segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Banco do BRICS sai do marasmo e fortalece moedas locais sob Dilma Rousseff, diz analista

Condecoração da presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS, Dilma Rousseff, por Xi Jinping aumenta prestígio da instituição e do Brasil, avalia analista. Saiba quais os avanços e desafios do banco e se o Brasil se beneficia de fato do mandato de Dilma.

A presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco do BRICS, Dilma Rousseff, foi condecorada pelo presidente chinês Xi Jinping com a Medalha da Amizade, neste domingo (28). A honraria atesta o bom desempenho da brasileira à frente do banco, confirmado por especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

"Nos últimos 75 anos, houve muitos velhos e bons amigos no mundo que compartilham as mesmas aspirações e permanecem juntos com o povo chinês nos bons e maus momentos; a sra. Dilma Rousseff [...] é uma representante notável entre eles", disse Xi Jinping durante a cerimônia.

O presidente Xi ainda disse que "o povo chinês nunca esquecerá aqueles amigos internacionais que fizeram contribuições extraordinárias para o desenvolvimento da China e a amizade entre o povo chinês e o povo de outros países", reportou o jornal Brasil de Fato.

"É uma grande honra receber a Medalha da Amizade da China, um país com uma rica história milenar e que hoje se destaca como uma potência econômica global", declarou Dilma Rousseff durante o seu discurso. "O compromisso assumido pela China com a reforma e abertura não apenas permitiu a retirada de centenas de milhões de pessoas da pobreza, como contribuiu, de forma significativa, para o crescimento econômico e a estabilidade globais."

A ex-presidenta do Brasil assumiu o banco em 2023, substituindo o também brasileiro Marcos Troyjo. O mandato de Rousseff, marcado sobretudo pelo esforço por reduzir o papel do dólar no comércio entre os países-membros, deve terminar em julho de 2025.

"A condecoração de Dilma é uma sinalização política de que a China tem interesse no aumento do prestígio do banco, em reforçar a posição dele como alternativa ao FMI [Fundo Monetário Internacional]", disse o professor de finanças e controle gerencial do COPPEAD/UFRJ, Rodrigo Leite, à Sputnik Brasil. "Também é um sinal positivo de Pequim em relação ao atual governo brasileiro. É uma forma de apontar para os seus aliados quais são as suas prioridades."

A liderança de Dilma Rousseff no NBD retirou o banco de certo marasmo institucional, no qual poucos avanços eram realizados, acredita a professora da PUC-Rio e pesquisadora do BRICS Policy Center, Maria Elena Rodriguez.

"Acho que o banco tem melhorado bastante, porque até poucos anos atrás ele estava acanhado, com desempenho aquém do planejado", disse Rodriguez à Sputnik Brasil. "Havia um exercício e número de empréstimos muito pequeno, e o banco crescia pouco."

A entrada de novos membros, como Egito, Emirados Árabes Unidos, Uruguai e Argélia, aliada à expansão nos investimentos e empréstimos do banco, deu nova tração à instituição. Fortalecido, o NBD tem maior capacidade para avançar na agenda voltada para o Sul Global, com ênfase em investimentos verdes.

"O Banco do BRICS pode ser pensado como uma nova geração de bancos de desenvolvimento. Em sua constituição, ele se coloca como um banco voltado para países em desenvolvimento, determinado a investir em projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável", explicou Rodriguez.

A especialista ainda nota a ausência de condicionalidades impostas pelo Banco do BRICS, "o que respeita a autonomia e soberania dos países". Nesse sentido, o banco contrasta com as longas listas de condicionantes impostas aos Estados devedores por instituições tradicionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

"Agendas importantes como o pagamento em moedas locais foram colocadas como objetivos estratégicos na administração de Dilma Rousseff, e estão sendo impulsionadas bastante", disse Rodriguez. "Temos propostas para que até 30% do financiamento do banco seja realizado em moedas locais, o que contribui para superar a primazia do dólar."

A atuação de Rousseff também foi bem avaliada pela especialista nos quesitos sustentabilidade, inclusão social e luta contra a desigualdade. O acesso do próprio Brasil aos recursos do banco também foi visivelmente ampliado durante a gestão da ex-presidenta.

"Por outro lado, ainda podemos avançar na transparência das operações, assim como em políticas sociais mais avançadas, como política de gênero, políticas voltadas para comunidades afetadas e o estabelecimento de mecanismos de queixa dentro do banco", propôs Rodriguez.

O professor de finanças Leite expressa certo ceticismo quanto ao papel do banco, em função do volume de capital disponível, ainda reduzido quando comparado com os seus pares. O capital subscrito inicial do Banco do BRICS atualmente é de US$ 50 bilhões (R$ 273 bilhões), enquanto o capital estimado do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), ligado ao Banco Mundial, era de US$ 278 bilhões (cerca de R$ 1,5 trilhão) em 2021.

"Na minha opinião, o Banco do BRICS tem uma importância ainda preponderantemente política. O capital do banco ainda é insuficiente. E, conforme o banco se expande, esse capital ainda por cima será diluído em várias economias, restringindo a atuação do banco ainda mais", disse Leite. "Por isso, o peso da imagem pode ser maior do que o peso concreto do banco."

O especialista nota que o governo brasileiro está buscando alternativas domésticas para o financiamento do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC), o que atestaria a ainda baixa capacidade financeira do Banco do BRICS.

"O governo está precisando recorrer à emissão de dívidas por meio da ENGEA [Empresa Gestora de Ativos], o que é uma forma de financiamento menos sustentável no longo prazo", disse Leite. "Se houvesse maior capacidade no Banco do BRICS, o governo brasileiro não precisaria recorrer a esse tipo de mecanismo."

As dificuldades orçamentárias brasileiras, agravadas pela imposição de tetos e arcabouços fiscais, levam o governo a buscar alternativas de financiamento. No entanto, há uma memória negativa quanto ao endividamento externo junto a bancos como o FMI, recordou Leite. Nesse contexto, o Banco do BRICS se coloca como alternativa de baixo risco para captação de recursos pelo Palácio do Planalto.

"O Brasil está rodando no limite do orçamento, com muito pouco espaço para atuar. Esse é um problema que outros países não têm. Estamos recorrendo ao Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) para realizar políticas públicas, como se fosse um instrumento parafiscal", disse Leite. "Nesse contexto, o Banco do BRICS está sendo útil para nós, em casos como o financiamento para o Rio Grande do Sul. E a presidência de Dilma ajudou bastante."

Em abril deste ano, o vice-presidente Geraldo Alckmin e a presidenta do NBD, Dilma Rousseff, acordaram empréstimo de R$ 5,750 bilhões para a reconstrução do estado do Rio Grande do Sul, duramente castigado por chuvas atípicas. Os recursos foram não só alocados diretamente para o estado gaúcho, mas também para instituições brasileiras como o BNDES, o Banco do Brasil e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), informou a Secretaria de Comunicação Social do governo.

"Agradeço ao NBD, por meio da presidenta Dilma, por todo apoio que vem oferecendo ao povo gaúcho diante desta catástrofe sem precedentes", afirmou o vice-presidente Alckmin na ocasião. "Tenho convicção de que a reconstrução do estado será maior que a destruição."

Na ocasião, Dilma Rousseff notou a flexibilidade do banco ao conceder o empréstimo, em função da dificuldade de prever os critérios de reconstrução necessários ao Rio Grande do Sul. A presidenta relacionou a vocação do banco para atividades sustentáveis à necessidade de atender populações vítimas de catástrofes ambientais.

"Na minha opinião, Dilma tem saído muito bem, deixando suas pautas bastante claras e colocando um selo no banco. Colocou a máquina para funcionar e [...] garantiu respostas rápidas, como, por exemplo, diante da crise no Rio Grande do Sul."

Outros projetos do NBD no Brasil estão relacionados à proteção ambiental da Petrobras, nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, da SABESP, em São Paulo, e na expansão de acesso a água e saneamento no estado de Pernambuco.

"O banco está em processo avançado e pronto para se consolidar como uma instituição do Sul para o Sul. Estou otimista quanto à consolidação de um sistema alternativo de pagamentos. É uma agenda muito clara, que vai mostrar nossa autonomia diante do sistema internacional", concluiu Rodriguez.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) foi criado em 2014 pelos primeiros cinco membros do BRICS, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com sede em Xangai, na China, o banco possui escritórios regionais em São Paulo, Joanesburgo, Moscou e Guajarat, na Índia.

 

¨      China inverte lógica da assistência internacional e impulsiona crescimento da África

Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam que Pequim aposta em uma forma de assistência que incentiva o desenvolvimento para depois criar mercados — diferentemente da usada pelo Ocidente, que explora e cria dívidas para depois abandonar países do continente à deriva.

Com um histórico de exploração por potências ocidentais e atualmente preterida por esses mesmos países, a África é tratada pela China como uma oportunidade política e econômica.

Em setembro, durante o Fórum para Cooperação China-África, realizado em Pequim, o presidente chinês, Xi Jinping, firmou o compromisso de aumentar para US$ 51 bilhões (R$ 286 bilhões) a assistência financeira ao continente africano ao longo dos próximos três anos.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam por que a África atrai tanto interesse da China e quais os principais setores de investimento de Pequim no continente.

Marcos Cordeiro, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), com pós-graduação em ciências sociais na mesma universidade e no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, explica que os principais destinos dos investimentos da China na África são os setores de infraestrutura, ferrovias, hidrelétricas, estradas, mineração e, mais recentemente, a criação de parques industriais em diversos países.

Ele rechaça a ideia propagada por alguns analistas de que os investimentos chineses são uma forma de Pequim dominar a África, afirmando que essa tese é dita por aqueles que querem desviar o foco do projeto chinês, que são justamente os mesmos que por séculos espoliaram o continente e agora creem que as iniciativas chinesas serão iguais às do Ocidente, ou seja, espoliar, criar dívidas, implementar reformas liberais e depois deixar a África à deriva.

"A maior parte dos países da África em 2024 […] teve taxa de crescimento superior a 5%. Grande parte do impulso para esse crescimento, com certeza, está vinculado a uma série de projetos chineses na África."

Segundo ele, uma das principais características dos investimentos chineses é inverter a lógica da assistência internacional — em primeiro lugar, fazendo investimentos que criam bases para o desenvolvimento, que depois possibilitarão a criação de uma demanda.

"Se a China financia uma ferrovia grande, bonita, moderna, como a do Quênia, é porque ela tem a tecnologia, […] projetos de engenharia, capacidade [para realizar a obra]. […] Por outro lado, quando se cria uma infraestrutura de transporte, viabiliza economicamente a produção agrícola, mineral, industrial, então a China faz um investimento olhando o longo prazo, a criação de renda, a criação de novos mercados e também aquilo que ela necessita de forma mais urgente, que é garantir sua soberania ou abastecimento de alimentos e matérias-primas."

Cordeiro afirma que desde que a China ascendeu como uma República Popular, em 1949, "ela sempre esteve, do ponto de vista concreto, apoiando os países recém-saídos do colonialismo".

"A China foi uma grande liderança na Conferência de Bandung, que reuniu os países da África e da Ásia como uma estratégia de se reerguer depois do colonialismo. […] No começo dos anos 50, a China ajudou, mesmo muito pobre, mesmo sem recursos, a fazer uma ferrovia ligando a Zâmbia até a Tanzânia. É uma ferrovia emblemática, que contribuiu, dentre outras coisas, para garantir a própria independência da Zâmbia e da Tanzânia", afirma.

Outro ponto importante na corrida da China pela África, segundo o especialista, é a não interferência, a capacidade de fazer negócios sem impor "um pacote completo de modelo político, de modelo de sociedade, de valores, de religião".

"A China não exporta o próprio modelo, não tem uma religião para exportar, não diz o que é certo ou o que é errado em assuntos internos de outros países. Talvez ela até seja criticada justamente por esse tipo de pragmatismo, porque ela respeita a própria ordem nacional de cada país e vai lidando com o país do jeito que ele realmente é, não daquele que a China gostaria que fosse."

<><> Energia limpa e difusão da cultura chinesa

Amabilly Bonacina, bacharel em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em ciência política pela Universidade de Montreal e pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos Africanos da Faculdade de Ciências Econômicas (CEBRAFRICA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), enfatiza que o principal alvo dos investimentos chineses, hoje, na África, é o setor de energia, que afirma ser o maior gargalo para o desenvolvimento do continente.

Bonacina afirma que hoje a tecnologia chinesa é quase um monopólio na produção de energia solar no continente africano. Segundo ela, "apesar da existência de recursos como vento e luminosidade solar para as fazendas de produção de energia solar, ainda tem pouca infraestrutura nesse sentido" no continente.

"Hoje, os painéis e tudo que compõe a cadeia de produção de energia solar [...] é mais ou menos 75% produzido na China. Então, eles acabam sendo o parceiro natural porque eles têm essa tecnologia e estão dispostos a cooperar com termos interessantes para os países em desenvolvimento e para os países africanos em específico", explica.

Ela afirma ainda que a China tem investido em difundir sua cultura na África, aumentando exponencialmente o número de institutos Confúcio pelo continente.

"Penso também no caso dos programas de rádio, que rádio ainda é um dos meios de comunicação mais utilizados pelos africanos e existem programas de rádio que são desenvolvidos para tentar ampliar o acesso dos africanos à cultura chinesa."

Bonacina sublinha que outro dado interessante no investimento em longo prazo da China na África é a explosão demográfica prevista para acontecer em 2050 no continente africano.

"Essa explosão demográfica significa pessoas jovens. E essas pessoas jovens elas são um grande mercado consumidor para os produtos excedentes da economia chinesa. Então, eu acho que, mesmo que não seja tão evidente agora, o fator demográfico vai ser muito importante no futuro e eu acho que não vai ter outro lugar que nem o continente africano daqui a 50 anos nessas questões de demografia", explica.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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