Belo
Monte, Jirau e Santo Antônio, dez anos depois
O
projeto “Depois das Hidrelétricas: Processos sociais e ambientais que ocorrem
depois da construção de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio na Amazônia
Brasileira“, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa São Paulo Excellence
Chair (SPEC), termina este ano.
Iniciada
em 2013, a primeira fase da pesquisa teve foco nos processos sociais e
ambientais da construção da hidrelétrica Belo Monte, no rio Xingu, no Pará – a
usina foi inaugurada em 2016. A segunda fase, iniciada em 2020, examinou os
impactos de cinco a dez anos após a finalização da construção de Belo Monte e
incluiu estudos sobre as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio
Madeira.
“Estudos
desse tipo, com prazo de dez anos, são raríssimos. Ainda mais sobre
hidrelétricas. Mas o fato é que temos tudo muito bem documentado com dados de
antes das hidrelétricas chegarem, durante a construção e vários anos depois de
estar em operação usando a mesma metodologia, amostragem e um foco sobre os
impactos sociais e ambientais. Os projetos de engenharia previam uma série de
benefícios para a população local, com promessas de melhorias em saneamento,
tratamento e distribuição de água e esgoto, saúde e educação”, afirmou à
Agência FAPESP Emilio Moran, coordenador do projeto e professor da Universidade
Estadual de Michigan (Estados Unidos) e da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
A
investigação foi desenvolvida no âmbito da São Paulo Excellence Chair (SPEC),
uma modalidade de apoio da FAPESP que busca estabelecer colaborações entre
instituições do Estado de São Paulo e pesquisadores de alto nível radicados no
exterior. No caso do projeto liderado por Moran, a instituição paulista
parceira é o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp. Os
principais resultados podem ser conferidos em:
www.nepam.unicamp.br/wp-content/uploads/2024/09/resumo-executivo_spec.pdf (leia
mais em: agencia.fapesp.br/51603, agencia.fapesp.br/36934,
agencia.fapesp.br/36391 e agencia.fapesp.br/31374).
Com
o fim do projeto, que identificou alterações sociais, no uso do solo e na pesca
das regiões impactadas pela construção das três hidrelétricas, Moran tem novos
planos de pesquisa. “Agora vou buscar soluções que venham das populações
locais. Tenho mais de 35 anos de pesquisas na Amazônia, focando principalmente
em identificar os problemas. Estou iniciando um novo projeto, com financiamento
internacional, sobre mu
dança
climática, adaptação e mitigação, privilegiando conhecimento indígena e das
populações tradicionais como os ribeirinhos, por exemplo. Vamos investigar em
diversas regiões do mundo (entre elas Amazônia, Alasca, África Subsaariana,
Peru e Tailândia) como as populações tradicionais estão procurando se adaptar
às mudanças no meio ambiente e identificar as soluções que elas têm
descoberto”, conta o pesquisador.
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Leia abaixo a entrevista completa
• O
projeto de pesquisa foi dividido em três eixos principais: impacto na pesca,
impactos sociais e no uso do solo. O que os estudos mostraram?
