terça-feira, 8 de outubro de 2024

Prefeito reeleito em Vitória(ES) não tem plano para resolver pó preto tóxico

Todos os dias, há 50 anos, partículas minúsculas de ferro invadem diariamente as casas em Vitória (ES). O pó preto, como os moradores chamam, atinge mais diretamente 11 bairros vizinhos da Samarco, Vale e ArcelorMittal, responsáveis pela emissão do poluente. Mas a poeira tóxica se espalha pelo ar e é respirada por milhares de pessoas, causando uma série de complicações de saúde na cidade. 

O pó preto é uma mistura de partículas de minérios de ferro, carvão e outros metais pesados, que se espalha mais intensamente no processo de refino realizado pelas empresas. A contaminação da cidade pelo pó já motivou a abertura de uma CPI este ano, mas que ainda não teve desfecho. Ela é presidida pelo vereador Leonardo Monjardim (Novo), escolhido pelo prefeito reeleito Lorenzo Pazolini (Republicanos), que indicou outros três aliados como membros. Apesar de anos de denúncias dos crimes ambientais cometidos pelas empresas na cidade, Monjardim chegou a dizer que a “CPI não era necessária”

O plano de governo do prefeito reeleito não cita nenhuma solução para o problema do pó preto. Pazolini, que recebeu apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha, também recusou responder ao Climômetro, projeto da Agência Pública que mede o compromisso de políticos com pautas climáticas. 

Neste ano, no centro de Vitória,  as estações de medição do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) registraram uma taxa média de quase 15 gramas de deposição do pó preto tóxico por metro quadrado ao mês. Isso está acima dos limites ambientais de 14 g/m² ao mês. A taxa é três vezes maior, se comparada ao mesmo mês do ano passado. No histórico, o pior índice foi em 2009, primeiro ano do sistema de medição estadual dos poluentes, quando a taxa bateu 18,77 g/m² ao mês. 

 Moradores mostram acúmulo do pó preto na cidade Moradores mostram acúmulo do pó preto na cidade

<><> Por que isso importa?

  • A poeira tóxica emitida pelas empresas que refinam metais e carvão é um problema que há décadas prejudica a saúde dos moradores de Vitória, no Espírito Santo. Apesar disso, o plano de governo do prefeito Lorenzo Pazolini, que foi reeleito, não cita qualquer medida para resolver a questão.

“A gente sabe que poluem em excesso e prejudica bastante a nossa saúde. Mas boa parte do nosso sustento vem a partir delas [das empresas]. Ficamos entre uma boa qualidade de vida ou sem emprego, sabe?”, diz Damian Sadovsky, empresário, morador da Praia do Canto, bairro vizinho à Vale.

A engenheira Talita Guimarães mora com seus dois filhos na Ilha do Frade, um bairro de Vitória. Ela sofre com alergia respiratória por conta dos gases emitidos pelas empresas e pelo pó preto. “Aqui é muito pó de minério, tá insustentável”, reclama.

Ela conta que vai com frequência  ao médico por conta das alergias. Seu filho de 15 anos tem problemas de pele causados por reações alérgicas aos poluentes e, todas as quarta-feiras, precisa tomar uma injeção para alergia. Na primeira semana de outubro, ela foi informada pela direção da escola onde estuda de que o garoto não estava conseguindo acompanhar as aulas porque estava com os olhos muito irritados.

No fim de setembro, as queimadas no país agravaram os problemas dos moradores de Vitória. O Núcleo de Pesquisa em Qualidade do Ar da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) concluiu que houve um aumento do pó preto na cidade. Analisando amostras de ar, os pesquisadores também concluíram que as crianças, ao inalar e ter contato com o pó preto, têm duas vezes mais chances de desenvolver câncer do que adultos que tiveram contato com o material.

Baseado nessas constatações da Ufes,  na última semana de setembro, o Ministério Público de Contas do município solicitou ao Tribunal de Contas do estado uma fiscalização mais rígida dos compromissos ambientais firmados pela Vale e ArcelorMittal, relativos à qualidade do ar na região metropolitana da Grande Vitória, com intuito de colocar a proteção ambiental como prioridade para a Corte no próximo ano. 

