Ataque do
Irã a Israel foi 'resposta moral' frente ao fracasso dos EUA em conter
Netanyahu
Em
entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam que havia
uma pressão interna no Irã para responder aos ataques promovidos por Tel Aviv e
que uma escalada deve envolver eixo de resistência criado por Teerã no Oriente
Médio.
O
ataque com mísseis do Irã contra Israel na última terça-feira (1º) trouxe
máxima tensão ao Oriente Médio, com possibilidade de eclosão de uma guerra
direta entre os países, com participação dos EUA ao lado de Tel Aviv.
Ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Luciana Garcia de Oliveira, professora da
pós-graduação em Geopolítica da Ásia: Conflitos & Debates, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR), afirma que o ataque do Irã não foi
comum porque não houve um aviso prévio, como em episódios anteriores.
"Foi
um ataque-surpresa, e parece que os moradores de Tel Aviv falaram que as
sirenes estavam mais altas do que de costume. Então é um ataque que assustou
bastante, que incomoda muito e que gera muito medo, e provavelmente vai haver
um contra-ataque."
Ela
acrescenta que o governo do presidente americano, Joe Biden, tem sido bastante
ineficiente em tentar resolver a situação de Israel, principalmente na busca
por um cessar-fogo e pela libertação dos reféns na Faixa de Gaza, o que ameaça
a possibilidade de uma escalada maior.
Oliveira
enfatiza que, além do envolvimento direto de outros atores, "existem
outros Estados que podem também acabar se envolvendo por conta de uma crise de
refugiados que vai acontecer", potencializando o deslocamento na região
que já ocorre por conta dos ataques a Gaza.
"Durante
essa guerra entre Israel e Hamas, por exemplo, o Egito, ele está de certa
maneira envolvido também nesses conflitos. Porque existe uma crise de
refugiados, pessoas na Faixa de Gaza que estão saindo e buscando asilo no Egito
para poder, depois, procurar asilo em outros Estados. Então os Estados vizinhos
também acabam sendo envolvidos."
Questionada
sobre um eventual envolvimento de países da Europa no conflito, Oliveira
descarta essa possibilidade, afirmando que o continente já gastou muitos
recursos com o conflito ucraniano. Ela também acha pouco provável o
envolvimento de Rússia e China, e diz que o imbróglio deve ficar restrito a
países do Oriente Médio, como Iraque, Síria e Iêmen, e os grupos Hamas,
Hezbollah e as milícias houthis.
"O
Irã organizou todo um eixo de resistência para poder resistir a um eventual
ataque israelense e americano. Então, provavelmente, o Irã não vai ficar
sozinho. […] O Irã não é um país pequeno, tem um Exército muito importante, mas
também soube fazer muitos acordos, com o passar do tempo, com outros Estados e
com outros grupos que estão dentro do mundo árabe."
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Irã precisava dar uma resposta a Israel
Para
Najad Khouri, economista com MBA em relações internacionais e pesquisador
sênior do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM), o ataque
foi de fato uma "resposta moral que o Irã devia à sua população interna,
às suas forças internas e também ao Líbano".
"Lembrando
que houve várias mortes feitas por Israel, uma delas de Ismail Haniya, dentro
do Irã, a morte do [Hassan] Nasrallah, e junto com o Nasrallah havia um
comandante grande dos guardas revolucionários. Então o Irã até agora não tinha
respondido, até ontem [1º]."
Nesse
contexto, ele avalia que o ataque iraniano foi bem estudado e bem articulado,
sem atingir nenhum civil ou militar.
Khouri
acrescenta que para o governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu, o confronto com o Líbano representou uma vitória após mais de um ano
de derrotas no embate contra o Hamas na Faixa de Gaza, onde Israel ainda não
capturou o líder do grupo palestino nem conseguiu libertar os reféns levados
para o enclave.
"Ao
contrário, na última tentativa houve matança pelo Hamas dos reféns. Então, em
termos políticos internamente, para Israel, a guerra em Gaza não logrou êxito.
Ao contrário do movimento no Líbano, do ataque no Líbano, que teve vários
êxitos."
Khouri
afirma que a Organização das Nações Unidas (ONU) não consegue deter Israel, que
recentemente declarou o secretário-geral da organização, António Guterres,
persona non grata no país. Ele acrescenta que os EUA também não conseguem
conter Netanyahu nem mudariam nunca sua postura de defesa para com Tel Aviv no
Conselho de Segurança da ONU, porque "quem dita a política americana para
o Oriente Médio é Israel".
"Os
Estados Unidos não conseguem nada porque os Estados Unidos falam: 'Olha, não
ataque, mas qualquer coisa que fizer, eu protejo você'. Então [Israel] é o
filho estragado [dos EUA]."
Ele
afirma que quem poderia exercer pressão sobre Israel seriam Rússia e China, mas
que é improvável que isso aconteça porque Moscou está lidando com o conflito
ucraniano e Pequim não consideraria qualquer ação que pudesse afetar o fluxo de
petróleo global.
Khouri
sublinha que Netanyahu tem interesse em prolongar o conflito, já que está em
uma posição delicada internamente, respondendo a um processo judicial por
corrupção, e precisa do apoio da ala radical de seu partido, que defende o
confronto.
Questionado
sobre uma possível resposta de Israel ao ataque do Irã, Khouri afirma que seria
uma escalada de caos.
"O
que Israel pode fazer? Não sei. Mas se fizer alguma coisa, fatalmente vai
exigir outra resposta do Irã. Então o ideal é que não haja nada."
¨
EUA usam Israel como
proxy para conter presença de Rússia e China no Oriente Médio, diz analista
Após
ataques iranianos contra o território de Israel, EUA continuam afirmando não
estar interessados em um conflito regional de larga escala. Afinal, se
Washington não quer a guerra no Oriente Médio, por que envia recursos militares
e financeiros para alimentar o conflito? A Sputnik Brasil conversou com
especialistas para desvendar esse mistério.
Nesta
terça-feira (30), o Irã realizou ataque com cerca de 200 mísseis balísticos
contra o território israelense, em retaliação ao assassinato de comandantes do
Hezbollah, como o líder Hassan Nasrallah, e de alto comandantes de suas
próprias fileiras do Corpo de Guardiões da Revolução Islâmica (IRGC, na sigla
em inglês).
Israel
declarou ter interceptado boa parte dos mísseis, com auxílio dos EUA, que
teriam mobilizado dois destróieres para cumprir a tarefa. Os relatos iranianos,
por sua vez, apontam para maior grau de sucesso dos ataques.
Após
o ocorrido, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse que o Irã
"pagará" pelo seu "grande erro", enquanto o Irã prometeu
uma resposta "esmagadora" se Israel retaliar.
Autoridades
norte-americanas foram rápidas ao proclamar o seu apoio incondicional a Tel
Aviv, em solidariedade ao que consideraram um ataque não provocado por parte do
Irã. No entanto, os EUA mantêm um discurso apaziguador, alegando que o país não
teria interesse em um confronto regional no Oriente Médio.
Logo
após os ataques, o presidente dos EUA, Joe Biden, declarou ter "acabado de
falar com o primeiro-ministro Netanyahu para reafirmar o apoio ferrenho dos EUA
à segurança de Israel". Na mesma ocasião, o secretário de Estado, Anthony
Blinken, declarou por meio de nota que, "embora não busquemos uma
escalada, continuaremos a apoiar a defesa de Israel".
Ainda
que mantenham o fornecimento de apoio logístico e militar a Israel inalterado,
autoridades norte-americanas alegam estarem empenhadas na busca da paz na
região. No caso da Faixa de Gaza, o primeiro front da atual conflagração, o
secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, realizou cerca de 18 viagens à
região, alegadamente em busca de um cessar-fogo.
Enquanto
a mídia não ocidental já reportava em detalhes as primeiras incursões
israelenses em território libanês, na manhã desta terça-feira (30), o jornal
The New York Times celebrava que "autoridades norte-americanas [...]
persuadiram os israelenses a não conduzir uma invasão terrestre de maior escala
no sul do Líbano".
A
relutância norte-americana em agir de maneira incisiva sobre o seu aliado
Israel para obter a desescalada que diz almejar surpreende os especialistas.
Afinal, se Washington tem interesse na paz no Oriente Médio, por que segue
financiando a guerra?
