Sem
eficácia comprovada: três práticas médicas que pacientes idosos devem
questionar
Pesquisas
recentes revelaram que muitos tratamentos tradicionais não são eficazes como se
pensavam
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Um
idoso com demência está no hospital e tem dificuldade para engolir. O
fonoaudiólogo recomenda engrossar os líquidos que o paciente bebe usando amido
ou goma. Depois, especifica qual deve ser a viscosidade do chá, da água ou do
suco que ele deve ingerir. Precisa se parecer com mel ou com um néctar de
fruta?
O
médico prescreve a ordem e o paciente, que recebeu alta, retorna para casa ou
para a unidade de enfermagem. A partir de então, passa a beber líquidos
engrossados.
A
justificativa é que essa substância viscosa, lamacenta, impede que o paciente
transporte líquidos para os pulmões e desenvolva pneumonia por aspiração.
Mas
essa prática funciona? Há anos, alguns geriatras duvidam.
Recentemente,
um estudo feito em larga escala pelo Instituto Feinstein de Pesquisa Médica, em
Manhasset, Nova York, descobriu que o espessamento de líquidos não é eficaz
para ajudar esses pacientes.
Isso
acontece com certa frequência: depois de uma investigação aprofundada, práticas
médicas tão comuns que nunca haviam causado desconfiança terminam por gerar
dúvidas pela falta de base na realidade. “Há muitas coisas que fazemos na
medicina cuja eficácia não é comprovada. Continuam sendo aceitas, mesmo não
sendo testadas, porque sempre foram feitas e só por isso continuam sendo
executadas”, disse o dr. Matthieu Legrand, anestesista e médico de cuidados
intensivos da Universidade da Califórnia, em San Francisco, autor principal de
um novo estudo que examina outra prática comum: interromper certos medicamentos
para pressão arterial alguns dias antes de os pacientes passarem por uma longa
cirurgia.
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Aqui, vamos dar uma olhada em três práticas comuns que estão sendo examinadas
mais de perto.
• Líquidos
espessados
Há
cerca de uma década, geriatras da Universidade da Califórnia, em San Francisco,
decidiram fazer um experimento de um dia de duração: tomaram os mesmos líquidos
espessados que frequentemente administram para os pacientes. “Tivemos dores de
cabeça e ficamos desidratados. Não conseguimos passar mais de 12 horas fazendo
o experimento. E estávamos pedindo aos nossos pacientes com demência que
fizessem isso pelo resto da vida. Não havia nada que comprovasse a eficiência
desse procedimento”, relatou o dr. Eric Widera, um dos participantes do
experimento e autor de um editorial bastante cético publicado recentemente na
“Jama Internal Medicine” (revista mensal publicada pela Associação Médica
Americana).
Mas
agora há novas informações, embora isso não sirva de apoio à prática. Os
pesquisadores de Feinstein analisaram o registro médico de quase nove mil
pacientes, com idade média de 86 anos, hospitalizados com demência e
dificuldade de deglutição. Sua dieta hospitalar consistia principalmente de
líquidos finos ou espessados.
Ao
combinar os grupos para características-chave, os pesquisadores não encontraram
nenhuma diferença significativa na duração da internação hospitalar, nas
readmissões ou nas taxas de mortalidade. Aqueles que bebiam líquidos espessados
tinham menos probabilidade de precisar de ventilação mecânica, mas, na verdade,
eram mais propensos a desenvolver pneumonia ou outros problemas respiratórios.
Além
disso, beber algo que se parece com lama “realmente afeta o bem-estar”, afirmou
o dr. Liron Sinvani, médico hospitalista e geriatra, autor sênior do estudo.
Muitos desses pacientes estão se aproximando do fim da vida.
Como
alguns engasgam ou tossem ao beber líquidos finos, faz sentido que ingiram
líquidos mais espessos. E há quem não desgoste de tomar estes últimos. “Não
podemos afirmar plenamente que essa é uma prática errada, mas podemos
questioná-la. Ainda não está claro se o que estamos fazendo é o melhor para as
pessoas”, disse Sinvani.
• Interrupção
de controle da pressão arterial
Entre
25 e 50 por cento dos pacientes que se submetem a uma cirurgia tomam algum
medicamento para pressão arterial, os chamados inibidores da enzima conversora
de angiotensina (ECA), como benazepril, lisinopril e outros “prils”; ou
bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRAs) como candesartana,
olmesartana e outros “sartanas”, explicou Legrand, acrescentando: “Para os
adultos mais velhos, o número é mais elevado.”
Para
muitos tipos de cirurgia, faz parte da rotina pedir ao paciente que interrompa
esses medicamentos antes da operação. Em geral, o médico teme que a pressão
arterial caia muito durante o procedimento, causando complicações como
insuficiência cardíaca, AVC ou problemas renais.
