quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Rubem Valente: ‘Vereador defensor do agronegócio - de policial na ditadura em SP a fazendeiro no PA’

Com a voz grossa que lembra a de um locutor de rádio, Sérgio Cardoso de Campos (MDB), 67 anos, o Serjão, foi o segundo vereador mais votado nas eleições em 2020 de Belterra, no sudoeste do Pará, e hoje é um dos principais apoiadores da candidatura à reeleição do prefeito Professor Ulisses (MDB). Ele é o principal defensor do agronegócio na região. Os críticos à monocultura do município já o apelidaram de Sorjão.

Embora tenha declarado à Justiça Eleitoral um patrimônio de apenas R$ 4 mil “guardados em mãos”, ele informou que está associado à família Menolli, que toca seis propriedades rurais, no que é considerado o maior grupo sojeiro local. Campos nasceu em Penápolis, no interior de São Paulo, em 1957, foi criado em São Vicente (SP), morou em São Paulo e Cuiabá (MT) e chegou a Belterra em 1999.

Sobre essa trajetória, contudo, Serjão guarda uma história ainda a ser contada. Ele afirmou que foi policial militar de São Paulo nos anos 1970, da “Rota”, como “atirador de elite”, e que chegou a trabalhar, por um certo período, em uma equipe de 13 policiais civis e militares sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979), um dos principais acusados de tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados promovidos pela máquina da repressão durante a ditadura militar.

O vereador disse que, por volta de 1976, trabalhou com Fleury por 36 dias em Campo Grande, então Mato Grosso, hoje a capital de Mato Grosso do Sul, na investigação sobre o sequestro de um filho adotivo do fazendeiro e futuro senador Lúdio Coelho (1922-2011). O caso Ludinho, como ficou conhecido, terminou com o assassinato do herdeiro pelo grupo de sequestradores que, descobriu-se depois, era encabeçado pelo policial militar responsável pela própria segurança particular de Lúdio e de seu filho.

<><> Por que isso importa?

•        A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados do Mato Grosso e Pará, e o município de Belterrra é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais. A região é extremamente marcada por fogo, conflitos e desmatamento, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.

Serjão, contudo, disse que prefere não falar sobre o caso policial que é considerado um dos mais marcantes da história de Mato Grosso do Sul. Nem sobre a sua relação ou suas experiências com a equipe de Fleury. Disse apenas que, após a morte do delegado, o grupo dos 13 policiais se dissolveu, “cada um tomou seu rumo”.

Campos: São coisas que a gente tem na vida da gente, e que hoje eu mudei radicalmente, né? São passados que a gente fez, coisas que a gente fez, e aí você muda. Porque você muda radicalmente a vida, né?

Pública: Mas tem coisas das quais você se arrepende?

Campos: Não. Não, porque como é que eu vou me arrepender de algo que eu fiz? Tá feito! […] Eu prefiro, sobre esse caso aí [Ludinho], eu prefiro deixar enterrado com as lembranças.

Campos disse que, após sair da polícia, foi trabalhar como “segurança do governador de Mato Grosso”. Lá conheceu, em Nova Mutum (MT), a família Menolli, com a qual se uniria e viria a trabalhar com o agronegócio em Belterra no final dos anos 1990.

“Quando nós chegamos aqui, em 1999, nós tivemos muita dificuldade de abrir as terras. Porque não tinha licenciamento, não tinha nada. Era algo novo aqui na região, né? E eu comecei a abrir tudo. E aí eu levava as multas, eu levava tudo. Não tinha nada no meu nome. Mas eu que abria tudo. Era junto com o Ibama, aquela coisa toda. Na época, era o Ibama. […] Hoje está tudo legalizado, tudo dentro da lei. Hoje não tem processo, não tem mais nada. Não tem multa, não tem nada.”

Na época, o Ibama era o responsável pela emissão das autorizações de plantio. Hoje esse trabalho está nas mãos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do governo estadual, comandado pelo mesmo MDB do vereador.

Campos reconhece que, neste ano, Belterra está vivendo a pior seca desde que ele chegou ao município, há 25 anos.

“Esse ano nós perdemos 5 mil hectares de milho. Por quê? A seca. Nós esperávamos colher 400 mil sacos, mas colhemos 100 [mil]. E isso, em termos de prejuízo financeiro, é difícil calcular. […] Foi a pior seca que vivi desde 1999.”

Campos, porém, não associa a seca recorde a uma emergência climática, cuja própria existência, aliás, ele também nega – as mudanças climáticas como resultado da ação humana são confirmadas por estudos de centenas de cientistas ao redor do planeta. O vereador atribui tudo “ao fenômeno do El Niño”.

