terça-feira, 8 de outubro de 2024

Jair de Souza: Genocídio na Palestina - Jesus, a religião e o uso da razão

Entre os que militam em política no campo popular de esquerda, sempre esteve presente a questão do papel da religião nos processos de transformação social.

Por isso, ao abordar este tema no presente texto, não estamos fazendo nada que já não tenha sido feito no passado.

Entretanto, o que deveras esperamos que venha a ser uma novidade é a maneira como pretendemos analisar e sobrepesar os aspectos mais relevantes do sentimento religioso em contextos de lutas em favor das causas do povo trabalhador.

O primeiro ponto que convém que deixemos evidente é que toda e qualquer crença religiosa só deveria ser aceita como eticamente válida se seu objetivo básico for a busca do bem para o conjunto da humanidade.

Isto quer dizer que nenhuma religião que se dedique a pregar e defender pensamentos ou ações que atentem contra a ética do bem geral mereceria ser tomada como modelo a ser emanado e seguido em sua plenitude, sem contestação.

Partimos do princípio de que a convicção na existência ou não existência de um ser supremo, criador e regente de tudo e de todos, a quem chamaríamos de Deus, não se constitui no ponto mais relevante, até mesmo para o próprio ser supremo em quem se crê.

Explicando: para aquele que incorporaria todas as qualidades associadas à bondade, o que de fato deveria ser a essência de sua preocupação só poderia ser o desejo e a determinação de garantir que as ações e os pensamentos dos humanos se desenvolvessem com o propósito de fazer prevalecer seus postulados, que não poderiam ser outros que os da prevalência da justiça, da bondade e da solidariedade entre todos, sem discriminações arbitrárias.

Em vista disto, é condição sine qua non que esse ser supremo ao qual estamos comprometidos a seguir seja fundamentalmente bom e justo.

Em consequência, isto implica que seria incompatível que ele tivesse como sua preocupação central o propósito de garantir a devoção total e exclusiva a sua própria figura, e sim almejar um apego real de todos às causas por ele simbolizadas.

Em outras palavras, por ser justo e bondoso, ele nunca se deixaria levar por um sentimento tão egoísta e mesquinho a ponto de considerar que nada teria validade pelo mero fato de não haver sido executado em seu nome, ou seja, toda prática do bem estaria sempre intrinsecamente associada a ele.

Também, por outro lado, seria lógico entender que ele não toleraria nenhuma maldade, por mais que seu praticante invocasse seu nome ao cometê-la.

Assim, diante da hipótese de que tenhamos de nos submeter a um juízo final após nossa morte física, não nos parece fazer nenhum sentido nutrirmos receio de que a crença ou não crença na existência de Deus venha a ter algum peso significativo em nossa eventual condenação ou absolvição.

Os motivos para esta convicção são muito fáceis de entender. É que não seria eticamente aceitável que alguém que em vida tenha se dedicado a praticar o bem não seja reconhecido como tendo de fato dado provas de ter sido fiel aos desígnios do supremo ser da bondade.

A maior demonstração de concordância com este Deus da bondade só poderia ser a prática efetiva do bem.

Sendo assim, entendemos que nossa preocupação prioritária deveria sempre ser a de fazer o bem, e não em nome de quem isso esteja sendo feito. É neste contexto que Jesus adquire enorme relevância.

E isso se deve a que temos em sua figura um dos exemplos mais cristalinos de que é possível manter sentimentos religiosos sinceros sem precisar violentar nosso senso da razão e da ética.

Em todas as instâncias constantes nos relatos de sua vida, Jesus sempre atuou em plena sintonia com sua crença religiosa e aquilo que sua capacidade de raciocinar coerentemente lhe orientava.

Por isso, ele não hesitou em ressignificar várias das passagens do Velho Testamento quando sua razão lhe deixava patente que não seria correto que os escritos fossem seguidos acriticamente ao pé da letra em quaisquer contextos.

Dentre os vários exemplos da ressignificação feita por Jesus a pontos até então considerados como verdades absolutas pelos seguidores do judaísmo podemos citar a afirmação de que os judeus eram o povo escolhido de Deus, ao qual uma determinada terra estaria reservada com exclusividade.

Apelando para o uso de sua razão e coerência, Jesus jamais poderia concordar com a ideia de que Deus fosse tão racista e sem sentimento a ponto de atribuir valor absoluto a uma questão fortuita, como a de nascer em um ou outro grupo étnico ou nacional, para merecer privilégios não concedidos a todos.

Por isso, ele logo se deu conta da imensa injustiça que estava embutida naquela interpretação do Antigo Testamento.

Aceitá-la como válida seria admitir que Deus pudesse ser um discriminador racial tão perverso e insensível, assim como injusto.

Exercendo sua grandiosa capacidade de raciocinar e ponderar, Jesus concluiu que aquilo nunca poderia ter vindo mesmo de Deus.

Seria tão somente mais uma das deturpações que os humanos costumam praticar e atribuir a Deus, como forma de eliminar ou suavizar as resistências de seus adversários diante de suas espertezas.

Deve ter sido devido a isto que Jesus se empenhou em elucidar a questão com toda clareza. Assim, ele nos esclareceu que a pertinência ao povo de Deus não se derivaria de nenhum privilégio em função de ser originário de um ou outro grupo humano.

O fator determinante para fazer parte deste povo escolhido dependeria, primeiramente, do engajamento de cada um de nós na luta pela construção de um novo mundo, mais justo e solidário.

Em outras palavras, para Jesus, o povo escolhido se formaria a partir de nossa própria escolha em seguir o caminho do bem por ele traçado, e não por termos nascido neste ou naquele grupo.

O certo é que Jesus nunca se deixou levar por aquela compreensão de que se algo está escrito nos textos ditos sagrados, ele deve ser aceito e defendido como verdade absoluta e eterna, sem nenhuma contestação.

Esta inspiração no exemplo do comportamento de Jesus é de enorme valor nos tempos atuais, em que temos inúmeros casos de atrocidades sendo praticadas com a anuência de muita gente que se diz cristã com base na argumentação de que se está respeitando o que consta nos textos bíblicos.

O caso do monstruoso genocídio em curso contra o povo palestino é um dos mais abomináveis exemplos que podemos citar de interpretações contrárias ao espírito de Jesus.

É muito doloroso encontrar pessoas que usam o nome de Jesus para justificar os crimes horrendos que estão sendo cometidos pelas forças militares do sionista Estado de Israel contra o humilde e desamparado povo palestino.

Nenhum cristão de verdade pode dar seu aval a tanta crueldade e perversidade.

Nestes momentos de muito sofrimento e dor, com tantas crianças sendo massacradas por um dos exércitos mais bem armados do mundo, é imperativo que o nome de Jesus sirva para ajudar aqueles que de verdade precisam de seu apoio justo e misericordioso.

Se você é um seguidor sincero de Jesus, é importante ter sempre em mente que Jesus representa acima de tudo o valor da bondade, da justiça e da solidariedade.

Não permita que oportunistas caçadores de fortuna continuem recorrendo ao uso de seu nome para apoiar crimes dignos do senhor das trevas, já que eles nada têm a ver com Deus, e muito menos com Jesus.

 

¨      A humanidade e o horror da “guerra” sionista, Por Roberto Amaral

Elemento essencial do conceito de guerra é o confronto de exércitos, assim designadas as fileiras de profissionais adestrados para o ofício de enfrentar e matar quem seu comandante indica como inimigo a eliminar, ou território a conquistar ou preservar. O inimigo da vez pode ter sido um aliado de ontem, um antigo vizinho, ou mesmo um irmão de sangue. Como o inimigo de ontem pode tornar-se o grande aliado estratégico de hoje: o Japão da II Guerra Mundial, inimigo mortal abatido com a violência da bomba atômica, é hoje um dos principais aliados estratégicos dos EUA.

Os judeus, como os árabes, mais do que outros povos, conhecem essa danação. No Oriente Médio presente, porém, embora haja judeus perseguidores e árabes perseguidos, não há guerra, eis que não há confronto de tropas, não há embate entre guerreiros, senão o puro e simples massacre de populações civis, indefesas e por definição desarmadas, na sua maioria gente idosa, mulheres e crianças, contra as quais ruge e vomita bombas um exército luciferino comandado pelo ódio; um exército todavia moderno, excepcionalmente equipado, armado até os dentes pelo que há de mais mortífero na tecnologia fria da indústria da morte.

A luta entre tropas militares e civis desarmados não é guerra, mas, simplesmente um massacre sem sursis, pois sua essência é mistura de vindita e covardia. Mais ainda quando os alvos preferidos são centros médicos, escolas e campos de refugiados. Segundo as estatísticas possíveis nas circunstâncias, já morreram mais de 40 mil palestinos desde o primeiro ataque israelense a Gaza que foi reduzida à condição de terra-arrasada, um monturo de nada. Conta-se em torno de 1,7 milhão o número de desabrigados.

Na retaguarda de Israel, hoje um fora-da-lei, pois nenhuma lei ou código, ou tradição de convivência internacional respeita, está o mais poderoso Estado beligerante já conhecido pela humanidade, o mais longevo dos impérios (militar, econômico, tecnológico e cultural) registrados pela idade moderna: os EUA. Um país, aliás, tanto quanto o Estado israelense, muito afeito aos massacres de civis e à rapina de terras estrangeiras: os mexicanos no final do século XIX perderam para seu vizinho algo como 2,3 milhões de km², ou seja, 55% de seu território. O desprezo pela vida humana conhece seu extremo no final da II Guerra Mundial, quando duas bombas atômicas massacraram as populações civis de Hiroshima e Nagasaki, no Japão.

Na “guerra da Coreia”, invadida pelos EUA com o respaldo da ONU em 1950, morreram 2 milhões de civis. Por fim, mas não fechando o ciclo que compreende ainda um sem-número de guerras de caráter colonialista espalhadas pelos quatro cantos da Terra – como as invasões do Afeganistão e do Iraque, a guerra do Vietnã é o grande destaque da história contemporânea. A agressão dos EUA, iniciada em 1965 e só encerrada em 1975 com a queda de Saigon, custou as vidas de 2 milhões de civis. O império, que desesperadamente luta pela hegemonia mundial que conheceu entre o fim da Guerra Fria e a emergência da China, encontra no Estado-tampão de Israel o aliado perfeito.

Na verdade, suas políticas de guerra se completam, desempenhando, cada uma segundo suas características e circunstâncias, papel estratégico na atual política de guerra do dito Ocidente: 1) a guarda do Oriente Médio por Israel; 2) a guarda da Europa (governada majoritariamente por partidos protofascistas) e a contenção da Rússia, pela OTAN; 3) o Japão, virtual porta-aviões do Pentágono posto a vigiar a China, e, por fim, 4) os próprios EUA, policiando o mundo, com suas cerca de 800 bases militares em mais de 70 países.

Não é obra do acaso que desde 1947, quando, para existir, ocupou parte da Palestina, o Estado de Israel tenha tomado para si a Cisjordânia, o Sinai e as colinas de Golã, e ainda administra ou controla cerca de 85% dos territórios originários da Palestina. Em nome de sua “autodefesa” Israel destruiu a possibilidade do Estado palestino – a contraparte da ONU para o Estado judeu. Atendendo a interesses próprios de Estado de alma colonialista, de que decorrem o belicismo e a fome de territórios (um dos pontos em que Israel e EUA se encontram com a Alemanha de Hitler, obcecada com seu Lebensraum), o Estado sionista mata civis em Gaza, na Cisjordânia, no Líbano, no Iêmen, voltou a matar na Síria e voltará a matar no Irã e onde mais se fizer necessário à geopolítica da destruição. Em quase todos os eventos agiu como procurador do imperialismo.

A OTAN não é peça ausente nesta arquitetura. Sob o comando estratégico e os recursos militares, táticos e financeiros dos EUA, cumpre papel crucial no conflito Ucrânia-Rússia, que traz a Europa e uma grande potência nuclear para o epicentro da crise. Ao mesmo passo em que garante um enclave bélico nas fronteiras da antiga república soviética, a presença da OTAN logra paralisar em seu território aquele que já foi considerado o maior exército do mundo, e que hoje guarda o paiol do maior estoque de ogivas nucleares.

Esses conflitos são cruciais para o Pentágono, pois constituem peças decisivas no projeto (de vida ou de morte) estadunidense: recuperar a hegemonia mundial, mesmo que ao preço de um conflito que, hoje, para o bem e para o mal, sabemos como começa e já podemos prever como terminará. Podemos, mesmo, anunciar como será seu sucessor: “Eu não sei com quais armas a Terceira Guerra Mundial será lutada, mas a Quarta Guerra Mundial será travada com paus e pedras” (Albert Einstein. Liberal Judaism, 1949).

