terça-feira, 1 de outubro de 2024

‘Internet subterrânea’: como funciona a rede de comunicação silenciosa das plantas

Esta manhã, minha filha de seis anos entrou em nosso quarto e começou a ler uma história de um livro. Ela leu cada palavra na página, formando lentamente frases completas. Às vezes, tropeçava e pedia ajuda com algumas “palavras engraçadas”, mas, no final do livro, nos contou uma história sobre um urso na neve.

A comunicação verbal é um dos muitos motivos pelos quais os seres humanos se tornaram tão bem-sucedidos como espécie. Desde avisar uns aos outros sobre o perigo até comunicar informações complexas, nossa capacidade de falar tem sido crucial.

Mas, não foram apenas os seres humanos e outros animais que desenvolveram uma comunicação sofisticada. Muitas pessoas pensam que as plantas são passivas, mas elas têm sua própria maneira de interagir umas com as outras. A ideia já existe há algum tempo e até inspirou filmes de Hollywood como “Avatar” (2009, de James Cameron).

A ciência recente está mostrando que os sistemas de comunicação das plantas podem ser mais complexos do que imaginávamos.

Essas redes de comunicação são sensíveis e estão em equilíbrio. Imagine como nosso mundo seria perturbado se os sistemas de rede global sofressem uma pane repentina. As recentes interrupções de TI da empresa CrowdStrike são apenas um exemplo de como esses sistemas são delicados e de como a comunicação é importante - e isso também vale para as plantas.

Para entender como os organismos que não podem falar transmitem informações uns aos outros, é importante compreender que os seres humanos também têm um sistema de comunicação não verbal. Inclui nossos sentidos de visão, olfato, audição, paladar e tato.

Por exemplo, as empresas de gás natural adicionam um produto químico chamado mercaptano ao gás natural, dando a ele aquele cheiro característico de “ovo podre” para nos avisar sobre vazamentos. Pense também em como desenvolvemos a linguagem de sinais, enquanto muitas pessoas são leitores labiais habilidosos.

Além desses sentidos, temos também a equilibriocepção (a capacidade de manter o equilíbrio e a postura corporal), a propriocepção (o sentido da posição relativa e da força das partes do corpo), a termocepção (sentido das mudanças de temperatura) e a nocicepção (capacidade de sentir dor). Todas essas habilidades permitiram que os seres humanos se tornassem altamente sofisticados na comunicação e no envolvimento com o mundo natural.

Outras espécies, especialmente as plantas, usam seus sentidos para disseminar informações à sua própria maneira.

•        O que os vizinhos estão fazendo?

A maioria de nós está familiarizada com o cheiro de grama recém-cortada. Os voláteis, ou substâncias químicas, liberados pelas plantas da grama, que associamos a esse cheiro, são uma maneira de comunicar a outras plantas que um predador - ou, nesse caso, um cortador de grama - está presente, provocando um ajuste nas defesas. Em vez de usar sinais auditivos, elas usam comunicação induzida por substâncias químicas. Entretanto, essa troca de informação não termina com os voláteis.

Recentemente, os cientistas descobriram como as plantas são bem conectadas e com que eficiência elas podem enviar mensagens para os pares por meio de suas raízes, e sinais elétricos, uma rede de fungos subterrâneos e micróbios de solo. A vigilância da vizinhança da planta foi descoberta.

Por exemplo, a eletrofisiologia é uma disciplina científica relativamente nova que estuda como os sinais elétricos dentro e entre as plantas são comunicados e interpretados. Com os grandes avanços em tecnologia e inteligência artificial (IA), observamos um crescimento acelerado e significativo nessa área de pesquisa nos últimos anos.

Os cientistas podem estar à beira de descobertas notáveis, com avanços recentes que integram a comunicação dos referidos sinais elétricos em estufas modernas para monitorar e controlar a irrigação das culturas ou detectar deficiências nutricionais.

Eles conseguem isso inserindo pequenas sondas elétricas, semelhantes a agulhas de acupuntura, para testar como as mudanças nos sinais elétricos se relacionam com o desempenho das plantas, como o transporte de água e nutrientes e a conversão de luz em açúcares importantes.

Assim, pesquisadores chegaram a influenciar o comportamento das plantas enviando sinais elétricos a partir de telefones celulares, fazendo com que elas executassem respostas básicas, como abrir ou fechar folhas em uma ‘armadilha de Vênus’ (planta carnívora que abre e fecha as folhas para coletar insetos).

Grande parte da comunicação ocorre abaixo do solo, facilitada por grandes rede de fungos conhecidas como “wood wide web” (a rede global florestal, em tradução livre). Ela conecta árvores e plantas no subsolo, permitindo que compartilhem recursos como água, nutrientes e informações. Por meio desse sistema, as árvores mais velhas podem ajudar as mais novas a crescer, e podem alertar umas às outras sobre perigos, como pragas.

É como uma internet subterrânea, ajudando-as a se apoiar e a trocar informações. A rede é extensa, acreditando-se que mais de 80% das plantas estejam conectadas, o que a torna um dos sistemas de comunicação mais antigos do mundo.

Assim como a Internet nos permite vínculos, compartilhar ideias, conhecimentos e informações que podem influenciar a tomada de decisões, a “rede florestal” permite que as plantas usem fungos simbióticos para se preparar para as mudanças ambientais.

No entanto, a perturbação do solo por meio de produtos químicos, desmatamento ou mudança climática pode interromper os nós da comunicação ao afetar os ciclos de água e nutrientes nessas redes, tornando as plantas menos informadas e conectadas. Ainda não foram realizadas muitas pesquisas sobre os efeitos da interrupção dessas redes.

Mas, sabemos que o comportamento responsivo das plantas, como estratégias de defesa e regulação de genes, pode ser alterado por sua rede de fungos se elas estiverem conectadas.

Portanto, essa desconexão de comunicação pode torná-las mais vulneráveis, dificultando a proteção e a restauração dos ecossistemas em todo o mundo. Ainda há muito que os cientistas precisam aprender sobre essas ligações altamente complexas

É importante ajudar as crianças a aprender a ler para que elas possam navegar pelo mundo ao seu redor. É tão importante quanto garantir que não desconectemos a comunicação com as plantas. Afinal de contas, dependemos delas para nosso bem-estar e sobrevivência.

 

Fonte: Por Sven Batke, Edge Hill University, para o The Conversation

 

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