“Eu vou falar para você por que eu não acredito [na emergência climática]. O movimento climático global é normal. Essa história de que a geleira está derretendo e que por isso está aumentando o nível do mar. Eu tenho ouvido isso há quantos anos? Em São Vicente é praticamente zero, a questão [do aumento] do nível do mar. Quantos centímetros subiu a água do mar? Nunca. Ela sobe, ela desce. A maré é volátil. [… Nós somos crucificados na Amazônia porque estamos desmatando e ‘vira um deserto’. Aonde vira um deserto no Amazônia? Aponta um deserto pra mim na Amazônia, um lugar. Não existe.”

Campos rechaça que seu mandato faça a “defesa” do agronegócio. Segundo ele, seu papel na verdade é “abrir as portas da Semas, do Ibama”. “A política te dá essa chance. Com o governo do estado, com o governo federal.”

O vereador exalta os benefícios trazidos pela agricultura em Belterra e região. “A agricultura é uma das que mais emprega aqui. Graças a Deus que a agricultura veio pra cá. Eu, por exemplo, cheguei em 1999 aqui. A gente planta aí 6 mil hectares, basicamente soja e milho. Temos 70 funcionários.”

E todos os problemas acarretados pela expansão da monocultura? “Agricultura, onde ela entra, ela traz muita coisa . Traz benefícios. Você não faz gemada sem quebrar os ovos. Você tem que quebrar ovos. Agora, tem que ter uma conciliação. E aqui é bem conciliado.”

Sobre o uso de agrotóxicos, Campos diz que os produtores seguem “todas as leis”, mas que também pararam de aplicar um tipo de agrotóxico que “vai embora, vai matar pé de mamão, aqui paramos”. “Então nós estamos usando aqui outros produtos mais modernos, que são menos agressivos. E nós temos outros produtos hoje que é para licenciar, que não licenciaram, que são menos agressivos ainda. Mas nós temos que ter licenciamento. Nós não usamos produtos que vêm do Paraguai, não usamos nada disso.”

Ele coloca em dúvida as denúncias, corroboradas por várias testemunhas, de que agrotóxicos atingiram, em pelo menos três vezes, alunos e funcionários da escola municipal Vitalina Motta. Um fazendeiro da região até já foi multado em R$ 1 milhão pelo Ibama.

Embora refute as críticas, Campos concorda que o diálogo deve prevalecer.

“Eu acho que o bom diálogo é que resolve mais. Já passou a época da brabeza. Passou, nós vivemos em tempos modernos. Por exemplo, em São Paulo, quando você fazia alguma blitz, por exemplo, não existia um celular, não existia nada. As pessoas aprontavam. Hoje você não pode levantar a mão pra ninguém porque tem um celular filmando. O tempo mudou. Então as pessoas têm que ter um cuidado tremendo no ser humano. O próprio ser humano tem que ter cuidado. E a gente tem pessoas que ainda acham que pode tudo, e não pode.”

 

•        Em Nova Mutum, “falar de meio ambiente é visto como ideia de europeus e tira votos”. Por Caio de Freites

Na rota da BR-163, Nova Mutum foi um dos municípios de Mato Grosso onde a tensão social explodiu após a derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022. Governada há 12 anos consecutivos pelo grupo político da família Pivetta, clã do agronegócio mato-grossense, a cidade é dominada pela direita conservadora – um cenário que limita o avanço de pautas ambientais, conforme apurado pela Agência Pública.

As dificuldades da esquerda são simbolizadas pela baixa quantidade de candidatos concorrendo na eleição municipal. Dos 92 postulantes a uma vaga na Câmara Municipal em 2024, apenas seis são desse espectro político, todos pelo PT.

Filiados do PT ouvidos pela Pública na cidade relataram casos de intimidação na corrida eleitoral de 2022, com buzinaços e intimidações nas ruas e em frente a estabelecimentos de pessoas rotuladas “de esquerda” por bolsonaristas e membros do agronegócio.

Petistas alegam que o clima político melhorou desde a crise golpista, mas disseram que ainda assim não há espaço para a discussão de pautas ambientais como a preservação do Cerrado e o combate às mudanças climáticas.

À Pública, o presidente municipal do PT e candidato a vereador em Nova Mutum, Luiz Sérgio Lupes, disse que falar sobre meio ambiente “tira votos” de quaisquer candidatos na cidade.

<><> Por que isso importa?

