Antibióticos
podem aumentar risco de doença inflamatória intestinal, diz estudo
O
uso de antibióticos pode aumentar o risco de doenças inflamatórias intestinais
(DIIs), segundo um estudo publicado na semana passada na revista científica
Science Advances. O trabalho mostra que remédios antimicrobianos podem
interferir na camada protetora de muco no intestino, influenciando no risco de
condições como doença de Crohn e colite ulcerativa.
As
doenças inflamatórias intestinais afetam mais de cinco milhões de pessoas no
mundo e 100 a cada 100 mil brasileiros sofrem com uma dessas condições de
saúde, de acordo com a SBCP (Sociedade Brasileira de Coloproctologia). As
causas para seu surgimento ainda são desconhecidas, mas existem evidências de
que bactérias normais do intestino podem desencadear uma reação imunológica
inadequada em pessoas com pré-disposição genética.
Além
disso, estudos anteriores indicaram uma possível ligação entre o uso de
antibióticos e o risco aumentado de desenvolver uma DII. O novo estudo,
liderado por pesquisadores da Faculdade de Medicina Azrieli da Universidade
Bar-Ilan, em Israel, lança nova luz sobre essa associação.
“Descobrimos
que o uso de antibióticos, na verdade, danifica a camada protetora de muco que
separa o sistema imunológico no intestino do microbioma”, afirma Shai Bel,
líder do estudo, em comunicado à imprensa.
Segundo
os pesquisadores, os antibióticos administrados via oral ou por injeção podem
romper a camada de muco do intestino, facilitando a penetração bacteriana e
aumentando o risco de inflamação intestinal.
Para
chegar à conclusão, eles utilizaram técnicas avançadas como sequenciamento de
RNA, aprendizado de máquina e medição da secreção de muco. A partir disso, os
pesquisadores examinaram os efeitos dos antibióticos em camundongos.
O
estudo descobriu que os antibióticos impedem a secreção do muco protetor,
facilitando a infiltração de bactérias ruins para a saúde, além de levar à
replicação sistêmica de antígeno bacteriano e ao desenvolvimento de úlceras.
Tudo isso são características das doenças inflamatórias intestinais, segundo os
pesquisadores.
Uma
das principais descobertas do estudo, de acordo com os autores, é o impacto dos
antibióticos nas células da parede intestinal responsáveis pela produção de
muco. “Essa descoberta quebra o paradigma de que os antibióticos prejudicam
apenas as bactérias e não nossas próprias células”, explica Bel.
O
próximo passo da equipe é explorar tratamentos potenciais que poderiam mitigar
esses efeitos adversos dos antibióticos. Além disso, na visão dos
pesquisadores, as descobertas também ressaltam a necessidade de os
profissionais de saúde considerar cuidadosamente o uso de antibióticos e seus
impactos na saúde intestinal.
• Microbiota
intestinal: veja como a saúde do intestino pode afetar o corpo todo
Todo
mundo algum dia já deve ter ouvido ou falado as expressões “senti um frio na
barriga” e “fiz das tripas o coração” sem se dar conta de que estava se
referindo ao intestino, e sem saber o quanto ele realmente é importante para o
funcionamento adequado do organismo. Agora a ciência está desvendando como os
milhões de microrganismos que vivem ali – a chamada microbiota – impactam
vários aspectos da vida, da saúde, do peso e até o humor das pessoas.
O
intestino vem sendo cada vez mais visto como um aliado no tratamento de doenças
sistêmicas, como obesidade, câncer, alergias, problemas respiratórios e
dermatológicos. “Sentimos vergonha dele, mas estamos tão ligados ao intestino
que isso transparece na nossa comunicação. Não é à toa que o intestino é
considerado nosso segundo cérebro”, diz Diogo Toledo, médico nutrólogo do
Hospital Israelita Albert Einstein.
De
fato, há uma conexão direta entre esses dois órgãos através de uma espécie de
“cabo” – o nervo vago –, que controla desde a frequência cardíaca até os
movimentos do trato digestivo. Essa é uma das razões pelas quais, quando a
pessoa leva um susto ou está sob tensão, sente dor abdominal ou vontade de
vomitar, por exemplo.
Além
disso, as pesquisas recentes destacam o papel do microbioma, o conjunto de
bactérias, fungos, vírus – bem como seus genes e metabólitos – que vivem em
nosso organismo, principalmente no intestino (o termo microbiota se refere
apenas aos microrganismos). Mais numerosos que as próprias células do corpo,
eles ajudam na digestão, metabolizando os nutrientes, formam uma barreira de
defesa contra patógenos e cumprem uma função imunológica, modulando a resposta
inflamatória. “A microbiota pode ser a chave para muitas perguntas ainda sem
resposta da ciência”, diz Toledo.
Quando,
por algum motivo, há o aumento de microrganismos prejudiciais ou a redução dos
benéficos, ocorre um desequilíbrio – a disbiose – e a microbiota deixa de
desempenhar adequadamente suas tarefas. Um ambiente ruim piora o processo de
absorção de nutrientes e a metabolização de remédios. Também pode intensificar
as reações inflamatórias, com a liberação exagerada de células imunológicas e
citocinas inflamatórias na corrente sanguínea. Esse conteúdo chega a órgãos
como cérebro, rins, pele, coração e fígado, podendo amplificar a resposta de
alguns quadros.
Isso
explica por que a microbiota intestinal vem sendo relacionada à exacerbação de
problemas como acne, obesidade, rinite alérgica, eczema, candidíase, síndrome
do intestino irritável, depressão e ansiedade. Para ter uma ideia, pesquisas
mostram que pessoas com dermatite atópica possuem menor diversidade de
bactérias intestinais do que aquelas sem a doença.
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Microbiota é única para cada indivíduo
A
microbiota começa a se formar ainda na vida intrauterina e depende de fatores
como hábitos da mãe, se a criança foi amamentada e até do tipo de parto.
Depois, é afetada pelo estilo de vida, incluindo alimentação, atividade física,
tabagismo, uso de medicamentos (principalmente antibióticos), estresse, falta
de vitamina D e o próprio envelhecimento. “Sua composição é única para cada
indivíduo. É como uma assinatura”, diz Toledo. Além disso, ela varia ao longo
da vida.
Sintomas
relacionados a hábitos intestinais (como diarreia e constipação), distensão
abdominal e gases, entre outros, sinalizam que há algum desequilíbrio. O médico
também pode solicitar exames laboratoriais de fezes mais específicos diante de
alguma suspeita de problemas.
O
médico do Einstein explica que reequilibrar a microbiota passa por uma mudança
de estilo de vida. “Mas às vezes isso pode não ser suficiente”, diz o
nutrólogo. Nesses casos, é possível usar probióticos, que contém microrganismos
específicos na sua fórmula, e prebióticos, que são as fibras que alimentam
esses microrganismos e estimulam seu desenvolvimento. São produtos diferentes
dos encontrados em supermercados. Eles devem ser prescritos pelo médico ou
nutricionista e os resultados aparecem em cerca de 90 dias, no mínimo.
Alguns
estudos mostram ainda que a suplementação pode melhorar quadros de constipação
e reduzir crises de eczema, rinite e chiado em alguns casos, além de amenizar
sintomas de depressão.
• Molécula
produzida no intestino pode proteger contra gripe, indica estudo
Uma
molécula produzida naturalmente no intestino pode ajudar a prevenir e mesmo
tratar a gripe. É o que aponta um estudo publicado na revista Gut Microbes por
pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto
Pasteur de Lille, na França.
Experimentos
com camundongos mostraram uma queda nos níveis da molécula conhecida como ácido
indol-3-propiônico (IPA, na sigla em inglês) durante a infecção pelo vírus
influenza, variante H3N2.
Ao
suplementar os animais infectados com uma versão sintética do IPA, os
pesquisadores observaram uma redução na carga viral e na inflamação dos
pulmões.
“Esses
resultados são promissores e sugerem que o IPA, no futuro, poderá ser usado
para ajudar a prevenir ou tratar a infecção pelo vírus influenza, responsável
por grandes epidemias. No entanto, mais estudos são necessários para confirmar
esses achados em humanos e para entender melhor como o IPA funciona”, esclarece
Marco Vinolo, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
O
estudo ocorreu no âmbito do projeto “Análise dos mecanismos moleculares
envolvidos na interação de metabólitos da microbiota e células do hospedeiro
durante a inflamação”, coordenado por Vinolo e apoiado pela FAPESP.
Os
resultados foram possíveis depois de uma série de experimentos com camundongos
conduzidos na França, sob coordenação de François Trottein, do Pasteur.
Posteriormente, foram feitas análises usando ferramentas de bioinformática, na
Unicamp, que inspiraram novos experimentos com animais no Instituto Pasteur.
“Usamos
três camadas de dados: a primeira foi a de metagenômica, que mostrou quais
bactérias estavam alteradas no intestino depois de 7 e 14 dias da infecção. Foi
avaliado todo o DNA desses microrganismos, quando nesse tipo de estudo
normalmente só se avalia um trecho de um gene que identifica as bactérias.
Nossa análise mostra não apenas as espécies bacterianas, mas os genes mais
presentes e suas respectivas funções”, explica Vinicius de Rezende Rodovalho,
um dos autores principais do trabalho, realizado durante seu pós-doutorado no
IB-Unicamp.
As
outras camadas de dados foram obtidas a partir das técnicas de metabolômica,
que avaliaram os metabólitos secretados pela microbiota presente no intestino e
os marcadores clínicos da doença, como carga viral e marcadores inflamatórios.
“Analisamos
esses dados de forma integrada, construindo uma rede de correlações que mostrou
um importante papel para o IPA. A partir disso, novos experimentos foram
realizados. Neles, suplementamos os animais com uma versão sintética da
molécula, produzida em laboratório, o que diminuiu a carga viral e a
inflamação. Isso traz um grande potencial para uma nova terapêutica da gripe”,
conta Vinolo.
Suplemento
O
IPA é produzido por bactérias presentes na microbiota intestinal a partir do
processamento do triptofano, um aminoácido essencial presente em alimentos como
soja, trigo, milho, cevada, centeio, girassol, peixe e carne.
Trabalhos
de outros grupos já haviam mostrado efeitos do IPA para a melhora de distúrbios
metabólicos, regulando a glicemia, aumentando a sensibilidade à insulina e
inibindo a síntese de lipídios e fatores inflamatórios no fígado.
Outros
estudos mostravam ainda evidências da ação do triptofano e do IPA no equilíbrio
energético e no sistema cardiovascular, assim como potencial na prevenção de
inflamação, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, hipertensão,
doenças neurodegenerativas e osteoporose.
Por
conta do potencial do IPA como um suplemento no combate e prevenção da gripe,
os pesquisadores depositaram uma patente na União Europeia para esse uso do
ácido indol-3-propiônico. A expectativa é realizar novos estudos que possam
subsidiar testes clínicos no futuro.
“Estamos
avaliando o papel do IPA durante a infecção pelo SARS-CoV-2, causador da
Covid-19, e os resultados, até agora, são parecidos. Queremos testar ainda como
ele atua em infecções bacterianas. Existem poucos estudos mostrando como a
microbiota intestinal atua na resistência sistêmica a antibióticos e esse pode
ser um caminho”, encerra Rodovalho.
O
estudo teve ainda apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado para Patrícia
Brito Rodrigues, com estágio no Instituto Pasteur de Lille, na França.
Fonte:
CNN Brasil
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