Qual o
risco real de beber álcool?
No passado,
várias pesquisas sugeriram que o consumo moderado de algumas bebidas
alcoólicas, como vinho tinto, poderia ser bom para a saúde. Mas isso mudou,
segundo um documento recente da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Agora,
a OMS considera que não há nível seguro para a saúde no consumo de álcool.
O
programa de rádio The Food Chain, do serviço mundial da BBC, analisou os riscos
e benefícios de beber.
·
Câncer e mortes
O
consumo de álcool contribuiu em 2019 para 2,6 milhões de mortes em todo o
mundo, de acordo com um relatório da OMS divulgado em junho.
Dessas,
estima-se que 1,6 milhão de óbitos foram por doenças não transmissíveis,
incluindo 474.000 mortes por doenças cardiovasculares e 401.000 por câncer.
Cerca
de 724.000 mortes foram devido a ferimentos, como acidentes de trânsito,
automutilação e violência.
Outros
284.000 óbitos foram relacionados a doenças transmissíveis — por exemplo, já
foi provado que o consumo de álcool aumenta o risco de transmissão do HIV
através de sexo desprotegido e também o risco de infecção por tuberculose, ao
suprimir algumas reações do sistema imunológico.
O
álcool causa pelo menos sete tipos de câncer, incluindo de intestino e mama.
Uma
análise feita pela OMS descobriu que até mesmo o consumo leve e moderado de
álcool, definido como menos de 1,5 litro de vinho, menos de 3,5 litros de
cerveja ou menos de 450 mililitros de destilados por semana, é perigoso.
As
novas diretrizes da OMS afirmam que não há uma quantidade segura e que o
"risco para a saúde de quem bebe começa na primeira gota de qualquer
bebida alcoólica".
Tim
Stockwell, cientista do Instituto Canadense de Pesquisa sobre Uso de
Substâncias, está convencido sobre a importância do alerta da OMS.
“O
álcool é essencialmente uma substância de risco, e o risco começa assim que
você começa a beber.”
Ele
fez uma análise de 107 artigos científicos e concluiu que não se pode afirmar
que o consumo leve do álcool é seguro. No estudo, o consumo leve foi definido
como de uma bebida por semana (> 1,30 g de etanol/dia) a duas bebidas por
dia (< 25 g de etanol/dia).
Stockwell
argumenta que pesquisas com metodologia ruim vinham sustentando a ideia de que
o consumo moderado de álcool é saudável.
Mas
nem todo mundo acha que os riscos do álcool devem ser motivo de tanta
preocupação.
"Eu
realmente não entendo essa obsessão em tentar entender os riscos de beber uma
ou duas doses por dia", argumenta o professor David Spiegelhalter.
Ele
é professor emérito de estatística na Universidade de Cambridge, no Reino
Unido, e explica como podemos dar sentido ao risco.
"Não
existe um nível seguro de direção. Não existe um nível seguro de vida, mas
ninguém recomenda a abstinência. Precisamos analisar a balança entre benefícios
e danos."
Spiegelhalte
é cético quanto à nossa capacidade de estimar os riscos com precisão.
"Acho
que deveríamos aceitar que as pessoas bebem por um motivo, que é gostar."
Garantindo
que não faz parte do lobby pró ou contra o álcool, Spiegelhalter conta por que
gosta de beber moderadamente.
"Risco
significa diminuir a expectativa de vida média em pelo menos 1%."
"Ao
longo de cinquenta anos bebendo, uma dose razoável por dia tiraria seis meses
da sua vida ou quinze minutos de cada dia."
Spiegelhalte
defende que até mesmo assistir TV uma hora por dia ou comer sanduíche com bacon
duas vezes por semana também trazem riscos à saúde.
Stockwell
também gosta de sua dose de bebida e não necessariamente defende a abstinência.
"Se
você acha que o álcool é uma coisa maravilhosa e prazerosa, precisa considerar
o equilíbrio disso com os pequenos riscos à sua saúde", diz o cientistas.
• Queda
no consumo
Dados
da OMS também revelam que o consumo anual de álcool per capita diminuiu
ligeiramente no mundo — de 5,7 litros em 2010 para 5,5 litros em 2019.
Os
homens consomem em média 8,2 litros em comparação com 2,2 litros por mulheres
em um ano.
Alguns
como Anna Tait, 44 anos, que mora em Berkshire, na Inglaterra, estão desistindo
completamente do álcool.
"Eu
não diria que bebia muito, mas muito toda sexta-feira. Eu ficava ansiosa para
abrir algumas cervejas, tomar gin depois do trabalho e então rapidamente passar
a dividir uma garrafa de vinho com meu marido", diz Tait.
O
mesmo padrão se repetia no sábado.
Tait
percebeu então que estava bebendo nas quintas e domingos também.
Porém,
no início deste ano, ela começou a treinar para uma maratona e seu treinador a
apoiou a desistir do álcool.
Seu
marido também está fazendo musculação e ambos conseguiram cortar seu consumo de
álcool.
"Foi
uma mudança tão grande. Eu me sinto mais forte e melhor", diz Tait.
Mas
ela conta que, quando estão em encontros sociais, seus amigos ficam um pouco
decepcionados quando percebem que ela e o marido não vão se juntar para beber.
Amelie
Hauenstein, da Baviera, na Alemanha, também desistiu de beber.
"Percebi
que eu não tinha uma noite divertida quando não bebia", conta a jovem de
22 anos.
"Eu
queria parar porque é muito ruim acordar no domingo e não saber o que fez no
dia anterior", diz Hauenstein, demonstrando estar feliz com o progresso
que fez.
• Conheça
os riscos da cerveja sem álcool para menores
A
atriz Kristen Bell, mais conhecida por seu papel em “The Good Place”, causou
polêmica ao revelar que suas filhas de oito e nove anos de idade bebem cerveja
sem álcool.
De
acordo Sanjay Gupta, correspondente médico da CNN internacional, o risco em
oferecer essas bebidas às crianças não está na saúde imediata, mas sim que elas
atuem como “porta de entrada”.
“Parte
do apelo é que as bebidas têm o mesmo gosto, a mesma aparência e o mesmo cheiro
que as bebidas alcoólicas. É uma experiência similar. Mas, como resultado,
também pode dar às crianças a chance de ‘praticar beber'”, explicou o médico.
“Isto poderia criar uma cultura de beber em uma idade muito nova”.
A
produção de versões sem álcool de bebidas tradicionalmente alcoólicas não é
pensada e nem recomendada pelas marcas para o público infantil. A tendência
ganhou espaço dentre os consumidores adultos que buscam um estilo de vida mais
saudável e equilibrado, evitando o consumo de álcool, ou dentre aqueles que
precisam parar de beber álcool, mas ainda querem matar a saudade do gosto.
As
bebidas sem álcool tem ganhado cada vez mais espaço nas mesas do Brasil e do
mundo inteiro. No mundo todo, o segmento movimenta mais de US$ 10 bilhões,
segundo dados da Worldwide Beer Alliance (WBA).
Um
estudo feito no Japão – onde só é possível beber álcool legalmente após os 20
anos – mostrou que entre 20% e 30% dos alunos do ensino fundamental, médio e
superior bebem bebidas não alcoólicas. Estes jovens também demonstraram estar
mais propensos ou interessados em beber álcool do que os outros.
Sanjay
Gupta ainda ressaltou que bebidas não alcoólicas ainda podem conter uma
quantidade pequena de álcool: “Então, se você está tentando ficar em
abstinência absoluta, é bom ler os rótulos”.
No
Brasil, a legislação destaca que apenas produtos com menos de 0,5% de álcool
podem ser classificados como não alcoólicos. Essa quantidade, no entanto, é
similar a de alimentos feitos através da fermentação, como pães de forma, molho
de soja ou até frutas maduras.
“Esse
movimento é uma coisa boa do ponto de vista da saúde, já que cada vez mais
pessoas querem evitar beber álcool. Mas é importante ter todas as informações
para fazer isso do melhor jeito possível”, acrescentou Gupta.
Fonte:
BBC News/CNN Brasil
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