Em Ribas
do Rio Pardo (MS), Suzano participa até do ordenamento territorial
Até
2021, Ribas do Rio Pardo (MS) era uma cidade pacata de 23 mil habitantes, a 100
quilômetros de Campo Grande. Tudo mudou quando, em maio daquele ano, o Conselho
de Administração da Suzano, a maior produtora de celulose do mundo, anunciou
que construiria uma fábrica na região.
Não
era qualquer fábrica: o Projeto Cerrado, como foi batizado, irá produzir 2,55
milhões de toneladas de celulose de eucalipto por ano — volume superior ao de
qualquer outra planta em operação no planeta. Com investimento total de R$ 19,3
bilhões, a nova unidade aumenta em 20% a capacidade de produção da Suzano e
consolida o Mato Grosso do Sul como líder nacional no setor florestal.
O
nome atribuído ao projeto é uma escolha curiosa, uma vez que quase não existe
mais Cerrado em Ribas do Rio Pardo. Segundo dados do MapBiomas, 79% da área do
município foram tomados pela produção agropecuária. São 10 mil km² de pastos e
quase 2 mil km² de florestas plantadas — a segunda maior área do país, atrás
apenas de Três Lagoas. As duas cidades integram o Vale da Celulose, como ficou
conhecida a região leste do Mato Grosso do Sul, na divisa com São Paulo.
O
prefeito de Ribas é o petista João Alfredo Danieze, único representante da
centro-esquerda entre os 79 municípios do estado. Ele migrou para o partido de
Lula em outubro de 2023, após quase uma década no PSOL, pelo qual disputou as
eleições para governador em 2018. Entre os cem maiores municípios do país,
apenas ele e o prefeito de São Gabriel da Cachoeira (AM) pertencem ao PT. O
controle das maiores áreas agrárias por partidos da “velha direita” é um dos
temas centrais do dossiê “Os Gigantes“, lançado em setembro pelo De Olho nos
Ruralistas: “PT e PL administram só três prefeituras nos cem maiores
municípios“.
A
gestão de João Danieze é marcada, de um lado, pelo incentivo à agricultura
camponesa, com a construção de casas e entrega de títulos em assentamentos da
reforma agrária — desde o ano passado, em parceria com o governo federal. De
outro, João Alfredo é um apoiador contumaz do agronegócio local.
A
posição estava expressa em seu plano de governo: uma das primeiras promessas
listadas no documento submetido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2020
era o de “fomentar ainda mais o plantio de eucalipto/pinus, soja, bem como
estimular a produção de carvão vegetal, concedendo os incentivos fiscais
necessários e agilizar licenças ambientais em caso de irrigação (pivô), além de
viabilizar e acelerar o início da construção da usina de papel e celulose”.
PROGRAMA
DA SUZANO PREVÊ PARTICIPAÇÃO EM ORDENAMENTO TERRITORIAL
A
promessa foi cumprida. As obras do Projeto Cerrado começaram e terminaram
durante a administração de João Alfredo. A operação teve início em julho, ainda
de forma reduzida. Quando estiver em sua capacidade máxima, o complexo deve
gerar 3 mil empregos diretos. O surto de crescimento é uma das preocupações da
prefeitura, que vem fechando parcerias com a própria Suzano para reduzir o
déficit habitacional, além de direcionar investimentos para saúde, educação,
transporte e lazer. Em julho, prefeitura e empresa firmaram um convênio com a
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) para a criação de um curso
tecnológico em silvicultura em Ribas do Rio Pardo.
Paralelamente,
a gigante da celulose anunciou em março de 2023 o lançamento de um programa de
Apoio à Gestão Pública (AGP). Sob o pretexto de preparar o município para
crescer de forma sustentável após a inauguração da fábrica, o programa prevê a
interferência direta da Suzano no poder público. O primeiro eixo do AGP trata
da “modernização da gestão pública nos aspectos fiscal e orçamentário” e inclui
o apoio à prefeitura para “estruturação de seus quadros e ferramentas para
comportar o expressivo aumento de receita resultante da implantação da nova
fábrica de celulose”.
O
segundo diz respeito à participação da empresa no ordenamento territorial do
município por meio do “apoio à gestão na promoção e indução do desenvolvimento
territorial (…) incluindo questões como habitação, ocupação do solo, transporte
público, entre outras”. A iniciativa foi saudada pelo prefeito.
“É
um presente que a cidade está recebendo da Suzano, a partir do qual vamos
construir de forma colaborativa um novo plano diretor, um novo código de
postura, um novo código tributário municipal, entre outros instrumentos de
gestão pública”, comemorou João Alfredo, durante o evento de lançamento do AGP.