A lenta decadência do império ainda cobrará sacrifícios impensáveis à humanidade. Roma, desta feita, se prepara para a guerra. O confronto de nossos dias tem na sua ante sala a explosão do Oriente Médio, projeto que remonta aos idos do imperialismo britânico; o atual teatro de operações deve estender-se em pouco tempo, e toda guerra, antes da paz, é a mãe de outra, como a II Guerra Mundial foi o desdobramento inevitável do conflito desencadeado em 1914.

Por isso, o conflito Rússia-Ucrânia jamais se circunscreveu aos dois países, e logo se transformou no embate EUA-OTAN versus Rússia, com os olhos dos EUA voltados para a ameaça real: a emergência de uma Eurásia liderada por uma China industrializada, em condições de pleitear o cetro da hegemonia mundial.

A imprensa brasileira, perdidamente parcial, porta-voz que é da Hasbará (a máquina de propaganda do enclave sionista), noticia a invasão do Líbano como se estivéssemos diante de uma gincana de fim de semana. Não se dá ao dever de informar que se trata de mais uma agressão ao território de um país soberano, como foi, na sequência, a incursão dos bombardeiros na Síria, violando as regras da convivência internacional e a Carta das Nações Unidas, que não se peja em desrespeitar, como desrespeita a Corte Internacional de Justiça.

O desafio de Israel à chamada comunidade internacional se expressa, ainda, pelo desplante com que seu chanceler declarou persona non grata no Estado ninguém menos que o secretário-geral da ONU.

O objeto da violência sionista, armada e financiada pelos EUA, não é a legítima defesa de um Estado ameaçado, posto que sabidamente o Estado-tampão de Israel não o é; ameaçada, e, ademais, ocupada, é a Cisjordânia, é parte de Jerusalém e para tal tragédia parece condenado o Líbano.

Sob o terror estadunidense-israelense, Gaza foi reduzida a escombros; e desde o primeiro dia da agressão sionista seu povo, indefeso, à míngua da solidariedade internacional, é exterminado a sangue-frio: fuzilado, bombardeado, mutilado, deixado à míngua de assistência médica, privado de comida, de medicamentos, de eletricidade, de água. A fúria luciferina não se detém diante de hospitais e escolas. Seus mortos são civis que não oferecem combate ao agressor, nem sequer esboçam o legítimo direito à resistência (anatemizado como terrorismo pela imprensa ocidental, macaqueada pela brasileira).

Matar o desarmado é covardia, mesmo segundo os códigos de honra dos marginais. Matar de tocaia, sem dar ao outro o direito de defesa é, ademais, crime hediondo. Mas o sionismo não está só; sabidamente dispõe de apoio bélico, político, logístico, econômico, estratégico e tecnológico dos EUA, de quem recebe respaldo absoluto, diante uma comunidade internacional cúmplice e de uma ONU sem qualquer serventia, que, quando muito, protesta nas redes sociais. Ao seu lado, a União Europeia e a direita hidrófoba de todos os quadrantes. Esta de hoje, é filha do nazifascismo que nos legou a II Guerra Mundial, com seu inventário de miséria que chega aos nossos dias.

A Europa – agora com a significativa adesão da Áustria – começa a fechar o círculo do avanço da extrema-direita. A ascensão do protofascismo e o ímpeto das políticas de guerra não podem ser vistos como fatos isolados. Desse veneno a humanidade já provou. Se a peça de hoje, cujo enredo também detestamos, não é a mesma de ontem, e nunca é, o diferencial de hoje é que alguns atores trocaram de papel. Os alemães também invadiram seus vizinhos porque alegadamente precisavam de “espaço vital”, isto é, mais terras e mais recursos para levar a cabo o projeto do III Reich: assim, foram avançando, invadindo, anexando: Renânia, Áustria, Tchecoslováquia, Polônia... Hoje, Israel tenta justificar seu expansionismo em nome da necessidade de mais território para assegurar-se de sua defesa.

Não há guerra no Oriente Médio. Mas naquele barril de pólvora chafurdado pelos grandes impérios coloniais, hoje protetorados político-militares dos EUA, pode estar sendo gestado o próximo grande conflito, certamente universal, porque já envolve a economia mundial, e tem presença efetiva em todos os continentes, seja na versão clássica, seja na versão conhecida como guerra híbrida, que já nos atinge.

 

Fonte: Viomundo/Brasil 247

 

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