“Temos analisado que o desequilíbrio na orientação dos ventos, durante as estações do ano, tem aumentado a deposição do pó, por exemplo. Não dá para colocar a culpa disso apenas nas empresas, mas boa parte dos poluentes vem delas”, diz Elisa Goulart, uma das pesquisadoras da Ufes, que atualmente desenvolve estudos a respeito do plano de neutralização de gases do efeito estufa no Espírito Santo. 

<><> Empresas descumprem limites de emissões 

Desde 2013, o Espírito Santo determinou limites de emissão de poluentes na cidade de Vitória. Porém, de lá para cá, além de as empresas  descumprirem a legislação, não estão cumprindo também os Termos de Compromissos Ambientais (TCAs) estabelecidos pelo Ministério Público (MP). Os TCAs destinados à Vale e ArcelorMittal orientam que as empresas estabeleçam formas de compensação aos moradores afetados. 

Em 2019, a ArcelorMittal foi multada em R$ 9 milhões pela prefeitura da Serra, município localizado a 30 quilômetros de Vitória, por “chuva” de pó preto no bairro Praia de Carapebus. 

Este ano, foi instalada uma CPI para investigar crimes ambientais provocados pela Vale e ArcelorMittal na cidade. Uma audiência pública também foi realizada. “Há um relatório parcial em produção a passos lentos”, disse o vereador André Moreira (PSOL), que é vice-presidente da CPI e que solicitou a abertura da comissão. Moreira foi responsável pela criação da primeira lei municipal da cidade que determina os limites ambientais para o controle da qualidade de ar. 

A Lei nº 10.011/2023 foi sancionada após uma série de pressões da sociedade civil, mas encontrou resistência entre industriais. A Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) expediu uma liminar solicitando a suspensão da lei, que foi acatada pela Justiça. Na época, a presidente da Findes era Cris Samorini, que deixou o cargo neste ano após aceitar o convite para ser vice-prefeita de Pazolini.

Ano passado, o MP notificou as mineradoras por ignorarem as recomendações previstas. Em 2019, inclusive, a ArcelorMittal foi multada em R$ 9 milhões pela prefeitura da Serra, município localizado a 30 quilômetros de Vitória, por “chuva” de pó preto no bairro Praia de Carapebus. Antes disso, em 2016, a Polícia Federal interditou as empresas por excesso de poluentes no ar e no mar.

“A CPI foi dominada por políticos alinhados com os interesses das empresas. Basta ver que o prefeito nomeou Leonardo Monjardim (Novo) como presidente da comissão, um vereador desinteressado com a causa. Não sendo suficiente, indicou da sua base aliada três membros. Foi muita pressão para que eu entrasse, mas é como se eu estivesse encurralado, enxugando gelo”, diz Moreira. 

Durante as sessões, Monjardim se mostrou contrário à criação da CPI. Ele foi reeleito com 2.449 votos no primeiro turno, sendo o 16° vereador mais votado. Durante a campanha recebeu apoio nas redes sociais do deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS), que junto a outros 24 parlamentares gaúchos apresentaram projetos de lei flexibilizando legislações ambientais, após as enchentes no estado. 

As discussões trazidas durante as sessões da comissão foram calorosas. Monjardim chegou a solicitar a retirada de ambientalistas e representantes de organizações ambientais atuantes na cidade contra o fim da emissão do pó preto. 

Um deles é Eraylton Moreschi, 70 anos, presidente da Juntos SOS ES Ambiental. Membro há mais de anos do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Condema), ele critica a atitude do presidente da CPI. “Eu tenho o direito de manifestar minha repulsa contra a presença das empresas poluidoras. Porém, enxergo que isso deixa explícito o lado que o governo deseja proteger. Está claro que não somos nós moradores”, comenta.