Para
o professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado
(FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira, os EUA podem manter sua posição ambígua, uma
vez que o uso de Israel como ator proxy no Oriente Médio não ameaça a
participação direta de Washington no conflito regional. Atores proxys são
aqueles que recebem financiamento e diretivas de entidades mais poderosas,
mantendo-se em uma posição de subordinação.
"Desde
o fim da Guerra Fria, claramente Israel assumiu o caráter de proxy dos Estados
Unidos, mais do que de um aliado propriamente dito. Então os EUA podem se dar
ao luxo dessa contradição: apoiar determinada força que na verdade é o seu
proxy contra um inimigo, enquanto diz ser a favor de uma solução
diplomática", disse Vieira. "Ou seja, mantêm um permanente estado de
guerra, sem derrotar de vez o inimigo, e ao mesmo tempo não se expõem ao risco
de uma guerra total."
A
posição paradoxal ainda advém da mediação que o governo norte-americano busca
entre atender os interesses de lobbies internos favoráveis a Israel e uma
opinião pública que questiona não só o envolvimento dos EUA em conflitos
internacionais, mas também, entre grupos mais jovens, as ações militares
israelenses na Faixa de Gaza.
"Biden
pode se dar ao luxo de manter uma posição tradicional de apoio a Israel,
enquanto diz aos mais jovens estar negociando para que Israel não seja tão
duro. Nós temos aqui exatamente esse equilíbrio delicado, compreensível da
lógica de manutenção do poder", disse Vieira. "O período eleitoral
pode expandir ainda mais a diferença entre o que é dito publicamente pelo
governo dos EUA e suas ações no terreno."
Apesar
do discurso de apoio a Israel, os EUA perseguem seus próprios interesses
econômicos e geopolíticos no Oriente Médio, assevera Vieira. Para ele,
Washington tem pouco espaço para desgaste na região após a sua saída desastrosa
do Afeganistão, em agosto de 2021.
"Os
EUA querem sinalizar no Oriente Médio que não perdem terreno em relação a China
e Rússia", disse Vieira. "Qualquer perda de espaço, qualquer
centímetro que Israel perca, é uma perda também para os EUA, já que Tel Aviv é
um proxy de Washington em um embate global mais amplo."
Apesar
da ascensão econômica asiática e das perspectivas de transição energética, o
Oriente Médio segue como uma região de alto valor estratégico. O seu papel
histórico de garantir a conectividade entre os polos de poder asiático e
europeu se mantém em voga.
"Quem
dominar o Oriente Médio, principalmente se houver o estabelecimento de algum
entendimento de fato entre Israel e a Arábia Saudita, tem uma alternativa em
relação à Nova Rota da Seda, uma iniciativa liderada pela China, que sinaliza
para o declínio dos EUA na região", disse Vieira.
O
doutor em história pela Universidade de York do Canadá, Tufy Kairuz, concorda,
lembrando que a geografia do Oriente Médio, aliada às suas riquezas em recursos
naturais, determina a sua relevância estratégica.
"Faço
uma analogia com o jogo de futebol: quem domina as ações no meio de campo em um
jogo de futebol é vitorioso. É quase impossível alguém não dominar o meio de
campo e ganhar uma partida de futebol", disse Kairuz à Sputnik Brasil.
"Se olharmos para o mapa-múndi, o Oriente Médio é uma espécie de meio de
campo geopolítico do planeta."
Além
dos interesses nos recursos energéticos da região, particularmente importantes
para EUA e China, a Rússia também considera o Oriente Médio um acesso
fundamental à Ásia Central e ao Cáucaso.
"O
interesse russo na região faz todo o sentido, e vem desde os tempos do Império
Russo e da União Soviética. É importante lembrar que a Rússia mantém portos em
águas quentes na região, como as estruturas na região de Tartus, na
Síria", considerou Kairuz. "Essas são posições relevantes no
Mediterrâneo, que permitem comunicação com a Europa."
Do
ponto de vista norte-americano, a manutenção de sua influência no Oriente Médio
seria ameaçada, regionalmente, pelo Irã. Portanto, o esforço israelense de
derrotar o Hezbollah atende aos interesses de Washington de forma conveniente,
acredita o professor da FAAP Vieira.
