sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Brasil e México: aproximação das 2 maiores economias da América Latina pode gerar reação dos EUA?

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da posse da homóloga mexicana, Claudia Sheinbaum, além de cumprir uma extensa agenda com empresários e autoridades do país. Diante de governos da mesma faixa do espectro político, como a aproximação das duas maiores economias da América Latina contribui para reduzir a pressão dos EUA na região?

De um lado, o Brasil, com uma população de 203 milhões de pessoas e um produto interno bruto (PIB) de quase R$ 11 trilhões. Do outro, o México, que concentra mais de 130 milhões de pessoas e uma produção interna de R$ 9,88 trilhões.

As duas maiores economias da América Latina completam 190 anos de relações diplomáticas em 2024 com boas notícias: o México é o sexto maior parceiro comercial brasileiro e o quinto principal destino das exportações de Brasília — só em 2023, a corrente de comércio bilateral atingiu um recorde de R$ 77 bilhões, uma alta de 14,4% na comparação com o ano anterior.

Em meio à data histórica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realiza uma visita oficial ao México com o objetivo de estreitar ainda mais as relações entre as nações latino-americanas e também participar da posse da presidente Claudia Sheinbaum, cuja expectativa é manter o legado da gestão de Andrés Manuel López Obrador.

O professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Thiago Rodrigues lembrou à Sputnik Brasil que os governos brasileiro e mexicano seguem na mesma faixa do espectro político, o que facilita inclusive a tão sonhada integração da América Latina.

"O México também tem um ciclo histórico de governos mais resistentes à pressão americana e outros mais subservientes aos Estados Unidos. Então o governo López Obrador foi um desses com ciclo de maior resistência, que busca autonomia. Os dois países possuem governos de centro-esquerda que buscam alimentar uma tradição diplomática de maior autonomia. Ou seja, ter mais liberdade para fazer comércio com países diferentes e aprofundar as relações Sul-Sul", enfatizou.

Diante disso, o especialista vê como positiva a união das duas maiores economias da região para liderar um processo de maior autonomia latino-americana.

"Claro que no momento há um descompasso com a terceira, que é a Argentina — que está em outra parte do espectro —, primeiro porque está em uma crise econômica brutal e que não tem nenhuma sinalização de que vai sair; e depois por conta do atual governo, de Javier Milei, que é um governo ultraliberal, alinhado ideologicamente a uma outra esfera, que não é a esfera do nacional-desenvolvimentismo com autonomia", acrescenta, ao lembrar que México e Brasil também devem manter posições mais próximas em grupos como o G20 e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).

·        O que o México tem em comum com o Brasil?

Além de representarem 65% do PIB da América Latina, Brasil e México estão entre as duas maiores economias mundiais e compartilham um passado colonial europeu.

No contexto da frase eternizada pelo então presidente Porfirio Díaz, quando disse "Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos EUA", os dois países também contam com um passado de interferências norte-americanas, em maior ou menor escala. E essa aproximação entre os dois países pode gerar uma reação dos EUA, pontua o professor da UFF.

"O México tem uma gravitação muito forte em torno dos Estados Unidos e sofre uma pressão maior pelo menos desde os anos 1990, com a instalação do NAFTA, bloco de livre comércio com Canadá e EUA. A presença de Lula me parece uma tentativa de aproximação para levar adiante essa agenda comercial para além da indústria automotiva, que tem puxado esse relacionamento, mas chegando a outra indústria importante no Brasil, que é o agronegócio. E isso pode gerar problemas e protestos por parte dos Estados Unidos, porque a agroindústria brasileira é muito competitiva, e certamente um acordo entre México e Brasil que facilite a importação desses produtos — e o país mexicano tem tido uma política de facilitação de produtos de cesta básica — pode gerar problemas e pressões nos Estados Unidos para que não se realize", exemplifica.

·        Aliança não interessa comunidade internacional

Já a professora de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Renata Gaspar disse à Sputnik Brasil que a aliança entre Brasil e México nunca despertou interesse na comunidade internacional, pelo contrário.

Um caso que marcou a história é, segundo a especialista, a concessão de empréstimos a preços baixos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) aos países da América Latina na década de 1970. Com o ultraendividamento gerado pela medida, agravada pelo aumento da taxa de juros mundial e a crise do petróleo, as duas nações chegaram a ameaçar moratória (quando o pagamento da dívida é suspenso).

