Analista explica o que está motivando a
mudança de 180 graus na postura de Milei com a China
Depois de ter afirmado
que não faria negócios com a China por ser um "país comunista", o
presidente argentino destacou a relevância das relações com Pequim. "É
claro que o que explica isso é a necessidade urgente que Milei tem de atrair divisas
e investimentos", disse o analista internacional Néstor Restivo à Sputnik.
Javier Milei deu uma
volta de 180 graus na sua visão em relação às relações com a China. Após ter
afirmado há meses que nunca faria negócios com Pequim, argumentando "não
vendo a minha moral nem faço pactos com comunistas", o presidente argentino
reconheceu que o gigante asiático "é um parceiro comercial muito
interessante" e sublinhou que "não exigem nada, a única coisa que
pedem é que não sejam incomodados".
Em declarações
televisivas, o presidente destacou o papel da potência oriental e anunciou que
visitará o país em janeiro de 2025, no âmbito da cúpula da Comunidade dos
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
As palavras do líder
argentino contrastam com toda a retórica professada antes mesmo de sua chegada
ao poder, em dezembro de 2023. Assim que assumiu a presidência, Milei anunciou
sua renúncia de ingressar no grupo BRICS — do qual a China é fundadora junto
com o Brasil, Rússia e Índia — alegando alinhamento estreito com os Estados
Unidos e o Ocidente.
Um dos pontos mais
altos do vínculo entre os dois países ocorreu no final do ano passado, quando o
legislador Agustín Romo, um dos líderes mais próximos do presidente argentino,
apareceu publicamente no Escritório de Comércio de Taiwan, em Buenos Aires. O
gesto gerou repercussão imediata, considerando a ofensa que representa para
Pequim contrariar o seu princípio soberano baseado na defesa da ideia de Uma Só
China.
·
Alívio financeiro
A mudança discursiva
do libertário encontra razões materiais tangíveis. Em junho, o governo de Xi
Jinping aprovou a renovação do swap (câmbio) entre os países, adiando por 12
meses os vencimentos imediatos que a Argentina teve que enfrentar. Em termos concretos,
o Banco Central de Buenos Aires conseguiu evitar a exigência de um pagamento de
US$ 5 bilhões (cerca de R$ 27,1 bilhões) a Pequim, aliviando temporariamente os
seus cofres já deteriorados, que ainda registram reservas líquidas negativas.
Consultado pela
Sputnik, o analista internacional Néstor Restivo observou que "está claro
que o vetor que explica isso é a necessidade imperiosa do governo argentino por
moeda estrangeira e investimentos, e que essa necessidade fez Milei ver a relação
com a China com outros olhos. A mudança abrupta de posição é impressionante,
mas mostra que o presidente está aberto ao pragmatismo", explicou.
"A mudança é
bastante marcante porque o presidente argentino tem criticado fortemente Pequim
e outros países com os quais mantém laços estratégicos, como o Brasil. Estamos
falando dos dois maiores parceiros comerciais da Argentina", observou o pesquisador.
·
Laços estratégicos
A ligação com a China
transcende a troca de moedas. A presença do gigante asiático na região se
traduz em enormes investimentos tanto no desenvolvimento de hidrelétricas no
sul do país quanto na exploração de lítio e outros minerais no norte do
território argentino. Pequim é também o segundo maior parceiro comercial de
Buenos Aires.
"A China é um
grande investidor em quatro ou cinco áreas fortes em toda a América Latina,
especialmente em energia. Além disso, especificamente na Argentina, há um
compromisso claro com o crescimento de redes elétricas de alta tensão,
essenciais para a conectividade, por exemplo, a província de Buenos Aires, que
é o território mais importante do país", destaca Restivo.
"Pequim está se
tornando um dos países líderes no mercado de transporte sustentável, tendo como
carro-chefe o desenvolvimento de carros elétricos. Justamente a exploração do
lítio explica o compromisso com investimentos no norte da Argentina", destacou
o especialista.
Os desembolsos de
capital do gigante asiático não são novos. Restivo registrou estes
investimentos no âmbito da adesão de Buenos Aires à iniciativa Cinturão e Rota,
assinada durante a presidência de Alberto Fernández (2019-2023). "Todos
estes desenvolvimentos foram planejados, mas isso não significa que seja
fundamental cuidar do vínculo bilateral", explicou o analista.
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De Pequim a Washington
Segundo Restivo, as
palavras cordiais expressas por Milei não são incompatíveis com o seu
alinhamento explícito aos Estados Unidos. "O governo argentino se
manifestou inúmeras vezes em alinhamento com Washington, mas agora surgem
outros fatores a serem considerados que o fazem moderar um pouco seu ataque a
outras potências", afirmou.
"Milei está muito
próximo de magnatas como Elon Musk, que também defende uma ideia de capitalismo
que propõe uma luta contra o Oriente, particularmente contra a China, um dos
seus principais concorrentes no mercado de carros elétricos a nível mundial",
postulou o especialista.
No entanto, Restivo
considerou que para que os laços com o gigante asiático resultem em máximo
benefício para a Argentina, é essencial a sedimentação de um discurso
sustentável ao longo do tempo. "A China tem um modelo claramente alinhado
no longo prazo, no planejamento, na continuidade política, enquanto a Argentina
se caracteriza por constantes contradições entre sucessivos governos",
observou.
"Acho que na
Argentina ainda há necessidade de estabelecer políticas estatais em relação ao
alinhamento intencional, por exemplo. Muitas potências estão interessadas em
laços comerciais com o país, mas isso requer sustentabilidade ao longo do tempo",
observou o pesquisador.
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Milei inicia extinção de empresas públicas; previsão inicial é de mais de 1,3
mil desempregados
O governo argentino do
presidente Javier Milei anunciou nesta terça-feira (1º) o fechamento da empresa
estatal Trenes Argentinos Capital Humano (Decahf), que contava com 1.388
funcionários, e também avançou na extinção do Instituto Argentino de Transporte,
marcando a dissolução das primeiras empresas estatais do país.
"O governo
nacional determinou o fechamento da [empresa ferroviária] Trenes Argentinos
Capital Humano. Além disso, foi extinto o Instituto Argentino de
Transporte", informou o Ministério da Economia em um comunicado.
A atual gestão alegou
que o fechamento de ambas as empresas visa à redução do Estado e contribuir
para uma maior eficiência dos recursos, com o objetivo de diminuir o gasto
público e alcançar o equilíbrio fiscal, que são as duas prioridades do governo.
Em um decreto
publicado no Boletim Oficial, o Executivo alegou que muitas das competências do
Instituto Argentino de Transporte se sobrepunham às funções da Secretaria de
Transporte e da Agência Nacional de Segurança Vial.
"É imperativo
revisar aquelas estruturas cuja função possa ser redundante ou cuja
contribuição para o interesse geral seja marginal, assegurando que os recursos
públicos sejam alocados de forma mais racional e efetiva", afirma o
governo no decreto 870.
O fechamento da
primeira empresa também resultará na demissão de 23 funcionários de alta
gestão, que recebiam entre 2 milhões e 4 milhões de pesos mensais (entre R$
10,1 mil e R$ 20 mil) o que representará uma economia de 42 bilhões de pesos
anuais (cerca de R$ 22 milhões) para o Estado.
De acordo com a nota
da pasta dirigida por Luis Caputo, a dissolução da segunda companhia, criada em
2014, ocorreu porque ela "nunca funcionou nem tomou decisões ou
ações".
As funções e o pessoal
da Decahf serão absorvidos pela Ferrocarriles Argentinos Sociedad del Estado
(FASE), conhecida como Trenes Argentinos, que administra as outras três
companhias ferroviárias estatais do país: Operadora Ferroviária, responsável
pelos serviços de carga e passageiros; Administração de Infraestruturas
Ferroviárias S.E., encarregada das obras; e Belgrano Cargas, que opera as
linhas de carga.
O presidente deve
emitir esta semana um decreto para privatizar a companhia aérea estatal
Aerolíneas Argentinas, apesar desta ter sido excluída da lista de empresas que
poderiam ser desestatizadas em negociações para aprovar no Congresso uma lei
fundamental que desregulamenta a economia, a Lei de Bases e Pontos de Partida
para a Liberdade dos Argentinos.
Em resposta a uma
terceira onda de demissões no setor público, a Associação Trabalhadores do
Estado (ATE) anunciou uma série de medidas de protesto, que começará com um
acampamento de 24 horas em frente ao Ministério de Capital Humano na próxima
quinta-feira (3).
¨ Governo argentino retira condição de refugiado do ex-presidente
boliviano Evo Morales
O governo argentino
anunciou nesta quarta-feira (2) que vai retirar do ex-presidente da Bolívia Evo
Morales (2006–2019) o status de refugiado político, que lhe havia sido
concedido pelo governo de Alberto Fernández (2019–2023) no final de 2019.
"Foi dada por
encerrada a condição de refugiado de Juan Evo Morales Ayma", anunciou o
porta-voz presidencial, Manuel Adorni, nas redes sociais.
O ex-presidente
boliviano permaneceu 11 meses em Buenos Aires a partir da condição de refugiado
que recebeu, em 12 de dezembro de 2019, após o golpe de Estado que seu governo
sofrera, em 10 de novembro de 2019. Antes da Argentina, ele tinha ido para o México.
O mesmo status de
refugiado foi concedido ao vice-presidente de seu governo, Álvaro García
Linera; à ex-ministra da Saúde, Gabriela Montaño; e ao ex-embaixador da Bolívia
na Organização dos Estados Americanos (OEA), José Alberto Gonzáles, que
chegaram com Morales à capital argentina.
Morales foi reeleito
nas eleições gerais bolivianas de 20 de outubro de 2019, mas acabou sendo
forçado a renunciar, em meio a protestos sociais, acusações de fraude, levante
policial e sugestão de reação por parte das Forças Armadas.
Em 11 de novembro
desse mesmo ano, a ex-senadora Jeanine Áñez assumiu a presidência, o que
provocou outra onda de manifestações sociais.
Morales teve que fugir
do país para não ser preso pelo governo interino de Áñez (2019–2020). Ela
acabou condenada pela Justiça boliviana a dez anos de prisão, em junho de 2022,
por ter participado do golpe de 2019 que destituiu Morales.
Evo retornou à Bolívia
em novembro de 2020, após a vitória nas urnas, em primeiro turno, do atual
presidente, Luis Arce, que era então um aliado político. Hoje eles são rivais.
¨ Lula e Javier Milei na assembleia geral da ONU. Por Jiang Shixue
A Cúpula do Futuro foi
aberta na sede das Nações Unidas em Nova York em 22 de setembro. Adotou o Pacto
para o Futuro e seus dois anexos, ou seja, o Pacto Digital Global e a
Declaração sobre as Gerações Futuras. Esses documentos são o plano diretor da
ONU para enfrentar os desafios que estão por vir para a humanidade, com 56
ações cobrindo uma ampla gama de temas, incluindo paz e segurança,
desenvolvimento sustentável, mudança climática, cooperação digital, direitos
humanos, gênero, juventude e gerações futuras, a transformação da governança
global, etc.
Eles destacam os
“desafios cada vez mais complexos” para a segurança tradicional e a segurança
não tradicional. Por conseguinte, a maioria dos países manifestou atitudes
positivas em relação ao êxito da adoção do Pacto.
O Brasil apoia a
adoção do Pacto, embora o presidente Lula tenha dito em seu discurso na
Assembleia Geral da ONU que a difícil aprovação do documento demonstra o
enfraquecimento de nossa capacidade coletiva de negociação e diálogo. Ele
também disse que o alcance limitado do Pacto é uma expressão do paradoxo do
nosso tempo: “Nós nos movemos em círculos entre compromissos factíveis que
levam a resultados insuficientes”.
Em contraste com o
apoio entusiástico do presidente Lula às Nações Unidas, o presidente argentino
Javier Milei expressou uma atitude negativa em relação à organização global, ao
Pacto e à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável em seu discurso na Assembleia
Geral da ONU. Ele disse: “Não venho aqui para dizer ao mundo o que fazer; venho
aqui para dizer ao mundo, por um lado, o que acontecerá se as Nações Unidas
continuarem a promover políticas coletivistas, que vêm promovendo sob o mandato
da agenda 2030, e, por outro, quais são os valores que a nova Argentina
defende”.
O presidente Javier
Milei também disse: “Uma organização que havia sido pensada essencialmente como
um escudo para proteger o reino dos homens foi transformada em um Leviatã com
vários tentáculos, que visa decidir não apenas o que cada Estado-nação deve fazer,
mas também como todos os cidadãos do mundo devem viver”.
O presidente Javier
Milei expressou sua discordância com o “Pacto do Futuro” porque considera que
ele representa ideias “socialistas” e propôs uma nova “agenda de liberdade”.
Ele definiu a ONU como “uma organização que, em vez de enfrentar esses
conflitos, investe tempo e esforço para impor aos países pobres o que e como
eles devem produzir, com quem devem se vincular, o que devem comer e no que
devem acreditar, como o atual Pacto do Futuro pretende ditar”.
No entanto, o
presidente Javier Milei se equivoca ao optar por criticar o Pacto e a Agenda
2030.
Em primeiro lugar, o
Pacto representa o compromisso da ONU não apenas de enfrentar crises imediatas,
mas também de lançar as bases para uma ordem global sustentável, justa e
pacífica, para todos os povos e nações. Sem dúvida, os compromissos
incorporados no Pacto refletem a vontade coletiva dos Estados membros da ONU de
promover a paz e o desenvolvimento mundiais, que são urgentemente necessários
para a humanidade.
Em segundo lugar, o
Pacto promete acelerar os esforços para alcançar a Agenda 2030, que visa a
erradicação da pobreza extrema até 2030, uma intensificação da luta contra a
fome, a promoção da igualdade de gênero e a educação. É por isso que ganhou
grande aclamação da comunidade internacional.
Em terceiro lugar, os
desafios do século XXI exigem soluções do século XXI, e uma das melhores
soluções do século XXI é fortalecer a ação global de uma maneira totalmente
integrada. As experiências passadas provaram a incapacidade de qualquer país
responder eficazmente aos desafios políticos, económicos, ambientais e
tecnológicos de hoje. Somente ações globais baseadas na força coletiva podem
funcionar.
Por último, mas não
menos importante, a Argentina também pode se beneficiar da implementação do
Pacto, porque também enfrenta muitos problemas que o Pacto se esforçará para
resolver. Portanto, esperemos que o presidente Javier Milei não lata para a
árvore errada, e opte por apoiar em certo grau os esforços da ONU.
¨ América Latina: chave para decifrar o mundo contemporâneo, Por
Emir Sader
A América Latina
contemporânea é o melhor exemplo das alternativas e dilemas que o mundo atual
enfrenta. Em poucas décadas, o continente passou por diversas fases: de um
período desenvolvimentista às ditaduras militares, governos neoliberais, sendo
a única região do mundo a ter governos antineoliberais, até a viver processos
de restauração neoliberal em alguns países.
A região transitou por
modelos hegemônicos diferenciados, até mesmo radicalmente contraditórios,
revelando uma tensão e um dinamismo permanentes entre as forças fundamentais
que se confrontam em todo o continente e, na verdade, em todo o mundo
contemporâneo. Dessa forma, a América Latina se tornou o melhor laboratório de
experiências políticas que temos hoje no mundo. Refletir sobre esses caminhos
oferece a melhor pista para decifrar a história contemporânea e as perspectivas
para o século XXI.
Por que usar a
expressão "enigma" ao falar de Lula e da América Latina? Após o
Brasil e a América Latina terem percorrido um doloroso caminho em direção ao
neoliberalismo, adaptando-se à era atual do capitalismo, que parecia uma
tendência irreversível, de que maneira foi possível resistir a ela?
Para decifrar esse
enigma, é indispensável recorrer ao potencial que apenas a dialética, captando
a realidade com suas contradições concretas, permite. A direita, com seu
dogmatismo liberal, e a ultraesquerda, com seu sectarismo, não conseguem
apreender as condições históricas concretas que possibilitaram a reação
latino-americana, mesmo no contexto da persistente hegemonia mundial do
neoliberalismo.
Lula faz parte desse
enigma, assim como outros líderes do continente, como Hugo Chávez, Néstor e
Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa e López Obrador.
Para entender o
surgimento fulminante do neoliberalismo, suas contradições e limites, foi
necessário reconstituir as grandes transformações ocorridas no mundo nas
últimas décadas do século passado. O neoliberalismo emergiu após o fim da URSS,
o término do ciclo expansivo do capitalismo e a crise do Estado de bem-estar
social, no contexto de um longo ciclo recessivo do capitalismo e da irrupção de
uma ideologia liberal de mercado.
Não considero que as
crises atuais e os retrocessos em um ou outro país latino-americano configurem
um esgotamento do ciclo de governos pós-neoliberais na América Latina. Enquanto
o capitalismo seguir em seu ciclo neoliberal, os governos antineoliberais continuarão
a ter relevância.
A América Latina,
devido à sua inserção internacional específica, especialmente no século XX e no
começo do século XXI, tornou-se uma referência fundamental para a esquerda em
escala mundial. Seus líderes se destacaram não apenas por representarem alternativas
ao neoliberalismo, mas por colocarem em prática essas alternativas em governos
que promoveram transformações fundamentais em seus países, tornando-se
paradigmas para a esquerda mundial.
Pelas características
que a esquerda latino-americana assumiu, podemos recordar a expressão de Lênin
sobre o “elo mais fraco da cadeia” neoliberal e, talvez, do próprio
capitalismo. Daí a centralidade da análise da América Latina para compreender a
disputa entre o neoliberalismo e o pós-neoliberalismo e entender o destino do
mundo no século XXI.
Fonte:
Sputnik Brasil/Brasil 247
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