sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Qual o risco real de beber álcool?

No passado, várias pesquisas sugeriram que o consumo moderado de algumas bebidas alcoólicas, como vinho tinto, poderia ser bom para a saúde. Mas isso mudou, segundo um documento recente da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Agora, a OMS considera que não há nível seguro para a saúde no consumo de álcool.

O programa de rádio The Food Chain, do serviço mundial da BBC, analisou os riscos e benefícios de beber.

·        Câncer e mortes

O consumo de álcool contribuiu em 2019 para 2,6 milhões de mortes em todo o mundo, de acordo com um relatório da OMS divulgado em junho.

Dessas, estima-se que 1,6 milhão de óbitos foram por doenças não transmissíveis, incluindo 474.000 mortes por doenças cardiovasculares e 401.000 por câncer.

Cerca de 724.000 mortes foram devido a ferimentos, como acidentes de trânsito, automutilação e violência.

Outros 284.000 óbitos foram relacionados a doenças transmissíveis — por exemplo, já foi provado que o consumo de álcool aumenta o risco de transmissão do HIV através de sexo desprotegido e também o risco de infecção por tuberculose, ao suprimir algumas reações do sistema imunológico.

O álcool causa pelo menos sete tipos de câncer, incluindo de intestino e mama.

Uma análise feita pela OMS descobriu que até mesmo o consumo leve e moderado de álcool, definido como menos de 1,5 litro de vinho, menos de 3,5 litros de cerveja ou menos de 450 mililitros de destilados por semana, é perigoso.

As novas diretrizes da OMS afirmam que não há uma quantidade segura e que o "risco para a saúde de quem bebe começa na primeira gota de qualquer bebida alcoólica".

Tim Stockwell, cientista do Instituto Canadense de Pesquisa sobre Uso de Substâncias, está convencido sobre a importância do alerta da OMS.

“O álcool é essencialmente uma substância de risco, e o risco começa assim que você começa a beber.”

Ele fez uma análise de 107 artigos científicos e concluiu que não se pode afirmar que o consumo leve do álcool é seguro. No estudo, o consumo leve foi definido como de uma bebida por semana (> 1,30 g de etanol/dia) a duas bebidas por dia (< 25 g de etanol/dia).

Stockwell argumenta que pesquisas com metodologia ruim vinham sustentando a ideia de que o consumo moderado de álcool é saudável.

Mas nem todo mundo acha que os riscos do álcool devem ser motivo de tanta preocupação.

"Eu realmente não entendo essa obsessão em tentar entender os riscos de beber uma ou duas doses por dia", argumenta o professor David Spiegelhalter.

Ele é professor emérito de estatística na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e explica como podemos dar sentido ao risco.

"Não existe um nível seguro de direção. Não existe um nível seguro de vida, mas ninguém recomenda a abstinência. Precisamos analisar a balança entre benefícios e danos."

Spiegelhalte é cético quanto à nossa capacidade de estimar os riscos com precisão.

"Acho que deveríamos aceitar que as pessoas bebem por um motivo, que é gostar."

Garantindo que não faz parte do lobby pró ou contra o álcool, Spiegelhalter conta por que gosta de beber moderadamente.

"Risco significa diminuir a expectativa de vida média em pelo menos 1%."

"Ao longo de cinquenta anos bebendo, uma dose razoável por dia tiraria seis meses da sua vida ou quinze minutos de cada dia."

Spiegelhalte defende que até mesmo assistir TV uma hora por dia ou comer sanduíche com bacon duas vezes por semana também trazem riscos à saúde.

Stockwell também gosta de sua dose de bebida e não necessariamente defende a abstinência.

"Se você acha que o álcool é uma coisa maravilhosa e prazerosa, precisa considerar o equilíbrio disso com os pequenos riscos à sua saúde", diz o cientistas.

•                                                 Queda no consumo

Dados da OMS também revelam que o consumo anual de álcool per capita diminuiu ligeiramente no mundo — de 5,7 litros em 2010 para 5,5 litros em 2019.

Os homens consomem em média 8,2 litros em comparação com 2,2 litros por mulheres em um ano.

Alguns como Anna Tait, 44 anos, que mora em Berkshire, na Inglaterra, estão desistindo completamente do álcool.

"Eu não diria que bebia muito, mas muito toda sexta-feira. Eu ficava ansiosa para abrir algumas cervejas, tomar gin depois do trabalho e então rapidamente passar a dividir uma garrafa de vinho com meu marido", diz Tait.

O mesmo padrão se repetia no sábado.

Tait percebeu então que estava bebendo nas quintas e domingos também.

Porém, no início deste ano, ela começou a treinar para uma maratona e seu treinador a apoiou a desistir do álcool.

Seu marido também está fazendo musculação e ambos conseguiram cortar seu consumo de álcool.

"Foi uma mudança tão grande. Eu me sinto mais forte e melhor", diz Tait.

Mas ela conta que, quando estão em encontros sociais, seus amigos ficam um pouco decepcionados quando percebem que ela e o marido não vão se juntar para beber.

Amelie Hauenstein, da Baviera, na Alemanha, também desistiu de beber.

"Percebi que eu não tinha uma noite divertida quando não bebia", conta a jovem de 22 anos.

"Eu queria parar porque é muito ruim acordar no domingo e não saber o que fez no dia anterior", diz Hauenstein, demonstrando estar feliz com o progresso que fez.

 

•                                                 Conheça os riscos da cerveja sem álcool para menores

A atriz Kristen Bell, mais conhecida por seu papel em “The Good Place”, causou polêmica ao revelar que suas filhas de oito e nove anos de idade bebem cerveja sem álcool.

De acordo Sanjay Gupta, correspondente médico da CNN internacional, o risco em oferecer essas bebidas às crianças não está na saúde imediata, mas sim que elas atuem como “porta de entrada”.

“Parte do apelo é que as bebidas têm o mesmo gosto, a mesma aparência e o mesmo cheiro que as bebidas alcoólicas. É uma experiência similar. Mas, como resultado, também pode dar às crianças a chance de ‘praticar beber'”, explicou o médico. “Isto poderia criar uma cultura de beber em uma idade muito nova”.

A produção de versões sem álcool de bebidas tradicionalmente alcoólicas não é pensada e nem recomendada pelas marcas para o público infantil. A tendência ganhou espaço dentre os consumidores adultos que buscam um estilo de vida mais saudável e equilibrado, evitando o consumo de álcool, ou dentre aqueles que precisam parar de beber álcool, mas ainda querem matar a saudade do gosto.

As bebidas sem álcool tem ganhado cada vez mais espaço nas mesas do Brasil e do mundo inteiro. No mundo todo, o segmento movimenta mais de US$ 10 bilhões, segundo dados da Worldwide Beer Alliance (WBA).

Um estudo feito no Japão – onde só é possível beber álcool legalmente após os 20 anos – mostrou que entre 20% e 30% dos alunos do ensino fundamental, médio e superior bebem bebidas não alcoólicas. Estes jovens também demonstraram estar mais propensos ou interessados em beber álcool do que os outros.

Sanjay Gupta ainda ressaltou que bebidas não alcoólicas ainda podem conter uma quantidade pequena de álcool: “Então, se você está tentando ficar em abstinência absoluta, é bom ler os rótulos”.

No Brasil, a legislação destaca que apenas produtos com menos de 0,5% de álcool podem ser classificados como não alcoólicos. Essa quantidade, no entanto, é similar a de alimentos feitos através da fermentação, como pães de forma, molho de soja ou até frutas maduras.

“Esse movimento é uma coisa boa do ponto de vista da saúde, já que cada vez mais pessoas querem evitar beber álcool. Mas é importante ter todas as informações para fazer isso do melhor jeito possível”, acrescentou Gupta.

 

Fonte: BBC News/CNN Brasil

 

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