Eleições 2024: o que prefeitos podem fazer
de fato pela segurança pública?
Às vésperas das
eleições municipais de 2024, a segurança pública é apontada como principal
problema da cidade por moradores de sete das dez capitais mais populosas do
Brasil, segundo pesquisas eleitorais realizadas pela Quaest em agosto.
Neste cenário, o tema
ganhou centralidade no debate eleitoral, embora a possibilidade de atuação de
prefeitos e vereadores no combate à criminalidade seja limitada pelas
atribuições que cabem aos municípios, segundo a Constituição brasileira.
Mas o que de fato os
prefeitos podem fazer pela segurança da população nas cidades?
E quais exemplos podem
servir de inspiração para os mandatos municipais que se iniciam em 1º de
janeiro de 2025?
• Por que segurança está no topo das
preocupações
A segurança pública e
a criminalidade estão no topo das preocupações dos eleitores em um momento em
que o país registra taxa de homicídios em queda desde 2017 — ano em que o
indicador bateu recorde em meio à guerra de facções, com o avanço do Primeiro
Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) para as regiões Norte e
Nordeste.
Para Melina Risso,
diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, um centro de estudos de segurança
pública, apesar dessa aparente contradição, é preciso considerar que a
população está submetida a diferentes tipos de violência.
Um exemplo é o roubo
de celular, um crime muito prevalente atualmente nas grandes cidades.
Praticamente um em
cada dez brasileiros (9,2%) teve o celular roubado no período de 12 meses entre
julho de 2023 e junho deste ano, segundo pesquisa do instituto Datafolha.
A incidência do crime
é maior nas capitais (15%), do que no interior (6%), segundo o levantamento
encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Não é só a taxa
de homicídio, mas uma experiência de diferentes tipos de violência que são
muito presentes na vida das pessoas", diz Risso, que é coautora de
Segurança pública para virar o jogo (Zahar, 2018),
"Esse é um
elemento muito importante para formar essa percepção [em relação à
violência]."
A especialista destaca
ainda que crimes como roubo são mais frequentes do que mostram os dados
oficiais, porque muitas vítimas não os denunciam às autoridades competentes.
Por exemplo, a
pesquisa do Datafolha indica que 14,7 milhões de brasileiros tiveram seus
celulares roubados durante o período pesquisado, mais de 14 vezes o registrado
em boletins de ocorrência.
"O dado que vemos
nas estatísticas oficiais é só uma parte do que realmente acontece da
experiência das pessoas", afirma Risso.
Para Ricardo
Balestreri, coordenador do Núcleo de Urbanismo Social e Segurança Pública do
Insper, há um sentimento "intuitivo" em parte da população de que,
sem segurança pública, não é possível ter os demais direitos do cidadão
respeitados.
"Não há direito
pleno de ir e vir para a maioria dos moradores de territórios populares
constrangidos pelo crime, de empreender livremente, de ter acesso à educação,
de garantia da longevidade para os jovens, de garantia para os pais de que vão
voltar para casa e encontrar seus filhos", exemplifica Balestreri, que foi
secretário Nacional de Segurança Pública (2008-2010) e de Segurança Pública e
Administração Penitenciária de Goiás (2017-2018).
"A população vive
tudo isso no seu dia a dia, então, a insegurança pública tem o poder de
interditar o respeito aos demais direitos humanos, em momento em que,
lamentavelmente, grande parte da população brasileira vive em territórios
dominados ou com a presença de atividades criminais."
A pesquisa Datafolha
mostrou, por exemplo, que 14% dos brasileiros dizem sofrer com a presença de
facções criminosas ou milícias em suas vizinhanças. Em capitais, o percentual
chega a 20%.
• O que cabe aos municípios na segurança
pública
A Constituição
estabelece no Artigo 144 que a segurança pública é um "dever do
Estado" e "direito e responsabilidade de todos".
Mas, na prática, as
maiores atribuições de combate à criminalidade cabem aos Estados, responsáveis
pelas polícias Civil e Militar.
Conforme o texto constitucional,
as atribuições de União, Estados e municípios com relação à segurança pública
são as seguintes:
• União: controla a Polícia Federal e a
Polícia Rodoviária Federal, sendo responsável pelo policiamento das fronteiras,
das rodovias federais e pelo combate ao tráfico internacional e interestadual
de drogas;
• Estados e Distrito Federal: controlam as
polícias Civil e Militar, sendo responsáveis pelo policiamento ostensivo (que
inclui a manutenção da ordem pública, repressão de crimes, zelo pelo respeito
dos indivíduos às leis, entre outras medidas) e pela investigação de crimes
comuns;
• Municípios: podem desenvolver ações de
prevenção à violência, por meio, por exemplo, da instalação de iluminação e
câmeras. E criar guardas municipais – historicamente, estas guarnições tinham
como atribuição a proteção de patrimônio, mas uma decisão recente do Supremo
Tribunal Federal (STF) reforçou o papel das guardas na segurança dos cidadãos.
"Hoje, quando
olhamos o sentido geral de segurança pública, ele está muito concentrado no
momento posterior ao crime", diz Risso.
"Nas polícias, no
sistema de justiça criminal, no sistema penitenciário, que atuam depois que a
situação de violência ou de crime aconteceu."
A especialista
observa, porém, que a questão da segurança pública é mais ampla, envolvendo
também as causas da violência, o que está relacionado à vulnerabilidade social
e individual, à percepção de aplicação da lei, entre outros fatores.