Para
começar, houve mudança no uso do solo nas bacias dos rios Madeira e Xingu por
causa das hidrelétricas. Houve uma significativa redução da floresta e aumento
das áreas de pastagem, ocorrendo, inclusive, perda de vegetação natural nas
áreas próximas às hidrelétricas que deveriam estar protegidas. Os produtores
rurais da região foram muito afetados. Houve redução da produção, pois eles
precisaram migrar o plantio das áreas de várzea para as áreas de terra firme. A
produção ficou escassa. A atividade de pesca também foi muito alterada. Nossos
estudos mostraram que as barragens modificaram o fluxo dos rios, provocando
migração e morte de peixes – o que, por sua vez, levou à diminuição da
atividade pesqueira. Mudaram, portanto, as espécies capturadas, o que alterou a
cultura e a economia da pesca como um todo. Vale lembrar que peixe é a base da
alimentação das populações daquela região. Nas áreas urbanas, as consequências
também foram muito preocupantes. Em Altamira, os Reassentamentos Urbanos
Coletivos [RUCs], criados para abrigar populações deslocadas pela construção de
Belo Monte, enfrentam interrupções frequentes no abastecimento de água,
forçando a dependência de caminhões-pipa. Dá para imaginar uma população que
tinha uma relação próxima com o rio, numa espécie de mundo aquático, depender
de caminhão-pipa? A infraestrutura urbana também não acompanhou o crescimento
populacional, resultando em problemas de segurança pública, coleta de lixo e
também de saúde. Uma investigação nossa mostrou que há uma insegurança
alimentar espantosa nessas regiões. Mais de 69% dos responsáveis por domicílios
em Altamira responderam experimentar dificuldades de acesso à quantidade
desejada de alimento após Belo Monte. Isso tudo é muito grave, principalmente
se levarmos em conta que a construtora afirma ter investido R$ 6,5 bilhões em
ações socioambientais na região. Ao contrário do prometido, houve uma piora
muito grande nas condições de vida e socioambientais nessas duas regiões.
• O
projeto de pesquisa foi dividido em duas etapas. A primeira, durante a
construção de Belo Monte, e a segunda em 2020, quando foram investigados os
impactos mais duradouros, anos depois da construção de Belo Monte, Jirau e
Santo Antônio. Por quê?
Achamos
que seria interessante verificar se os problemas de Belo Monte eram específicos
de um projeto que sempre foi muito criticado por especialistas e ambientalistas
ou se era algo ligado a grandes hidrelétricas na Amazônia no geral. Queríamos
investigar se os mesmos problemas de Belo Monte também ocorreram em Jirau e
Santo Antônio, e a resposta é sim. Belo Monte teve muito holofote por causa de
um trabalho da população indígena local que reclamou bastante, mas Jirau e
Santo Antônio, construídas muito próximas da capital Porto Velho, foram
esquecidas pela mídia brasileira. Não se sabia o que estava acontecendo lá
durante nem depois da construção. Por ser uma capital e duas hidrelétricas, foi
até mais crítico que Belo Monte. Não houve preparação, teve muito mais
inundação por causa de características do solo daquela região. Estudo realizado
com base em sensoriamento remoto mostrou que só de área inundada foi o dobro do
previsto. Pense nisso. Então, muita gente teve de mudar, ser reassentada num
processo que nem sequer tinha sido previsto. Ou seja, a falta de planejamento
está associada ao fato de nem sequer terem estudado os solos daquela região
durante a elaboração do projeto de engenharia. Estudos desse tipo, com prazo de
dez anos, são raríssimos. Ainda mais sobre hidrelétricas. Tem pouco estudo com
tanto nível de detalhamento que acompanhou as pessoas atingidas pelas
hidrelétricas.
• Quando
a pesquisa iniciou, Belo Monte já estava em obras. Isso comprometeu a análise?
Embora
a pesquisa não tenha começado antes da construção de Belo Monte, eu já tinha os
dados, pois trabalhava naquela área há muito tempo. Eu tinha feito uma pesquisa
na área rural de Altamira, nos anos 1997, 1998 e em 2005 com os mesmos 402
produtores rurais que estudamos depois, em 2014 e 2023. Então, temos quatro
pontos de dados – dois antes, um durante e outro depois da hidrelétrica –, o
que permite comparar o impacto da usina sobre a agricultura, o uso da terra e a
pesca. Na área urbana, por acaso, eu tinha feito uma pesquisa em Altamira meses
antes do anúncio de Belo Monte, em 2010. Além dessa pesquisa prévia,
realizamos, em 2014, entrevistas em 500 domicílios na cidade de Altamira, nos
mesmos setores censitários que eu havia pesquisado anteriormente, para saber
qual foi o impacto sobre essas famílias no período de construção da
hidrelétrica e depois que ela estava pronta. Dessa forma, temos dados de antes,
durante e depois de Belo Monte. Isso também é algo muito raro de se ter. A
demografia é algo muito importante, pois um dos impactos foi a chegada de muita
gente. Chega muito dinheiro também e a nossa pergunta sempre é: o que fica para
a região? A cidade de Altamira tinha uma economia boa antes de Belo Monte. Eram
85 mil habitantes e a população quase dobrou com a obra. Temos tudo isso
mapeado. Infelizmente, como o Censo ocorre a cada dez anos, seria até possível
pensar que não ocorreu nada, pois um ocorreu em 2010 – um pouquinho antes da
construção – e depois a outra edição atrasou e foi feita apenas em 2021. Então,
poderia se perder essa janela de dados sobre os impactos de Belo Monte.
