Com
envelhecimento, saúde mental de idosos exigirá prevenção, qualificação e olhar
estrutural
A
transição demográfica que o mundo vivencia, marcada pelo processo de
envelhecimento da população, tem jogado luz sobre desafios que começam a se
estabelecer como prioridades globais da saúde. A saúde mental de idosos é um
desses tópicos. As transformações sociais e a nova configuração da vida moderna
contribuem para a fragilidade da saúde mental ao envelhecer, principalmente por
promover um estilo de vida que favorece o isolamento e a ausência de vínculos
comunitários – além do idadismo, nome dado para o preconceito que tem como base
a idade do indivíduo, ainda ser um elemento dessa equação.
“O
problema não é o envelhecimento, é que nós, como sociedade, não estamos nos
preparando para o processo de envelhecer”, afirma Marco Tulio Cintra, médico
geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG). “O bem-estar envolve vários fatores culturais e sociais, como ter uma
reserva financeira, ter assistência adequada, conexões sociais. Se não tivermos
um plano de Estado que contemple isso, com a promoção de saúde de uma maneira
ampla, que inclua economia, mobilidade urbana, lazer e cultura, vai ser mais
difícil.”
A
própria Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que nem sempre o transtorno
mental surge na fase idosa, mas é fruto de uma vida inteira marcada pela falta
de acesso a serviços de saúde mental. “Boa parte das pessoas idosas ansiosas
desenvolveram o transtorno antes e continuaram pessoas ansiosas, porque o
desenvolvimento da condição ocorre caracteristicamente mais cedo”, pontua
Cintra. A literatura científica aponta que a prevalência de transtornos
ansiosos entre idosos varia entre 11,4 e 12,3%.
Já
a depressão aparece com mais frequência, com 10% a 25% de prevalência, a
depender do estudo consultado. Para o presidente da SBGG, devido a um conjunto
de fatores sociais e fisiológicos próprios do envelhecimento, é comum que o
desenvolvimento de quadros depressivos ocorra após os 60 anos. E explica que o
risco pode ser aumentado para aqueles que já tiveram outros episódios
depressivos ao longo da vida. “O transtorno depressivo maior é uma doença que
quando retorna, volta cada vez mais grave, principalmente quando não tratada
adequadamente. Com isso, esse idoso tem uma chance maior de passar por um
processo de cronificação da depressão, quando a doença é cristalizada”,
completa.
• Olhar
além da depressão e demência
As
publicações sobre a prevalência de transtornos mentais na população acima dos
60 anos ainda se concentram na incidência de demências e depressão, como
criticou o estudo divulgado em 2018 no Jornal Britânico de Psiquiatria.
Felizmente, outras questões começam a ser pesquisadas, como as que envolvem
fragilidades decorrentes do processo biológico do envelhecimento. “Envelhecer é
um processo que também é marcado por perdas psicossociais e biológicas.
Mobilidade, memória, concentração, a própria reserva funcional dos órgãos vai
diminuindo”, explica Leandro Valiengo, psiquiatra no Hospital Israelita Albert
Einstein:
Um
estudo de revisão publicado no periódico científico Archives of Gerontology and
Geriatrics (Arquivos de Geriatria e Gerontologia, em tradução livre), por
exemplo, avaliou a prevalência do isolamento social em idosos que vivem em
casas de longa permanência e descobriu que uma a cada quatro pessoas se sentem
solitárias nesses espaços. O mesmo estudo concluiu que a solidão e a desconexão
social são fatores-chave no desenvolvimento de transtornos mentais ao longo do
envelhecimento.
E o
cenário para os que permanecem vivendo em suas casas não é tão diferente. As
famílias estão menores, o que reduz o círculo social de convívio e de cuidado,
e mais idosos estão optando por morar sozinhos. Os espaços de convivência para
pessoas idosas – que por vezes lidam com condições de saúde física que provocam
limitações – também são limitados, e mesmo espaços em geral não são projetados
física e culturalmente para acolher esse público.
Valiengo
defende que é preciso avançar no aspecto cultural para acompanhar a
transformação demográfica do Brasil. “Às vezes, esse idoso está bem e quer
realizar atividades sociais, mas ele não encontra isso disponível. Ele vai na
academia e fica envergonhado porque sente que não é um espaço para ele, ou quer
fazer um curso, mas não tem opções para a sua idade. Há demanda para isso e é
importante que a sociedade se organize para fazer essa oferta”, avalia.
• Particularidades
do diagnóstico de saúde mental de idosos
O
diagnóstico de transtornos mentais em pessoas idosas também é marcado por
particularidades que podem dificultá-lo. Isso porque, além de os sintomas se
apresentarem de maneira diferente, há também a incidência das demências, o que
pode exigir um diagnóstico mais cuidadoso.
Na
depressão, por exemplo, as queixas comuns em outras fases da vida, como
tristeza e irritabilidade, não são tão presentes. Nos idosos, sintomas que
podem surgir são mais dores físicas, falta de ânimo para atividades cotidianas
e perda de peso. Valiengo chama atenção também para os sintomas que podem estar
presentes tanto na depressão, quanto em doenças quanto o Alzheimer, cuja idade
é o principal fator de risco.
“Há
depressões que vão se assemelhar muito ao Alzheimer, porque a queixa da memória
vai ser muito grande, e isso vai exigir um olhar atento do profissional para a
história clínica do paciente. O Alzheimer, por exemplo, tem um desenvolvimento
devagar, que leva anos, diferente da depressão”, detalha.
Ele
explica que o padrão da perda de memória – que também tem sido associado à
depressão por pesquisadores, junto a um conjunto de prejuízos cognitivos – é
diferente em cada uma das doenças. No Alzheimer, é comum que haja uma perda de
memória recente, mais característica. “Hoje, inclusive, sabemos que a depressão
não é apenas um fator de risco para o desenvolvimento do Alzheimer, como também
pode ser uma manifestação do início da doença. Não são casos simples, mas
exames e a compreensão sobre o histórico clínico do paciente podem ajudar a
fazer essa diferenciação”, indica Valiengo.
Para
Cintra, o ideal é estabelecer uma cultura de “boas práticas clínicas” de
rastreio que se inicia antes mesmo do envelhecimento, ainda na vida adulta.
“Fazer uma ou duas perguntas todos os anos é uma forma de fazer esse
monitoramento. E sempre tendo em mente essa variedade de manifestação, porque
às vezes o paciente vai dizer que não sente tristeza, mas sente desânimo, está
perdendo peso, tendo agitação no padrão de sono e isso pode ser sinal de um
transtorno de humor.”
• Cuidados
exigem olhar amplo e qualificação de profissionais
As
particularidades do envelhecer também influenciam na condução do tratamento.
Como o avanço da idade é fator de risco para inúmeras condições, principalmente
as doenças crônicas não transmissíveis, é comum que pessoas com 60 anos ou mais
façam uso de diferentes tipos de medicamentos. Por isso, a pré-existência de
outras condições físicas e a polifarmácia devem ser levadas em consideração na
hora de planejar o tratamento desse paciente.
“Por
ter uma reserva funcional menor, são pacientes mais suscetíveis a efeitos
colaterais da medicação. Além disso, as chances de ter uma doença que exija uma
medicação controlada são muito maiores após os 40 anos, então o risco de
interação medicamentosa também é maior”, destaca Valiengo. “Se esse idoso tiver
uma condição cardíaca, por exemplo, é necessário evitar algumas medicações.
Temos remédios psiquiátricos que aumentam a retenção da urina, que prendem o
intestino”, exemplifica.
O
psiquiatra do Einstein conta que nesses casos, há uma conduta chamada de ‘start
low, go slow’, que consiste em começar com doses menores e evoluir o tratamento
mais lentamente para mitigar os efeitos colaterais e possíveis interações.
Considerando
todas essas especificidades, os especialistas reforçam que a prevenção deve
começar antes da chegada da velhice, com estratégias como rastreio e acesso
adequado a serviços de saúde mental. E, neste contexto, Valiengo lembra que é
preciso qualificar os futuros profissionais de saúde para lidar com os cuidados
dos idosos – que ele defende ser uma necessidade para todo o currículo de
saúde, não apenas daqueles que desejam ser especialistas.
Ele
inclusive destaca o papel dos terapeutas ocupacionais na promoção da
socialização. “Esse é um profissional que pode contribuir muito para a
socialização de qualquer paciente, principalmente do idoso, mas muitas vezes as
pessoas sequer sabem dessa possibilidade”, afirma.
• Afinal,
até que idade nosso cérebro se desenvolve? Por Renato Anghinah
Recentemente,
uma estudante de medicina me fez a seguinte pergunta: afinal, até que idade
nosso cérebro se desenvolve? Ao respondê-la disse de modo simplista que seria
por volta dos 6 a 8 anos de idade. Ela, com um ar de superioridade, me
respondeu prontamente que eu estava desatualizado e o correto seria 30 anos.
Posso
dizer que a ciência esclarece isto muito bem e, no fim, nem ela e nem eu
estávamos errados, de acordo com o ótimo artigo Brain charts for the human
lifespan, publicado na revista Nature em abril 2022.
O
cérebro como um todo desenvolve-se de forma rápida na infância e praticamente
completa até os 10 anos aproximadamente, o que embasaria a minha resposta. As
áreas cerebrais que chegam ao ápice do desenvolvimento por volta desta idade
são o córtex cerebral, por volta dos 6 anos, e os núcleos sub-corticais até o
início da adolescência. Portanto, formamos os neurônios até esta idade.
O
córtex cerebral é conhecido como a substância cinzenta, que é composta pelo
corpo do neurônio e basicamente inclui o córtex cerebral e os núcleos
sub-corticais. Ele se desenvolve em duas etapas. Se compararmos o cérebro com
uma laranja, o córtex cerebral seria a casca. Os núcleos sub-corticais os
caroços.
O
sumo seria a substância branca, formada em boa parte pelos axônios, que são os
prolongamentos dos neurônios. Aos 10 anos de vida eles atingem cerca de 70 a
75% de seu desenvolvimento. Os axônios são como fios condutores das informações
para a central de cada neurônio, sendo responsável pelas conexões entre eles. E
são estas conexões que vão aumentando no decorrer da vida até em torno dos 30
anos. Este fato leva ao aumento de volume cerebral até esta faixa etária e pode
levar a conclusão de que o cérebro se forma ou desenvolve até o final da 3ª
década de vida.
Não
criamos neurônios e sim conexões. Portanto, o nosso cérebro se forma até o
início da adolescência e se desenvolve até os 30 anos aproximadamente.
A
partir de então, continuamos a criar conexões, desde que continuem os
estímulos. Mas no final da terceira década de vida há um ponto de virada e se
inicia a queda longa e gradual do volume cerebral até a senescência, quando
após os 60 anos ela se acentua. Neste período, que dura décadas, não perdemos
apenas substância branca, mas também a cinzenta.
A
importância deste estudo é mostrar que o cuidado com a saúde cerebral e sua
proteção é fundamental para prevenir ou postergar doenças degenerativas como a
doença de Alzheimer e a doença de Parkinson, por exemplo. Estes cuidados devem
se iniciar na infância, estimulando o cérebro na fase de desenvolvimento
neuronal e permear a vida toda, criando conexões e fazendo com que a substância
branca se desenvolva ao máximo, formando o que conhecemos como reserva
cognitiva.
Os
estímulos vêm de fontes variadas, incluindo o educacional e escolar, atividade
física, alimentação, relacionamento social além dos cuidados com a saúde, que
englobam o controle da pressão arterial, audição e visão, obesidade e evitar o
tabagismo, diabetes, controle do colesterol – e até mesmo cuidarmos da saúde
mental.
Portanto,
um complemento para a resposta àquela pergunta inicial seria: sabemos que as
nossas células cerebrais (neurônios) se desenvolvem na infância, mas devemos
cuidar delas a vida toda.
Fonte:
Futuro da Saúde
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