quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Elenira Vilela: ‘Direito dos trabalhadores ou lutas identitárias?’

Se ontem dizíamos “Socialismo ou barbárie”, hoje dizemos “Socialismo ou extinção” e esse socialismo contempla em si o fim de toda forma de opressão

Todo dia alguém diz que é mais importante lutar pelos direitos trabalhistas, pela política do salário-mínimo, pelo aumento do emprego e que esse negócio de representatividade, de linguagem neutra é só frescura, babaquice…  Vamos pensar nisso?

O capitalismo é um sistema que enriquece alguns explorando os que só podem trabalhar para outro pra sobreviver, isso significa que só haverá bilionários se houver um número enorme de pobres. Hoje, o capitalismo está em uma crise profunda, como disse Lula, hoje há três mil pessoas que tem um patrimônio de 15 trilhões de dólares, o que é mais do que o PIB de muitos países, inclusive desenvolvidos, juntos. Essa desigualdade emperra a roda da exploração.

Mas e então? O que o Brasil ter mais mulheres que homens, mas menos de um sexto da câmara serem mulheres tem a ver com isso? O que o Brasil ter mais negros que brancos e que essas pessoas não tiveram acesso nem mesmo ao direito ao reconhecimento como humano e, depois, a nenhum dos direitos básicos tem a ver com isso? O que o Brasil ser o país que mais mata pessoas trans do mundo tem a ver com isso? O que o governo estadual de Santa Catarina censurar um filme sobre sexualidade de Pessoas Com Deficiência (PCDs) tem a ver com isso? O que professoras que cumprindo sua função e trabalhando educação sexual nas salas de aula e, por isso, sendo perseguidas e demitidas tem a ver com isso? O que jovens sem perspectivas e idosos sem dignidade e cuidados tem a ver com isso?

A realidade é: não existe luta de classes no Brasil (e na maior parte do mundo) sem enfrentar machismo, racismo, capacitismo, especismo e tantos ismos do mundo! A razão? Não existe luta de classes sem organizar as dores e demandas da classe trabalhadora concreta, a que existe de verdade, a que de fato está sendo explorada, passando fome, massacrada pela polícia, sem remédios… e não existe luta de classes sem libertar a mais importante fábrica do capital, a fábrica que produz a única mercadoria que gera valor: os úteros! Especialmente os úteros das mulheres negras de periferia.

Recentemente, a Oxfam anunciou um dado que não deveria parar de ser repetido por toda mulher feminista militante nesse debate: os superricos roubam 10,8 trilhões de dólares por ano na forma de trabalho de produção e reprodução da força de trabalho, aquele trabalho das mulheres (quase sempre negras) que uns chamam de cuidado e outros de amor! Como seria pra fabricar um Jeff Bezos, um Elon Musk ou um Jorge Lemann sem poder praticar esse roubo? E não é possível praticar esse roubo sem utilizar do machismo, de racismo e de LGBTfobia como ferramenta de naturalizar a exploração de mulheres.

Não é possível garantir que haja pessoas em número além do que eles contratam (pra fazer quem tem trabalho aceitar qualquer salário e, por exemplo, a escala 6×1 e quem não tem que aceitar ser explorado em qualquer condição) se as mulheres e demais pessoas, especialmente as LGBTQIAPN+, exercerem o direito livre à sua sexualidade e o direito ao aborto.

Experimente colocar no google “queda nas taxas de fecundidade” e veja o quão as manchetes são desesperadas. Exercício livre de sexualidade hoje significa ter menos filhos em boa parte do mundo e isso atinge o capital. Vamos pensar: por que as taxas de fecundidade caírem é um problema? A pergunta correta é: pra quem a queda da taxa de fecundidade é um problema?

Não é para mulheres e pessoas com útero, afinal, todas as vezes que elas tem minimamente escolha, as taxas caem. Certamente não é para o planeta, que está precisando se recuperar de uma superpopulação de seres humanos.[i] Mas eles dizem que é um problema pra economia. Só seria um problema para a economia se fosse impossível, sem aumentar o número de pessoas trabalhando, seguir produzindo o que é necessário para as pessoas viverem com dignidade. Só que, pelo contrário, com a tecnologia que temos e o crescimento em ritmo menor, basta reduzir as jornadas de trabalho, contratar mais pessoas e isso deixaria de ser um problema.

É problema somente para os supercapitalistas, os bilionários! Por que somente controlando os corpos é que eles conseguem explorar o suficiente para seguirem aumentando seu patrimônio no ritmo que querem. Não é acaso feminismo, sexualidade e aborto serem temas centrais da extrema direita fascista. As ideologias extremistas autoritárias (colonialismo, fascismo, nazismo…) apoiadas em religiosidades fundamentalistas (mercadores da fé no cristianismo neopentecostal no Brasil, hinduísmo islamofóbico na Índia, sionismo em Israel, islamismo que segue a lei da sharia no Afeganistão…) é que dão o suporte necessário para a criação de sistemas autoritários violentas que tem em sua base estrutural a liberdade da mercadoria e da exploração e a opressão e dominação dos corpos. Sem essas ideologias o capitalismo iria ruir.

A outra alternativa para a manutenção do capitalismo é a guerra. E a guerra também depende de machismo, do lado que constrói uma masculinidade tóxica que coloca ao homem a referência de autorreconhecimento por meio da violência e, somente assim, o convence a colocar a própria vida e a de tantos outros em risco em nome de um heroísmo lutando em uma guerra que nunca é sua.

Como diria o Paulo Galo, não é possível libertar a classe trabalhadora sem libertar a menor fábrica que é o útero de cada mulher negra.

Portanto, não existe lutar contra o capitalismo sem lutar contra o machismo, o racismo, o capacitismo, o especismo, a lgbtfobia, a cisheteronormatividade e todas as formas de opressão que criam as condições concretas para todas as formas de exploração do trabalho. E não existe libertar os corpos das opressões sem libertá-los de toda forma de exploração, afinal, Noam Chomsky e tantos outros já nos mostraram que somos escravizadas e escravizados pelos capitalistas.

A revolução contra o capitalismo será feminista, negra, ecológica, LGBTQIAPN+ e PCD ou não será!

Não existe luta identitária (me doeu muito usar essa palavra no título, mas eu queria que você lesse…), porque a identidade é uma parte da luta pelo direito à vida, pela democratização do poder e pela dignidade. Na complexidade do humano, a linguagem mata, o simbólico mata, o simbólico impõe a fome e a miséria, a tortura, o salário miserável e o consumismo, a ebulição climática e a consequente vida com extrema escassez de acesso à água! Essas são as lutas revolucionárias.

Se ontem dizíamos “Socialismo ou barbárie”, hoje dizemos “Socialismo ou extinção” e esse socialismo contempla em si o fim de toda forma de opressão e só podemos alcançá-lo pela classe trabalhadora concreta que quer lutar contra suas dores concretas. A mulher será revolucionária para não ver seu filho preto, LGBT ou PCD morrer de tiro, de fome, ou em uma enchente.

 

¨      Isenção do Imposto de Renda baixou de 8 para 2 salários mínimos em 28 anos

A renda mensal isenta de Imposto de Renda (IR) baixou do equivalente a oito salários mínimos em 1996 para dois salários mínimos em 2023 e 2024, segundo um estudo divulgado nesta segunda-feira (30) pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco).

O estudo compara a faixa de isenção da tabela do IR vigente em cada ano com o valor do piso nacional válido no mesmo ano. Indica que, ao longo de 28 anos, a renda dos trabalhadores brasileiros ficou mais comprometida pelo imposto.

Unafisco lembra que, em 1996, o salário mínimo no Brasil era de R$ 112. Naquele mesmo ano, somente o que trabalhadores recebiam acima de R$ 900 por mês era tributado pelo IR, o que equivale a 8,04 salários mínimos.

Um salário mínimo de 1996 hoje seria aproximadamente R$ 595, considerando a inflação acumulada nestes 28 anos. Já o limite de isenção subiria para R$ 4.785 também com a correção monetária desde 1996.

Atualmente, porém, quem ganha a partir de R$ 2.824 já paga IR. Isso são exatamente dois salários mínimos de R$ 1.412 cada.

Esse limite de isenção foi estabelecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a faixa de isenção do IR chegou a baixar a 1,57 salário mínimo.

Naquele ano, quem ganhava a partir de R$ 1.903,98 por mês pagava imposto – valor, aliás, que havia sido estabelecido em 2015 e congelado até 2022. Também em 2022, o salário mínimo vigente era de R$ 1.212.

"De modo geral, embora os salários nominais tenham aumentado, a diminuição relativa dos limites de isenção de impostos impôs uma carga tributária mais pesada sobre as pessoas de renda média", analisou a Unafisco. "A falta de ajuste nas faixas de impostos para refletir o crescimento do salário real sugere a necessidade de uma reforma política para aliviar a carga sobre as pessoas de renda média."

·        Promessa de campanha

Lula prometeu durante sua campanha eleitoral de 2022 que elevaria a R$ 5 mil o limite de isenção do IR até o final de seu mandato. Ele, aliás, reforçou a promessa neste ano, antecipando que o Orçamento de 2026 já deve prever a correção da tabela do IR.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse que o governo pretende fazer uma ampla reforma do IR. Segundo ele, uma proposta para essa nova etapa da Reforma Tributária está com Lula e deve ser apresentada ao Congresso em outubro.

Esse projeto, aliás, já deveria ter sido encaminhado pelo governo em marçoO prazo não foi cumprido.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Brasil de Fato

 

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