terça-feira, 1 de outubro de 2024

Impactos da gravidez não planejada abrangem de adolescentes a mulheres acima de 40

Cerca de 50% de todas as gestações no mundo não foram planejadas, de acordo com relatório elaborado em 2022 pela Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, o cenário não é diferente: 62% das brasileiras que já engravidaram tiveram uma gravidez não planejada, segundo pesquisa da Bayer, em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec). A ocorrência do fenômeno na adolescência costuma dominar o debate, mas os impactos atingem mulheres em diferentes faixas etárias, inclusive as que se descobrem grávidas após os 40 anos.

Isso porque, independentemente da idade, uma gestação inoportuna traz uma série de consequências emocionais, sociais, psicológicas e físicas para as mulheres. “Quando essa gestação acontece, há uma série de riscos envolvidos, desde a perpetuação do ciclo da pobreza pelo abandono dos estudos até o risco aumentado de parto prematuro e desenvolvimento de depressão pós-parto”, destaca Anna Gueldini, médica especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Febrasgo e mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A inclusão de mulheres com 40 anos ou mais nessa conversa se faz necessária justamente pela mudança demográfica que o mundo atravessa. Aqui no país, elas já representam quase metade das mulheres, de acordo com o Censo Demográfico 2022. E embora haja uma queda natural da fertilidade ao longo do ciclo reprodutivo, as taxas de gestação não planejada são significativas entre mulheres de 40 a 44 anos: 48%, segundo publicação no Women’s Midlife Health. Isso significa que, apesar de terem menos chances de engravidar – cerca de 10% por ano –, essas mulheres estão mais suscetíveis a serem pegas de surpresa por uma gravidez não planejada.

Valeria Santos, gerente de saúde feminina na Bayer, ressalta que é possível identificar que os fatores envolvidos na ocorrência de uma gestação não planejada nessa fase da vida são diferentes dos relacionados à gravidez na adolescência: “Na adolescência, ela é mais comumente causada por desinformação, tanto em relação a métodos contraceptivos como adesão. Já no climatério, há uma falsa sensação de segurança além da falta de informação.”

A principal hipótese é de que o início da transição para a menopausa, que ocorre neste mesmo intervalo de tempo, leve a ideia equivocada de que não há mais o risco de engravidar, o que provoca o abandono do uso de métodos contraceptivos ou uma preocupação menor com a proteção.

“Muitas mulheres acreditam que elas não podem mais engravidar nessa fase da vida, porque na perimenopausa [período que antecede a menopausa] existe uma irregularidade da menstruação que é muito característico desse período, que ocorre ali entre os 40, 42 anos. Então, a mulher começa a viver um encurtamento do ciclo menstrual e pensa que o ovário já está entrando em falência, mas não é bem assim”, explica Gueldini.

•        Impactos de uma gravidez não planejada

Na visão da médica especialista em ginecologia e obstetrícia, uma gravidez não planejada pode acarretar uma série de consequências para a gestante. “Há uma preocupação porque há mudanças físicas no corpo da mulher, inerente a uma gestação, além dos riscos emocionais e sociais desse perfil de gravidez, já que isso afeta toda a rotina da mulher”, avalia.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a gravidez na adolescência – entre os 10 e os 19 anos – está associada a riscos mais elevados de eclâmpsia, endometrite puerperal (infecção uterina) e infecções sistêmicas. Já os bebês têm mais chances de nascerem prematuramente, com peso baixo e condições neonatais graves. Socialmente, o impacto é refletido nas altas taxas de abandono escolar após uma gestação não planejada nessa fase da vida, assim como do casamento infantil e na perpetuação do ciclo da pobreza.

Para as mulheres que engravidam de maneira repentina ao longo da perimenopausa, os perigos também existem: para as gestantes, é preciso ficar atenta à incidência de doenças como hipertensão, obesidade e síndrome metabólica, que aumentam conforme o envelhecimento feminino, afirma Gueldini:

“Já o bebê está mais vulnerável a alterações mitocôndrias de síndrome genéticas, incluindo a mais prevalente que é a síndrome de Down. Então, se essa mulher nem está pensando em engravidar e se depara com essa gravidez de risco aumentado na perimenopausa, o impacto é muito grande”.

O psicológico também é impactado por esse evento. “O impacto na saúde mental também vem do estigma social da gravidez precoce ou não planejada e do não acompanhamento psicológico preparado para receber essas mulheres. É um turbilhão de emoções e mudança de vida que precisa ser olhado com cuidado pelas famílias e pelos serviços de saúde”, pontua Santos, da Bayer.

