para geração de energia limpa entre Brasil e EUA foram assinados por ministros. O Ministério das Minas e Energia informou que os dois países possuem "circunstâncias diferentes", mas têm trabalho em conjunto para destravar financiamento para mover a transição energética.

A pasta não cita resultados concretos dos acordos de parceria do passado, mas destaca que "um dos relacionamentos estratégicos na área de energia" são os biocombustíveis, tema tratado com o secretário de Estado adjunto norte-americano em julho.

•        Chefe da União Europeia lamenta apoio da Hungria à iniciativa de Brasil e China para paz na Ucrânia

O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, afirmou nesta segunda-feira (30) que a adesão da Hungria à iniciativa promovida por Brasil e China para a paz na Ucrânia viola a unidade do bloco, que até então reconhecia exclusivamente a "fórmula de paz" de Vladimir Zelensky.

"Infelizmente neste assunto a UE já não tem mais unidade, após uma das suas nações, a Hungria, ter feito abertamente a escolha de apoiar a iniciativa sino-brasileira", escreveu Borrell em seu blog.

China e Brasil publicaram em maio um consenso sobre a resolução política da crise ucraniana em seis pontos, que recebeu apoio de mais de 110 países. Em meio à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, ocorreu uma reunião de 15 Estados, incluindo França, Suíça e Hungria, para a formação do grupo "Amigos da Paz", sugerido pelos dois países do Sul Global.

Em junho, foi realizada uma conferência sobre a Ucrânia em Buergenstock, na Suíça, para a qual Moscou não recebeu convite. O Kremlin declarou que buscar opções de saída para a situação do conflito ucraniano sem a participação da Rússia é absolutamente ilógico e sem perspectivas.

O comunicado conjunto ao final da conferência pedia que o controle da usina nuclear de Zaporozhie fosse devolvido a Kiev e continha apelos pela liberdade de navegação nos mares Negro e de Azov, além de trocas e liberação de todos os prisioneiros de guerra.

O documento ainda mencionou a necessidade de diálogo entre todas as partes para encerrar o conflito. Dos 91 participantes da reunião, apenas 76 apoiaram o comunicado, que não foi assinado por Armênia, Bahrein, Brasil, Índia, Indonésia, Líbia, México, Arábia Saudita, África do Sul, Tailândia e Emirados Árabes Unidos. Posteriormente, Iraque, Jordânia e Ruanda retiraram suas assinaturas do comunicado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, apresentou iniciativas para a resolução pacífica do conflito na Ucrânia: Moscou se comprometeria a interromper imediatamente os confrontos e a declarar prontidão para negociações após a retirada das tropas ucranianas dos novos territórios da Rússia.

Acrescentou que Kiev deveria renunciar a qualquer intenção de ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), assim como garantir a desmilitarização e a desnazificação do país, que passaria para um status neutro, não alinhado e não nuclear. O líder russo também mencionou a suspensão das sanções contra a Rússia.

Após o atentado terrorista das Forças Armadas da Ucrânia na região de Kursk, Putin também considerou impossíveis as negociações com aqueles que "atacam indiscriminadamente civis, a infraestrutura civil ou tentam criar ameaças a instalações nucleares".

Mesmo assim, as propostas de paz de Moscou para a Ucrânia, mencionadas anteriormente pelo líder russo, não foram anuladas. Porém, neste momento, a Rússia não conversará com a Ucrânia.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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