Os
Gigantes: prefeito de Altamira impediu indígenas e ribeirinhos de pescarem na
Volta Grande do Xingu
Altamira,
no Pará, não é apenas o maior município brasileiro: é a maior jurisdição local
do planeta. Com 159.533,31 km², sua área é equivalente a Bangladesh. Se fosse
um país, seria o 92º maior do mundo — maior que Grécia, Portugal ou Panamá. Ali
vivem 126 mil pessoas — 6 mil delas indígenas.
Entre
janeiro de 2021 e junho de 2024, Altamira perdeu 1.549,07 km² de florestas — o
tamanho do município de São Paulo. O período vai do primeiro mês de mandato dos
prefeitos eleitos em 2020 até o último com dados disponíveis na plataforma
MapBiomas Alerta. O território devastado equivale a quase 1% da área total do
município. Esse desmatamento atinge, principalmente, as terras indígenas, com
destaque para a TI Ituna/Itatá, uma das mais invadidas do Brasil.
O
prefeito de Altamira, Claudomiro Gomes (PP), possui um longo histórico de
conflito com povos originários e ribeirinhos na região da Volta Grande,
distrito de Belo Monte — o mesmo da usina. Ele é candidato à reeleição e
aparece em terceiro nas pesquisas de intenção de voto.
Em
junho de 2005, o Conselho Estadual de Meio Ambiente do Pará expediu a Resolução
Coema nº 30, que criou uma área especial para pesca esportiva chamada Sítio
Pesqueiro Turístico Estadual Volta Grande do Xingu, com superfície total de
278,64 km². O principal beneficiário da resolução foi Claudomiro: ele é dono de
uma pousada dedicada à pesca esportiva, a Pousada Rio Xingu, localizada no
centro da área demarcada. O governador à época era Simão Jatene (PSDB), um
velho aliado de Claudomiro, que o ajudou a se eleger prefeito de Altamira pela
primeira vez, nos anos 90.
Na
prática, a área foi privatizada. Desde 2007, corre na Justiça uma ação de
nulidade movida pelo Ministério Público do Pará (MP-PA) pedindo a suspensão da
resolução que criou o parque pesqueiro.
O
caso é um dos destaques do dossiê “Os Gigantes“, publicado em setembro pelo De
Olho nos Ruralistas. O relatório analisa as políticas ambientais — e os
conflitos de interesses — nos cem maiores municípios do país.
INDÍGENAS
RELATAM AMEAÇAS DIRETAS DO PREFEITO
Nossa
reportagem acessou a íntegra da ação do MP-PA contra Claudomiro Gomes. Nos
vários testemunhos transcritos nas mais de 2 mil páginas do processo, indígenas
e ribeirinhos relatam que o governo estadual empregou a Polícia Militar para
impedir que eles pescassem na região, afetando a soberania alimentar e
impactando a renda das comunidades. Alguns relatos indicam que policiais
queimaram os barcos de ribeirinhos que insistiram em manter a pesca artesanal
na região.
Uma
das testemunhas garante que o prefeito tomava parte direta nas ameaças:
—
(…) o declarante informa que o Claudomiro, certa vez conversando com ele, o
proibiu de caçar e pescar no citado sítio pesqueiro; que Claudomiro também
proibiu o Sr. Manoel Juruna, os índios do Rio Bacajá; que o declarante informa
que certa vez foi avisado para não chegar a utilizar a área do sítio pesqueiro,
senão eles (policiais) o pegariam; que o Claudomiro pretendia colocar guaritas
no rio Xingu para impedir de pescadores entrarem na área do sítio pesqueiro, e
também impedir os índios de pescarem; que o declarante já chegou a ver os
policiais na estrada, devidamente armados e fardados, para apreender materiais
de pesca; que Manoel Juruna certa vez foi expulso de um local de pescaria por
funcionários do Claudomiro; que Manoel Juruna é índio da tribo Juruna e também
sobrevive da caça e pesca de subsistência.
A
pousada de Claudomiro continua em operação, recebendo turistas do Brasil e do
mundo. Em 2019, o político renovou uma parceria com a FishTV, maior canal de
pesca do país, para receber gravações de programas da emissora. Sob a razão
social C. G. da Silva Empreendimentos Turísticos, a empresa aparece na
declaração de bens do prefeito em 2020, totalizada em R$ 1 milhão. O valor
declarado pela pousada de luxo? Apenas R$ 20 mil, mesma quantia submetida ao
TSE em 2024, na campanha de reeleição. Ao todo, o candidato declarou R$ 1,76
milhão em patrimônio, sendo 56% referentes a fazendas e imóveis rurais, que
totalizam 965 hectares.
O
processo contra Claudomiro tramita na 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária do
Pará. A última movimentação data de fevereiro, quando a Procuradoria-Geral do
estado cobrou a ausência de representantes do governo do Pará em uma audiência
de conciliação realizada em agosto de 2023.
• Candidato
único por duas eleições, prefeito de Marcelândia (MT) acumula gado, armas de
fogo e multas ambientais
Nas
eleições de 2020, um voto seria suficiente para garantir que o empresário Celso
Padovani (DEM), único candidato à Prefeitura de Marcelândia, fosse eleito. Em
2024, o cenário se repete e Padovani participa sozinho da corrida eleitoral,
agora candidato pelo União Brasil.
Localizada
na região nordeste do estado do Mato Grosso e a 688 quilômetros de Cuiabá,
Marcelândia integra a lista dos municípios que mais desmatam a Amazônia, de
acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Desde 2007, o ministério estabelece uma relação dos municípios prioritários
para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento pelo Plano de
Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
Essas localidades são monitoradas anualmente. Atualmente, a lista conta com 70
municípios, responsáveis por quase 80% da devastação do bioma.
Com
uma população de aproximadamente 11 mil habitantes, Marcelândia ocupa a 97ª
posição entre os 100 maiores do país em extensão territorial, de acordo com
levantamento do relatório Os Gigantes, realizado pelo Observatório De olho nos
Ruralistas. São mais de 1,2 milhões hectares, o equivalente ao país europeu de
Montenegro.
Quase
20% dessa área é ocupada por pastagens. Parte delas, em nome do prefeito.
Embora na ficha eleitoral registrada no sistema do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) Padovani esteja identificado como empresário, ele é dono de terras e de
bois. Na declaração apresentada ao TSE em 2020, o candidato tinha três fazendas
e 1.694 cabeças de gado, entre outros bens com valor total de R$
10.539.466,84.
Quatro
anos depois e com o patrimônio acrescido de mais de R$ 5,5 milhões, Padovani
declarou três fazendas em Marcelândia e uma em Nova Santa Helena (MT) onde, em
2011, foi autuado pelo Instituo Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Renováveis (Ibama) por desmatar 54 hectares de floresta nativa em área de
reserva legal e multado em R$ 272.680. Ele entrou com recurso contra a punição,
que está em análise.
Em
2018, Padovani recebeu outra autuação do instituto, desta vez por desmatar 181
hectares de Floresta Amazônica na área da fazenda Novo Horizonte, em
Marcelândia, imóvel que consta na declaração de bens do candidato. O valor da
multa ficou em R$ 910.000. Também em 2018, ele foi multado em R$ 311.500 por
apresentar informação parcialmente enganosa no Sistema de Cadastro Ambiental
Rural (Sicar-MT). Os casos seguem em aberto, em trâmite na Justiça.
Enquanto
isso, seu rebanho cresce, saltando para 2.925 cabeças em 2024, o que
corresponde a 1,3% do total de bois do município. Em 2022, o rebanho total de
Marcelândia era de 224.009 cabeças de gado, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Uma
coleção de dez armas de fogo, entre elas um fuzil no valor de R$ R$ 17 mil,
engrossam o caldo do patrimônio declarado em 2024 pelo futuro prefeito de
Marcelândia. Espingardas, revólveres e pistolas compõem o arsenal.
Em
um vídeo publicado no Instagram, o candidato comenta o que considera um mérito
da sua gestão. "Aquela briga política em Marcelândia, que era terrível, se
acabou", diz.
Em
2020, Padovani recebeu 1.244 votos. A eleição em Marcelândia naquele ano teve
28,85% de abstenção, 6,81% de votos brancos e 8,76% votos nulos.
O
Brasil de Fato tentou contato com Celso Padovani, mas não recebeu retorno até o
fechamento da reportagem. Em caso de resposta, o texto será atualizado.
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Outro caso
No
município de Apiacás, a 964 quilômetros de Cuiabá, no extremo norte do Mato
Grosso, o candidato à reeleição Julio Cesar dos Santos (MDB) também é o único a
pleitear o cargo de prefeito. Em 2020, quando disputou o posto com Ramilton
Luna de Alencar (PP), Julio foi eleito com 55,45% dos votos. Naquele ano,
declarou um patrimônio no valor total de R$ 5.340.953,29.
Em
2024, o patrimônio saltou para R$ 6.453.415,82. Entre os acréscimos, estão
1.076 cabeças de gado. Na ficha eleitoral de 2020, a profissão de Julio era de
administrador, substituída em 2024 pela de prefeito. Assim como Padovani, o
candidato não se define como pecuarista ou fazendeiro, embora seja dono de
grandes extensões de terra.
Com
8.590 habitantes, Apiacás também faz parte da lista dos maiores desmatadores da
Amazônia e, assim como Marcelândia, ficou de fora do programa União com
Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais na Amazônia. O
município ocupa a 54ª posição entre os maiores do Brasil.
O
programa União com Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios
Florestais na Amazônia, lançado em 2024 pelo MMA, prevê benefícios financeiros
às prefeituras que reduzirem as taxas de desmatamento. Dos 70 municípios da
lista dos maiores desmatadores da Amazônia, 22 ficaram de fora do programa,
sendo 14 comandados por prefeitos fazendeiros.
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Deixou a lista, mas voltou
De
acordo com o dossiê Os Gigantes, as políticas ambientais em Marcelândia tiveram
um breve período de êxito. Em 2013, o município deixou a lista de municípios
prioritários para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento.
A conquista foi fruto de uma bem-sucedida política de controle estabelecida por
Adalberto Diamante (PR), prefeito entre 2005 e 2012.
Na
administração seguinte, de Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), as ações
regrediram, levando Marcelândia de volta à relação dos maiores desmatadores da
Amazônia, formalizada em portaria de 2018. Sob Arnóbio, a perda florestal anual
saltou de 12 km², quando assumiu, para 112 km² em 2020 – posicionando o
município entre os vinte maiores desmatadores da Amazônia naquele ano.
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Candidatos únicos
No
estado do Mato Grosso, nove municípios contam com candidato único para o cargo
de prefeito nas eleições de 2024. No Brasil, são 214 municípios com apenas um
candidato, segundo um levantamento feito pela Confederação Nacional dos
Municípios (CNM). A maior parte dos casos está no Rio Grande do Sul, onde 43
municípios terão somente um candidato a prefeito.
Na
análise percentual, o Mato Grosso fica em terceiro lugar entre os estados com
mais localidades com candidatos únicos.
Pela
legislação eleitoral, o pleito para os cargos do Executivo (prefeito,
governador e presidente) segue o sistema majoritário, em que ganha a candidata
ou o candidato que receber a maioria dos votos válidos (excluídos brancos e
nulos). Com isso, no caso de candidatura única, basta um voto para que a pessoa
seja eleita.
Fonte:
De Olho nos Ruralistas/Brasil de Fato
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