•        A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados do Mato Grosso e Pará, e o município de Nova Mutum é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais. A região é extremamente marcada por fogo, conflitos e desmatamento, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.

“É complicado falar de preservação do Cerrado. Existe uma mentalidade que, se você falar para as pessoas que temos de evitar queimadas e desmatamento, elas falam: ‘Ah, isso é ideia dos europeus e dos americanos! Os caras já desmataram e acabaram com as florestas de lá e querem que a gente preserve aqui?’”, disse.

Paranaense e morador de Nova Mutum há 29 anos, Lupes conta que o voto na esquerda é “silencioso” na cidade, geralmente vindo de migrantes que trabalham em cargos subalternos, especialmente em agroempresas e no comércio local.

“As pessoas não se declaram de esquerda por terem medo da intimidação e consequências no seu dia a dia. Já soubemos de casos com suspeita de demissão por motivos ideológicos”, afirmou, sem dar detalhes.

Em um contexto hostil, causou surpresa o resultado da eleição de 2022 na cidade, quando o então candidato a presidente Lula (PT) obteve 7 mil votos em Nova Mutum. “Esperávamos 2 mil votos [em Lula], no máximo, mas tivemos 7 [mil]. Na disputa deste ano [2024], estamos correndo atrás dos votos desses 7 mil”, disse o presidente do partido no município.

<><> “Em geral, o produtor acha bobagem preservar o Cerrado”

O empresário Eloi Faccio é conhecido por sua atuação partidária pelo PT em Nova Mutum. Tesoureiro do partido na cidade e filho de um dos primeiros comerciantes do município, Faccio comanda um grupo que comercializa e exporta arroz, feijão e cereais, lidando rotineiramente com fazendeiros locais – com quem faz negócios para manter sua firma em atividade.

Faccio corrobora a impressão passada por Luiz Lupes, de que há um ambiente hostil contra a esquerda e pautas ambientais na cidade. “Na época da eleição de Lula [em 2022], tive de ignorar várias provocações, quando fechava negócio com certos fornecedores. Temos dificuldades para arranjar novos filiados”, disse, ao lembrar que é membro do partido desde a década de 1980.

Pelo trato quase diário com agricultores no chamado “nortão” de Mato Grosso, Faccio explica que na região impera um senso competitivo, por vezes exagerado, entre fazendeiros – “alguns não suportam que seu vizinho plante mais soja ou algodão, então existe uma competição cega, insustentável”, afirma.

“Infelizmente, o pensamento do agricultor mais comum aqui não leva em consideração o equilíbrio [com o meio ambiente]. Por isso que o bolsonarismo tem tanta força: em geral, o produtor acha bobagem preservar o Cerrado, só pensa em ganhar cada vez mais”, disse.

<><> Condomínios de luxo avançam numa cidade que tem dono

Como em outros municípios da região, a sede de Nova Mutum – com menos de 20 km2 – é minúscula se comparada à sua área total, de mais de 9,5 mil km2, ocupada em sua maioria por fazendas de algodão, milho e soja. Nos limites da sede do município, têm proliferado condomínios de alto padrão, amplamente anunciados em outdoors nas ruas de Nova Mutum.

Para pessoas ouvidas pela Pública na cidade, a multiplicação de condomínios fechados dificulta uma medida ambiental urgente para mitigar as mudanças climáticas: a criação de um cinturão verde com espécies nativas de Cerrado, para amenizar o calor e a seca crescentes em Nova Mutum.

“Os herdeiros do José Aparecido Ribeiro [criador da Mutum Agropecuária S.A, que deu origem ao município] se afastaram do plano original e hoje vemos que só se interessam em alargar a sede da cidade em 10, 20 km, lançando projetos que colocam em risco cabeceiras e nascentes que abastecem os poços que fornecem água para nós”, disse Eloi Faccio.

Boa parte dos loteamentos urbanos de Nova Mutum ainda pertence ao Grupo Ribeiro Participações – o que significa que a expansão municipal depende da iniciativa privada, ao invés do poder público.

Na prática, o resultado é uma crescente especulação imobiliária, com aluguéis mais caros e uma demanda habitacional crescente para os trabalhadores subalternos de agroempresas e do comércio local.

Não à toa, ambos os candidatos a prefeito – Leandro Félix (União) e Diógenes Jacobsen (PSB) – prometem a construção de moradias populares no próximo mandato. Nenhum deles, porém, encampa a ideia de um cinturão verde nos limites da sede do município. Tal como na capital, Cuiabá, em Nova Mutum a promessa ambiental se restringe a plantar mais árvores.

 

Fonte: Agencia Pública

 

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