Em
2020, quando se elegeu pelo PSOL, João Alfredo declarou 460 cabeças de gado e
duas fazendas — uma delas, de 500 hectares, arrendada para plantio de
eucalipto. Seu patrimônio na época era de R$ 7,2 milhões, colocando-o na 13ª
posição entre os prefeitos mais ricos dos Gigantes. Agora, disputando a
reeleição pelo PT, o advogado elevou seus bens para R$ 8,2 milhões.
As
parcerias com a Suzano não são citadas no novo plano de governo, que dedica um
capítulo inteiro ao fortalecimento da agricultura familiar e inclui metas sobre
prevenção a queimadas e às mudanças climáticas: “Os Gigantes: só 12 em 52
prefeitos citam adaptação a mudanças climáticas como meta para reeleição“.
De
Olho nos Ruralistas enviou à prefeitura de Ribas do Rio Pardo uma lista de
perguntas sobre a relação do Executivo municipal com a Suzano, mas não obteve
retorno até o fechamento da reportagem.
OCUPAÇÕES
EM ÁREAS DA SUZANO MOTIVAM PROJETO DE LEI “ANTI-MST”
Controlada
pela família Feffer, a Suzano possui um longo histórico de irregularidades
ambientais e trabalhistas. Segundo documentos submetidos à Comissão de Valores
Mobiliários dos Estados Unidos, onde possui capital aberto, a empresa responde
a 262 processos civis e ambientais e 2.449 ações trabalhistas. O jornal alemão
Deutsche Welle apurou que a gigante da celulose está envolvida em pelo menos
quarenta conflitos socioambientais — em sua maioria, no Cerrado.
Do
outro lado desses conflitos estão comunidades quilombolas, indígenas e o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em fevereiro de 2023, 1,5
mil integrantes do movimento ocuparam três áreas da Suzano no sul da Bahia. A
ação denunciava o estresse hídrico e as contaminações por agrotóxicos causadas
pelo avanço descontrolado da monocultura de eucalipto na região.
A
reação foi imediata. Líderes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)
instauraram na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
para investigar quem financiava o que chamam de “invasões”. O objetivo era
aprovar um projeto de lei que criminaliza a ocupação e retomada de terras,
equiparando-as a atos terroristas.
Dominada
por deputados ruralistas, a CPI do MST teve, entre seus depoentes, o
vice-presidente executivo da Suzano, Luís Renato Bueno, convocado a fornecer
detalhes sobre os conflitos no sul da Bahia. A gigante da celulose é
conselheira do Instituto Brasileiro de Árvores (Ibá), uma das associações que
financiam o Instituto Pensar Agro (IPA), o braço logístico da FPA, responsável
por escrever os projetos de lei e posicionamentos defendidos pela frente
ruralista, conforme detalhado por este observatório no dossiê “Os Financiadores
da Boiada”.
A
CPI do MST durou 130 dias e terminou sem votar um relatório final, graças a uma
manobra do governo federal. Depois da derrota, líderes da FPA fundaram uma nova
frente chamada Invasão Zero, para continuar pressionando pela criminalização
das ocupações.
O
grupo tem como vice-presidente o deputado Ricardo Salles (Novo-SP), ministro do
Meio Ambiente de Jair Bolsonaro e relator da comissão. Em 2018, quando era
secretário estadual de Meio Ambiente, ele foi alvo de uma ação civil pública do
Ministério Público de São Paulo que o acusava de tentar fraudar o plano de
manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê com o objetivo
de favorecer uma série de indústrias — entre elas, a Suzano. O político foi
absolvido em 2021.
A
relação com a empresa vem desde 2014, quando Salles participava junto de David
e Daniel Feffer em fóruns da chamada “nova direita brasileira”, movimento que
pressionou pelo impeachment de Dilma Rousseff e que, anos mais tarde, daria
origem ao bolsonarismo.
CONFIRA
VÍDEO SOBRE “OS GIGANTES” NO CANAL DO YOUTUBE
O
território brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das
Américas. É a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá,
está mais próximo do Canadá do que de Chuí, no extremo sul do país. Entre o
litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na
divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa
e Moscou.
Entre
esses extremos existem 5.568 municípios. Entre eles, desponta um time seleto
cujas proporções são comparáveis a países inteiros: os cem maiores municípios
do país. O maior deles, Altamira (PA), é maior que a Grécia. Bem maior que
Portugal.
“É
uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos
Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da
cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a
importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”.
Além
do dossiê “Os Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e
reportagens detalhando os principais achados do estudo, que mapeia as políticas
ambientais dos cem municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de
interesses envolvendo prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e
sindicatos rurais.
Fonte:
De Olho nos Ruralistas
Nenhum comentário:
Postar um comentário