quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Cientistas vivem batalha judicial por rebater a falsa associação entre diabetes e verme

Um vídeo que desmentia a relação entre a diabetes e vermes foi o que rendeu às cientistas Laura Marise e Ana Bonassa, do canal Nunca Vi Um Cientista, um processo judicial movido por um nutricionista e influenciador que pretendia vender um "protocolo de desparasitação".

Na segunda (30), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu decisão da Justiça de São Paulo que condenou as duas cientistas a pagarem indenização por danos morais.

"A suspensão da sentença é muito importante para mostrar que a ciência está vencendo a primeira batalha", afirma Laura Marise, farmacêutica-bioquímica e pós-doutora em bioquímica.

Apesar da disputa judicial envolvendo a dupla, a explicação das cientistas sobre o tema está correta.

➡️A diabetes é caracterizada pela produção insuficiente ou má absorção da insulina, hormônio que regula a glicose no sangue. O órgão que tem relação direta com a doença é o pâncreas, que produz a insulina – e não é atacado por vermes. Portanto, parasitas e diabetes não têm nenhuma relação.

"A ideia é bem absurda. Até quem é leigo no assunto sabe que verme não está correlacionado a diabetes", avalia Ana Bonassa, bióloga e doutora em ciências.

O canal das cientistas na internet é dedicado a desmistificar temas ligados à ciência e também combater desinformação científica.

Entre os vídeos que esclarecem informações incorretas que já circularam nas redes estão, por exemplo, conteúdos sobre a qualidade dos medicamentos genéricos e sobre as vacinas contra a Covid-19.

"A pessoa que vai produzir uma desinformação gasta muito pouco tempo, mas para desmentir é muito mais difícil. Combater desinformação é um trabalho sem fim", comenta Ana.

<><> Desinformação na ciência

Apesar da vitória parcial com a suspensão da decisão, o processo continua, assim como o trabalho diário da dupla para combater informações falsas.

"Tem dias que parece que a gente está enxugando gelo. A gente desmente algo e, logo na sequência, parece que surge milhares que novos conteúdos falsos sobre o assunto", lamenta Laura.

Além da falsa associação entre a diabetes e os vermes, o vídeo desmentido pelas cientistas tinha como objetivo a venda de um produto denominado "protocolo de desparasitação" para o tratamento.

Laura lembra que não há um protocolo padrão de desparasitação. "Se você procurar na internet, você acha várias técnicas, vários produtos, mas sem nenhuma base científica", explica.

Nenhuma dessas receitas pode ser usada contra parasitas e nem, claro, para combater a diabetes.

As cientistas ainda afirmam que o combate à desinformação se torna muito desafiador porque, muitas vezes, são conteúdos que trazem soluções imediatas para as pessoas.

"A informação de verdade nem sempre vai trazer uma solução fácil. A gente tentar educar nosso público para desconfiar das coisas", diz Laura.

<><> Diabetes e vermes

Considerada uma patologia crônica, isto é, que não tem cura, a diabetes resulta na elevação do nível de açúcar no corpo. Estima-se que cerca de 17 milhões de pessoas vivam com diabetes no Brasil.

➡️Há dois tipos mais comuns da doença:

•        Tipo 1

É uma doença autoimune na qual o sistema imunológico ataca e mata as células do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina.

Esse tipo de diabetes aparece geralmente na infância ou na adolescência, mas o diagnóstico também pode ser feito já na fase adulta.

Segundo o Ministério da Saúde, entre os principais sintomas desse tipo da doença estão sede, emagrecimento, cansaço e fraqueza.

•        Tipo 2

Acontece quando o organismo não consegue usar adequadamente a insulina que produz ou não produz insulina suficiente para controlar a taxa de glicemia. Ele acontece com mais frequência os adultos e está diretamente relacionado à sobrepeso, sedentarismo e dieta inadequada.

Os sintomas são aumento de apetite, muito xixi, formiga no vaso sanitário, fraqueza e dor nas pernas.

Esse tipo de diabetes pode ser prevenido ou retardado com comportamentos saudáveis como prática regular de exercícios físicos e dieta balanceada.

Em ambos os casos, os pacientes precisam fazer aplicações diárias de injeções de insulina para controlar a quantidade de glicose no sangue.

Já os vermes são como popularmente são conhecidos os parasitas. As infecções parasitárias causadas por esses organismos são, geralmente, de transmissão oral-fecal e afetam o sistema digestivo.

Esse tipo de infeção causa, de forma geral, dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos. O tratamento é feito com medicamentos antiparasitários.

•        Próximos passos do processo

Ainda que a suspensão realizada pelo STF tenha sido favorável às cientistas, a decisão é apenas liminar. A partir disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) será intimada a se manifestar. Também deve acontecer um julgamente de mérito, do qual cabe recurso.

Caso a setença permaneça cassada, deve haver um novo julgamento em primeira instância.

"Várias pessoas já estiveram ou vão estar em nosso lugar e é importante lutar para que a setença não seja concretizada", defende Laura.

Enquanto dão sequência ao processo, a dupla vai seguir produzindo conteúdo sobre ciência e combatendo desinformação.

"Essa vitória é muito importante porque ela garante que a gente possa seguir fazendo nosso trabalho", afirma Ana.

ENTENDA A DECISÃO DO STF

•        Cientistas que desmentiram fake news sobre diabetes têm sentença anulada pelo STF

A bióloga Ana Bonassa e a farmacêutica Laura Marise tiveram a sentença anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (30). As cientistas foram condenadas pela Justiça de São Paulo por danos morais após desmentirem uma afirmação do nutricionista André Luiz Lanza, que alegava que a diabetes é causada por vermes, supostamente para vender cursos de desparasitação.

As críticas à desinformação propagada por Lanza foram publicadas em um vídeo no perfil do Instagram “Nunca vi 1 cientista”, que incluía uma captura de tela do perfil do nutricionista responsável pela informação falsa. Isso, após o perfil ter alertado o nutricionista no chat privado da rede sobre a desinformação veiculada e ter sido bloqueado.

Na decisão proferida pela juíza Larissa Boni Valieris, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que entendeu que o nutricionista sentiu “vergonha e tristeza” com o compartilhamento de seu perfil público no Instagram, as profissionais da saúde haviam sido condenadas a apagar a publicação, sob pena de multa de R$ 100 por dia de descumprimento, e ao pagamento de R$ 1.000 por danos morais. Contudo, a sentença foi suspensa pelo relator, o ministro Dias Toffoli.

Na liminar ajuizada pelo perfil Nuncavi1cientista NV1C Comunicações Ltda, Ana Cláudia Munhoz Bonassa, Laura Marise de Freitas, Instituto Vladimir Herzog e Associação Fiquem Sabendo, a defesa, representada pelo advogado André Luiz de Carvalho Matheus, esclarece que, quanto à divulgação do vídeo em junho de 2023:

“A Reclamante recebeu denúncias de um perfil que afirmava, maliciosamente, que a diabetes era causada por vermes, divulgando protocolos de desparasitação como tratamento. Para esclarecer a desinformação e alertar a população sobre os riscos do abandono dos tratamentos comprovados, as Reclamantes publicaram um vídeo explicativo, destacando que a diabetes não é causada por vermes e criticando o autor da desinformação”.

No julgamento da ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) nº 130, o STF ressaltou a importância da liberdade de expressão para a democracia, “assim, restringir a possibilidade de crítica política direcionada a pessoa pública e veiculada por meio de vídeo documental na internet configura censura, em flagrante violação às orientações vinculantes adotadas por esta Corte.

Já ao julgar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7055, considerou a “responsabilidade civil do jornalista, no caso de divulgação de notícias que envolvam pessoa pública ou assunto de interesse social, depende de o jornalista ter agido com dolo ou culpa grave, afastando-se a possibilidade de responsabilização na hipótese de meros juízos de valor, opiniões ou críticas ou da divulgação de informações verdadeiras sobre assuntos de interesse público”.

A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) também saiu em defesa das cientistas. “Duas pesquisadoras foram processadas e consideradas culpadas pelo judiciário de São Paulo, pois desmentiram um “influencer” que publica vídeo público na Internet que vende cursos e receita vermífugos para curar diabetes. SIM, é inacreditável, mas está ocorrendo agora. Vermífugo para curar diabetes. Caso similar a usar vermífugo contra COVID, mas acontecendo hoje”.

•        O canal ‘Nunca Vi 1 Cientista’ e as cientistas que o administram

Com mais 300 mil inscritos, o canal ‘Nunca vi 1 cientista’ foi formado em 2018 por um grupo de jovens acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, sendo um dos primeiros canais de divulgação científica brasileira pela internet, recebendo apoio de diversos cientistas e de outros canais sérios de divulgação científica nacional. O canal hoje é administrado e mantido por Ana Bonassa e Laura Marise.

Ana Cláudia é doutora em ciências com ênfase em Fisiologia Humana pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Realizou pós-doutorado em Metabolismo Energético no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) junto a docente Alicia Kowaltowski. Co-autora do livro ‘Super-Heróis da Ciência’, voltado para o público infanto-juvenil com intuito de divulgar os grandes nomes da ciência brasileira, o que é ciência e até como se tornar um cientista. É co-fundadora do ‘Nunca Vi 1 Cientista’, onde atualmente desenvolve trabalho de comunicação científica, com produção de conteúdo científico com linguagem adaptada para população em geral.

Laura Marise é doutora em Biociências e Biotecnologia Aplicadas à Farmácia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara – UNESP. Fez parte do doutorado na State University of New York at Buffalo (EUA). Foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) na graduação, mestrado e no doutorado. Fez pós-doutorado no Laboratório de Processos Fotoinduzidos e Interfaces (LPFI) no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP/Depto de Bioquímica), também com bolsa da FAPESP. Atuou, principalmente, nas áreas de microbiologia aplicada e terapia fotodinâmica antimicrobiana (aPDT), com ênfase em mecanismos moleculares de ação e otimização da aPDT, e biofilmes. Co-autora do livro ‘Super-Heróis da Ciência’. Atua ativamente na divulgação científica através de trabalhos no grupo Nunca vi 1 Cientista e atualmente exerce atividade como Scientific Advisor.

NOTA: E a juíza que tomou a decisão judicial absurda de apoiar um negacionista, que queria se beneficiar através de um fake News que pretendia se aproveitar dos incautos para vender um "protocolo de desparasitação", cujos efeitos e resultados não  tem qualquer comprovação científica, saírá impune? Com a palavra o CNJ...

 

Fonte: Jornal GGN

 

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