A Juntos SOS ES Ambiental já protocolou denúncias contra as empresas emissoras do pó preto por danos ambientais. A ArcelorMittal também é denunciada também pela morte de peixes provocada pela solubilização do pó preto no oceano e descarte de substâncias tóxicas provenientes de aço no rio Santa Maria da Vitória

<><> Empresas financiam políticos e associações de moradores

Não é de hoje que o problema do pó preto persiste em Vitória. Instaladas durante a ditadura militar, a Vale, a Samarco e a ArcelorMittal influenciaram a economia da capital capixaba, que se tornou a cidade com a maior atividade portuária do país, impulsionada pela produção das indústrias.

Políticos do Espírito Santo, que já foi governado por Paulo Hartung – atual conselheiro da Vale –, estão entre os mais beneficiados por doações da Vale. “Não importa se o candidato à prefeitura é de direita ou esquerda, as empresas que ditam o funcionamento na cidade, é o pó preto quem manda”, diz o vereador André Moreira (PSOL). 

Há uma semana, a Vale inaugurou o Parque Costeiro em Jardim Camburi, em Vitória. O projeto faz parte das ações de recuperação da região norte da praia de Camburi previstas em um dos TCAs. “Suspeito que essa inauguração seja tão próxima do primeiro turno das eleições. O trágico de tudo isso é que tem crianças brincando com partículas de ferro misturadas com a areia do parque”, disse um representante de uma associação de um dos bairros próximos da empresa, que falou com a reportagem em condição de sigilo. 

A Pública questionou a Vale sobre as denúncias de emissão de poluentes e sobre o parque. A empresa informou que “busca o desenvolvimento territorial das localidades onde atua e entende que o investimento social privado é uma forma efetiva de contribuir neste contexto”. Além disso, “a empresa está implantando seu Plano Diretor Ambiental, que conta com diversas ações para reduzir ao máximo a emissão de poeira e aprimorar a gestão hídrica na Unidade Tubarão, em Vitória (ES). As ações implantadas reduziram até a presente data cerca de 93% as emissões difusas de poeira emitidas pela empresa em relação a 2010”.

 A ArcelorMittal também foi questionada, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. A Samarco também não enviou respostas.

A reportagem também procurou também a assessoria de imprensa do prefeito Lorenzo, mas não recebeu respostas.

 

¨      Na capital da soja, agricultura familiar recebe migalhas e sofre preconceito do agro

É difícil encontrar uma cidade que ilustra tão bem a diferença entre o agronegócio e a agricultura familiar como Sorriso (MT), a 400 km da capital Cuiabá, na rota da BR-163. Em 2023, o município foi o que mais lucrou com a produção de soja no Brasil pelo quinto ano seguido, com algo em torno de R$ 8,3 bilhões. A soja produzida no local gera arrecadação de impostos que, somados a outras fontes, renderam R$ 843 milhões em receitas para a prefeitura de Sorriso. Mas, do outro lado, a agricultura familiar recebe migalhas do poder público local: em 2024, a prefeitura destinou cerca de R$ 2 milhões em investimentos para pequenos agricultores, ínfimo 0,2% do valor recolhido em 2023.

“A política usa a agricultura familiar para conseguir caminhão, maquinário, trator, só que quando chega a gente tem de pagar uma taxa pra usar, pra fazer um serviço de limpar ‘tocos’ na terra, tem de pagar outra taxa pra buscar calcário, pra gente usar na terra”, disse à Agência Pública Márcio Manoel da Silva, agricultor familiar e um dos fundadores do assentamento Jonas Pinheiro, com 7,3 mil hectares na zona rural de Sorriso.

“Eles usam a gente pra pegar o equipamento, mas não deixam a gente usar pra plantar comida, plantar um pepino, uma hortaliça, um mamão”, afirmou seu Márcio, que vive há mais de 20 anos na área. “Mas se fosse para plantar soja… liberavam terras da União, empréstimos de banco público e privado, como sabemos que já aconteceu com gente que mora aqui perto”, disse.

O agricultor é casado com Maria Boaventura de Sousa Silva, a dona Sula, presidente da Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais do Vale do Celeste (Coopercel) – que atua na área do assentamento e produz alimentos orgânicos. À Pública, dona Sula reforçou as críticas.

“Já tivemos de ouvir gente dizendo que não adiantava dar caminhão e máquina pra nós, porque aqui o povo não tem dinheiro nem pra abastecer o combustível. Gente que não teve a coragem de vir perguntar da nossa condição, só tomaram os equipamentos e pronto!”, disse.

