O aumento
dos exames de câncer de mama salva vidas? Os médicos não têm tanta certeza
Em
pleno Outubro Rosa, mês de conscientização e prevenção de câncer de mama, é
importante entender que medidas e exames são realmente apropriados para cada
mulher. Aproximadamente metade das mulheres norte-americanas com mais de 40
anos tem o que é conhecido como mamas densas, o que torna as mamografias de
rastreamento menos eficazes na detecção de câncer de mama.
No
entanto, em abril de 2024, a United States Preventive Services Task Force
(Uspstf), o grupo encarregado de fazer recomendações de saúde pública dos
Estados Unidos, declarou que as evidências atuais são insuficientes para
determinar se essas mulheres podem se beneficiar de exames adicionais com
ultrassonografia das mamas ou ressonância magnética (MRI).
O
motivo? Poucos ensaios clínicos randomizados e plurianuais foram realizados
para mostrar que esses exames complementares salvam vidas, de acordo com a
revisão de evidências da força-tarefa. O grupo fez uma descoberta semelhante em
sua recomendação anterior em 2016.
Os
revisores “não conseguiram encontrar nenhum estudo em que pudessem mostrar
claramente se a ressonância magnética suplementar ou o ultrassom suplementar
relataram evidências de redução da progressão para o câncer avançado”, afirma
John Wong, professor de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Tufts
(em Massachusetts) e vice-presidente da Uspstf, que ajudou a elaborar as novas
recomendações sobre o câncer de mama que também reduziram a idade em que a
maioria das mulheres deve começar a fazer mamografias de rastreamento
semestrais de 50 para 40 anos.
As
mamas densas contêm níveis mais altos de tecido fibroso e glandular junto com a
gordura que dá aos seios seu tamanho e forma. A questão da triagem suplementar
é importante porque a maior densidade está associada a um risco até seis vezes
maior de desenvolver câncer de mama.
Ao
realizar uma mamografia em tecido mamário denso, “há mais interferência”, diz
Kelsey Hampton, diretora de educação da fundação sem fins lucrativos de
pesquisa e defesa do câncer de mama Susan G. Komen, com sede em Dallas, no
Texas, Estados Unidos. “É como tentar olhar através de uma jarra de vidro cheia
de água limpa em comparação com uma jarra de vidro cheia de água com cubos de
gelo. Você ainda pode ver coisas, mas é mais difícil ver com o mesmo nível de
detalhe.” Ainda assim, diz ela, as mamografias são importantes para essas
mulheres.
Muitos
ginecologistas prescrevem rotineiramente ultrassom suplementar ou ressonância
magnética junto com a mamografia em mulheres com diagnóstico de mama densa. A
nova classificação de “evidência insuficiente”, ou “I”, da força-tarefa não
significa que nenhuma mulher se beneficiará do exame complementar.
“Estamos
pedindo urgentemente mais pesquisas sobre se e como o rastreamento adicional
pode ajudar as mulheres com mamas densas a encontrar cânceres mais cedo”,
relata a declaração final de recomendação.
No
entanto, a classificação provavelmente confundirá os médicos sobre a
possibilidade de continuar prescrevendo o exame adicional e se algumas
seguradoras e planos de saúde poderão cancelar a cobertura para ele, afirma
Wendie Berg, uma ilustre professora de radiologia da Universidade de Pittsburgh
que discorda da posição da força-tarefa. Berg chama a classificação I da
força-tarefa de “impressionante”, pois acredita que as evidências atuais são
suficientes para recomendar esses exames.
• Os
métodos de triagem são pouco financiados
Os
estudos iniciais sobre suplementos para mamografias remontam a mais de 20 anos.
Entretanto, nas décadas seguintes, foram feitas poucas pesquisas para convencer
a Uspstf de que vale a pena fazer um exame adicional.
No
entanto, em comparação com muitas outras condições médicas, o câncer de mama é
um campo de pesquisa bem financiado. A doença recebeu mais financiamento
globalmente do que outros tipos de câncer entre 2015 e 2020, cerca de 2,7
bilhões de dólares, de acordo com um estudo publicado na revista científica
Lancet.
Todos
os anos, o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos dedica mais de meio
bilhão de dólares à pesquisa sobre o câncer de mama, e esse valor é
complementado pelo financiamento de organizações sem fins lucrativos como a
Komen, que apoiou mais de 550 testes clínicos que custaram mais de um bilhão de
dólares desde 1982, de acordo com a organização.
A
pesquisa de rastreamento não recebe a maior parte desses fundos, segundo o
estudo da Lancet. A grande maioria foi destinada ao estudo da biologia do
câncer, seguido de tratamento medicamentoso, imunoterapia e cirurgia.
Ao
fazer sua avaliação, a força-tarefa avaliou um punhado de estudos randomizados
de rastreamento que acompanharam o impacto dos exames complementares.
Em
um deles, por exemplo, pesquisadores japoneses estudaram um grupo de 70 mil
mulheres com todos os níveis de densidade mamária e designaram aleatoriamente
metade delas para um grupo que recebeu ultrassom de triagem mais mamografia ou
apenas mamografia.
Nos
meses seguintes a uma rodada de triagem, eles não encontraram diferenças nos
chamados cânceres de intervalo, uma medida usada para demonstrar o benefício
potencial de uma ferramenta de triagem. Esse estudo está em andamento, e
rodadas adicionais de exames podem produzir resultados diferentes.
Pesquisadores
dos Países Baixos também estão no meio de um estudo de vários anos. Até o
momento, eles publicaram os resultados de duas rodadas de exames de ressonância
magnética que incluíram cerca de 3500 mulheres com mamas extremamente densas
cujas mamografias foram negativas. Na segunda rodada, foram detectados seis
cânceres adicionais para cada mil mulheres.
Mas
o teste também sinalizou 26 casos como cânceres em potencial que não eram.
Esses falsos positivos exigem procedimentos adicionais desnecessários,
acompanhados de maior ansiedade. Essa taxa foi menor do que a dos falsos
positivos na primeira rodada, em que ocorreram quase 80 casos.
O
aumento das taxas de detecção por si só não indica benefícios para as técnicas,
explica Wong. Por exemplo, se os cânceres sinalizados pela triagem suplementar
tiverem crescimento lento, eles provavelmente poderiam ser tratados com a mesma
eficácia se tivessem sido detectados na próxima mamografia programada
regularmente.
“Quando
você olha com mais atenção, você vê mais”, diz Wong. “Mas existe um benefício
definitivo, em que os pacientes podem claramente viver mais tempo com esse
exame suplementar positivo? Ainda não chegamos lá.”
• Alguns
estudos excluídos
Nem
todos concordam que as evidências são inconclusivas. A European Society of
Breast Imaging defende o rastreamento suplementar com ressonâncias magnéticas a
cada dois ou quatro anos para mulheres com mamas extremamente densas. E o
American College of Radiology recomenda que as mulheres com risco de câncer de
mama acima da média façam exames anuais com mamografias e RMs suplementares.
Berg
ficou desapontado com o fato de a força-tarefa ter excluído alguns estudos de
sua avaliação por não serem ensaios clínicos randomizados. Um dos estudos
excluídos envolve mais de mil mulheres com mamas densas que se submeteram a
duas mamografias anuais complementadas por uma RM.
Nessa
pesquisa, quatro cânceres adicionais foram detectados com a RM, muitos deles
invasivos. Outros estudos descobriram que os ultrassons de triagem detectam, em
média, de dois a três cânceres adicionais a cada mil, muitos deles invasivos.
Berg
está convencido de que todas as pesquisas em conjunto apoiam o rastreamento
suplementar e criou um site para educar pacientes e médicos.
Algumas
mulheres receberão resultados falso-positivos que exigirão acompanhamento
desnecessário, ela admite. Mas em uma revisão publicada em 2019, ela afirma que
o treinamento cuidadoso dos técnicos, juntamente com o aumento do uso de
leituras complementares de radiologistas com inteligência artificial, pode
minimizar essa taxa.
• Preocupações
com convênios médicos
As
mulheres devem conversar com seus profissionais de saúde para entender tanto o
nível de densidade da mama quanto o risco geral de câncer de mama, diz Hampton.
A densidade pode mudar com o tempo, especialmente quando as pessoas envelhecem,
mudam o peso corporal, engravidam ou amamentam, ou fazem terapia hormonal na
menopausa.
As
pessoas com mamas densas devem conversar sobre a prescrição de um exame
suplementar juntamente com a mamografia, diz Berg. A ressonância magnética é
mais eficaz do que o ultrassom, mas a tecnologia não está tão amplamente
disponível e o custo para a paciente pode ser mais alto.
Algumas
pessoas recusam exames de ressonância magnética por outros motivos. Eles foram
oferecidos gratuitamente no estudo holandês, mas 40% das mulheres recusaram,
citando a inconveniência, a preocupação com a injeção da agulha que insere o
material de contraste e a claustrofobia enquanto estão na máquina.
Nos
Estados Unidos, o fato de os exames complementares serem cobertos pelo seguro
de saúde juntamente com as mamografias varia de acordo com a legislação
estadual. Alguns observadores temem que as seguradoras possam usar a
classificação I da Uspstf como justificativa para mudanças.
“Existe
a possibilidade de que, ao classificar esses serviços suplementares como
inconclusivos, isso possa fazer com que as seguradoras deixem de cobrir esses
serviços”, comenta Hampton.
Berg
acredita que a detecção precoce do câncer de mama é tão importante que as
mulheres com mamas densas não devem ser dissuadidas pela classificação da
instituição. “A mulher deve ter informações suficientes para fazer sua própria
escolha e pedir ao médico a prescrição, se ela quiser”, diz ela. “Esse é o
ponto principal.”ne.”
Fonte:
National Geographic Brasil
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