'Perdeu
ganhando': como PT ampliou prefeituras, mas vê cenário de 2026 incerto
O
primeiro turno das eleições
municipais deste ano chegou ao final e trouxe um resultado
ambíguo para o PT,
partido do presidente da República Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
O
partido aumentou o número de prefeituras vencidas — 251 no primeiro turno de
2024 contra 182 no total de 2020, segundo números do Nexo Jornal.
Em São Paulo,
apesar de não ter um candidato, o partido é visto como o principal avalista da
candidatura do deputado federal Guilherme
Boulos (PSOL), que vai disputar o segundo turno com o atual
prefeito, Ricardo Nunes (MDB).
Por
um lado, analistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que esta recuperação
numérica revela uma estratégia acertada de aumento no número geral de
candidaturas e de escolha sobre onde o partido tinha mais chances de ganhar.
Por
outro lado, segundo eles, o cenário ainda deverá inspirar preocupação entre
líderes petistas.
Os
principais motivos de preocupação, segundo eles, seriam: a ampliação e
consolidação da direita e do Centrão no
comando da maioria das cidades brasileiras; a pequena presença do partido em
cidades com mais de 200 mil eleitores; o não surgimento de uma nova geração de
líderes em meio ao que classificam como o esgotamento do ciclo político de
Lula.
Para
além disso, o PT ainda viu o PL, liderado pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro, aumentar em 179 o número de prefeituras por enquanto —
523 no primeiro turno de 2024 contra 344 no total de 2020.
Os
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o PT teria acertado em
sua estratégia de ampliar o número de candidaturas neste ano e que o partido
parece ter iniciado sua recuperação nos pleitos municipais após o seu pior
resultado em 2020.
Mesmo
assim, eles avaliam, o partido vem enfrentando dificuldades em se conectar com
demandas de um eleitorado que não estaria mais tão vinculado ao discurso de
reivindicações trabalhistas que marcou o início da trajetória da sigla.
Para
o pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eduardo Grin, a situação é paradoxal.
"O
PT perdeu ganhando. Ele ganhou mais do que tinha, mas perdeu porque ficou menos
relevante politicamente do que imaginava, especialmente nos grandes centros
urbanos", disse à BBC News Brasil.
·
Ascenção e queda
Para
entender o conceito de "perder ganhando" elaborado por Grin, é
preciso resgatar um pouco da trajetória do PT em eleições municipais.
Nos
últimos 24 anos, o PT viveu uma história de ascensão e queda no número de
prefeituras comandadas pelo partido.
Em
2000, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PT venceu em 189
prefeituras (contando os dois turnos e eleições suplementares). Em 2004, na
esteira do primeiro mandato de Lula, o partido viu sua participação aumentar
117% e conquistou 412 prefeituras. Quatro anos depois, o PT voltou a dar um
novo salto e obteve 561 prefeituras.
No
ano de 2008, com Lula já em seu segundo mandato e com popularidade em alta, o
PT cresceu novamente e venceu em 561 cidades. Em 2012, com Lula já fora do
governo, mas ainda popular, o PT obteve maior número de vitórias municipais em
sua história: 651.
A
trajetória descendente do PT nas eleições municipais do PT começou em 2016.
Naquele ano, o auge da crise política causada pela Operação Lava Jato havia
sido responsável pelo impeachment da então
presidente Dilma
Rousseff (PT).
Além
disso, o país vivia uma crise econômica atribuída à gestão da ex-presidente
petista.
Em
meio a esse cenário, o PT teve uma queda de 60% no número de prefeituras
conquistadas na comparação com 2012. Das 651 prefeituras vencidas naquele ano,
o partido passou para 257.
Quatro
anos depois, porém, o cenário ficou ainda pior. Em 2020, o PT elegeu apenas 185
prefeitos em todo o país, uma queda de 28% em relação ao número de 2016.
Outro
indicador preocupante para o comando petista foi o fato de que em 2020, pela
primeira vez desde a redemocratização do país, em 1985, o partido não elegeu
nenhum prefeito em capitais.
Em
2004, um ano após Lula assumir seu primeiro mandato como presidente, o PT
elegeu nove prefeitos em capitais.
Outro
fenômeno que marcou as eleições municipais para o PT em 2020 foi a consolidação
da importância do Nordeste como reduto eleitoral.
Em
2012, por exemplo, ano do maior triunfo petista neste tipo de disputa, as
prefeituras em cidades do Nordeste representavam 28% das cidades onde o PT
havia vencido. Em 2020, as prefeituras nordestinas representaram 50% de todas
as vitórias do partido.
·
Estratégias para os
ganhos
Para
tentar reverter este cenário, o PT apostou em uma estratégia de ampliar a sua
quantidade de candidaturas.
Em
relação a 2020, o PT aumentou em 11% o número de candidatos e candidatas às
prefeituras. O número saiu de 1.263 para 1.412 cabeças de chapa.
"Parece
óbvio, mas para ganhar, em primeiro lugar, é importante competir", resumiu
o professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Leonardo Avritzer.
Outra
estratégia adotada pelo partido foi atrair políticos que estavam em outras
legendas para compor o seu plantel nestas eleições.
É o
caso, por exemplo, do candidato do partido à Prefeitura de Manaus, o
ex-deputado federal Marcelo Ramos, que já foi filiado ao PCdoB, PSB e mais
recentemente estava no PSD antes de se filiar ao PT. Em Fortaleza, o PT atraiu
Evandro Leitão, que estava no PDT.
Ao
mesmo tempo, o partido adotou uma postura estratégica em algumas cidades ao não
lançar candidaturas e apoia aliados com maiores chances de vitória como em São
Paulo.
Para
o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio
Teixeira, o resultado das urnas neste primeiro turno mostra que, em parte, a
estratégia do PT neste ano foi acertada.
"O
que vimos foi uma recuperação significativa, ainda que esteja bastante calcada
na participação do PT no Nordeste. A gente vê que o PT continua muito frágil no
eixo Sul-Sudeste", afirmou o professor.
Na
avaliação de Teixeira, dois fatores principais ajudam a explicar o relativo
sucesso do PT nas urnas.
"O
primeiro é que a prisão do presidente Lula pela Operação Lava Jato já está
precificada pelo eleitor. A Lava Jato, aliás, não é mais vista como algo que
afetou apenas o PT. E isso foi um fator que prejudicou muito o partido entre
2016 e 2020", disse.
"O
outro motivo é o fato de que o PT está na Presidência da República. Ter o
comando da máquina ajuda a alavancar candidaturas, especialmente em grandes
centros urbanos", afirmou Teixeira.
Avritzer
aponta outra estratégia que teria sido, segundo ele, responsável por este
aumento.
"O
PT adotou a estratégia de apostar onde tinha mais chances. Não é à toa que o
candidato a prefeito de Fortaleza (Evandro Leitão) cresceu, uma vez que o PT
tem o comando do governo do Estado. Em Natal, foi a mesma coisa. O PT tem o
comando do governo do Rio Grande do Norte", disse.
·
Alerta ligado
Mas
se numericamente, o PT apresentou crescimento, do ponto de vista político, essa
"vitória" deverá ter, na avaliação de Eduardo Grin, um sabor de
derrota.
"O
PT aumentou (o número de prefeituras) porque, em comparação a 2020, o partido
estava no fundo do poço. Mesmo assim, o partido vai sair menor politicamente,
especialmente se considerarmos o fato de que o partido tem o governo federal
nas mãos", avalia o professor.
Para
Grin, o cenário entregue pelas urnas neste domingo antecipa um cenário difícil
para o partido em 2026, quando serão escolhidos governadores, deputados
estaduais, membros do Congresso Nacional e presidente da República.
"Ainda
que o partido tenha crescido, o Brasil viu o crescimento e consolidação desse
condomínio de partidos de direita e do Centrão. O crescimento do Centrão e do
PL aconteceu em todo o Brasil, mas especialmente nas cidades com mais de 200
mil eleitores. Partidos como o União Brasil, o PP e o PL saíram muito fortes. O
PT não se saiu bem dessas eleições e isso projeta uma disputa muito complexa em
2026", explicou.
Centrão
é como ficou conhecido um conjunto de partidos, normalmente apontados como de
direita ou de centro-direita que, historicamente, se aliam ao governo federal
em troca de participação na gestão de verbas ou ministérios.
O
professor Leonardo Avritzer explica que apesar de as eleições municipais não
servirem como um indicador imediato sobre a escolha para presidente da
República, a disputa municipal tem relação direta com a composição do
Congresso.
"As
eleições para a Câmara (dos Deputados) são muito locais e, por isso, o apoio de
um prefeito para um determinado candidato é extremamente importante [...] isso
significa que, com base no resultado de hoje, as forças de direita entram
bem-posicionadas na disputa para a Câmara em 2026 porque haverá mais prefeitos
de direita capazes de indicar seus candidatos ao Congresso", afirmou o
professor.
Uma
das estratégias do PT, segundo sua presidente, Gleisi Hoffmann, foi, justamente
"preparar o terreno" para as eleições de 2026. Por isso, segundo ela,
o partido teria aberto mão de disputar a prefeitura de algumas cidades.
"Para
nós, é muito importante que o campo democrático saia fortalecido das eleições.
Não precisa ser só o PT a ter candidato e ganhar [...] Por isso a estratégia é
muito diferente da de 2020, quando estimulamos muito as candidaturas próprias e
não tínhamos uma frente mais constituída […] Agora temos que defender a
democracia, o presidente Lula, preparar o terreno de 2026", disse Hoffmann
em entrevista ao SBT em abril deste ano.
·
Dificuldades antigas
Para
o professor Eduardo Grin, o resultado das eleições deste ano reforça evidencia
que o PT vem enfrentando há alguns anos no cenário nacional.
"Há
uma incapacidade do partido em dialogar com uma sociedade que se vê menos como
trabalhadora e mais como empreendora. Neste ponto, nomes como o de Pablo Marçal
(candidato à Prefeitura de São Paulo) avançam. Um exemplo foi o projeto para
regulamentar a o trabalho de motoristas por aplicativo que eles próprios
rejeitaram", disse.
Grin
também avalia que o PT ainda enfrenta dificuldades em se conectar com o público
evangélico, considerado essencial para a vitória eleitoral na maior parte das
cidades do país.
Um
ponto levantado tanto por Grin quanto por Marco Antonio Teixeira é o fato de
que, novamente, as eleições municipais não revelaram novas lideranças dentro do
PT.
"Isso
(não ter novas lideranças) é preocupante para qualquer partido, mas
especialmente para o PT, uma vez que Lula pode estar se aproximando do fim de
sua trajetória política. Lula é um exemplo de liderança que nasceu no partido,
mas talvez seja a última. O (ministro da Fazenda Fernando) Haddad é uma
liderança, mas forjada por Lula e contestado dentro do partido", disse
Teixeira.
O
professor Eduardo Grin disse ter uma avaliação semelhante.
"O
ciclo político de Lula está acabando e não há liderança nova dentro do partido
capaz de obter consenso. Não há um líder natural. O que há é uma intensa
disputa entre o grupo da presidente e deputada Gleisi Hoffmann e o grupo de
Fernando Haddad", afirmou o professor.
Grin
avalia ainda que o resultado das eleições municipais deve obrigar Lula a
realizar uma reforma ministerial.
A
ideia é de que essa troca no comando de pastas seja feito para refletir o peso
político das legendas do chamado Centrão, que ganharam novo impulso após o
primeiro turno.
Grin
disse que se Lula não calibrar essa reforma corretamente, sua governabilidade
pode ser afetada.
"Se
o PT resolver fazer uma reforma ministerial que não fique a contento do
Centrão, esses partidos vão começar a precificar o governo e fazer uma bolsa de
apostas sobre quem apoiarão em 2026 e isso fragilizaria o governo", disse
Grin.
Fonte:
BBC News Brasil
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