Se
o paciente esquecer ou confundir as instruções e não interromper os
medicamentos a tempo, o médico pode adiar ou até cancelar a cirurgia. Sem os
medicamentos, no entanto, a pressão arterial do paciente pode aumentar
perigosamente.
Para
determinar o que realmente acontece, um estudo escolheu aleatoriamente 2.200
pacientes, com idade média de 68 anos, submetidos a uma variedade de cirurgias
não cardíacas em 40 hospitais na França. Metade deles continuou usando um
inibidor da ECA ou um BRA até o dia da cirurgia; metade foi orientada a parar
de tomar BRA 48 horas antes da operação.
Durante
os procedimentos, a pressão sanguínea estava mais propensa a cair no grupo que
continuou com os medicamentos. “Mas a taxa de complicações foi exatamente a
mesma: cerca de 22 por cento em cada grupo”, informou Legrand, autor principal
do estudo, publicado na “Jama”.
Os
grupos tiveram taxas semelhantes de ataque cardíaco pós-cirúrgico, derrame,
sepse, complicações respiratórias e renais, admissão em terapia intensiva e
morte. Um grande estudo internacional e outro no Reino Unido, feitos
recentemente, chegaram a conclusões semelhantes.
Legrand
alertou que a cirurgia cardíaca é diferente. Esse paciente corre um risco
maior. Na maioria dos hospitais, é orientado a continuar com seu medicamento
para pressão arterial. Mas, para outras operações, “o paciente não precisa
necessariamente parar de tomar seu medicamento. Por isso, é bom que tenha essa
conversa com seu médico”, disse ele.
• Implante
de coluna para dor nas costas
A
Food and Drug Administration (agência governamental americana que controla
alimentos e medicamentos) informou, em 2020, que cerca de 50 mil estimuladores
da medula espinhal, dispositivos destinados a reduzir a dor crônica mediante
impulsos elétricos, estavam sendo implantados anualmente – e que, ao longo de
quatro anos, a agência tinha recebido 108 mil relatórios de lesões em doentes,
incluindo 497 mortes, e reclamações sobre estimuladores com mau funcionamento.
É
provável que os implantes anuais tenham aumentado desde então, à medida que os
médicos buscam substitutos para a prescrição de opioides. Mas esses
estimuladores funcionam?
Aqui,
o dilema não é a falta de provas, mas alegações contraditórias e descobertas
conflitantes, com pesquisadores discutindo metodologias e resultados – um
cenário confuso para pacientes que buscam alívio desesperadamente.
Os
médicos especialistas em dor consideram que um tratamento é eficaz se consegue
reduzir a dor pela metade em 50 por cento dos pacientes. No entanto, o que pode
confundir esses resultados é o potente efeito placebo. “Para o paciente, quanto
mais você investe, maior a probabilidade de ver um efeito”, afirmou a dra. Rita
F. Redberg, cardiologista da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e
coautora de um estudo recente publicado na revista “Jama Neurology”.
Um
gerador implantado cirurgicamente, com fios inseridos no espaço ao redor da
coluna vertebral, é um grande investimento. Esses estudos não são facilmente
escamoteados, como na maioria dos ensaios clínicos que se fazem com
medicamentos. Nesses casos, os pacientes sabem que receberam os estimuladores.
O
novo estudo analisou dados de pedidos de indenização de seguros de saúde
relativos a 7.500 pacientes com idade média de 64 anos, que sofriam de dor
crônica, a maioria dos quais depois de uma cirurgia de coluna malsucedida.
“Fizemos uma correspondência cuidadosa para podermos comparar os resultados”,
disse Redberg. Ao longo de dois anos, os 1.260 pacientes que usaram
estimuladores da medula espinhal não reduziram o uso de opioides, ou da maioria
dos outros tratamentos para dor, comparados com aqueles que buscaram tratamento
médico convencional sem a implantação. “Eles queriam se sentir melhor, mas isso
não aconteceu”, informou Redberg. Além disso, cerca de um em cada cinco
pacientes teve o dispositivo removido ou precisou de uma segunda cirurgia para
repará-lo ou mudá-lo de posição.
Duas
revisões feitas com a base de dados Cochrane, metanálises feitas por uma rede
independente de pesquisadores, encontraram “provas de baixa a muito baixa
certeza” de que a estimulação reduz a intensidade da dor e traz “pouco ou
nenhum benefício sustentado” para a dor lombar.
No
entanto, especialistas em dor e organizações profissionais se apressaram em
criticar a metodologia do novo estudo. Por enquanto, as disputas continuam.
“Todos nós queremos ajudar os pacientes com dor. Mas essa não é a maneira de
fazer isso”, comentou Redberg.
Fonte: The New York Times Company
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