"Na época, as declarações das moratórias por Brasil e México movimentaram os principais analistas do FMI e economistas norte-americanos para pensarem em uma solução para que isso não ocorresse. Se Brasil e México tivessem realmente levado adiante [a moratória] e dado um calote na dívida externa, talvez as relações de integração na América Latina e as relações econômicas fossem outras, porque poderiam ter abalado o sistema. Mas como os analistas sabiam disso, eles logo se reuniram e arrumaram uma forma de impedir que tanto México quanto Brasil levassem a efeito essa moratória, renegociando novas formas de pagamento. Com isso, mantiveram a dependência econômica para que as duas maiores economias latinas não pudessem bater asinhas. Quando penso nesse momento, ali teria sido um grito de liberdade. Se México e Brasil tivessem levado a efeito o calote, talvez a gente tivesse outro cenário na política internacional, diferente do que a gente tem agora", argumenta.

·        Políticas para a América Latina pensada pelos latinos

Como reação a uma onda internacional liderada por Estados Unidos, União Europeia e até Argentina de reconhecer o candidato da oposição na Venezuela, Edmundo González, como vencedor das eleições no país, um grupo formado por Brasil e México, além da Colômbia, tentou buscar uma forma de solucionar a questão no país da América do Sul sem deixar de lado o diálogo com o governo de Nicolás Maduro. Isso é uma política para a América Latina pensada pelos latinos, reforça a especialista.

"O que está acontecendo na Venezuela agora não é produto só de questões internas, há muita interferência externa. E assim sucessivamente, poderíamos nomear um a um dos países da região e mostrar como há interferências diretas e indiretas. Então qualquer aproximação Brasil-México, ela vai ligar um alerta na comunidade internacional, sobretudo em algumas potências que se interessam por essa divisão […]. E a possibilidade de terem êxito com esse grupo de mediação para a Venezuela pode ser muito mais do que uma mediação, mas o início de uma nova história", finalizou.

<><> Lula vê 'potencial extraordinário' na relação econômica entre Brasil e México

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou nesta segunda-feira (30), na Cidade do México, do Seminário Empresarial Brasil-México, no qual destacou o "potencial extraordinário" que as relações econômicas entre os dois países podem alcançar.

"O potencial da economia mexicana e brasileira é extraordinário. Eu acho que nós ainda não conseguimos utilizar 70% do potencial que nós temos e, por isso, precisamos fazer novos acordos. Discutir a fundo, sem medo, tendo sempre em conta que uma boa política de relação comercial é uma via de duas mãos", disse o presidente brasileiro durante o discurso que abriu o evento.

Lula defendeu uma relação "equilibrada" e enfatizou o desejo de promover o crescimento econômico em diversas frentes, começando na área tecnológica com o desenvolvimento da inteligência artificial.

O líder brasileiro foi ao México para participar da cerimônia de posse da presidente eleita, Claudia Sheinbaum, na terça-feira (1º). No dia anterior, ele planejou encontrar-se com ela e com o presidente que passará a faixa, Andrés Manuel López Obrador.

Durante o evento com empresários, os membros do Conselho Empresarial Brasil-México (Cebramex) entregaram a Lula um documento com as prioridades do setor privado dos dois países para melhorar o ambiente de negócios.

No contexto do fórum empresarial, a Embraer e a Federação Mexicana da Indústria Aeroespacial assinaram um memorando com o objetivo de promover oportunidades no setor aeroespacial.

Além disso, o Brasil quer aprimorar o acordo de cooperação econômica com o México que previa a eliminação ou redução de tarifas para produtos automotivos.

Em 2023, o Brasil exportou US$ 8,57 bilhões (R$ 46,70 bilhões) para o México e importou US$ 5,54 bilhões (R$ 30,19 bilhões), o que representou um superávit de mais de 3 bilhões de dólares (R$ 16,35 milhões) a favor do Brasil, o maior valor registrado desde 2006.

¨      'Contexto completamente diferente': que desafios terá Claudia Sheinbaum, nova presidente do México?

Sucessora de Andrés Manuel López Obrador, a nova presidente do México, Claudia Sheinbaum, assume o manto com velhos desafios e novas oportunidades, como o problema do narcotráfico, uma possível reeleição de Donald Trump nos EUA e o desinvestimento norte-americano na China.

Neste 1º de outubro, Claudia Sheinbaum assume a presidência do México como a primeira mulher a ocupar o cargo em toda a história do país. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, viajou à Cidade do México para participar da cerimônia de posse e se encontrar bilateralmente com Sheinbaum para discutir temas da relação dos dois países, que são as maiores lideranças da América Latina.

Eleita na esteira da grande popularidade de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) e seu partido, Movimento Regeneração Nacional (Morena), o caráter da presidência de Sheinbaum é tema do episódio desta terça-feira (1º) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.

<><> México: governo de continuidade ou transformação?

Eleita com quase 36 milhões de votos, um número não alcançado nem mesmo por seu predecessor, Sheinbaum contará não só com um grande apoio popular, mas um Legislativo muito favorável. Seu partido obteve a maioria tanto na Câmara dos Deputados (255 de 500 cadeiras) quanto no Senado da República (66 de 128).

Para melhorar ainda mais a situação política para a nova presidente, como um dos seus últimos atos, AMLO conseguiu promulgar uma reforma judicial que estabelece eleições para membros do Judiciário, seja juízes locais, seja membros da Suprema Corte de Justiça da Nação, maior autoridade judiciária do país.

Isso pode ampliar ainda mais o poder do partido da presidente, o Morena, caso Sheinbaum consiga eleger seus aliados, afirmou ao Mundioka o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV NPII) Leonardo Paz.

Ainda que tenha bastante espaço para exercer mudanças significativas na sociedade mexicana, a nova presidente não deve mudar muito o curso das políticas estabelecidas por López Obrador, diz Paz, detalhando que sua campanha teve como "espinha dorsal" a manutenção das políticas progressistas do ex-presidente, como os benefícios sociais e o reajuste do salário mínimo acima da inflação.

<><> Segurança e combate ao narcotráfico

Outro ponto crítico na campanha de Sheinbaum foi a criminalidade, em especial aquela associada ao narcotráfico. Segundo Paz, esse será um dos principais desafios da nova presidente, que durante seu mandato como prefeita da capital, Cidade do México, não precisou lidar diretamente com os cartéis. Ainda assim, ela foi bem avaliada durante sua gestão da segurança pública municipal.

"A capital em si é relativamente segura, é muito policial na rua, é muito equipado. É uma dinâmica diferente do resto do país. Então ela vai lidar com um contexto completamente diferente nesse sentido."

Como parte de seu plano de governo, a nova presidente instituiu uma campanha de impunidade zero, algo que para Paz "tem zero probabilidade de realmente acontecer", uma vez que o narcotráfico conseguiu penetrar várias esferas do poder público, como o Judiciário, as forças policiais e as Forças Armadas.

<><> Economia mexicana

Do ponto de vista econômico, Paz destacou que o México não anda tão bem das pernas. Com um crescimento médio de 0,8% nos últimos seis anos, o país perdeu uma oportunidade de ser recipiente dos investimentos estadunidenses, à medida que o país tirou seu dinheiro da China.

"O México seria um grande competidor desse investimento, porque ele é muito próximo e já está incluído no contexto de um acordo comercial, o NAFTA. Mas isso não aconteceu. Muitos desses investimentos americanos foram para Vietnã, Malásia e Taiwan."

Por outro lado, a economia mexicana tem dois aspectos promissores: uma relação dívida-PIB não muito alta e uma carta tributária moderada, sublinha Paz. Isso permite que o governo tenha opções para dinamizar a economia.

Já Marcio Sette Fortes, professor de relações internacionais do Ibmec e ex-diretor alterno do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ressaltou ao Mundioka que a economia mexicana é "altamente dinâmica em termos industriais".

No entanto a dependência das exportações para os Estados Unidos, principal parceiro comercial, a torna frágil. "Neste momento o ideal seria seguir o caminho da diversificação de parceiros comerciais."

Para ambos os entrevistados, Sheinbaum terá outra corda bamba para se equilibrar: quem será o próximo ocupante da Casa Branca.

A corrida presidencial norte-americana está apertada entre o republicano e ex-presidente Donald Trump e a sucessora do atual presidente, Joe Biden, a democrata Kamala Harris. Em ambos os casos, no entanto, há um molde de como o líder estadunidense deve agir com relação ao México.

Com Harris, é esperado que os diálogos continuem como eram entre as gestões de Biden e AMLO. Já com Trump, que também governou durante a presidência de López Obrador, a expectativa é que haja mais ruídos e embates.

Com os Estados Unidos em uma encruzilhada de como reorganizar sua economia internacional, um conflito diplomático entre Trump e Sheinbaum por um tema como imigração ilegal pode ressignificar a posição mexicana dentro desses investimentos norte-americanos, disse Paz.

"É um momento importante e que vai demandar bastante a habilidade política da nova presidente."

 

¨      Não de Sheinbaum ao Rei da Espanha representa não ao neoliberalismo na América Latina. Por César Fonseca

A nova presidente do México, Cláudia Sheinbaum, que tomou posse nessa terça feira, não convidou o rei da Espanha, Felipe VI, para a solenidade.

Lopez Obrador havia escrito a Sua Majestade para que seu país reconhecesse os crimes perpetrados contra o México durante a colonização.

Não recebeu resposta.

O rei espanhol pensou que estivesse ainda no tempo em que a Espanha era império colonial.

Sheinbaum vingou Lopez Obrador e elevou a moral do povo mexicano.

Obrador sai com 70% de apoio popular, deixando legado de luta a Sheinbaum que promete continuar adotando política social antineoliberal, mediante apoio do partido Morena, em nova jornada de esquerda, no México, para enfrentar o neoliberalismo com as mesmas armas, aperfeiçoando-as, historicamente: políticas sociais, como base do desenvolvimentismo democrático mexicano.

Graças a elas, o Morena vai governar com maioria parlamentar, garantia de que, com correlação de forças favoráveis à estratégia progressistas de Obrador, que Sheinbaum promete continuar, a esquerda mexicana intensificará sua resistência às forças neoliberais que tentam dominar a América Latina, impulsionadas pela ultradireita americana.  

Seja quem for o vencedor das eleições nos Estados Unidos, partido democrata ou republicano, a meta imperialista, para a América Latina, é conhecida: impor a ordem da Doutrina Monroe, a América para os americanos do norte, custe o que custar.

AVANÇO DEMOCRÁTICO MEXICANO

Marco significativo da predominância da correlação de forças progressistas no México, que se revela no início da Era Sheinbaum, é a vitória parlamentar da esquerda mexicana com aprovação da reforma judiciária, que altera o status quo vigente, historicamente, sob domínio conservador.

De agora em diante, os juízes dos tribunais serão eleitos por voto popular, não mais indicados por uma institucionalidade estabelecida por castas jurídicas que eternizavam o mando do capital sobre as demandas no poder judiciário.

A expansão do domínio financeiro, acompanhado pela dominação do narcotráfico, no México, aliados, por sua vez, dos poderosos grupos capitalistas americanos, que comandam o mercado de distribuição de drogas e jogos nos Estados Unidos, tiveram seus interesses contrariados com a reforma judiciária aprovada por López Obrador no final do seu mandato.

As demandas no judiciário pelo poder americano feita por grandes corporações que se instalam há décadas no país sempre foram consagradas pelas decisões de juízes pró-Washington, a revelar a força do norte sobre o sul.

Qual será o caminho da nova ordem?

Os desdobramentos políticos e sua extensão no México e, igualmente, na sua relação com o império americano, dos resultados da democratização da justiça mexicana, no futuro, é uma página que começa a ser escrita, mas sua materialização indica conquista política popular alcançada pelo poder dominado pela esquerda.

O rei da Espanha, talvez, ainda, mergulhado no tempo em que a poderosa armada espanhola singrava os mares do Atlântico para dominar a América, por meio da brutalidade colonialista, não conseguiu entender o novo México que se ergueu com Obrador e seguirá com Cláudia Sheinbaum.

Sua Majestade não percebeu que o não de Sheinbaum objetiva combater o neoliberalismo financeiro que Europa, em fim de festa imperial, e Estados Unidos tentam manter sob o unilateralismo historicamente condenado.

POR QUE CONVIDAR IMPÉRIO PARA POSSES PRESIDENCIAIS?

Oxalá, o gesto de Sheinbaum, em concordância com Obrador, estenda-se a todos os países latino-americanos, quanto a se comportar não, apenas, relativamente, ao rei espanhol, mas aos poderosos titulares de governos, como o dos Estados Unidos, que continuam em sua estratégia de colonização financeira da América Latina.

Por que convidar o chefe do imperialismo americano para cerimônia de posses de presidentes eleitos pelo voto popular, na América do sul, América Central e Caribe, regiões alvos da exploração econômica imperialista ditada pelas grandes corporações econômicas e financeiras, cujo objetivo central é extrair dos latino-americanos suas riquezas minerais e agrícolas, mediante estratégias neoliberais ortodoxas, que eternizam sua condição de colônia?

O não convite aos imperadores nas posses latino-americanas representa ou não a afirmação de que a região dá um basta à sua condição de colônia, fixada a partir de políticas ditadas de cima para baixo, mediante arrochos fiscais e neoliberais que bloqueiam a industrialização do Sul Global, cuja meta é o multilateralismo cooperativo e não mais o unilateralismo imperialista colonial?

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil 247

 

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