sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Analista explica o que está motivando a mudança de 180 graus na postura de Milei com a China

Depois de ter afirmado que não faria negócios com a China por ser um "país comunista", o presidente argentino destacou a relevância das relações com Pequim. "É claro que o que explica isso é a necessidade urgente que Milei tem de atrair divisas e investimentos", disse o analista internacional Néstor Restivo à Sputnik.

Javier Milei deu uma volta de 180 graus na sua visão em relação às relações com a China. Após ter afirmado há meses que nunca faria negócios com Pequim, argumentando "não vendo a minha moral nem faço pactos com comunistas", o presidente argentino reconheceu que o gigante asiático "é um parceiro comercial muito interessante" e sublinhou que "não exigem nada, a única coisa que pedem é que não sejam incomodados".

Em declarações televisivas, o presidente destacou o papel da potência oriental e anunciou que visitará o país em janeiro de 2025, no âmbito da cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).

As palavras do líder argentino contrastam com toda a retórica professada antes mesmo de sua chegada ao poder, em dezembro de 2023. Assim que assumiu a presidência, Milei anunciou sua renúncia de ingressar no grupo BRICS — do qual a China é fundadora junto com o Brasil, Rússia e Índia — alegando alinhamento estreito com os Estados Unidos e o Ocidente.

Um dos pontos mais altos do vínculo entre os dois países ocorreu no final do ano passado, quando o legislador Agustín Romo, um dos líderes mais próximos do presidente argentino, apareceu publicamente no Escritório de Comércio de Taiwan, em Buenos Aires. O gesto gerou repercussão imediata, considerando a ofensa que representa para Pequim contrariar o seu princípio soberano baseado na defesa da ideia de Uma Só China.

·        Alívio financeiro

A mudança discursiva do libertário encontra razões materiais tangíveis. Em junho, o governo de Xi Jinping aprovou a renovação do swap (câmbio) entre os países, adiando por 12 meses os vencimentos imediatos que a Argentina teve que enfrentar. Em termos concretos, o Banco Central de Buenos Aires conseguiu evitar a exigência de um pagamento de US$ 5 bilhões (cerca de R$ 27,1 bilhões) a Pequim, aliviando temporariamente os seus cofres já deteriorados, que ainda registram reservas líquidas negativas.

Consultado pela Sputnik, o analista internacional Néstor Restivo observou que "está claro que o vetor que explica isso é a necessidade imperiosa do governo argentino por moeda estrangeira e investimentos, e que essa necessidade fez Milei ver a relação com a China com outros olhos. A mudança abrupta de posição é impressionante, mas mostra que o presidente está aberto ao pragmatismo", explicou.

"A mudança é bastante marcante porque o presidente argentino tem criticado fortemente Pequim e outros países com os quais mantém laços estratégicos, como o Brasil. Estamos falando dos dois maiores parceiros comerciais da Argentina", observou o pesquisador.

·        Laços estratégicos

A ligação com a China transcende a troca de moedas. A presença do gigante asiático na região se traduz em enormes investimentos tanto no desenvolvimento de hidrelétricas no sul do país quanto na exploração de lítio e outros minerais no norte do território argentino. Pequim é também o segundo maior parceiro comercial de Buenos Aires.

"A China é um grande investidor em quatro ou cinco áreas fortes em toda a América Latina, especialmente em energia. Além disso, especificamente na Argentina, há um compromisso claro com o crescimento de redes elétricas de alta tensão, essenciais para a conectividade, por exemplo, a província de Buenos Aires, que é o território mais importante do país", destaca Restivo.

"Pequim está se tornando um dos países líderes no mercado de transporte sustentável, tendo como carro-chefe o desenvolvimento de carros elétricos. Justamente a exploração do lítio explica o compromisso com investimentos no norte da Argentina", destacou o especialista.

Os desembolsos de capital do gigante asiático não são novos. Restivo registrou estes investimentos no âmbito da adesão de Buenos Aires à iniciativa Cinturão e Rota, assinada durante a presidência de Alberto Fernández (2019-2023). "Todos estes desenvolvimentos foram planejados, mas isso não significa que seja fundamental cuidar do vínculo bilateral", explicou o analista.

·        De Pequim a Washington

Segundo Restivo, as palavras cordiais expressas por Milei não são incompatíveis com o seu alinhamento explícito aos Estados Unidos. "O governo argentino se manifestou inúmeras vezes em alinhamento com Washington, mas agora surgem outros fatores a serem considerados que o fazem moderar um pouco seu ataque a outras potências", afirmou.