•        Gestação em uso de contraceptivos

A pesquisa da Bayer em parceria com a Febrasgo e Ipec mostrou ainda que uma parcela importante das gestações não planejadas aconteceu mesmo durante o uso de um método contraceptivo, em decorrência de falha (27%) ou uso incorreto (20%). O uso de contraceptivos sem a orientação de um especialista e a escolha por métodos que ainda dependem muito dos indivíduos, como a pílula contraceptiva oral e o preservativo, são alguns dos motivos associados ao acontecimento de gestações dessa natureza.

Para se ter uma dimensão do problema, o relatório “Vendo o invisível: em defesa da ação na negligenciada crise da gravidez não intencional”, do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês), afirma que ao se analisar o uso de contraceptivos em condições de vida real, a taxa de falha chega a 13% para preservativo masculino e 21% para preservativo feminino.

“Um estudo muito interessante foi feito em 36 países de baixa e média renda e revelou que quatro a cada dez gestações indesejadas ocorreram após a descontinuação do método ou devido à falha do método contraceptivo que já tinha sido oferecido. Precisamos identificar onde estamos falhando na comunicação com essas mulheres, onde estamos falhando em informá-las corretamente”, aponta Gueldini.

A especialista destaca que apenas 2% das brasileiras utilizam métodos contraceptivos de longa duração, como dispositivos intrauterinos (DIU), implantes e laqueadura. Além das questões de informação sobre a disponibilidade desses métodos no Sistema Único de Saúde (SUS), há a questão de barreiras de acesso, como o estigma por parte de alguns profissionais de saúde em recusar o método a mulheres sem base em critérios de elegibilidade. O uso do DIU, vão muito além da contracepção, por exemplo, não é limitado a idade ou número de filhos e deve ser discutido em relação às pacientes que estão no período da perimenopausa também, pontua Gueldini:

“A contracepção é indicada para essas mulheres. Elas ainda não estão na menopausa, possuem função ovariana e precisam ter opções para prevenir uma gravidez não planejada. Essa paciente precisa ser informada sobre os benefícios dos diferentes métodos contraceptivos, conhecer as contraindicações. O ginecologista tem que avaliar toda essa questão biopsicossocial para poder elencar o método que oferece maior benefício dentro das possibilidades daquela pessoa.”

•        Caminhos para o futuro

Para a gerente de saúde feminina na Bayer, a assistência às mulheres para evitar uma gravidez precoce e não planejada passa ainda por vários aspectos que ainda não são devidamente trabalhados. “Essa assistência inclui acesso à métodos contraceptivos eficazes e assistidos, educação sexual tanto para mulheres como para homens, uma estrutura de apoio em planejamento familiar e um engajamento social desde escolas até assistência farmacêutica na ponta, já que a maioria das mulheres não vão ao médico antes de iniciar a vida sexual.”

Para Anna Gueldini, investir nessa educação é investir também no futuro de meninas e mulheres e chama a atenção para o papel de profissionais de saúde na desmistificação de informações equivocadas e fake news que se popularizaram nas redes sociais, o que por vezes contribui para um pânico injustificado em relação a alguns métodos contraceptivos:

“Às vezes a pessoa tem medo, por exemplo, de utilizar um contraceptivo e sofrer um evento tromba embólico, mas a gravidez é a condição que mais propicia a mulher a ter um evento tromboembólico, e pode provocar um cenário muito pior do que tomar uma pílula anticoncepcional. É fundamental entender a relativização do risco, essa ‘hormôniofobia’ muito em razão das fake news em redes sociais, e cabe a nós médicos especialistas, através do embasamento científico, desmistificar essas questões.”

Além disso, ela ressalta a necessidade de capacitar médicos e demais profissionais de saúde para dialogarem sobre gestação e métodos contraceptivos com as mulheres na perimenopausa, o que ainda não acontece da maneira que deveria.

“Quando olhamos para esse cenário atual, fica muito claro o quão importante é para nós, médicos, individualizar a contracepção nessas diferentes fases biológicas do ciclo reprodutivo. As mulheres no climatério devem ser informadas sobre os métodos que além de serem altamente eficazes, não aumentam riscos metabólicos e cardiovasculares, já que com o envelhecimento há uma tendência de desenvolver doenças dessa natureza.”

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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