"É aí que o
município tem um papel enorme, que vai desde o ordenamento urbano, passando por
políticas que reduzem a chance das pessoas serem vítimas de violência, por
políticas públicas como o investimento na primeira infância, o processo
educacional", enumera Risso.
"São políticas
diversas que criam fatores de proteção para que as pessoas não sejam expostas à
situação de violência."
Ela cita ainda outras
intervenções em áreas urbanas, como a iluminação, a circulação de pessoas
determinada pelo organização da cidade, além da regulamentação da questão
fundiária e imobiliária (utilizadas pelo crime organizado em áreas onde esses
grupos atuam por meio do controle territorial).
"É preciso que os
municípios construam políticas municipais de segurança para além das guardas
municipais e que têm relação com práticas de urbanismo social", diz
Balestreri, do Insper.
O urbanismo social é
uma estratégia de intervenção urbana e de políticas públicas que visa o
desenvolvimento local de regiões de alta vulnerabilidade social, a partir de
políticas intersetoriais, construídas pelo poder público, em parceria com
entidades da sociedade civil e a população local.
"É preciso criar
equipamentos públicos e oportunidades de inclusão social para todas as pessoas,
para cortar na raiz o problema da insegurança pública", diz o
ex-secretário.
Segundo Balestreri, o
problema da insegurança no Brasil é tão grave porque há décadas o país prioriza
a repressão sem dar devida atenção à inclusão, fundamental em país tão
desigual, onde há um "exército" de pessoas sem oportunidades.
"É um Estado que
se ausentou da vida dos mais pobres, em um país que herdou uma ideologia de
casa grande e senzala. Nos livramos da escravatura, mas não do escravismo, que
está internalizado na cultura da gestão pública, com raras e honrosas exceções.
Temos um país que administra para a casa grande e que contém a senzala. Essa é
a lógica."
• Urbanismo e segurança
Quando questionados
sobre exemplos bem sucedidos de ação de municípios brasileiros na segurança
pública, os dois especialistas citam os Centros Comunitários da Paz (Compaz) do
Recife.
Com a primeira unidade
inaugurada em 2016, são hoje cinco complexos em operação na capital
pernambucana, que oferecem serviços diversos à comunidade, como cursos de
capacitação, orientação jurídica, assistência social, além de aulas de artes e
esportes.
A inspiração veio da
estratégia de segurança pública baseada em urbanismo social de Medellín, na
Colômbia, cidade conhecida por ter passado do domínio do narcotráfico a exemplo
de revitalização urbana.
Na segunda maior
metrópole colombiana, a taxa de homicídios, que beirava 200 mortes por 100 mil
habitantes em meados dos anos 1990, caiu para menos de 15 em 2023.
"Aplicamos o
Projeto Urbano Integrado (PUI) de Medellín, buscando implantar os eixos
voltados para a primeira infância, empreendedorismo, esporte e lazer,
convivência cidadã, policiamento comunitário, justiça, direitos, cultura,
educação e saúde preventiva", disse Murilo Cavalcanti, ex-secretário de
Segurança Cidadã do Recife e formulador dos Compaz, em palestra recente.
Nesta mesma direção,
de criação de locais de convivência, lazer e concentração de serviços,
Balestreri cita ainda as Usinas de Paz do Pará (uma política estadual, com
unidades na Região Metropolitana de Belém, e no sudeste do Estado); e, em São
Paulo, a transformação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) em locais
onde são prestados serviços comunitários mais amplos.
Na atuação da guarda
metropolitana, sob a ótica da prevenção, Risso dá como o exemplo do Centro
Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH).
"O centro de
operações faz um trabalho muito interessante para orientar a ação da guarda,
olhando para questões de convivência na cidade, que não são necessariamente o
foco da polícia, como, por exemplo, a questão de furto de cabos, que tem um
impacto imenso na vida das cidades, ao afetar semáforos e a iluminação",
exemplifica Risso.
A especialista lembra
ainda que guardas municipais de diferentes cidades têm feito um trabalho
importante de proteção às mulheres vítimas de violência, por meio das chamadas
Patrulhas Maria da Penha — ações coordenadas de equipes que fazem visitas de
rotina às mulheres que estão sob medidas protetivas contra agressores.
Risso cita ainda o
exemplo do Pacto Pelotas pela Paz, programa de prevenção à violência que levou
a uma queda de 9% nos homicídios e de 7% nos roubos no município gaúcho, entre
agosto de 2017 e dezembro de 2021, segundo estudo publicado na revista The Lancet
Regional Health Americas.
Levantamento recente
da própria Prefeitura de Pelotas, feito com outra metodologia, identificou
resultados ainda mais expressivos, com quedas nos crimes violentos letais
intencionais (-60%), nos roubos a transporte público (-75%), roubos de veículos
(-91%), furtos de veículos (-79%), roubos a pedestre (-82%) e roubos a
estabelecimentos comerciais (-78%), entre 2017 e 2024.
O projeto mistura
iniciativas de urbanismo, policiamento e educação, com uma atuação também forte
na ressocialização de detentos.
"Ao trabalhar com
segurança pública, não há 'bala de prata'. É preciso trabalhar com um conjunto
de medidas, com muita clareza de onde o município pode atuar", diz Risso.
"O que temos
visto nessas eleições são muitos candidatos propondo ações que não são da
competência do município."
Fonte: BBC News Brasil
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