"Os
Estados Unidos consideram Hezbollah um grupo terrorista, as declarações da
[vice-presidente dos EUA] Kamala Harris e do [presidente dos EUA] Joe Biden
nesse sentido são inequívocas", notou Vieira. "Mas, acima de tudo, o
objetivo dos EUA é enfraquecer o Irã. E se um ataque israelense destrói a
cadeia de comando do Hezbollah, então o Irã se sente mais fraco."
O
doutor em história Kairuz diverge, dizendo que os interesses dos EUA e de
Israel podem, sim, estar em conflito neste momento. Para ele, os
norte-americanos não percebem ameaça iminente na região e são levados ao
conflito em função do poderio do lobby sionista atuante em Washington.
"Não
acho que os EUA tenham interesse neste conflito. Eles prefeririam manter a
égide da pax americana no Oriente Médio, se fosse possível", disse Kairuz.
"Países que se opunham aos EUA na região, como a Síria, foram
enfraquecidos. O que restou foi um grupo chamado Eixo da Resistência, que
inclui países pobres como o Iêmen, alguns grupos no Iraque e, principalmente, o
Hezbollah no Líbano."
O
analista ainda reconhece que os recentes ataques aparentemente realizados pelo
serviço de inteligência israelense contra a liderança e estrutura de
comunicação do Hezbollah enfraqueceram o grupo. Nesse contexto, Kairuz
questiona a real ameaça que o Hezbollah representaria para uma grande potência,
como os EUA.
"Foram
golpes significativos, que mostraram que existe uma brecha grave, o
comprometimento do sistema de segurança do Hezbollah. A eliminação de
lideranças como o próprio [Hassan] Nasrallah é algo inédito, que desorganiza o
grupo e o enfraquece até psicologicamente", asseverou Kairuz. "Nesse
contexto, não acredito que o Hezbollah seja uma ameaça aos EUA, mas sim a
Israel."
Nesta
quarta-feira (3), pelo menos nove pessoas faleceram e 14 ficaram feridas
durante ataques aéreos israelenses contra a região da capital libanesa,
Beirute. O grupo Hezbollah declarou ter realizado ataques com bombas contra
tropas israelenses na região sul do Líbano. Países como Rússia e Espanha já
iniciaram a evacuação de seus nacionais do Líbano. O Brasil já prepara voos da
Força Aérea Brasileira (FAB) para evacuar seus nacionais. O governo dos EUA
solicitou que seus nacionais se retirem do Líbano, utilizando rotas comerciais.
<><> Líder do Hezbollah estava disposto a aceitar
cessar-fogo antes de sua morte, diz MRE libanês
Hassan
Nasrallah, secretário-geral do movimento Hezbollah do Líbano, anunciou pouco
antes de ser assassinado por Israel que o movimento havia concordado com um
cessar-fogo, afirmou o ministro das Relações Exteriores do Líbano, Abdallah Bou
Habib, relata a CNN.
O
ministro se referiu à declaração dos presidentes dos EUA, França e outros
países pedindo um cessar-fogo de 21 dias entre Israel e o Líbano.
As
autoridades libanesas estavam em conversações com o Hezbollah, bem como com o
presidente dos Estados Unidos Joe Biden e o presidente francês Emmanuel Macron.
"[Nasrallah]
concordou, ele concordou. [...] [os EUA e a França] nos disseram que o sr.
Netanyahu concordou com isso e, portanto, também obtivemos a concordância do
Hezbollah e você sabe o que aconteceu desde então", disse Abdallah Habib à
CNN.
O
próprio movimento libanês não tinha ainda feito tais declarações.
Desde
1º de outubro, Israel vem realizando uma operação terrestre contra as forças do
Hezbollah no sul do Líbano e continua o bombardeio aéreo do país, onde mais de
mil pessoas já foram mortas, incluindo líderes do movimento xiita, e mais de 90
mil se tornaram refugiados.
Apesar
das perdas, inclusive na equipe de comando, o Hezbollah está lutando em terra e
não para de disparar foguetes contra o território israelense.
O
principal objetivo da campanha militar de Israel é criar condições para o
retorno de 60.000 residentes do norte, que foram evacuados por causa do
bombardeio lançado pelo Hezbollah há um ano em apoio ao movimento palestino
Hamas.
Fonte:
Sputnik Brasil
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