"Milei está muito próximo de magnatas como Elon Musk, que também defende uma ideia de capitalismo que propõe uma luta contra o Oriente, particularmente contra a China, um dos seus principais concorrentes no mercado de carros elétricos a nível mundial", postulou o especialista.

No entanto, Restivo considerou que para que os laços com o gigante asiático resultem em máximo benefício para a Argentina, é essencial a sedimentação de um discurso sustentável ao longo do tempo. "A China tem um modelo claramente alinhado no longo prazo, no planejamento, na continuidade política, enquanto a Argentina se caracteriza por constantes contradições entre sucessivos governos", observou.

"Acho que na Argentina ainda há necessidade de estabelecer políticas estatais em relação ao alinhamento intencional, por exemplo. Muitas potências estão interessadas em laços comerciais com o país, mas isso requer sustentabilidade ao longo do tempo", observou o pesquisador.

<><> Milei inicia extinção de empresas públicas; previsão inicial é de mais de 1,3 mil desempregados

O governo argentino do presidente Javier Milei anunciou nesta terça-feira (1º) o fechamento da empresa estatal Trenes Argentinos Capital Humano (Decahf), que contava com 1.388 funcionários, e também avançou na extinção do Instituto Argentino de Transporte, marcando a dissolução das primeiras empresas estatais do país.

"O governo nacional determinou o fechamento da [empresa ferroviária] Trenes Argentinos Capital Humano. Além disso, foi extinto o Instituto Argentino de Transporte", informou o Ministério da Economia em um comunicado.

A atual gestão alegou que o fechamento de ambas as empresas visa à redução do Estado e contribuir para uma maior eficiência dos recursos, com o objetivo de diminuir o gasto público e alcançar o equilíbrio fiscal, que são as duas prioridades do governo.

Em um decreto publicado no Boletim Oficial, o Executivo alegou que muitas das competências do Instituto Argentino de Transporte se sobrepunham às funções da Secretaria de Transporte e da Agência Nacional de Segurança Vial.

"É imperativo revisar aquelas estruturas cuja função possa ser redundante ou cuja contribuição para o interesse geral seja marginal, assegurando que os recursos públicos sejam alocados de forma mais racional e efetiva", afirma o governo no decreto 870.

O fechamento da primeira empresa também resultará na demissão de 23 funcionários de alta gestão, que recebiam entre 2 milhões e 4 milhões de pesos mensais (entre R$ 10,1 mil e R$ 20 mil) o que representará uma economia de 42 bilhões de pesos anuais (cerca de R$ 22 milhões) para o Estado.

De acordo com a nota da pasta dirigida por Luis Caputo, a dissolução da segunda companhia, criada em 2014, ocorreu porque ela "nunca funcionou nem tomou decisões ou ações".

As funções e o pessoal da Decahf serão absorvidos pela Ferrocarriles Argentinos Sociedad del Estado (FASE), conhecida como Trenes Argentinos, que administra as outras três companhias ferroviárias estatais do país: Operadora Ferroviária, responsável pelos serviços de carga e passageiros; Administração de Infraestruturas Ferroviárias S.E., encarregada das obras; e Belgrano Cargas, que opera as linhas de carga.

O presidente deve emitir esta semana um decreto para privatizar a companhia aérea estatal Aerolíneas Argentinas, apesar desta ter sido excluída da lista de empresas que poderiam ser desestatizadas em negociações para aprovar no Congresso uma lei fundamental que desregulamenta a economia, a Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos.

Em resposta a uma terceira onda de demissões no setor público, a Associação Trabalhadores do Estado (ATE) anunciou uma série de medidas de protesto, que começará com um acampamento de 24 horas em frente ao Ministério de Capital Humano na próxima quinta-feira (3).

¨      Governo argentino retira condição de refugiado do ex-presidente boliviano Evo Morales

O governo argentino anunciou nesta quarta-feira (2) que vai retirar do ex-presidente da Bolívia Evo Morales (2006–2019) o status de refugiado político, que lhe havia sido concedido pelo governo de Alberto Fernández (2019–2023) no final de 2019.

"Foi dada por encerrada a condição de refugiado de Juan Evo Morales Ayma", anunciou o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, nas redes sociais.

O ex-presidente boliviano permaneceu 11 meses em Buenos Aires a partir da condição de refugiado que recebeu, em 12 de dezembro de 2019, após o golpe de Estado que seu governo sofrera, em 10 de novembro de 2019. Antes da Argentina, ele tinha ido para o México.

O mesmo status de refugiado foi concedido ao vice-presidente de seu governo, Álvaro García Linera; à ex-ministra da Saúde, Gabriela Montaño; e ao ex-embaixador da Bolívia na Organização dos Estados Americanos (OEA), José Alberto Gonzáles, que chegaram com Morales à capital argentina.

Morales foi reeleito nas eleições gerais bolivianas de 20 de outubro de 2019, mas acabou sendo forçado a renunciar, em meio a protestos sociais, acusações de fraude, levante policial e sugestão de reação por parte das Forças Armadas.

Em 11 de novembro desse mesmo ano, a ex-senadora Jeanine Áñez assumiu a presidência, o que provocou outra onda de manifestações sociais.

Morales teve que fugir do país para não ser preso pelo governo interino de Áñez (2019–2020). Ela acabou condenada pela Justiça boliviana a dez anos de prisão, em junho de 2022, por ter participado do golpe de 2019 que destituiu Morales.

Evo retornou à Bolívia em novembro de 2020, após a vitória nas urnas, em primeiro turno, do atual presidente, Luis Arce, que era então um aliado político. Hoje eles são rivais.

 

¨      Lula e Javier Milei na assembleia geral da ONU. Por Jiang Shixue

A Cúpula do Futuro foi aberta na sede das Nações Unidas em Nova York em 22 de setembro. Adotou o Pacto para o Futuro e seus dois anexos, ou seja, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras. Esses documentos são o plano diretor da ONU para enfrentar os desafios que estão por vir para a humanidade, com 56 ações cobrindo uma ampla gama de temas, incluindo paz e segurança, desenvolvimento sustentável, mudança climática, cooperação digital, direitos humanos, gênero, juventude e gerações futuras, a transformação da governança global, etc.

Eles destacam os “desafios cada vez mais complexos” para a segurança tradicional e a segurança não tradicional. Por conseguinte, a maioria dos países manifestou atitudes positivas em relação ao êxito da adoção do Pacto.

O Brasil apoia a adoção do Pacto, embora o presidente Lula tenha dito em seu discurso na Assembleia Geral da ONU que a difícil aprovação do documento demonstra o enfraquecimento de nossa capacidade coletiva de negociação e diálogo. Ele também disse que o alcance limitado do Pacto é uma expressão do paradoxo do nosso tempo: “Nós nos movemos em círculos entre compromissos factíveis que levam a resultados insuficientes”.

Em contraste com o apoio entusiástico do presidente Lula às Nações Unidas, o presidente argentino Javier Milei expressou uma atitude negativa em relação à organização global, ao Pacto e à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável em seu discurso na Assembleia Geral da ONU. Ele disse: “Não venho aqui para dizer ao mundo o que fazer; venho aqui para dizer ao mundo, por um lado, o que acontecerá se as Nações Unidas continuarem a promover políticas coletivistas, que vêm promovendo sob o mandato da agenda 2030, e, por outro, quais são os valores que a nova Argentina defende”.

O presidente Javier Milei também disse: “Uma organização que havia sido pensada essencialmente como um escudo para proteger o reino dos homens foi transformada em um Leviatã com vários tentáculos, que visa decidir não apenas o que cada Estado-nação deve fazer, mas também como todos os cidadãos do mundo devem viver”.

O presidente Javier Milei expressou sua discordância com o “Pacto do Futuro” porque considera que ele representa ideias “socialistas” e propôs uma nova “agenda de liberdade”. Ele definiu a ONU como “uma organização que, em vez de enfrentar esses conflitos, investe tempo e esforço para impor aos países pobres o que e como eles devem produzir, com quem devem se vincular, o que devem comer e no que devem acreditar, como o atual Pacto do Futuro pretende ditar”.

No entanto, o presidente Javier Milei se equivoca ao optar por criticar o Pacto e a Agenda 2030.

Em primeiro lugar, o Pacto representa o compromisso da ONU não apenas de enfrentar crises imediatas, mas também de lançar as bases para uma ordem global sustentável, justa e pacífica, para todos os povos e nações. Sem dúvida, os compromissos incorporados no Pacto refletem a vontade coletiva dos Estados membros da ONU de promover a paz e o desenvolvimento mundiais, que são urgentemente necessários para a humanidade.