Felizmente, temos dados primários que não dependem do Censo, como, por exemplo,
os dados de satélites.
• O
senhor considera que a construção das três hidrelétricas foram uma solução para
aumentar a oferta de energia renovável no país?
Em
Belo Monte, por exemplo, embora a capacidade instalada seja de 11 GW, a energia
comercializada é de apenas 4 GW. Bom, agora, com a seca na Amazônia, não se
está produzindo nada. Foi por conta de todos esses problemas que pararam de
construir hidrelétricas na Europa e nos Estados Unidos nos anos 1970. Depois de
três décadas de construção intensa, decidiram que o custo social e ambiental
era muito elevado e na década de 1970 já não se construíram mais projetos do
tipo nesses países. Foi então que o setor hidrelétrico se mudou para o Sul
Global e grandes obras passaram a ser realizadas na Tailândia (rio Mekong),
China, América do Sul e também na Amazônia. Então, a pergunta que fica é como
um setor que foi abandonado em uma grande parte do mundo, por causa dos
impactos sociais e ambientais, segue fortalecido em outros países. E no Sul
Global é ainda pior, principalmente porque a biodiversidade é muito maior: um
rio no Norte costuma ter 20 espécies de peixes, em média, enquanto o rio
Madeira tinha 1.048 espécies antes das hidrelétricas e 30% dessa diversidade
foi perdida em menos de dez anos de construção.
• Uma das
conclusões do projeto de pesquisa é que Belo Monte, Jirau e Santo António foram
oportunidades perdidas. Por quê?
Porque
os projetos de engenharia previam uma série de benefícios para a população
local, com promessas de melhorias em saneamento, tratamento e distribuição de
água e esgoto, saúde e educação. Mas, depois da construção da hidrelétrica,
pouco ficou: houve uma explosão de violência e alta dos preços, a agricultura
colapsou e os rios perderam até 30% dos peixes – aqueles bagres enormes de
100-200 quilos desapareceram, por exemplo. Até hoje a estrutura de água e
esgoto e o novo hospital de Altamira não foram entregues. Até a energia
elétrica ficou mais cara. Enquanto uma família paga em São Paulo cerca de R$
300 de conta de luz, em Altamira ela custa R$ 1.500 pelo mesmo consumo.
Portanto, o que ficou dessas obras para a região? Nada. Não houve o
desenvolvimento regional prometido, até porque as etapas das obras iam
avançando sem que as obrigações impostas para a empresa (as chamadas
condicionantes) fossem cumpridas.
• O
senhor afirmou, em uma palestra realizada na FAPESP, que existe um colonialismo
interno do Brasil em relação à Amazônia. O que isso quer dizer?
Todas
as estratégias de operação na Amazônia nos governos militares tinham a
hidrelétrica ou a construção de estradas como fundamentais para a criação do
‘Brasil gigante’ que eles queriam – o desejo de expansão econômica enorme e de
ocupar a Amazônia para desenvolver o país. O bordão ‘integrar para não
entregar’ era um dito da época promovido na imprensa. Era a estratégia da
solução única. Mas, depois de 20 anos da época militar, ninguém, nenhum governo
subsequente questionou aquela estratégia colonial, de desenvolvimento acima de
tudo, acima dos direitos das pessoas. Foi uma estratégia autoritária. Um país
democrático poderia ter um pouco mais de discussão nesse sentido, levando em
conta que tipos de solução e qual justiça social se quer. No caso das três
hidrelétricas que estudamos, a população poderia ter sido consultada. Um fato
bastante chocante foi que, antes da construção das três hidrelétricas, houve um
painel de especialistas que, naquela época, elencou tudo o que aconteceu. Eles
alertaram que haveria problema com a sedimentação do rio Madeira (onde estão
localizadas as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio), com a produção de
energia de Belo Monte, pois o rio Xingu varia muito de nível na época de seca e
chuvosa e que sua nascente fica no Mato Grosso, uma área de cerrado cada vez
mais desmatada para o plantio da soja.
• E, com
o término deste projeto, quais são seus planos?
Eu
sempre digo que um projeto de pesquisa nunca acaba. Apenas termina uma fase.
Estou trabalhando há 52 anos na Amazônia. Comecei meus estudos na [rodovia]
Transamazônica como estudante de doutorado e continuei voltando para a região
sempre. Tenho tido muita sorte por ter 32 anos contínuos de financiamento para
pesquisas na Amazônia. Agora eu vou buscar soluções envolvendo as populações
locais que quase sempre são esquecidas no planejamento para o
‘desenvolvimento’. Tenho muitos anos de pesquisas na Amazônia, focando
principalmente em encontrar os problemas e os gargalos do desenvolvimento.
Estou iniciando um projeto, com financiamento internacional, sobre mudança
climática e adaptação e mitigação, privilegiando conhecimento indígena e
populações tradicionais. Vamos investigar em diversas regiões do mundo [entre
elas Amazônia, Alasca, África subsaariana, região andina do Peru e Tailândia]
como as populações tradicionais estão procurando se adaptar às mudanças no meio
ambiente, privilegiando o que elas querem e as soluções que têm encontrado.
• Abertura
de garimpos na Terra Yanomami é zerada em setembro; em 6 meses queda é de 96%,
diz governo
Em
setembro de 2024, o Governo Federal completou 2.048 operações na Terra Indígena
Yanomami (TIY), focadas no combate ao garimpo ilegal, de acordo com os dados
divulgados nesta sexta-feira (4) do Centro Gestor e Operacional do Sistema de
Proteção da Amazônia (Censipam), órgão do Ministério da Defesa.
A
pasta informou ainda que desde o início dessas ações, em março de 2024, houve
queda de 96% na abertura de novos garimpos, em comparação aos números de 2022,
graças ao uso de tecnologias avançadas de monitoramento, como satélites e
drones.
"Entre
março e setembro de 2024, apenas 37 hectares de novas atividades de garimpo
foram detectados, número muito inferior aos 984 hectares registrados no mesmo
período de 2022. Em setembro de 2024, nenhum novo garimpo foi identificado,
evidenciando a eficácia das operações", diz o levantamento do ministério.
Em
março, foram detectados 13 hectares de novas áreas de garimpo, em comparação
com os 107 hectares de março de 2022. Já em julho, o número caiu de 186
hectares em 2022 para apenas 2 hectares em 2024.
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Prejuízos para garimpeiros ilegais
Até
setembro de 2024, informou o ministério, os garimpeiros ilegais sofreram perdas
superiores a R$ 215 milhões. Entre os itens apreendidos estavam 90 antenas
Starlink, 177 embarcações, 73 armas de fogo, além de 90 mil quilos de
cassiterita e 95 mil litros de óleo diesel. As forças de segurança também
destruíram 318 acampamentos e prenderam 114 pessoas.
Foram
quase 12 mil abordagens e 584 missões de fiscalização aérea, que resultaram em
mais de 2 mil autuações e 25 embargos, com multas que totalizam R$ 11,4
milhões, acrescentou o informativo.
Fonte:
Por Emilio Moran em entrevista à Maria Fernanda Ziegler, na Agência
FAPESP/Sputnik Brasil
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