sábado, 5 de outubro de 2024

Presidente da Câmara de Recife tem R$ 17 milhões de multas em área protegida da Amazônia

R$ 17 milhões. Este é o valor das infrações ambientais aplicadas pelo Ibama ao presidente da Câmara Municipal do Recife, Romero Jatobá Cavalcanti Neto. Mais conhecido como Romerinho Jatobá, o vereador é candidato à reeleição com apoio declarado do seu colega de partido, o prefeito de Recife João Campos, do PSB.

O valor acumulado é o maior em multas ambientais entre todos os candidatos à reeleição dos municípios brasileiros nas eleições de 2024.

A mais de 2 mil quilômetros de Recife, Romerinho foi apontado como responsável pelo desmatamento de 404 hectares de floresta amazônica para criação de gado dentro da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, em São Félix do Xingu, no Pará.

Segundo consta nos autos de fiscalização, o político recifense teria adquirido três áreas dentro da APA em 2019, todas com registros de desmatamento e queimadas intensificados depois da compra.

As informações foram obtidas por meio de análise exclusiva realizada pela Agência Tatu e InfoAmazonia, em parceria com o Intercept Brasil.

Romerinho foi multado por desmatamento ilegal, descumprimento de embargos do Ibama por criação de gado ilegal sem autorização do órgão ambiental dentro da unidade de conservação.

Segundo o Ibama, as autuações contra Romerinho Jatobá estão em fase de homologação e dentro do prazo de defesa. Caso ele não apresente elementos que modifiquem o entendimento da fiscalização, os valores vão para execução. Além da multa ambiental, o Ministério Público também ingressou com uma notícia de fato para que o político seja investigado pelos crimes ambientais.

No Cadastro Ambiental Rural, as fazendas adquiridas por Romerinho estão registradas em nome de terceiros e somam 3,6 mil hectares. É uma área 37 vezes maior que o bairro do Arruda, onde está a base eleitoral do político, em Recife.

A fiscalização do Ibama foi realizada em 2020, após um grande desmatamento ser detectado na região. A operação do Grupo de Combate ao Desmatamento na Amazônia, realizada entre 2 de outubro e 1º de novembro de 2020 por servidores ambientais e Exército, fez a inspeção no local e embargou quase 2 mil hectares da área, proibindo a atividade agropecuária. Sete autos de infração foram emitidos em desfavor do parlamentar.

Mas o embargo não foi cumprido, e a criação de gado e o desmatamento continuaram – inclusive com uso de fogo. Imagens de satélite mostram que, entre 2019 e 2023, 4,6 mil hectares de florestas na área apontada como de propriedade de Romerinho foram derrubados para criação de gado, como também mostram imagens do local colhidas pelos fiscais do Ibama.

Além disso, entre julho e setembro deste ano, essas áreas registraram focos de queimadas, mesmo tendo sido embargadas e o uso do fogo estar proibido nesta região da Amazônia. Também identificamos que o desmatamento das áreas apontadas como sendo do político se expandiu para além dos limites das três fazendas.

Romerinho nega ser dono do gado e da área. Em resposta à reportagem, o líder da Câmara Municipal de Recife respondeu, por meio de um escritório de advocacia sediado no município de Canaã dos Carajás, no Pará, que “as autuações foram baseadas em uma pesquisa superficial realizada no Google, utilizando os termos ‘Romero’ e ‘Recife’, o que resultou no nome do Sr. Romero Jatobá Cavalcanti Neto sendo o primeiro a aparecer nos resultados”.

O político ingressou com ação na Justiça para desvincular os crimes ambientais de seu CPF. No entanto, o relatório de fiscalização aponta que a equipe chegou ao nome de Romerinho Jatobá por diferentes fontes, especialmente por meio de entrevistas com pessoas encontradas na localidade, como funcionários e empresários contratados.

Pelo menos três pessoas confirmaram às autoridades a relação de Romerinho com as fazendas. Segundo o relatório de fiscalização, os entrevistados afirmaram que “as fazendas teriam sido vendidas para um Sr. chamado Romero Jatobá de Recife/PE a cerca de um ano, somente confirmam que propriedade foi adquirida antes do desmatamento praticado no local”. O objetivo seria a implantação de uma nova área de pasto, ligada por uma estrada.

Outra evidência registrada foi a marcação no gado, que foram associadas às iniciais de familiares do vereador: “RR” de Romero pai e Romerinho, o filho, “RF” de “Romero Filho” e “SM” de Maura de Sá, a mãe do político. 

Outro elemento apontado como evidência para os fiscais foi um caminhão amarelo com a placa de Recife dentro da fazenda. Segundo dados da fiscalização, o veículo – que transportava insumos agrícolas – estava registrado em nome de Rafa Com. e Distribuidora de Alimentos Ltda, com sede no bairro Zumbi, em Recife. A empresa acumula mais de R$ 17 milhões em dívidas com a União.

Recentemente, a empresa alterou dados do negócio na Receita Federal, trocando o endereço da sede para um escritório virtual e modificando drasticamente a natureza do negócio, de alimentos para serviço especializado de apoio administrativo. A razão social também foi alterada para Rafa Serviços Ltda.

O negócio está registrado em nome de Andrea Carla Oliveira Celestino, que durante a pandemia foi beneficiada com auxílio emergencial.

A reportagem esteve nos dois locais apontados como endereços da empresa. No centro empresarial MultiOffice, onde funciona o serviço de caixa postal, fomos informados que a empresa realmente estaria formalmente sediada lá e que a pessoa responsável teria o nome de Rafael Neves.

Já no endereço anterior da empresa, encontramos outro negócio do ramo de alimentos em funcionamento: a Mini Menu. Em 2018, os sócios dessa empresa foram investigados por fraudes na merenda escolar em Recife, com outra empresa, a Casa de Farinha. Na sede da empresa, ninguém quis conversar com a reportagem.

•                                         Área de preservação é uma das mais desmatadas da Amazônia

A APA Triunfo do Xingu, onde o político teria cometido os crimes ambientais, é uma das unidades de conservação mais afetadas pelo avanço ilegal da pecuária. O município de São Félix do Xingu, que abriga parte da unidade, tem o maior rebanho bovino do Brasil, com quase 2,3 milhões de cabeças de gado.

A Unidade de Conservação contabilizou, sozinha, 33% dos focos de queimadas entre julho e setembro deste ano, incluindo fogo ilegal registrado pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, nas áreas indicadas como sendo do presidente da câmara de Recife. 

As multas dos órgãos ambientais configuram infrações administrativas e que podem ser seguidas de advertências e multas. Os multados têm direito de recorrer. Caso a sanção do órgão ambiental seja convertida em ação na Justiça, ele pode responder por crime ambiental.

Um levantamento recente da BBC Brasil mostra que só nas eleições de 2024 são mais de R$ 500 milhões em multas ambientais vinculadas a candidatos.

•                                         Romerinho Jatobá é sócio em resort na Ilha de Fernando de Noronha

Além da relação com gado na APA Triunfo do Xingu, Romerinho também tem negócios em outra unidade de conservação, a ilha de Fernando de Noronha, onde aparece como sócio com outros políticos na pousada Village Premiere.

São sócios no negócio em Noronha o deputado federal André Ferreira, do PL de Pernambuco, e os também vereadores em Recife Samuel Salazar, do MDB, e Eriberto Rafael, do Progressistas, todos concorrendo a uma nova vaga no legislativo da capital pernambucana.

Romerinho também é dono de uma empresa de vigilância privada, a Proação Segurança Privada, em Recife, além de constar como diretor do Conselho Nacional do Poder Legislativo Municipal das Capitais.

O político tenta a terceira reeleição no dia 6 de outubro. Na campanha deste ano, ele declarou um total de R$ 2.470.306,06 em bens à Justiça Eleitoral, indicando cotas em duas empresas, nos valores de R$ 750 mil e 104 mil, sem fazer referência direta sobre quais são estes negócios.

Desde 2016, quando foi eleito pela primeira vez, o patrimônio declarado pelo vereador cresceu 275%, passando de R$ 896 mil para os mais de R$ 2,4 milhões declarados este ano.

A evolução patrimonial de Romerinho é semelhante à dos seus sócios políticos. O deputado André Ferreira, que em 2014 declarou R$ 800 mil em bens, na última eleição que concorreu, em 2022, declarou R$ 2,8 milhões. O vereador Salazar, que em 2016 declarou R$ 877 mil, este ano informou um patrimônio de R$ 2,5 milhões. Já Eriberto Rafael, que em 2016 tinha R$ 517 mil, apresentou uma lista de bens em 2024 que somam R$ 1,4 milhão.

 

•                                         Trabalhadores rurais vivem dias de terror na zona da mata sul de Pernambuco

No último sábado (28), dezenas de homens armados invadiram a comunidade rural de Barro Branco, município de Jaqueira, zona da mata sul de Pernambuco, e dispararam tiros contra agricultores que lutam para manter suas terras. A tensão durou até o domingo (29), quando os pistoleiros se retiraram das terras, na presença de policiais. Três pessoas foram baleadas, mas ninguém foi detido.

Um vídeo registrado por um morador mostra cerca de 20 veículos, entre tratores, motocicletas e, principalmente, picapes transportando homens enviados pela Agropecuária Mata Sul S. A. Os moradores do Barro Branco queimaram palhas de bananeira na estrada e se colocaram no caminho dos pistoleiros. Durante a invasão, tiros foram disparados contra os moradores, resultando em três pessoas feridas, entre elas uma estudante da UFPE. O Brasil de Fato Pernambuco denuncia o conflito há pelo menos quatro anos.

A Polícia Militar foi chamada e acompanhou as horas de tensão no local ao lado dos enviados da Agropecuária Mata Sul, que cortaram cercas e mataram parte da plantação. Há agricultores que denunciam que a PM foi permissiva com a destruição dos pistoleiros. Outras imagens mostram jovens encapuzados e com bandeiras do movimento Liga dos Camponeses Pobres fechando o caminho e gritando palavras de ordem contra os pistoleiros, que só deixaram o local no domingo.

A nossa reportagem entrou em contato com a Secretaria de Defesa Social (SDS), responsável pelas polícias Civil e Militar em Pernambuco, perguntando sobre a atuação das corporações no conflito. Até o momento não fomos respondidos. Também buscamos contato com moradores da comunidade do Barro Branco e com organizações sociais que atuam no local, mas até o momento também não tivemos resposta.

A deputada estadual Dani Portela (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), declarou apoio aos trabalhadores e cobrou medidas do Governo do Estado. “O Governo de Pernambuco não ativou a comissão que previne os conflitos fundiários e agrários, o que contribui para deixar a situação ainda mais insegura. É responsabilidade do Estado prevenir esses conflitos”, criticou. “São famílias que vêm sendo ameaçadas há muito tempo. Os proprietários de terra precisam lembrar que as capitanias hereditárias acabaram. Nós lutaremos até o fim junto com os trabalhadores”.

<><> O conflito

A região mantém há séculos uma economia baseada no latifúndio com monocultura da cana-de-açúcar. A dificuldade de se modernizar tecnologicamente, somada ao aumento da fiscalização em relação às leis trabalhistas, fez a indústria da cana perder competitividade. A Usina Frei Caneca é uma das tantas que foi fechada sem quitar as dívidas trabalhistas com seus funcionários.

As famílias, que já viviam e trabalhavam naquelas terras há gerações, tinham direito àquelas propriedades como posseiros. Hoje vivem naquelas terras cerca de 1.500 famílias, que somam 5 mil pessoas, divididas em oito comunidades rurais: Barro Branco, Caixa D’água, Engenho Jaqueira, Fervedouro, Guerra, Laranjeira, Várzea Velha e Batateira. Com exceção desta última, que fica dentro do município de Maraial, as demais estão dentro dos limites territoriais de Jaqueira.

Mas, em 2018, a massa falida foi arrendada pela Agropecuária Mata Sul, que passou a criar gado naquelas terras e a reivindicar o uso das áreas onde vivem as comunidades de agricultores. A tensão é permanente nestes seis anos. Algo recorrente é que o gado seja colocado para pastar próximo à fonte de água que abastece a comunidade, resultando na contaminação da água com fezes e urina dos animais.

Mas também há registros de derrubada de parte das plantações dos agricultores, além do lançamento de agrotóxico sobre as comunidades, com uso de helicóptero. Em 2022 circulou nas comunidades uma lista de 27 nomes de lideranças “marcadas para morrer”. O Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) chegou a instalar câmeras de segurança nas casas de agricultores, mas o equipamento foi roubado.

Em entrevista concedida ao Brasil de Fato Pernambuco em 2022, o agricultor Almir Luiz, morador do Barro Branco, disse não cogitar a opção de sair da sua casa. “A gente vai para onde, pelo amor de Deus? Onde vamos criar nossos filhos? A gente quer permanecer na nossa terra, produzir na nossa terra, alimentar nossas famílias através do que a gente planta aqui. Por isso pedimos reforma agrária”, desabafou em conversa com a reportagem.

 

Fonte: Por Fábio Bispo e Lucas Maia, em The Intercept/Brasil de Fato

 

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