Em segundo lugar, o Pacto promete acelerar os esforços para alcançar a Agenda 2030, que visa a erradicação da pobreza extrema até 2030, uma intensificação da luta contra a fome, a promoção da igualdade de gênero e a educação. É por isso que ganhou grande aclamação da comunidade internacional.

Em terceiro lugar, os desafios do século XXI exigem soluções do século XXI, e uma das melhores soluções do século XXI é fortalecer a ação global de uma maneira totalmente integrada. As experiências passadas provaram a incapacidade de qualquer país responder eficazmente aos desafios políticos, económicos, ambientais e tecnológicos de hoje. Somente ações globais baseadas na força coletiva podem funcionar.

Por último, mas não menos importante, a Argentina também pode se beneficiar da implementação do Pacto, porque também enfrenta muitos problemas que o Pacto se esforçará para resolver. Portanto, esperemos que o presidente Javier Milei não lata para a árvore errada, e opte por apoiar em certo grau os esforços da ONU.

 

¨      América Latina: chave para decifrar o mundo contemporâneo, Por Emir Sader

A América Latina contemporânea é o melhor exemplo das alternativas e dilemas que o mundo atual enfrenta. Em poucas décadas, o continente passou por diversas fases: de um período desenvolvimentista às ditaduras militares, governos neoliberais, sendo a única região do mundo a ter governos antineoliberais, até a viver processos de restauração neoliberal em alguns países.

A região transitou por modelos hegemônicos diferenciados, até mesmo radicalmente contraditórios, revelando uma tensão e um dinamismo permanentes entre as forças fundamentais que se confrontam em todo o continente e, na verdade, em todo o mundo contemporâneo. Dessa forma, a América Latina se tornou o melhor laboratório de experiências políticas que temos hoje no mundo. Refletir sobre esses caminhos oferece a melhor pista para decifrar a história contemporânea e as perspectivas para o século XXI.

Por que usar a expressão "enigma" ao falar de Lula e da América Latina? Após o Brasil e a América Latina terem percorrido um doloroso caminho em direção ao neoliberalismo, adaptando-se à era atual do capitalismo, que parecia uma tendência irreversível, de que maneira foi possível resistir a ela?

Para decifrar esse enigma, é indispensável recorrer ao potencial que apenas a dialética, captando a realidade com suas contradições concretas, permite. A direita, com seu dogmatismo liberal, e a ultraesquerda, com seu sectarismo, não conseguem apreender as condições históricas concretas que possibilitaram a reação latino-americana, mesmo no contexto da persistente hegemonia mundial do neoliberalismo.

Lula faz parte desse enigma, assim como outros líderes do continente, como Hugo Chávez, Néstor e Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa e López Obrador.

Para entender o surgimento fulminante do neoliberalismo, suas contradições e limites, foi necessário reconstituir as grandes transformações ocorridas no mundo nas últimas décadas do século passado. O neoliberalismo emergiu após o fim da URSS, o término do ciclo expansivo do capitalismo e a crise do Estado de bem-estar social, no contexto de um longo ciclo recessivo do capitalismo e da irrupção de uma ideologia liberal de mercado.

Não considero que as crises atuais e os retrocessos em um ou outro país latino-americano configurem um esgotamento do ciclo de governos pós-neoliberais na América Latina. Enquanto o capitalismo seguir em seu ciclo neoliberal, os governos antineoliberais continuarão a ter relevância.

A América Latina, devido à sua inserção internacional específica, especialmente no século XX e no começo do século XXI, tornou-se uma referência fundamental para a esquerda em escala mundial. Seus líderes se destacaram não apenas por representarem alternativas ao neoliberalismo, mas por colocarem em prática essas alternativas em governos que promoveram transformações fundamentais em seus países, tornando-se paradigmas para a esquerda mundial.

Pelas características que a esquerda latino-americana assumiu, podemos recordar a expressão de Lênin sobre o “elo mais fraco da cadeia” neoliberal e, talvez, do próprio capitalismo. Daí a centralidade da análise da América Latina para compreender a disputa entre o neoliberalismo e o pós-neoliberalismo e entender o destino do mundo no século XXI.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil 247    

 

Nenhum comentário: