sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Por que o Brasil é uma "mina de ouro" para casas de apostas

Entre as décadas de 1930 e 1940, o Brasil era como um paraíso dos cassinos. Mais de 70 casas funcionavam no país, e os jogos de azar faziam parte da cultura nacional. No dia 30 de abril de 1946, entretanto, essa realidade mudou abruptamente. Pelo menos de forma legal. Sob o argumento de que esse mercado feria a “tradição moral, jurídica e religiosa” do brasileiro, o então presidente Eurico Gaspar Dutra assinou um decreto proibindo a prática.

Quase 80 anos depois, o cenário é outro. Mesmo diante de um Congresso considerado conservador, o Brasil reabriu as portas para o mundo das apostas, legalizadas em 2018, com a Lei 13.756. Desde então, o país vive um novo “boom” desse mercado, agora de apostas online.

O setor deve ser regulamentado e fiscalizado a partir de janeiro de 2025. O Ministério da Fazenda já tem 182 pedidos de empresas interessadas em obter licença para operar no país, de acordo com o Sistema de Gestão de Apostas. Somente entre setembro e o primeiro dia de outubro, foram 70 novos pedidos.

O interesse é de empresas nacionais e multinacionais da área, como MGM Grand e Caesars Palace, que atuam no mercado de cassinos físicos em Las Vegas, nos Estados Unidos.

Na outra ponta, as apostas online estão fincando raízes na rotina da população. Uma pesquisa do Instituto DataSenado, publicada nesta terça-feira (01/10), mostra que 13% dos brasileiros com 16 anos ou mais, cerca de 22 milhões de pessoas, declararam ter participado de “bets” no último mês.

Outro levantamento da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) já havia mostrado que 63% de quem aposta no país compromete a renda para jogar. Já um levantamento do Banco Central (BC) revelou que inscritos no Bolsa Família teriam direcionado cerca de R$ 3 milhões para as bets apenas via Pix em agosto.

Esse último estudo vem sofrendo contestação, porém todos esses dados são termômetro da nova onda que já posiciona o Brasil, de acordo com a empresa especializada em análise de dados Comscore, como o terceiro mercado mundial em consumo de casas de apostas, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Pesquisadores e integrantes do setor creditam a atratividade do mercado de apostas brasileiro a uma série de fatores, entre eles o apelo a uma paixão nacional, o futebol; o atraso em regulamentar a área; a possibilidade turística para cassinos físicos; o tamanho da população economicamente ativa; e a desigualdade social existente no país.

“O Brasil não é só um mercado interessante, ele é considerado uma das joias da coroa do mercado de aposta mundial, principalmente se levarmos em consideração que o país está sem jogo legalizado há quase 80 anos”, defende Magno José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL).

•                                         Sites deverão sair do ar em dez dias

Nesta terça-feira (01/10), o Ministério da Fazenda publicou uma lista com todas as empresas de bets e apostas aptas a operar no Brasil até dezembro. A lista inclui 89 empresas com respectivamente 193 bets (marcas) que vão continuar operando no país. O governo federal também solicitou informações aos estados, que registraram seis empresas com respectivamente seis bets.

Todos os outros sites que não foram incluídos na lista não poderão mais divulgar ofertas e serão proibidos no país. Eles permanecerão no ar por dez dias, para facilitar o pedido de devolução do dinheiro de apostadores. A partir de 11 de outubro, eles começarão a ser derrubados, com auxílio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Aqueles que não pediram autorização de licença ao ministério passarão a ser classificados como ilegais. Quem solicitou atuar no Brasil, mas não estava funcionando ainda, deverá aguardar até 2025. Até lá, a pasta analisará todos os pedidos de licenciamento.

"A medida proporciona mais segurança para a sociedade e para as empresas que querem operar adequadamente no Brasil. Com isso, protegemos a saúde mental e financeira dos jogadores", ressaltou Regis Dudena, secretário de Prêmios e Apostas do ministério, em nota.

•                                         O peso da falta de regulamentação

A lei de 2018 previa uma regulamentação para o setor de apostas entre dois a no máximo quatro anos, mas apenas em fevereiro de 2023 o país começou a estabelecer as regras de funcionamento das bets esportivas e jogos similares.

Para tanto foi criada uma agenda regulatória, que incluiu a publicação de 11 portarias até setembro deste ano com normas para licenciamento, marketing, fiscalização, entre outras.

O governo federal havia estabelecido que a partir de janeiro iria banir as empresas que não tivessem a licença de operação concedida, mas pesquisas apontando o dano financeiro e de saúde na população, bem como investigações sobre lavagem de dinheiro envolvendo o mundo das bets e influenciadores digitais, anteciparam a medida.

Representantes do setor, Magno José, defendem que a ausência de regulamentação foi o que catapultou o Brasil no mercado internacional de jogos de azar. Ele estima que haja mais de 2 mil sites em funcionamento. Para José, os recursos que poderiam ter sido investidos na compra de outorgas e gerar tributos ao Estado acabaram direcionados para publicidade e marketing, o que tornou o mercado selvagem e nocivo, além de permeado por sites ilegais.

De acordo com o professor do Departamento de Sociologia e Metodologia e Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcelo Pereira de Mello, a ausência de regras no mínimo facilitou uma corrida para abrir empresas da área. “Uma regulamentação frouxa e a falta de experiência da gestão pública serviram como estímulo para a criação de muitas empresas de fundo de quintal”, afirma.

•                                         O interesse político

O Brasil vive historicamente uma relação de amor e ódio com os jogos de azar. Tanto que a proibição de Dutra, em 1946, não foi a única a ocorrer no país. Por outro lado, a inexistência dos cassinos online nunca limitou totalmente os jogos de azar, que permaneceram ocorrendo por vias lícitas ou ilícitas, seja na loteria federal ou com o jogo do bicho.

De acordo Mello, do ponto de vista sociocultural não há nada que faça o brasileiro ser mais propenso a jogar em comparação a outros mercados mundiais. “Aqui se joga como em qualquer outro país. Os jogos de aposta são uma tradição das sociedades humanas, de maneira geral”, diz.

Autor do livro Criminalização dos Jogos de Azar - A História Social dos Jogos de Azar no Rio de Janeiro, Mello ressalta inclusive que o Brasil sempre viu os jogos de azar pela perspectiva conservadora. Contudo, ele lembra também que esse tipo de negócio sempre esteve vinculado a políticos.

“Pode parecer um paradoxo, mas isso é explicado por outra característica da política brasileira, que é o fisiologismo. Houve uma intensa atuação de lobbies relacionados a apostas, com promessas de favorecimento a diversos grupos dentro do Congresso Nacional”, acrescenta.

•                                         Paixão nacional como motor

Outro fator apontado como importante nessa equação é a paixão do brasileiro por futebol, já que as apostas em eventos esportivos representam parte significativa desse mercado. Empresas do setor começaram a realizar propaganda em diversos eventos desde 2018 e patrocinam pelo menos 30 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro, incluindo Flamengo e Corinthians.

“É um mercado novo, que explora uma paixão nacional. As pessoas podem pensar que aquilo não é um jogo de azar, mas de conhecimento técnico sobre o esporte, o time, os jogadores”, afirma Mello. De acordo com José, 80% dos apostadores brasileiros são considerados recreativos, ou seja, que apostam em pequenas quantias. “É aquela coisa de mandar no grupo de amigos que apostei no time que ganhou”, diz.

Daniel Dias, professor da FGV Direito Rio de Janeiro, lembra, contudo, que faltam dados comparativos com outros países para cravar se a paixão do brasileiro por futebol move mais apostas do que em outros países onde acontece o mesmo fenômeno.

“Independentemente disso, é uma novidade, e tudo o que é novo atrai atenção. Além disso, o mundo das bets está entrando com muita publicidade agressiva”, diz Dias.

Com a regulamentação do mercado, as bets vão precisar ter sede no Brasil e licenciamento para seguir patrocinando os times de futebol e outros eventos esportivos. Em outros países, como no Reino Unido, o patrocínio das casas de apostas foi proibido de ser estampado nas camisas dos clubes a partir de 2026.

“A gente vê grandes jogadores de futebol, da seleção, vinculando suas imagens às apostas esportivas. Além disso, a gente tem anúncio em tudo quanto é canto, num ambiente sem categorização de idade”, afirma Rodrigo Machado, psiquiatra e coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).

•                                         Espaços físicos em locais paradisíacos

Em 1920, o então presidente Epitácio Pessoa chegou a liberar os cassinos, mas só em balneários, para fomentar o turismo e custear o saneamento básico no interior. Mas tanto os estados quanto o Governo Federal fecharam vários dos hotéis-cassinos, que só voltaram a ser estimulados a partir de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas.

Agora, com o mercado online efervescente, há a expectativa de que o país também volte a aceitar os espaços físicos de apostas. E ter um litoral vasto é considerado um ativo interessante para a eventual instalação de cassinos físicos.

O Congresso discute um projeto de lei para regulamentar o jogo do bicho, a corrida de cavalo e os cassinos. O texto do PL 2.234, de 2022, é uma versão do PL 442, que tramitava desde 1991 e foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2022. O documento está em tramitação no Senado, com última movimentação no início de agosto deste ano.

Representantes de empresas com atuação em Las Vegas, como o presidente da Caesars Sportsbook no Brasil, André Feldman, têm realizado encontros com senadores e integrantes da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.

Segundo a ferramenta Agenda Transparente, da Agência Fiquem Sabendo, Feldman realizou pelo menos três encontros com representantes do Executivo e Legislativo desde 2023. A última delas no dia 4 de setembro, com o senador Rogério Carvalho (PT/SE) e integrantes do MF. Já Alex Pariente, vice-presidente sênior do Hard Rock International para hoteis e cassinos, encontrou-se em maio com representantes do MF.

“Estamos num país que tem muitas belezas naturais, então, se forem aprovados os cassinos presenciais, é um mercado fantástico para instalar resorts e cassinos e fomentar o jogo de azar presencialmente”, lamenta Machado.

•                                         Desigualdade social como pano de fundo

A pesquisa do DataSenado mostra que o perfil principal de apostadores no Brasil são pessoas do sexo masculino, entre 16 e 39 anos, que ganham até dois salários-mínimos. Entre as pessoas que apostaram, cerca de 58% estão com dívidas em atraso há mais de 90 dias.

Os dados corroboram as pesquisas já divulgadas pela SBCV e o Banco Central sobre o perfil de quem está se tornando consumidor nesse mercado. Para os pesquisadores entrevistados pela DW, são estatísticas que revelam o papel da desigualdade social na proliferação das bets.

“A camada social mais pobre é mais vulnerável a esse tipo de atividade, pois são pessoas que muitas vezes estão endividadas ou querendo fazer uma grana extra, que estão com a corda no pescoço”, afirma Dias.

Mello ressalta também as desigualdades educacionais como fato. “No Brasil, os mais pobres são também os que têm menos escolaridade formal. Essas empresas prometem enriquecimento, mudança de padrão de vida a uma população desesperançada. Então, a expectativa de ascensão social se dá por esse meio”, diz.

 

•                                         Regularização das bets: o que já mudou e quais os próximos passos para apostadores e empresas

O Ministério da Fazenda divulgou nesta terça-feira, 1º de outubro, uma lista com as empresas de apostas online que pediram à pasta autorização para operar no País. Desde esta data, apenas as bets que constam da lista estão autorizadas a operar no Brasil. As demais estão vetadas de oferecer apostas e permanecerão no ar até o dia 10 deste mês para que os clientes possam fazer a retirada dos seus valores. Mesmo após esse prazo, as empresas estão obrigadas a devolver as quantias, independentemente de estar fora do ar.

No total, são 193 marcas de 89 empresas autorizadas a operar nacionalmente. Além delas, há mais seis casas de apostas autorizadas pelos Estados do Paraná e do Maranhão a operar no limite de seus territórios.

O mercado regulado desse tipo de apostas no Brasil só começa a valer mesmo no dia 1º de janeiro de 2025. Por ora, para as empresas autorizadas, nada muda, já que elas poderão continuar a oferecer as apostas para os clientes assim como já estavam fazendo, até que a Secretaria de Apostas e Prêmios do Ministério da Fazenda dê a resposta sobre quais terão a "autorização definitiva".

Já para as que não estão na lista acima, a situação muda. Além de não poderem oferecer as apostas e serem obrigadas a manter os seus sites abertos até o dia 10 para que os clientes possam solicitar a retirada dos valores que têm depositados, elas terão os domínios de internet derrubado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). É o que acontece atualmente com o X, ex-Twitter, proibido de operar no Brasil.

<><> Entenda o que ocorre com as empresas autorizadas

A lista divulgada pelo Ministério da Fazenda funciona, na prática, como uma autorização prévia. Até o dia 31 de dezembro deste ano, aquelas que entraram com pedido até o dia 20 de agosto têm a garantia de que terão os seus processos analisados. As demais, não.

O prazo de 20 de agosto ocorre porque essa foi a data em que o governo federal estabeleceu o prazo de 150 dias para análise dos documentos, que se encerra no fina deste ano. Aquelas que apresentaram os pedidos até o dia 17 de setembro, um total de 112 empresas, também serão analisadas, porém, deverão esperar por até 150 dias, prazo que expira em meados de fevereiro do ano que vem, um mês após a entrada em vigor das novas regras.

Mesmo que uma empresa esteja na lista de "autorização prévia", ela pode vir a ser considerada ilegal a partir do dia 1º de janeiro de 2025, se o seu processo não for analisado até o final do ano.

Além de avaliar os documentos apresentados, as empresas, para conseguirem ser "aprovadas em definitivo" terão que pagar a outorga de R$ 30 milhões para começar a funcionar. Além disso, a partir de janeiro, precisam cumprir todas as regras do mercado regulado, que incluem, entre outras coisas, medidas de combate à fraude, à lavagem de dinheiro e à publicidade abusiva.

<><> Cronograma

O prazo de 20 de agosto ocorre porque essa foi a data em que o governo federal estabeleceu o prazo de 150 dias para análise dos documentos, que se encerra no fina deste ano. Aquelas que apresentaram os pedidos até o dia 17 de setembro, um total de 112 empresas, também serão analisadas, porém, deverão esperar por até 150 dias, prazo que expira em meados de fevereiro do ano que vem, um mês após a entrada em vigor das novas regras.

O Ministério da Fazenda recomenda a quem pediu autorização, mas que ainda não esteja atuando, a aguardar para iniciar a operação em janeiro.

Novos pedidos continuam a ser aceitos. Porém, a pasta lembra que todos terão que esperar o prazo de 150 dias para análise. Veja abaixo um resumo do cronograma.

# 1º de outubro: data de início da suspensão de apostas pelas bets consideradas irregulares;

# 10 de outubro: fim do prazo para que as bets mantenham os sites no ar para que os clientes façam os saques:

# 31 de dezembro: fim do prazo para que as empresas que entraram com pedido até o dia 20 de agosto tenham os seus processos analisados:

# 1º de dezembro de 2025: início da operação das bets que forem consideradas regulares e proibição de operação daquelas que tenham dado entrada no pedido mas não tiveram os seus processos analisados por terem entrado com a solicitação após a data de 20 de agosto.

 

•                                         Influenciador é preso suspeito de lavagem de dinheiro e de lucrar R$ 1 milhão por mês com jogos de azar

O influenciador digital “GeBe”, de 26 anos, está preso desde segunda-feira, 30, em Belo Horizonte (MG). Com 2,3 milhões de seguidores no Instagram, ele é suspeito de cometer quatro crimes: exploração de jogos de azar, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e sonegação fiscal.

Segundo a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o influenciador foi preso em um condomínio de luxo, em Nova Lima, na Região Metropolitana da capital mineira. Durante a operação, foram apreendidos dois veículos de luxo, avaliados em R$ 4 milhões, além de celulares e computadores.

O delegado Magno Machado, do Departamento Estadual de Combate à Corrupção e Fraudes, revelou  que o suspeito faturava aproximadamente R$ 1 milhão por mês promovendo jogos de azar, como o jogo do 'Tigrinho'.

<><> Esquema criminoso

De acordo com o delegado, assim como outros influenciadores, ele atuava como ''garoto-propaganda'' das plataformas de apostas, geralmente hospedadas no exterior.

"Essas plataformas firmam contrato com os influencers e pagam comissões baseadas nas perdas dos jogadores. Quanto mais os apostadores perdem, mais o influenciador ganha", explicou Machado.

As investigações começaram no início do ano com o monitoramento dos principais influenciadores envolvidos em atividades suspeitas, e o investigado estava sendo acompanhado desde maio.

O delegado relatou que o suspeito chegou a publicar vídeos em suas redes sociais confessando a lavagem de dinheiro. "Temos vídeos dele contando dinheiro, e um interlocutor perguntando o que ele estava fazendo. Ele responde que possui uma lavanderia para lavar dinheiro", contou o delegado.

<><> Alerta

Machado também fez um alerta aos usuários desses jogos ilegais. Segundo ele, em plataformas legalizadas, a taxa de retorno ao apostador é de mais de 90%, ou seja, de cada R$ 100 jogados, o apostador pode receber ao menos R$ 90 de volta.

"Já nos jogos ilegais, a taxa de retorno é de apenas 0,23%, ou seja, de cada R$ 100 apostados, o jogador pode ganhar apenas 23 centavos. O lucro desses influenciadores está na perda dos apostadores", enfatizou.

 

Fonte: DW Brasil/Agencia Estado/Terra

 

Nenhum comentário: