Pablo
Marçal: qual o futuro político do franco-atirador que virou fenômeno da eleição
e dividiu a direita
Pablo Marçal
(PRTB). Ao longo dos últimos meses, o ex-coach adotou uma estratégia
de campanha pautada nas polêmicas e nas provocações aos seus adversários, que o
impulsionou a sair de 10% das intenções de votos em maio para 28,14% das
escolhas nas urnas no domingo (6/10).
Essa
votação deixou o influenciador muito perto de conseguir disputar o segundo
turno — Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) terminaram com 29,49% e
29,02%, respectivamente.
Candidato
pelo nanico PRTB, Marçal não teve tempo no horário eleitoral gratuito e seus
recursos vieram, em sua maioria, de doações, reforçando a origem da sua
candidatura: quase 70% da receita de sua campanha — R$ 7,6 milhões — veio de
doações pela internet, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE).
E a
maior parte dos gastos declarados (23,5%) foi com impulsionamento de conteúdo
na rede. Sua campanha investiu R$ 662 mil, de acordo com os dados divulgados
até sábado (5/10), em anúncios nas redes sociais, mesmo tendo dois perfis
suspensos por determinação da Justiça Eleitoral ao longo da campanha.
Especialistas
consultados pela BBC News Brasil, avaliam a participação de Marçal e seu
desempenho ao longo da campanha, além de seu possível impacto na política em
âmbito nacional.
"Um
candidato com uma maneira de fazer comunicação política nas redes sociais, abre
espaço para essa descentralização", explica Rafael Cortez, cientista
político e sócio da Tendências Consultoria.
"Um
determinado grupo de pessoas que hoje atua na internet vai achar que tem também
o conhecimento para fazer essa ponte de transferência do seu capital social
para a política, assim como Marçal fez."
Ele
lembra que o fato de Marçal estar de fora da disputa não significa,
necessariamente, uma derrota para ele. "Ele pode ser competitivo em uma
disputa para o Senado em 2026, por exemplo", diz. "O resultado de
hoje não foi um mau começo."
A
aposta de Cortez condiz com o que Marçal disse ao reconhecer a derrota. No
final da noite de domingo, ele disse a jornalistas que sua colocação foi
"extraordinária" e que 2026 "está logo ali".
"Eu
prometo ser combativo na política brasileira nos próximos 12 anos. Foi o tempo
que eu decidi no meu coração para servir à política", afirmou. Ele disse
que não disputaria mais a Prefeitura de São Paulo, e nem um cargo legislativo.
"Só restam duas opções, ou o governo do estado ou a presidência",
afirmou.
Ele
acenou a Nunes, associando um possível apoio à inclusão de algumas das suas
propostas no programa de governo do canidato do MDB, como aula de educação
financeira nas escolas e empreendedorismo.
Já
a vitória de Nunes significa, segundo Cortez, a premiação ao pragmatismo da
elite política ligada ao bolsonarismo. "[o ex-ministro] Ricardo Salles
pediu muito para ser candidato, e Bolsonaro fez a opção pelo Nunes. Essa opção
e Marçal fora do segundo turno significa a premiação a esse pragmatismo. E é
também o início da plataforma de um projeto presidencial que começa em São
Paulo", diz.
·
Intimação e conta
suspensa
Faltando
menos de 24 horas para as eleições, Marçal teve sua conta no Instagram suspensa
à pedido da Justiça Eleitoral, e ainda foi intimado a prestar esclarecimentos
ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
As
ações ocorreram por condutas diferentes de Marçal, mas ambas ocorridas no
âmbito digital. A primeira, a suspensão de sua conta no Instagram, ocorreu
porque o ex-coach publicou "fatos infames e inverídicos", com o
"nítido propósito de interferir no ânimo do eleitor e no pleito
eleitoral", segundo a decisão do juiz eleitoral de São Paulo, Rodrigo
Capez.
Na
sexta-feira (4/10), Marçal publicou um suposto laudo - cuja falsidade foi
comprovada no dia seguinte por meio de uma perícia realizada pela Polícia Civil
- atestando que Guilherme Boulos teria procurado ajuda médica após consumir
cocaína.
A
campanha de Boulos entrou com uma ação pedindo a prisão de Marçal, algo que não
foi atendido pela Justiça, que apenas determinou a suspensão da conta do
Instagram por um período determinado.
Marçal
obedeceu à ordem, mas em poucas horas já tinha uma nova conta, cheia de vídeos
e propagandas da sua campanha. Foi a terceira conta que ele criou devido a
ordens por suspensão, mas acabou suspensa poucas horas depois, ainda nos
sábado.
Uma
nota enviada por sua assessoria de imprensa no sábado chamava a decisão da
Justiça de "uma ação desproporcional e claramente política" e que a
suspensão da conta, a poucas horas da eleição, é uma medida que "visa
silenciar o candidato e impedir que suas propostas cheguem aos eleitores.
A
primeira conta foi derrubada ainda em agosto, depois que a campanha de Tabata
Amaral (PSB) entrou com uma ação questionando a estratégia de Marçal de
promover os chamados “cortes” de vídeos, remunerando pessoas que o realizassem.
Os
"cortes" foram realizados por centenas de pessoas com vídeos de
Marçal em debates e sabatinas dizendo frases de efeito em poucos segundos. Quem
conquistasse o maior engajamento, era remunerado.
O
suposto abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação para
promover esses vídeos motivaram a decisão da Justiça Eleitoral de acolher o
pedido da campanha de Tabata, mas ele criou novos perfis em todas as
redes sociais em seguida, chamando de "reserva".
Já
a decisão do Supremo emitida na véspera do primeiro turno, previa a intimação
do ex-coach a prestar esclarecimentos depois que ele realizou publicações no X
(antigo Twitter), suspenso no Brasil desde o dia 30 de agosto.
De
acordo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, a Polícia Federal
identificou “intensa atividade nos últimos dias” a partir do dia 2 de outubro.
Marçal também utilizou a rede social para publicar o laudo falso sobre Boulos.
Em
sua decisão, Moraes afirmou ainda que o uso “sistemático” do perfil de Marçal
nos últimos dias “se amolda à hipótese de monitoramento de casos extremados, em
que usuários utilizam subterfúgios para acessar e publicar na plataforma X de
forma sistemática e indevida, com a finalidade de propagar desinformação em
relação às eleições de 2024, com discurso de ódio e antidemocráticos”.
Ao
reconhecer a derrota no domingo, Marçal se defendeu dizendo que não sabia que o
laudo era falso e que se soubesse, não teria publicado. E classificou a
suspensão de suas redes como algo negativo para a democracia.
·
Futuro político nas
mãos da Justiça Eleitoral
O
advogado Fernando Neisser, especialista em direito eleitoral, explica que o
inquérito policial aberto para investigar o laudo falso apresentado por Marçal
contra Boulos poderia até anular uma vitória do ex-coach, caso ele se viesse a
se eleger.
Esse
inquérito vai apurar a divulgação de fatos inverídicos, que é, de acordo com
ele, um crime eleitoral, injúria eleitoral, difamação eleitoral, falsidade para
fins eleitorais e, eventualmente, associação criminosa.
“Isso
vai correr na Justiça Eleitoral no âmbito criminal e é uma investigação que
leva um pouco mais de tempo --vai ter o inquérito, depois de concluído isso vai
ao Ministério Público que deve propor uma ação penal", explica.
Ele
aposta que a campanha de Boulos deve ajuizar uma ação de investigação judicial
eleitoral, uma AIJE. "É uma ação que serve para apurar abuso de poder, ela
não é criminal; ela corre na Justiça Eleitoral também", explica.
A
AIJE pode apurar abuso de poder político, abuso de poder econômico ou uso
indevido dos meios de comunicação. "O caso de Marçal vai ser nessa última
modalidade, por uso indevido dos meios de comunicação por conta dessa campanha
de desinformação", diz.
O
especialista explica que, caso seja julgada procedente, Marçal ficará
inelegível por oito anos.
Marçal
ainda tem outras ações judiciais, como aquela movida pela campanha de Tabata
pelos "cortes" e quem podem levar à inegibilidade dele, segundo
Neisser.
O
advogado lembra que a ação continua correndo, mesmo com Marçal fora da disputa.
·
Sem Lula e sem
Bolsonaro
A
eleição deste ano na cidade de São Paulo foi atípica. Pela primeira vez desde a
sua fundação, o PT não liderou uma chapa. Foi a primeira vez também que o PSDB
não estava entre os protagonistas da disputa.
Embora
o PT tenha indicado a vice de Boulos, a ex-prefeita Marta Suplicy, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou distante da campanha. Na última semana,
momento crucial para uma campanha política, Lula viajou ao México para
participar da posse da presidente Claudia Sheinbaum.
Apareceu
somente na véspera da eleição, em uma caminhada pela avenida Paulista,
juntamente com sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), e a
ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina (PSOL).
Outro
cabo eleitoral importante e que foi desfalque no pleito paulistano, o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sequer apareceu na cidade e apoiou Nunes de
longe. A aliança do prefeito abarca o partido do ex-presidente também.
Essa
distânica foi sentida pelos eleitores, de acordo com as pesquisas. Com seu
discurso radical, Pablo Marçal disputou, um a um, o eleitorado bolsonarista,
chegando a conquistar 51% dos apoiadores do ex-presidente, segundo pesquisa do
Datafolha divulgada na quinta (3/10). Nunes, segundo a mesma pesquisa, aparecia
com 32% da preferência entre os eleitores de Bolsonaro.
Ainda
assim, o ex-presidente não só não acenou para Marçal, como também rejeitou
qualquer possível aproximação ensaiada pelo ex-coach ao longo
da campanha.
"Se
Bolsonaro tivesse realmente se engajado, certamente teria poder de influência
para evitar que algumas lideranças como [o ex-ministro] Ricardo Salles e [o
deputado do PL] Nikolas Ferreira apoiassem o Marçal como apoiaram", afirma
Fernando Schuler, cientista político e professor do Instituto de Ensino e
Pesquisa (Insper).
Para
o cientista político, a ausência de Bolsonaro na campanha paulista foi um
cuidado para que a derrota não colasse em seu nome, em um eventual cenário em
que Nunes não tivesse sucesso.
"O
que Bolsonaro não quer é ser rotulado na segunda-feira como grande
perdedor", diz.
Ele
lembra, no entanto, que a vitória de Ricardo Nunes é uma vitória,
principalmente, do governador Tarcísio Freitas (Republicanos). "E, em
segundo plano, é uma vitória de Bolsonaro."
·
A corrida do azarão
Além
dos percalços envolvendo suas redes sociais, Marçal teve outros obstáculos para
atravessar ao longo desta campanha.
No
fim de agosto, a Folha de S. Paulo revelou áudios do
presidente do PRTB, Leonardo Alves de Araújo, conhecido como Leonardo
Avalanche, em que ele dizia ter ligação com o PCC. Na época, Marçal disse que
as revelações eram “constrangedoras”, mas afirmou que não podia “fazer nada”.
A
notícia foi usada como artilharia por seus rivais.
Sua
estratégia provocativa durante os debates e sabatinas saiu pela culatra ao
menos em três momentos.
Logo
no início da campanha, em julho, Marçal responsabilizou a família de Tabata
Amaral pela morte do pai dela em 2012, mentindo que ela estava fora do Brasil
na ocasião. Uma semana depois, em um debate promovido pela Rede TV em parceria
com o UOL, ele pediu desculpas, reconhecendo que passou “dos limites”.
Depois,
o ex-coach foi alvo de
uma cadeirada do candidato do PSDB José Luiz Datena, depois de
ter citado uma denúncia de assédio sexual contra o apresentador.
Marçal
continuou provocando Datena que saiu de onde estava e bateu nele com uma
cadeira.
As
cenas que vieram a seguir, de Marçal saindo de ambulância, com máscara de
oxigênio e internado em um hospital, vieram de encontro com a imagem que ele
havia construído de um homem forte, que luta com tubarões, aprende a nadar
sozinho e corre distâncias enormes.
A
incongruência entre o perfil vitimizado e o viril o levou a dizer, alguns dias
depois, que não necessitava de ambulância naquele dia.
Já
no fim da campanha, Marçal disse em um debate, que "mulher não vota em
mulher porque mulher é inteligente". A provocação que saiu pela culatra
foi endereçada à candidata Tabata Amaral (PSB).
No
dia seguinte, ele chamou a imprensa e anunciou duas mulheres para seu eventual
governo, a ex-jogadora de vôlei Patrícia Borges (União Brasil), para a pasta do
Esporte, e Selene Nunes, ex-secretária da Fazenda de Ronaldo Caiado (União
Brasil) em Goiás, para a secretaria de Gestão e Responsabilidade Fiscal. E
disse que as mulheres são "mais competentes, mais delicadas e
biologicamente mais inteligentes", tentando reverter um deslize junto ao
eleitorado que mais o rejeitou.
Fonte:
BBC News Brasil
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