A luta de
indígenas da Amazônia para sobreviver a incêndios recorde
"Se
esses incêndios continuarem, nós, indígenas, vamos morrer."
Raimundinha
Rodrigues de Sousa comanda o serviço voluntário de bombeiros da comunidade
indígena Caititu, na Amazônia.
Essas
terras são protegidas, segundo a Constituição. Mas elas estão pegando fogo há
mais de 15 dias.
Para
o grupo de voluntários, essa luta parece pessoal.
"Agora,
[o fogo] mata as plantas; daqui a pouco, seremos nós, porque inalamos muito
[fumaça]”, lamenta ela.
“É
um fogo muito agressivo, que mata tudo que vê em seu caminho.”
Seu
pai, Ademar, conta que a fumaça constante lhe causou problemas respiratórios.
“Não
consigo dormir por falta de ar. Isso me faz acordar, sinto como se estivesse me
afogando”, diz ele.
A
Amazônia tem atualmente a sua pior situação com incêndios florestais em duas
décadas.
Mais
de 62 mil km² já foram queimados este ano — uma área maior do que países como
Sri Lanka e Costa Rica.
O
mundo depende da Amazônia para absorver muito de seu carbono. E os incêndios
fazem com que a região esteja emitindo, agora, quantidades recordes.
A
maioria dos incêndios aqui é iniciada ilegalmente por pessoas, de acordo com
cientistas, a Polícia Federal e o governo: madeireiros e garimpeiros que buscam
explorar terras, ou fazendeiros transformando-as em pasto.
É
muito mais raro que incêndios ocorram naturalmente nessa floresta tropical
úmida.
Muitos
incêndios invadem unidades de conservação e terras indígenas, seja por saírem
acidentalmente do controle ou por tentativas deliberadas de tomar terras.
Raimundinha
diz que, quando sua brigada chega ao local de um incêndio, eles geralmente
encontram garrafas de gasolina e fósforos.
Enquanto
ela fala, ela avista outra coluna de fumaça entre algumas árvores.
Ela
tem certeza de que aquele fogo foi iniciado deliberadamente, pois o grupo de
voluntários tinha acabado de apagar os incêndios ali e criado uma barreira
natural para impedir que se espalhassem.
Sua
equipe vai inspecionar o local. Conforme nos aproximamos, sentimos um cheiro
marcante de fumaça.
A
paisagem no caminho para o incêndio é como um cemitério de árvores, totalmente
destruídas e enegrecidas.
A
floresta tropical aqui mal merece seu nome. As árvores ainda de pé estão
carbonizadas e deformadas como fósforos queimados. O chão está coberto de
cinzas brancas, como os restos de um churrasco.
A
equipe de Raimundinha tenta apagar as chamas com mangueiras presas a pequenos
recipientes de plástico que usam como mochilas. A água é limitada, então eles
precisam ser seletivos.
O
problema é que, assim que um foco de incêndio é apagado, outro começa.
O
cacique Zé Bajaga diz que a maioria desses incêndios são criminosos, provocados
por pessoas que "não querem mais o bem-estar da humanidade ou da
natureza".
Ele
culpa a falta de "humanidade".
Nos
últimos anos, o desmatamento diminuiu na Amazônia. Mas, apesar das tentativas
de repressão por autoridades, a ilegalidade ainda é abundante, e a presença do
Estado parece mínima.
Parte
da Amazônia é de propriedade privada de indivíduos ou empresas.
Por
lei, proprietários privados devem conservar 80% da floresta tropical em suas
terras e podem intervir nos 20% restantes. Mas isso não é bem policiado.
Parte
das terras é classificada como unidade de conversação, de propriedade do
Estado, ou como reserva indígena.
Algumas
terras, no entanto, não têm propriedade totalmente designada — não são de
propriedade privada de ninguém, mas tampouco foram protegidas como unidade de
conservação.
Essas
áreas são particularmente vulneráveis a grilagens de terras. Em todos os
lugares pelos quais você dirige ou sobrevoa no sul do Amazonas, são visíveis
garimpos, madeireiros e fazendas.
Dorismar
Luiz Baruffi, um produtor de soja baseado na cidade de Humaitá, no Amazonas, é
dono de suas terras há muitos anos.
Ele
é contra os incêndios, mas pode explicar por que a agricultura
"explodiu" na Amazônia.
No
cerne do argumento dele e de outros está a crença de que mais terras devem ser
produtivas, não apenas protegidas.
“O
crescimento populacional aumentou o plantio aqui. Comecei aqui porque a região
é boa, chove bem aqui”, ele explica.
“Acredito
que se você estiver trabalhando dentro da lei, não há problema. É um lugar que
fornece alimentos. É um Estado que pode produzir muito. Acho que ainda há muita
terra para ser cultivada aqui no Amazonas.”
O
desmatamento é ruim para os agricultores. Quanto menos árvores houver, menos
vapor de água será emitido para trazer chuva para suas plantações — para as
quais alguns agricultores queimam terras para abrir espaço.
“Nos
saímos mal este ano por causa da seca”, desabafa o agricultor.
Os
incêndios podem ter sido iniciados principalmente por humanos, mas foram
agravados pela pior seca do Brasil, que transformou a vegetação normalmente
úmida em um barril de pólvora seca.
A
seca fez os rios caírem para níveis historicamente baixos, e quase 60% do país
está sob estresse por causa da seca.
Os
rios, em alguns trechos, estão completamente áridos e lembram um deserto
ressecado.
João
Mendonça e sua comunidade vivem perto do rio.
Mas
com o leito seco, eles não conseguem mais navegar, fazendo com que fiquem
isolados de cidades e vilas próximas.
Todos
os dias, ao amanhecer, eles agora devem andar até a cidade mais próxima para
encher galões de água.
Aqui,
botos podem ser vistos saindo do rio e araras-azuis voando.
No
caminho para buscar água, João e seus companheiros de vilarejo levam galões nas
costas, queimam os pés no leito seco do rio e ocasionalmente passam por animais
mortos, como tartarugas.
Eles
fazem essa jornada várias vezes ao dia em um calor escaldante.
“É
a pior seca que já vi na minha vida”, diz João. “Trouxe muitas consequências… a
ausência de comida na mesa dos ribeirinhos é uma delas. Os peixes acabaram.”
“Uma
das maiores dificuldades é o acesso à cidade. Agora, o rio está seco. Tem
idosos, pessoas com doenças crônicas que precisam fazer esse trajeto.”
Sandra
Gomes Vieira, que tem uma doença renal, está entre os isolados.
“Antes,
era mais fácil quando eu estava me sentindo mal. Meu marido me colocava em uma
canoa que chegava na cidade. Agora, preciso andar na areia para chegar lá. Tem
dias que não consigo fazer nada, preciso de pessoas para me carregar”, diz ela.
Uma
de suas três filhas teve que abandonar a escola.
"Ela
não está estudando porque não conseguiu andar naquela areia no calor. Ela se
sentiu mal."
A
seca também está dificultando a subsistência.
“Vivemos
de vender os produtos que cultivamos. Agora, meus produtos estão estragando. E
não há como levá-los para a cidade", diz Sandra.
O
impacto desses incêndios e da seca na vida das pessoas no Amazonas é claro, mas
a mensagem deles também é.
“Tem
gente que nem liga para esse tipo de coisa”, diz Raimundinha Rodrigues de
Sousa, que luta contra os incêndios todos os dias.
“Eles
estão simplesmente fazendo isso sem pensar no amanhã. Mas para você viver na
natureza, você deve cuidar dela.”
Fonte:
Por Ione Wells, correspondente da BBC News na América do Sul
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