sábado, 5 de outubro de 2024

Os Gigantes: prefeito de Altamira impediu indígenas e ribeirinhos de pescarem na Volta Grande do Xingu

Altamira, no Pará, não é apenas o maior município brasileiro: é a maior jurisdição local do planeta. Com 159.533,31 km², sua área é equivalente a Bangladesh. Se fosse um país, seria o 92º maior do mundo — maior que Grécia, Portugal ou Panamá. Ali vivem 126 mil pessoas — 6 mil delas indígenas.

Entre janeiro de 2021 e junho de 2024, Altamira perdeu 1.549,07 km² de florestas — o tamanho do município de São Paulo. O período vai do primeiro mês de mandato dos prefeitos eleitos em 2020 até o último com dados disponíveis na plataforma MapBiomas Alerta. O território devastado equivale a quase 1% da área total do município. Esse desmatamento atinge, principalmente, as terras indígenas, com destaque para a TI Ituna/Itatá, uma das mais invadidas do Brasil.

O prefeito de Altamira, Claudomiro Gomes (PP), possui um longo histórico de conflito com povos originários e ribeirinhos na região da Volta Grande, distrito de Belo Monte — o mesmo da usina. Ele é candidato à reeleição e aparece em terceiro nas pesquisas de intenção de voto.

Em junho de 2005, o Conselho Estadual de Meio Ambiente do Pará expediu a Resolução Coema nº 30, que criou uma área especial para pesca esportiva chamada Sítio Pesqueiro Turístico Estadual Volta Grande do Xingu, com superfície total de 278,64 km². O principal beneficiário da resolução foi Claudomiro: ele é dono de uma pousada dedicada à pesca esportiva, a Pousada Rio Xingu, localizada no centro da área demarcada. O governador à época era Simão Jatene (PSDB), um velho aliado de Claudomiro, que o ajudou a se eleger prefeito de Altamira pela primeira vez, nos anos 90.

Na prática, a área foi privatizada. Desde 2007, corre na Justiça uma ação de nulidade movida pelo Ministério Público do Pará (MP-PA) pedindo a suspensão da resolução que criou o parque pesqueiro.

O caso é um dos destaques do dossiê “Os Gigantes“, publicado em setembro pelo De Olho nos Ruralistas. O relatório analisa as políticas ambientais — e os conflitos de interesses — nos cem maiores municípios do país.

INDÍGENAS RELATAM AMEAÇAS DIRETAS DO PREFEITO

Nossa reportagem acessou a íntegra da ação do MP-PA contra Claudomiro Gomes. Nos vários testemunhos transcritos nas mais de 2 mil páginas do processo, indígenas e ribeirinhos relatam que o governo estadual empregou a Polícia Militar para impedir que eles pescassem na região, afetando a soberania alimentar e impactando a renda das comunidades. Alguns relatos indicam que policiais queimaram os barcos de ribeirinhos que insistiram em manter a pesca artesanal na região.

Uma das testemunhas garante que o prefeito tomava parte direta nas ameaças:

— (…) o declarante informa que o Claudomiro, certa vez conversando com ele, o proibiu de caçar e pescar no citado sítio pesqueiro; que Claudomiro também proibiu o Sr. Manoel Juruna, os índios do Rio Bacajá; que o declarante informa que certa vez foi avisado para não chegar a utilizar a área do sítio pesqueiro, senão eles (policiais) o pegariam; que o Claudomiro pretendia colocar guaritas no rio Xingu para impedir de pescadores entrarem na área do sítio pesqueiro, e também impedir os índios de pescarem; que o declarante já chegou a ver os policiais na estrada, devidamente armados e fardados, para apreender materiais de pesca; que Manoel Juruna certa vez foi expulso de um local de pescaria por funcionários do Claudomiro; que Manoel Juruna é índio da tribo Juruna e também sobrevive da caça e pesca de subsistência.

A pousada de Claudomiro continua em operação, recebendo turistas do Brasil e do mundo. Em 2019, o político renovou uma parceria com a FishTV, maior canal de pesca do país, para receber gravações de programas da emissora. Sob a razão social C. G. da Silva Empreendimentos Turísticos, a empresa aparece na declaração de bens do prefeito em 2020, totalizada em R$ 1 milhão. O valor declarado pela pousada de luxo? Apenas R$ 20 mil, mesma quantia submetida ao TSE em 2024, na campanha de reeleição. Ao todo, o candidato declarou R$ 1,76 milhão em patrimônio, sendo 56% referentes a fazendas e imóveis rurais, que totalizam 965 hectares.

O processo contra Claudomiro tramita na 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Pará. A última movimentação data de fevereiro, quando a Procuradoria-Geral do estado cobrou a ausência de representantes do governo do Pará em uma audiência de conciliação realizada em agosto de 2023.

 

•                                         Candidato único por duas eleições, prefeito de Marcelândia (MT) acumula gado, armas de fogo e multas ambientais

Nas eleições de 2020, um voto seria suficiente para garantir que o empresário Celso Padovani (DEM), único candidato à Prefeitura de Marcelândia, fosse eleito. Em 2024, o cenário se repete e Padovani participa sozinho da corrida eleitoral, agora candidato pelo União Brasil.

Localizada na região nordeste do estado do Mato Grosso e a 688 quilômetros de Cuiabá, Marcelândia integra a lista dos municípios que mais desmatam a Amazônia, de acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Desde 2007, o ministério estabelece uma relação dos municípios prioritários para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento pelo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Essas localidades são monitoradas anualmente. Atualmente, a lista conta com 70 municípios, responsáveis por quase 80% da devastação do bioma.

Com uma população de aproximadamente 11 mil habitantes, Marcelândia ocupa a 97ª posição entre os 100 maiores do país em extensão territorial, de acordo com levantamento do relatório Os Gigantes, realizado pelo Observatório De olho nos Ruralistas. São mais de 1,2 milhões hectares, o equivalente ao país europeu de Montenegro.

Quase 20% dessa área é ocupada por pastagens. Parte delas, em nome do prefeito. Embora na ficha eleitoral registrada no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Padovani esteja identificado como empresário, ele é dono de terras e de bois. Na declaração apresentada ao TSE em 2020, o candidato tinha três fazendas e 1.694 cabeças de gado, entre outros bens com valor total de R$ 10.539.466,84. 

Quatro anos depois e com o patrimônio acrescido de mais de R$ 5,5 milhões, Padovani declarou três fazendas em Marcelândia e uma em Nova Santa Helena (MT) onde, em 2011, foi autuado pelo Instituo Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) por desmatar 54 hectares de floresta nativa em área de reserva legal e multado em R$ 272.680. Ele entrou com recurso contra a punição, que está em análise.

Em 2018, Padovani recebeu outra autuação do instituto, desta vez por desmatar 181 hectares de Floresta Amazônica na área da fazenda Novo Horizonte, em Marcelândia, imóvel que consta na declaração de bens do candidato. O valor da multa ficou em R$ 910.000. Também em 2018, ele foi multado em R$ 311.500 por apresentar informação parcialmente enganosa no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar-MT). Os casos seguem em aberto, em trâmite na Justiça.

Enquanto isso, seu rebanho cresce, saltando para 2.925 cabeças em 2024, o que corresponde a 1,3% do total de bois do município. Em 2022, o rebanho total de Marcelândia era de 224.009 cabeças de gado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Uma coleção de dez armas de fogo, entre elas um fuzil no valor de R$ R$ 17 mil, engrossam o caldo do patrimônio declarado em 2024 pelo futuro prefeito de Marcelândia. Espingardas, revólveres e pistolas compõem o arsenal.

Em um vídeo publicado no Instagram, o candidato comenta o que considera um mérito da sua gestão. "Aquela briga política em Marcelândia, que era terrível, se acabou", diz. 

Em 2020, Padovani recebeu 1.244 votos. A eleição em Marcelândia naquele ano teve 28,85% de abstenção, 6,81% de votos brancos e 8,76% votos nulos.

O Brasil de Fato tentou contato com Celso Padovani, mas não recebeu retorno até o fechamento da reportagem. Em caso de resposta, o texto será atualizado. 

<><> Outro caso

No município de Apiacás, a 964 quilômetros de Cuiabá, no extremo norte do Mato Grosso, o candidato à reeleição Julio Cesar dos Santos (MDB) também é o único a pleitear o cargo de prefeito. Em 2020, quando disputou o posto com Ramilton Luna de Alencar (PP), Julio foi eleito com 55,45% dos votos. Naquele ano, declarou um patrimônio no valor total de R$ 5.340.953,29. 

Em 2024, o patrimônio saltou para R$ 6.453.415,82. Entre os acréscimos, estão 1.076 cabeças de gado. Na ficha eleitoral de 2020, a profissão de Julio era de administrador, substituída em 2024 pela de prefeito. Assim como Padovani, o candidato não se define como pecuarista ou fazendeiro, embora seja dono de grandes extensões de terra. 

Com 8.590 habitantes, Apiacás também faz parte da lista dos maiores desmatadores da Amazônia e, assim como Marcelândia, ficou de fora do programa União com Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais na Amazônia. O município ocupa a 54ª posição entre os maiores do Brasil. 

O programa União com Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais na Amazônia, lançado em 2024 pelo MMA, prevê benefícios financeiros às prefeituras que reduzirem as taxas de desmatamento. Dos 70 municípios da lista dos maiores desmatadores da Amazônia, 22 ficaram de fora do programa, sendo 14 comandados por prefeitos fazendeiros. 

<><> Deixou a lista, mas voltou

De acordo com o dossiê Os Gigantes, as políticas ambientais em Marcelândia tiveram um breve período de êxito. Em 2013, o município deixou a lista de municípios prioritários para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento. A conquista foi fruto de uma bem-sucedida política de controle estabelecida por Adalberto Diamante (PR), prefeito entre 2005 e 2012. 

Na administração seguinte, de Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), as ações regrediram, levando Marcelândia de volta à relação dos maiores desmatadores da Amazônia, formalizada em portaria de 2018. Sob Arnóbio, a perda florestal anual saltou de 12 km², quando assumiu, para 112 km² em 2020 – posicionando o município entre os vinte maiores desmatadores da Amazônia naquele ano.

<><> Candidatos únicos

No estado do Mato Grosso, nove municípios contam com candidato único para o cargo de prefeito nas eleições de 2024. No Brasil, são 214 municípios com apenas um candidato, segundo um levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A maior parte dos casos está no Rio Grande do Sul, onde 43 municípios terão somente um candidato a prefeito. 

Na análise percentual, o Mato Grosso fica em terceiro lugar entre os estados com mais localidades com candidatos únicos. 

Pela legislação eleitoral, o pleito para os cargos do Executivo (prefeito, governador e presidente) segue o sistema majoritário, em que ganha a candidata ou o candidato que receber a maioria dos votos válidos (excluídos brancos e nulos). Com isso, no caso de candidatura única, basta um voto para que a pessoa seja eleita.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas/Brasil de Fato

 

Nenhum comentário: