terça-feira, 8 de outubro de 2024

O trabalho da centro-direita e a estratégia ultrapassada da esquerda

O primeiro turno das eleições de 2024 teve dois grandes vencedores: a centro-direita (com destaque para PSD, PL e PP) e o continuísmo na política – esse segundo ponto é traduzido pelos números: dos 11 prefeitos eleitos, 10 disputavam a reeleição.

Mas, em um recorte ampliado, essa eleição significou uma nova posição, tanto para a direita quanto para a esquerda. E isso aconteceu como resultado na escolhas de estratégias, muito antes da campanha.

A centro-direita trabalha seu crescimento com força desde 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito, e reforçou o trabalho em 2022 – quando Bolsonaro perdeu para Lula. A centro-direita entendeu que alcança mais que a extrema-direita – que é muito ruidosa mas também tem muita rejeição.

•                                         A centro-direita entendeu que tem discurso e espelha boa parte da sociedade, e que consegue emplacar um discurso de rejeição à esquerda que lhe dá como retorno mais eleitores . E consegue fazer isso porque falta discurso à esquerda.

A postura ativa da centro-direita se opõe a uma postura passiva da esquerda – que perdeu muito tempo reclamando da extrema-direita e de Bolsonaro, perdeu muito tempo dentro de bolhas.

O próprio governo Lula passou seu primeiro ano de mandato creditando problemas seus ao governo anterior. Uma estratégia de terceirização que prejudica a identidade e afasta o eleitor.

•                                         A esquerda também sofre de um problema crítico, que deve levar a mais derrotas. Lula é seu grande e único líder. Não se pensa em transição, que é natural, as novas lideranças não são construídas com o tempo devido nem com um discurso de aproximação do eleitor.

A esquerda foi a corrente política que mais sofreu as consequências da polarização – justamente por apostar demais dela.

E há provas de como é possível ser apoiado pela esquerda, sem se identificar somente com essa corrente, abrindo o leque de apoios partidários e, por consequência , de eleitores. É Eduardo Paes (PSD).

Reeleito prefeito do Rio com mais de 60% dos votos, ele é a personificação de como furar a bolha sem perder a política e nem o eleitor. Paes é apoiado por Lula.

Em 2022 foi um de seus cabos eleitorais. Em 2024, mesmo com o apoio de Lula , não se apoiou somente nisso. Ampliou alcance partidário. A máquina ajuda? Sempre ajuda. Mas as pesquisas já mostravam como ele conseguia ter votos de antilulistas e antibolsonaristas.

Um dos expoentes da centro-esquerda, João Campos, ganhou a reeleição no primeiro turno. Não tem discurso para bolhas, tem a força da família Campos, a renovação trazida com a imagem da idade, e faz estratégias atualizadas: vai muito bem em redes – plataforma muito dominada pela direita – e colheu muitos votos do centro

•                                         Efeitos da polarização abaixo do esperado

A eleição de 2024 mostrou que, por mais que uma disputa nacional não seja tradicionalmente pautada na rivalidade nacional, a polarização teve efeitos aquém do esperado .

Primeiro que houve ausência dos dois polos: Lula e Bolsonaro não agiram como verdadeiros padrinhos de ninguém, não se esforçaram e nem se encaixaram nesse papel. E um segundo fato começa a ser sentido: a polarização casa com cenários regionais específicos ela não agrega – ela repele.

Observadores políticos em Brasília dizem que a nova política é a que fura bolha, e não fica refém de polos. A polarização mostra sinais de cansaço, é numericamente prejudicial para alguns candidatos e parece estar se apagando diante de novas lideranças que miram o centro – que alcançam mais brasileiros que os dois polos da política.

•                                         Para vencer eleição em SP, Nunes e Boulos terão que nacionalizar disputa e recorrer mais a Lula e Bolsonaro, dizem analistas

Passada a disputa do primeiro turno das eleições municipais, um novo pleito começa a partir desta segunda-feira, 7, nas cidades que terão segundo turno. 'Começa tudo de novo, é uma nova eleição', costumam dizer os analistas políticos. Em São Paulo, o embate será entre o atual prefeito e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB), e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que foram os dois melhores colocados na votação do domingo, 6.

Para Isabela Kalil, antropóloga social e coordenadora da Pós-Graduação em Antropologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), cada candidato terá um dilema específico.

"O dilema de Nunes é que se ele for muito para a direita, para mais próximo de [Jair] Bolsonaro e da extrema-direita, ele perde potenciais eleitores, perde a possibilidade de ter os eleitores da Tabata [Amaral]", pontuou Isabela na live especial de apuração do Terra, realizada na noite do domingo.

Na opinião da especialista, a situação é mais difícil para Nunes do que para Boulos. "Se Boulos tender mais para a esquerda, ele não perde tanto porque ele vai ter o apoio de Tabata, ele vai fazer esse contraponto do bolsonarismo", opinou.

Após a confirmação do segundo turno entre Nunes e Boulos, a também candidata à Prefeitura de São Paulo Tabata Amaral (PSB) declarou apoio ao deputado federal no segundo turno. Tabata teve mais de 605 mil votos nas eleições e ficou na 4ª colocação, atrás de Pablo Marçal (PRTB).

Apesar dessa possível "vantagem" de Boulos em relação a Nunes neste segundo turno, Isabela Kalil lembrou que "começa tudo de novo, zera, é uma nova eleição". "Pesquisas anteriores mostraram que, num eventual segundo turno entre Nunes e Boulos, Nunes tinha uma vantagem. Além disso, Nunes está com a máquina, Nunes é o prefeito. Então Boulos vai ter que correr mais que Nunes, vai ter que suar mais a camisa". 

<><> Previsão de debate mais nacionalizado

Para Guilherme Mazieiro, colunista de política do Terra, a eleição no segundo turno vai ser mais nacionalizada, contando com uma maior participação dos padrinhos políticos de Nunes, que é o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e de Boulos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"É a hora de Boulos chamar o padrinho, o cabo eleitoral, que é Lula, e Nunes tentar pressionar ainda mais o Bolsonaro para participar", disse Mazieiro.

Na noite do domingo, Bolsonaro afirmou que vai "entrar de cabeça" na campanha de Nunes contra Boulos. "Agora eu não tenho mais que esconder o jogo e trabalhar como eu trabalhei de maneira mais discreta. Agora é abrir o jogo. Vou entrar de cabeça", declarou.

Na opinião de Mazieiro, é provável que Boulos use justamente essa ligação entre Nunes e Bolsonaro a seu favor. "Tenho a sensação de que ele [Boulos] vai reforçar aquilo que ele fez no último debate, quando ele começou a fazer algum ataque e falar 'Olha, o Marçal e o Nunes são o bolsonarismo.' Eu estou fazendo uma aposta de que, neste segundo turno, Boulos vais insistir nisso, para colar no prefeito a rejeição que Bolsonaro tem na cidade de São Paulo".

Boulos pede ‘mão na consciência' do eleitor e diz: ‘Nesse 2º turno, vamos estar juntos’:

<><> Segundo turno sem Marçal

Pablo Marçal (PRTB) teve a 3º maior votação na disputa pela Prefeitura de São Paulo e, assim, ficou de fora do segundo turno. Sem ele no pleito, Isabela Kalil disse que a tendência é "ter um segundo turno mais republicano, que é o que se espera dos debates".

"Para o segundo turno, sem Marçal, sem esse fator que foi desestabilizador das campanhas, inclusive da direita, da extrema-direita, de Bolsonaro, a gente tende a voltar para uma normalidade", analisou Mazieiro.

"Eu imagino que vai ter ainda o clima bélico, mas os golpes acima da linha da cintura. Pelo perfil dos dois candidatos, dos dois partidos, das coligações, é muito difícil de imaginar um dando uma cadeirada no outro, um documento falso", projetou.

•                                         Boulos desafia Nunes a usar Bolsonaro na campanha

Depois de uma reunião com os vereadores eleitos por sua coligação e com líderes partidários, o candidato Guilherme Boulos desafiou seu adversário Ricardo Nunes a expor que é apoiado por Jair Bolsonaro nos 19 dias que antecedem o segundo turno.