Dona Sula e seu Márcio afirmaram que nenhum dos candidatos à prefeitura – Leandro Carlos Damiani, o Damiani da TV (MDB), Alei Fernandes (União) e Milton Ribas (PP) – foi ao assentamento para pedir votos às famílias que vivem na área.

Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Thadeu Sobral Souza, não apenas Sorriso, como todo o Nortão de Mato Grosso, ignoram a importância da agricultura orgânica e familiar.

Para o docente da UFMT, trata-se de uma consequência do modelo dominante no estado, do agronegócio de monoculturas em larga escala. “Tirando Cuiabá, que existe há séculos, e regiões próximas, o resto das cidades no estado eram pequenas, quase inexistentes até a chegada do agronegócio. As pessoas que trabalham na área realmente acreditam que o certo é produzir cada vez mais commodities, então elas nem cogitam opções alternativas para a agricultura, não refletem sobre os impactos de grande magnitude causados pelo agro”, disse Souza.

<><> Águas contaminadas? Para líder nas pesquisas, problema é esgotamento sanitário

Para chegar no assentamento, é preciso sair da BR-163 por meio de uma pista vicinal, andando mais de 6 km em uma estrada de terra. De um lado da via ficam as pequenas propriedades do assentamento, com trechos mais estruturados e outros com barracos improvisados em meio a congregações evangélicas e católicas; do outro, uma cerca contínua, com um campo vasto esperando as primeiras chuvas para o plantio da soja.

“A gente tem de plantar nos ‘fundos’ do lote, senão o veneno espalha todo pela nossa produção. Na época do plantio deles, é avião despejando veneno todo dia”, disse seu Márcio.

“Antigamente, quando ele [Márcio] trabalhava na cidade, tinha vezes que no caminho até a BR ele tomava um banho de veneno, ficava com o cheiro impregnado o dia inteiro… o avião despeja sem parar, pelo menos uma vez por ano a gente adoece”, afirmou dona Sula.

Como em outros municípios do Nortão de Mato Grosso, o abastecimento de água em Sorriso se baseia em poços artesianos, tanto na cidade quanto no campo. O uso de agrotóxicos nas lavouras da área, na região com a maior concentração de terras no país de acordo com o IBGE, ameaça a qualidade das águas subterrâneas de todos, segundo especialistas e pesquisadores.

“As cidades do Nortão se consolidam a partir do modelo do latifúndio: tudo começou com um ou dois donos de terra com fazendas gigantescas, que hoje em dia necessitam cada vez mais do agrotóxico, do fertilizante químico e de outras fontes que não são naturais, ambientalmente corretas”, afirma o professor da UFMT Thadeu Sobral Souza.

“Com o excesso de químicos e agrotóxicos, quando vem a chuva o que está impregnado na produção agrícola infiltra no solo e escoa pelos córregos e rios na região. Então temos uma água cada vez mais contaminada por aditivos químicos, por veneno agrícola… isso sem contar o que vem do extremo norte, na divisa com o Pará, onde há muitos garimpos despejando mercúrio nos rios”, disse Souza.

A avaliação da qualidade das águas diante do uso descontrolado de agrotóxicos, porém, não aparece nas campanhas dos favoritos à eleição em Sorriso: Damiani da TV (MDB) e Alei Fernandes (União).

Líder nas pesquisas de intenção de voto divulgadas até o momento, o candidato do MDB disse à Pública que se preocupa com a qualidade dos recursos hídricos, mas por outros motivos. “O campo não preocupa a gente, até porque nós temos um terço do município preservado”, afirmou Damiani.

“Nossa preocupação é com o esgotamento sanitário na cidade, que alcança menos de 30% da população, e isso é um dano ambiental no município. Vou juntar uma equipe técnica para fazer a avaliação precisa da qualidade das águas e do lençol freático, porque a maioria das casas aqui usa fossa”, disse.

A reportagem não conseguiu contato com o segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, Alei Fernandes, até a publicação.

 

Fonte: Agencia Pública

 

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