segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Assembleia da ONU termina criticada por servir de  instrumento de política externa dos Estados Unidos

Perda de legitimidade ou reestruturação? A Assembleia Geral da ONU realizada na última semana recebeu críticas tanto de líderes progressistas como de conservadores para o modelo de organização das Nações Unidas em meio a guerras, conflitos e, para alguns países, sanções econômicas. Para o bloco de países que vivem sob o embargo, a ONU tem sido ineficiente em combater essas medidas usadas de maneira ilegal, o que criou uma descredibilidade junto a uma parte considerável dos países-membros.

A aplicação de sanções está prevista na Carta das Nações Unidas, documento responsável pela fundação da ONU. De acordo com o artigo 41 do texto, esse tipo de medida deverá ser aprovado pelo Conselho de Segurança. Mas países como Venezuela, Cuba, Rússia e Irã são alvos de bloqueios econômicos e diplomáticos decididos de maneira unilateral por Estados Unidos e União Europeia, ou seja, receberam sanções sem que isso tenha sido aprovado pelas vias oficiais, o Conselho de Segurança.

De acordo com o Observatório Antibloqueio da Venezuela, 30 países estavam sancionados em todo o mundo até setembro de 2024. Ao todo, 31.150 sanções são impostas principalmente por EUA e UE, sendo 97% delas concentradas em 9 países e os outros 3% sobre 21 países. De acordo com o levantamento, a Venezuela é alvo hoje de 947 sanções. Quem lidera o ranking é a Rússia, com 22.230 medidas, seguida por Irã (2.726), Síria (1.360) e Ucrânia (1.187).

Para Sair Sira, analista político do grupo Missão Verdade, as sanções são usadas de maneira política e acabam descredibilizando a ONU e o Conselho de Segurança, que são os instrumentos com autoridade para aplicar esse tipo de medida.

“O fato de que os EUA estão usando as sanções como ferramenta da política exterior acelera esse processo de descrédito e de desconfiança nas instituições internacionais. Porque quando Bretton Woods criou o Banco Mundial e foi criado o Fundo Monetário Internacional, eles eram instrumentos da comunidade internacional. Hoje eles são instrumentos hegemônicos das potências para justamente aplicar essas medidas e controlar o sistema financeiro e a política econômica de outros países”, afirmou ao Brasil de Fato.

De acordo com ele, os Estados Unidos bloqueiam alguns países sem sequer usar os critérios definidos pela ONU, de desestabilização da paz internacional. Esse é o caso da Venezuela, que foi bloqueada pela política interna do país.

“Os critérios pelos quais se sanciona Venezuela e Cuba, por exemplo, não são porque eles colocam em risco a paz e a estabilidade internacional. É por algo maleável como democracia, direitos humanos. E digo maleável porque são conceitos vazios que eles preenchem. Ou seja, quando eles preenchem, eles instrumentalizam”, afirmou.

·        Líderes contestam

Depois de uma semana de debates, a Assembléia da ONU terminou com muitas críticas ao modelo de como estão organizadas as Nações Unidas. Uma das questões levantadas pelos chefes de Estado foi a falta de ação da ONU em questões cruciais como as guerras da Ucrânia e o massacre na Palestina. 

Para os líderes do Sul Global, há uma divisão clara de narrativas com os países do Norte que querem impor uma agenda econômica. O chanceler venezuelano Yván Gil representou o presidente Nicolás Maduro no evento epara ele, além de uma oposição de ideias, é preciso que a ONU resgate os princípios fundamentais expressos na sua Carta de fundação.

“É hora de resgatar os princípios fundamentais expressos na Carta das Nações Unidas e honrar o fato de que esta organização está em nosso serviço, o povo, como afirma o seu estatuto. A Venezuela coloca a sua diplomacia bolivariana de paz a serviço da humanidade, avançando nessa direção como demonstra sua liderança diante do grupo de amigos em defesa da Carta da Organização das Nações Unidas”, disse em seu discurso.

A crítica ao papel da ONU partiu também dos setores mais conservadores. O presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei, disse que hoje a organização se tornou uma ferramenta para impor ideologia e, por causa disso, perdeu credibilidade junto aos cidadãos.

“Em algum momento e como habitualmente acontece com a maior parte das estruturas burocráticas que os homens criam, esta organização deixou de salvaguardar os princípios delineados na sua ação fundadora e começou a mudar. Assim, passamos de uma organização que perseguia a paz para uma organização que impõe uma agenda ideológica a seus membros em uma série de questões que compõem a vida do homem em sociedade”, afirmou.

A reforma no Conselho de Segurança da ONU também foi um tema discutido. Lula foi um dos líderes que tocou no assunto. O presidente brasileiro pediu a inclusão de outros países no Conselho de Segurança e um outro modelo que tome decisões mais efetivas. O grupo é composto por EUA, França, Reino Unido, Rússia e China e, nos últimos anos, encontrou desafios para a aprovar resoluções que ajudem a resolver conflitos no mundo.

Para Sair Sira, cientista político e analista do grupo Missão Verdade, a forma como o Conselho de Segurança é organizado ajudou a desgastar a imagem da organização com a comunidade internacional.

“Fundamentalmente a ONU é o Conselho de Segurança. É o órgão que tem mais relevância, preponderância de intervir em uma situação por meio de resolução. Por isso, o funcionamento da ONU exige que as grandes potências concordem e tenham consenso em uma posição para avançar. Em situações polarizantes como a que vivemos hoje, é difícil que vejamos Rússia e EUA estando de acordo em uma resolução que condena os ataques a Gaza ou a invasão ao Líbano”, disse. 

A ONU, no entanto, nunca teve um papel de abarcar todas as nações e as diferentes posições sobre os conflitos globais. A organização surgiu depois da Segunda Guerra Mundial que teve União Soviética, EUA, Reino Unido e França entre os vencedores e as Nações Unidas foram criadas depois da Conferência de São Francisco com o objetivo de mediar os conflitos e estabelecer uma nova forma de organização multipolar. 

Para Sair Sira, no entanto, essa estabilidade nunca foi alcançada durante os 79 anos da organização e a estrutura dificulta isso. A organização aprovou em 18 de setembro, por exemplo, o pedido de fim da invasão israelense em Gaza. Foram 124 votos para a aprovação do texto. De acordo com o pesquisador, há um peso simbólico em uma resolução como essa, mas em termos práticos o efeito é muito pequeno.

Ele também indica outro ponto a ser observado: a localização da sede da organização. 

“As Nações Unidas não nascem do consentimento democrático de todos os países, nasce com a intencionalidade e o espírito do que EUA e União Soviética pensavam. Mas fundamentalmente os EUA. Não à toa essas discussões acontecem em solo estadunidense. Então o primeiro problema é esse: uma instituição criada sob os supostos parâmetros de garantir a paz e a estabilidade e nesses 79 anos essas coisas não se materializaram”, afirmou.

 

¨      Líbano pode virar uma grande Gaza e Irã deverá ser bombardeado. Por Marcelo Zero

O governo Netanyahu faz o que bem entende. Ignora totalmente as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, as decisões da Corte Internacional de Justiça, os inúmeros protestos da comunidade internacional etc.

Debochando da ONU e das instituições multilaterais, o governo Netanyahu declarou o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, “persona non grata”. Guterres está em boa companhia, contudo.

O único país que teria condições objetivas de mitigar o comportamento agressivo e ilegal do governo Netanyahu, que ameaça colocar fogo em todo o Oriente Médio, são os EUA.

Entretanto, apesar de algumas queixas formais, os EUA estão dando, na prática, apoio às barbáries que o governo Netanyahu comete, em nome do “direito à defesa”.

Embora Biden declare que quer evitar a escalada do conflito no Oriente Médio, não move uma única palha concreta para evitá-la. Na hora da decisão, o apoio praticamente incondicional a Israel sempre fala mais forte.

Na realidade, tanto o governo de Netanyahu quando a maior parte dos neocons incrustada no Deep State enxergam a atual conjuntura como uma “janela de oportunidade” para desferir um grande golpe contra o “eixo da resistência do Irã”.

Paradoxalmente, tal vem se dando mesmo depois de meses de esforços sérios do Irã para alcançar melhores relações com os EUA.

Como se sabe, em 20 de maio de 2024, o então presidente do Irã, Ebrahim Raisi, um conservador, morreu em um acidente de helicóptero.

Em novas eleições, o Irã elegeu Masoud Pezeshkian, um moderado que, desde o início, defendeu a normalização das relações Irã/EUA, com a finalidade básica de mitigar as pesadas sanções que esse país impõe ao Irã, principalmente em razão do programa nuclear iraniano.  

Percebendo essa movimentação, o governo Netanyahu fez de tudo para sabotar esses esforços. 

Primeiro, houve o bombardeio da Embaixada do Irã em Damasco, ao qual o governo iraniano respondeu com um ataque “coreografado”, que não causou dano algum a Israel.

Depois, em 30 de julho, Ismail Haniyeh, o líder político do Hamas, foi assassinado junto com seu guarda-costas pessoal na capital iraniana. Haniyeh foi morto em uma casa de hóspedes administrada por militares, após participar da cerimônia de posse do presidente iraniano Pezeshkian.

O assassinato de Haniyeh foi, obviamente, uma grande ofensa contra a soberania da República Islâmica do Irã. Também foi uma ofensa pessoal contra a presidência de Masoud Pezeshkian.

Na época, o Líder Supremo do Irã, Aiatolá Khamenei, e a liderança da Guarda Revolucionária Iraniana (IRGC) pensaram numa retaliação. Mas o novo presidente a evitou. Masoud Pezeshkian ainda esperava que os EUA conseguissem um cessar-fogo em Gaza, e queria evitar que o Irã fosse culpado pelo fracasso dessas negociações.

O presidente Pezeshkian continuou seu curso moderado. Em 23 de setembro, durante sua participação na Assembleia Geral da ONU em Nova York, ele novamente fez sondagens sobre uma nova negociação com os EUA, em relação ao programa nuclear do Irã. Tudo isso, mesmo após o ataque dos pagers, no Líbano

Em vão. 

O assassinato de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, os pesados bombardeios no Líbano e o início das incursões terrestres impuseram uma resposta mais dura do Irã, o que gera o pretexto para que o governo Netanyahu, com o beneplácito dos EUA, tente desferir um “grande golpe estratégico” contra o Irã, país que Israel e o Deep State enxergam como a grande fonte de “instabilidade” no Oriente Médio.

Muito provavelmente, o golpe vira sob a forma de pesados bombardeios contra instalações do programa nuclear iraniano. E também de instalações petrolíferas. Biden, um “pato manco” se manifestou contrariamente. Pouco importa.

É praticamente certo que esse golpe virá. Também é praticamente certo, pelo andar da macabra carruagem, que o Líbano, ou boa parte dele, se torne uma grande ruína, assim como Gaza.

O Libano se banhará com o sangue dos inocentes, inclusive de brasileiros.

Hillary Clinton, Victoria Nuland, Jack Sullivan, entre muitos outros, sempre viram o Irã como o país que precisa ser destruído para que a “paz” se imponha no Oriente Médio.

É loucura delirante. Mas, quando a guerra começa, há pouco cálculo e muito sangue. E nenhuma piedade e sabedoria

Só se salvam as “personas non gratas”.

 

¨      Como os países vão financiar o Pacto do Futuro aprovado pela ONU? Avaliação é de que faltam recursos

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou o Pacto para o Futuro e seus anexos, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre Futuras Gerações, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. 

Após quatro anos de elaboração, o compromisso foi aprovado com o objetivo de fazer com que os países aprimorem e façam valer os sistemas e os acordos multilaterais e os organismos internacionais para evoluir em temas como desenvolvimento sustentável, paz e segurança internacional, clima e direitos humanos pela próxima década. 

Apesar dos esforços para tratar de temas importantes para as próximas décadas, como erradicação da fome e sustentabilidade, as discussões realizadas pela Cúpula do Futuro expuseram fragilidades e lacunas, como a tributação sobre empresas transnacionais que têm impacto direto no meio ambiente e de super-ricos.  

O financiamento das recomendações enumeradas no Pacto do Futuro não foi discutido com afinco na Assembleia Geral, que sucedeu a Cúpula, e ocorre paralelamente no âmbito da ONU.  

José Antonio Ocampo, conselheiro do Club de Madrid – organização que reúne ex-chefes de Estado com o objetivo promover mudanças na comunidade internacional – e que esteve no encontro, afirma que o assunto da taxação de super-ricos até chegou a ser discutido, mas que precisa ser regulado nos debates internacionais. 

“Há muitas recomendações em relação ao financiamento para o desenvolvimento. Pode-se dizer que faltam metas específicas”, disse o conselheiro, que também é ex-ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Colômbia. Em suas palavras, a tributação deve fazer parte de uma convenção da ONU para tratar sobre o assunto, cujos termos de referência foram aprovados em agosto, e as negociações da Convenção terão início no próximo ano. 

Ao longo de 66 páginas, o Pacto do Futuro cita explicitamente a tributação de super ricos em apenas um trecho, no qual recomenda a exploração de opções de “cooperação internacional sobre a tributação de pessoas físicas de alto patrimônio líquido nos fóruns apropriados”.  

Em outra passagem, agora de forma mais geral, o documento fala em “promover a cooperação tributária internacional inclusiva e eficaz” e em melhorar as “atuais estruturas de governança tributária internacional”.  

<><> Tributação cabe aos países 

Os países que aprovaram o Pacto do Futuro também destacaram no documento que estão “comprometidos em fortalecer a inclusão e a eficácia da cooperação tributária” no âmbito da ONU “levando em consideração o trabalho de outros fóruns e instituições relevantes”. No entanto, Henrique Frota, diretor executivo do Instituto Pólis e assessor da Global Platform for the Right to the City, que também esteve em Nova Iorque, explica que as políticas tributárias são atribuições dos países, e não da ONU. 

“Internacionalmente, os países podem fazer acordos para aplicar nos seus territórios. Mas a ONU não pode criar um imposto internacional. E aí o desafio é dentro dos países, e cada país tem um contexto. A extrema direita, muitas vezes negacionista em relação à emergência climática, está crescendo em vários países. Então nem todos os países vão conseguir avançar em relação a esses compromissos internacionais”, explica.  

“Tem países que assumiram o compromisso de parar imediatamente a exploração de petróleo. Mas tem o Brasil, por exemplo, que quer expandir a exploração de petróleo até 2030”, ressalta o diretor executivo do Instituto Polis, que fala sobre a tributação, que ainda será discutida, mas destaca que o mesmo vale para o Pacto do Futuro em si.  

Frota reforça, então, que as agendas da ONU, tanto o pacto quanto outros acordos como a  Agenda 2030, precisam estar alinhadas a uma agenda de financiamento consistente. O assunto deve ser discutido com mais afinco durante a quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4) da ONU, no meio do ano que vem, na Espanha. “Essa agenda é central em relação aos recursos financeiros para bancar todos esses compromissos globais”, afirma Frota. 

Hoje não há recursos 

Uma das recomendações do Pacto do Futuro é “tomar medidas concretas para evitar que as pessoas voltem a cair na pobreza, inclusive por meio do estabelecimento de sistemas de proteção social bem projetados, sustentáveis e eficientes para todos, que sejam sensíveis a choques”. Financiada pelos estados, a ONU, entretanto, não tem recursos para financiar as suas recomendações nos países. 

Inclusive, documentos obtidos pelo e divulgados pelo UOL em janeiro deste ano mostram que o caixa esvaziado das Nações Unidas levou ao congelamento de contratações, fechamento de escritórios e cortes de gastos em diferentes programas.  

“O sistema ONU, de certa forma, tem uma visão de que está falido em termos de recursos financeiros. Eles não têm tanto dinheiro assim. Então, os governos dos países têm falado muito em mecanismos para mobilizar o recurso privado das empresas para financiar essas iniciativas”, já que mesmo o discurso dos países é que não há recursos públicos próprios suficientes para implementar as recomendações. 

Porém, o alerta é para a forma como os interesses públicos devem se sobressair aos particulares nessa transferência de recursos. “É controverso, especialmente porque nós sabemos que, nos arranjos de parcerias público-privadas, o público sai perdendo. O privado sempre está orientado ao seu lucro e entra na parceria porque os estados reduzem risco.” 

 

Fonte: Brasil de Fato/Brasil 247

 

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