Em entrevista coletiva, informou que pretende conversar com o presidente Lula para que ele venha a São Paulo participar de evento da campanha. A ligação pode acontecer ainda hoje.

Boulos enfatizou que 70% dos paulistanos não endossaram o governo Nunes. "A nossa candidatura é a campanha da mudança", frisou.

O candidato afirmou que foi impedido de expor devidamente o seu programa de governo no primeiro turno por causa das "cenas, tumulto e confusão" causados por um adversário que não nomeou.

Boulos disse que pretende comparar biografia e trajetória com Nunes, a quem chamou de "pau mandado do Centrão".

Ele destacou que seu adversário é alvo de várias investigações, inclusive da Polícia Federal e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).

Também pretende expor quem é o vice de Nunes, indicado por Jair Bolsonaro: o coronel aposentado da Polícia Militar Ricardo de Mello Araújo, ex-comandante da Rota, que já declarou, em entrevista, sobre abordagens policiais na periferia:

São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado.

PROMESSA DE VIRADA

Boulos prometeu uma "virada" em bairros onde perdeu para Nunes ou Pablo Marçal no primeiro turno, com apoio dos vereadores de sua coalizão que se elegeram neles.

Disse que Marta Suplicy estará presente na campanha especialmente no Grajaú e em Parelheiros, onde Ricardo Nunes venceu por pequena margem. A ex-prefeita construiu Centros Educacionais Unificados (CEUs) na Zona Sul e agilizou o transporte através dos corredores de ônibus.

Boulos lembrou que agora terá o mesmo tempo de TV de Nunes para a propaganda eleitoral.

Também recorreu à memória de 2012, quando o petista Fernando Haddad foi para o segundo turno com apoiadores desencorajados, já que todos acreditavam que os votos de Celso Russomano, terceiro colocado, migrariam automaticamente para José Serra. Haddad venceu por 55% a 44%.

O candidato sugeriu que Nunes pretende fugir dos debates, já que pretende reduzir os encontros de 12 para apenas 3.

Boulos acha razoável que haja ao menos 8 debates e prometeu que, independentemente da presença de Nunes, vai à rede CBN na próxima quinta-feira, para o que seria o primeiro confronto.

 

•                                         Com medo de ser preso, Marçal recua sobre laudo falso contra Boulos após derrota

Ao comentar sobre sua derrota no primeiro turno da eleição à prefeitura de São Paulo, na noite deste domingo (6), Pablo Marçal (PRTB) recuou com relação ao laudo falsificado que publicou na última sexta-feira (4) para associar Guilherme Boulos (PSOL) ao uso de cocaína.

A mudança de postura revela um temor do coach de extrema direita de ser preso, já que a fake news contra Boulos o tornou alvo do Supremo Tribunal Federal (STF), da Justiça comum e da Justiça Eleitoral.

Em conversa com jornalistas na porta de sua luxuosa mansão no bairro Jardim Europa, na capital paulista, Pablo Marçal fez expressão de abatido e reconheceu que o laudo que publicou é falso.

Ele afirmou, porém, que não teria divulgado o documento se soubesse que não era autêntico. Apesar da declaração, indícios apontam que teria sido o próprio Marçal quem produziu o laudo falso, ou ao menos participou de sua elaboração, já que ele é amigo do dono da clínica utilizada no papel timbrado do atestado fajuto.

"Eu jamais postaria sabendo que é um laudo falso", disse Marçal para, logo na sequência, disparar novos ataques a Guilherme Boulos.

"Boulos para mim é um marginal, é uma pessoa que não merece essa atenção toda que vocês dão. Eu acho que foi uma escolha errada do Lula, ele vai perder essa eleição com o Boulos. Ele é um cara de extrema esquerda, um cara que é a pauta radical da esquerda. De maneira nenhuma eu mandaria uma mensagem para ele e nem ligaria", disse.

<><> Crimes

Pablo Marçal enfrenta pelo menos 17 processos judiciais ou investigações policiais de seu suposto envolvimento em crimes que podem levar à sua inelegibilidade e até mesmo prisão.

Marçal foi preso em 2005, quando tinha 18 anos, na investigação que apurou ações de criminosos condenados por desviar dinheiro de contas de bancos, como Caixa e Banco do Brasil. Em 2010, foi condenado a quatro anos e cinco meses de reclusão por furto qualificado por desviar dinheiro de contas bancárias por meio de golpes digitais.

A organização criminosa foi condenada em maio de 2010. A defesa entrou com recurso, analisado em segunda instância em 2018, levando o caso a prescrever sem cumprimento da pena.

O mais recente crime atribuído a Marçal e cujo processo judicial pode resultar na sua inelegibilidade é a publicação de um laudo médico falso associando Guilherme Boulos ao uso de drogas.

A postagem resultou na retirada de seu perfil do Instagram pela Justiça Eleitoral de São Paulo. O caso pode se transformar em uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), na qual ele poderá ser responsabilizado por uso indevido dos meios de comunicação social durante o processo eleitoral. Se condenado, Marçal poderá ficar inelegível por oito anos, sendo impedido de concorrer nas próximas eleições, em 2026.

Além disso, a perícia da Polícia Civil de São Paulo confirmou neste sábado (5) que o laudo médico divulgado por Marçal contra Boulos é falso. Através de exames grafotécnicos, a perícia constatou uma série de evidências que comprovam que o documento foi falsificado.

O coach de extrema direita é alvo ainda de processos na esfera criminal movidos pelos familiares de um médico que morreu, cuja assinatura foi utilizada de forma indevida no laudo falso, e está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter utilizado o X, rede social cujo acesso está proibido no Brasil, para divulgar o documento fajuto.

<><> Marçal reconhece derrota

"Não vai ter segundo turno", disse Pablo Marçal em várias ocasiões ao longo da campanha à eleição pela prefeitura de São Paulo. Para ele, de fato, não teve. O coach de extrema direita, apesar da convicção de vitória, foi derrotado por Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) e terminou o primeiro turno em terceiro lugar, com 1.719.274 votos (28,14% dos votos válidos).

Autor de provocações baixas, criador de fake news absurdas e responsável por uma das campanhas mais insólitas da história recente brasileira, Marçal falou à imprensa logo após o cômputo total dos votos por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na noite deste domingo (6), em sua mansão no luxuoso bairro Jardim Europa, zona oeste de capital paulista.

Visivelmente abatido, Pablo Marçal rechaçou teorias de fraude nas urnas que já vêm sendo ventiladas por alguns de seus apoiadores – um discurso recorrente entre bolsonaristas e que, inclusive, culminou em uma tentativa de golpe de Estado em janeiro de 2023 – e reconheceu sua derrota. Ele usou o fato de ter se lançado candidato tardiamente para justificar seu fracasso e ainda se lançou candidato em 2026, sem definir, contudo, se será para o governo de São Paulo ou para a presidência da República.

"São Paulo perdeu a única oportunidade de me ver prefeito dessa cidade, meu coração estava 100% entregue a isso, mas confesso que a vontade do povo nas urnas prevalece. Eu sei de algumas pessoas que estão querendo construir algumas teorias, mas eu respeito a vontade do povo. A gente chegou de última hora. Que deus abençoe nossa cidade de São Paulo, o Brasil e o povo brasileiro. E para finalizar: eu combati o bom combate, percorri a carreira, guardei a fé, e 2026 tá logo ali", declarou Marçal.

Questionado sobre o segundo turno, Pablo Marçal sinalizou que apoiará Ricardo Nunes, desde que o prefeito e candidato à reeleição incorpore suas "propostas".

"Tomara que o Ricardo leve em consideração algumas das nossas propostas, porque o eleitorado dele é exatamente do tamanho do meu eleitorado, espero que ele leve em consideração", disse.

Ainda que tenha sido derrotado na disputa, Pablo Marçal deverá enfrentar, agora, processos por conta da divulgação de um laudo falsificado em que tentou associar Guilherme Boulos ao uso de cocaína. O coach de extrema direita já é alvo do Supremo Tribunal Federal (STF), Justiça comum e Justiça Eleitoral, correndo o risco, inclusive, de ser declarado inelegível por 8 anos.

 

Fonte: g1/Portal Terra/Fórum

 

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