Bets e
jogos de azar: quando apostar pode se tornar um vício?
As
casas de aposta online, mais conhecidas como “bets”, e os jogos de azar
virtuais têm ganhado popularidade nos últimos anos. Segundo uma pesquisa feita
pelo Instituto Datafolha, em 2023, 15% dos brasileiros já realizaram algum tipo
de aposta online. Desses, a maioria é jovens de 16 a 24 anos. O cenário causa
preocupações de especialistas da área da saúde já que esses jogos são de fácil
acesso e podem levar à dependência.
Segundo
Rodrigo Machado, psiquiatra do Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos
do Impulso (PRO-AMITI), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP), todo e
qualquer prazer vivenciado na vida – como comer, beber, fazer sexo ou realizar
uma compra – estimula direta ou indiretamente o sistema de recompensa cerebral.
“Esse
sistema vai processar prazeres mundanos, ou seja, do nosso cotidiano, mas
também prazeres como substâncias químicas”, explica. “Mas nós não ficamos
dependentes somente dessas drogas. Também podemos desenvolver as chamadas
dependências comportamentais. Em outras palavras, alguns comportamentos
geradores de prazer para os seres humanos são mais sedutores para esse sistema
de recompensa do que outros, podendo gerar, então, uma modificação no
funcionamento desse circuito e, consequentemente, levar ao adoecimento”,
afirma.
Apostar
é um desses comportamentos viciantes, segundo o especialista. “Esse é um
comportamento altamente sedutor e recrutador de ativação desse sistema de
recompensa cerebral e a exposição reiterada a esse comportamento vai
modificando o funcionamento desse circuito em algumas pessoas que têm
vulnerabilidade e essa modificação é o que determina a dependência”, acrescenta
Machado.
A
psicóloga e psicanalista Ana Volpe, membro-filiada da Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo, explica, ainda, que a participação em apostas
esportivas, cassinos online e jogos de caça-níqueis (como o “jogo do
tigrinho”), libera dopamina no cérebro, neurotransmissor associado à motivação
e ao prazer. Essa liberação gera uma sensação de euforia, incentivando o
apostador a repetição do comportamento.
“O
cérebro, com o tempo, se adapta a essa liberação constante de dopamina e faz
com que aquela pessoa precise de experiências cada vez mais intensas para
sentir o mesmo nível de satisfação de antes, a chamada tolerância”, afirma.
Nesse
ponto, o apostador se torna cada vez mais ávido para obter novas levas de
prazer fornecidas pelas apostas. Com o tempo, será preciso apostar quantias
cada vez maiores, ou praticar cada vez mais apostas, para obter a mesma
quantidade de prazer.
O
vício em jogos é uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
e é chamada de ludopatia. No Brasil, é reconhecida pelos CID 10-Z72.6 (mania de
jogo e apostas) e 10-F63.0 (jogo patológico).
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Acesso facilitado pode aumentar risco de vício
Plataformas
e casas de apostas foram proibidas por décadas no Brasil. Em 2018, a legislação
brasileira passou a liberar a atuação de apostas esportivas no país, o que
aumentou a presença de bets virtuais. Em 2023, foi aprovada a lei que
regulamenta o mercado de apostas virtuais.
Com
isso, o que antes era físico e exigia deslocamento até uma casa de aposta ou
cassino para que uma pessoa jogasse ou apostasse, agora pode ser acessado pelo
smartphone.
“Houve
uma disseminação e uma difusão, e esses jogos eletrônicos e as apostas
começaram a incorporar elementos estéticos, modais, advindos, por exemplo, dos
games tradicionais”, observa Machado. “As cores e a forma como ele é
apresentado, por exemplo, visa atingir uma população mais jovem”, acrescenta.
Tudo
isso facilitou o acesso às bets e aos jogos de azar. “Sem dúvida nenhuma, a
facilidade de acesso é o maior agravante [para o vício]. Qualquer pessoa, de
qualquer idade, em qualquer condição, consegue baixar um joguinho no celular”,
afirma Volpe. “O impulso de jogar a qualquer momento, sem a necessidade de sair
de casa, é constante em pessoas que possuem tendência ao vício”, completa.
A
natureza anônima das apostas online também pode encorajar comportamentos de
risco, segundo a psicóloga. Além disso, no ambiente online, o isolamento social
pode se intensificar, resultando em um ciclo vicioso de solidão e dependência,
na visão da especialista.
Atualmente,
tramita no Senado o Projeto de Lei nº 2234/2022, que visa autorizar o
funcionamento de bingos, cassinos e jogo do bicho, e permite apostas em
corridas de cavalo.
“A
regulamentação pode criar uma falsa sensação de segurança e controle. As
pessoas podem pensar que, por ser legalizado, o jogo é inofensivo, ignorando os
riscos associados à dependência e suas consequências”, aponta Volpe. “O acesso
facilitado pode intensificar comportamentos de risco, especialmente em um
contexto social que já enfrenta desafios como estresse econômico e
desigualdade”, completa.
“Isso
está sempre sendo discutido adequadamente com os setores responsáveis da saúde
para desenvolver mecanismos para minimizar o adoecimento [da população]”,
afirma Machado.
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Como identificar sinais de vício?
De
acordo com Machado, existem alguns fatores que podem ser associados ao maior
risco de dependência em apostas. Além da exposição recorrente a esse tipo de
comportamento, existem fatores de risco como histórico familiar de dependências
em geral, exposição precoce às apostas (na infância ou na adolescência, por
exemplo) e nível socioeconômico e educacional mais baixo. Homens também tendem
a ser mais vulneráveis para vícios do que as mulheres, segundo o psiquiatra.
Mas
para que um vício seja identificado, é preciso notar alguns elementos e sinais
de alerta. Um deles é a percepção de perda de controle. “Ou seja, o indivíduo
planejava fazer só uma aposta e, de repente, gastou tudo o que tinha porque fez
várias”, exemplifica Machado.
Outro
ponto importante é o prejuízo funcional. Isso significa que as apostas passam a
interferir na vida de alguma forma, seja na esfera acadêmica, na profissional
ou na família. “Ele pode começar a atrasar no trabalho ou o rendimento cai
porque está fazendo apostas”, cita. “O prejuízo funcional mais óbvio é o das
dívidas, por envolver dinheiro, então, o endividamento é o prejuízo funcional
mais facilmente identificado e famílias são comprometidas”, acrescenta.
Outros
sinais de alerta podem incluir:
• Ansiedade,
depressão e baixa autoestima;
• Sentimento
de culpa e de vergonha;
• Isolamento
social;
• Dificuldade
de parar com as apostas;
• Obsessão
por recuperar o que foi perdido com as apostas.
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Como é feito o tratamento?
Assim
como outros tipos de dependência, o vício em jogos de azar e em apostas deve
ser tratado e o paciente pode ser recuperado. “Recuperação do vício em jogos de
azar e apostas exige dedicação e apoio, mas é possível com as estratégias
certas”, afirma Volpe.
O
primeiro passo é reconhecer o problema e entender como ele afeta a vida do
apostador e das pessoas ao redor. O reconhecimento, segundo a psicóloga, deve
ser seguido de uma avaliação dos impactos negativos, como danos à saúde mental
e financeira.
Em
seguida, é fundamental buscar ajuda profissional, que pode acontecer através de
psicólogos, psiquiatras, terapias específicas ou grupos de apoio. “Além disso,
é crucial identificar e evitar gatilhos que possam estimular o comportamento de
aposta, ao mesmo tempo em que se desenvolvem hábitos mais saudáveis e se
constrói uma rede de apoio para manter o foco na recuperação”, afirma Volpe.
O
tratamento para esse tipo de vício também exige a colaboração da família para
formar uma rede de apoio. Grupos formados pelos próprios apostadores em
tratamento também podem ajudar. “Assim como os ‘narcóticos’ e ‘alcoólatras
anônimos’, existe o ‘jogadores anônimos’, que são grupos que funcionam. A
ciência já mostrou que esse tipo de abordagem funciona e traz resultado”,
afirma Machado.
Além
disso, profissionais que fazem aconselhamento financeiro também podem fazer
parte do processo de recuperação do jogador. “Eles ajudam esses pacientes a se
reestruturarem financeiramente, a sanar as dívidas e a negociarem com os
bancos. Então, é uma equipe trabalhando em conjunto”, completa.
Fonte:
CNN Brasil
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