Prefeito
reeleito em Vitória(ES) não tem plano para resolver pó preto tóxico
Todos
os dias, há 50 anos, partículas minúsculas de ferro invadem diariamente as
casas em Vitória (ES). O pó preto, como os moradores chamam, atinge mais
diretamente 11 bairros vizinhos da Samarco, Vale e ArcelorMittal, responsáveis
pela emissão do poluente. Mas a poeira tóxica se espalha pelo ar e é respirada
por milhares de pessoas, causando uma série de complicações de saúde na
cidade.
O
pó preto é uma mistura de partículas de minérios de ferro, carvão e outros
metais pesados, que se espalha mais intensamente no processo de refino
realizado pelas empresas. A contaminação da cidade pelo pó já motivou a
abertura de uma CPI este ano, mas que ainda não teve desfecho. Ela é presidida
pelo vereador Leonardo Monjardim (Novo), escolhido pelo prefeito reeleito
Lorenzo Pazolini (Republicanos), que indicou outros três aliados como membros.
Apesar de anos de denúncias dos crimes ambientais cometidos pelas empresas na
cidade, Monjardim chegou a dizer que a “CPI não era necessária”.
O
plano de governo do prefeito reeleito não cita nenhuma solução para o problema
do pó preto. Pazolini, que recebeu apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
na campanha, também recusou responder ao Climômetro, projeto da Agência Pública que mede o
compromisso de políticos com pautas climáticas.
Neste
ano, no centro de Vitória, as estações de medição do Instituto Estadual
do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) registraram uma taxa média de
quase 15 gramas de deposição do pó preto tóxico por metro quadrado ao mês. Isso
está acima dos limites ambientais de 14 g/m² ao mês. A taxa é três vezes maior,
se comparada ao mesmo mês do ano passado. No histórico, o pior índice foi
em 2009, primeiro ano do sistema de medição estadual dos poluentes, quando a
taxa bateu 18,77 g/m² ao mês.
Moradores
mostram acúmulo do pó preto na cidade Moradores mostram acúmulo do pó
preto na cidade
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Por que isso importa?
- A poeira tóxica emitida pelas empresas que refinam metais e
carvão é um problema que há décadas prejudica a saúde dos moradores de
Vitória, no Espírito Santo. Apesar disso, o plano de governo do prefeito
Lorenzo Pazolini, que foi reeleito, não cita qualquer medida para resolver
a questão.
“A
gente sabe que poluem em excesso e prejudica bastante a nossa saúde. Mas boa
parte do nosso sustento vem a partir delas [das empresas]. Ficamos entre uma
boa qualidade de vida ou sem emprego, sabe?”, diz Damian Sadovsky, empresário,
morador da Praia do Canto, bairro vizinho à Vale.
A
engenheira Talita Guimarães mora com seus dois filhos na Ilha do Frade, um
bairro de Vitória. Ela sofre com alergia respiratória por conta dos gases
emitidos pelas empresas e pelo pó preto. “Aqui é muito pó de minério, tá
insustentável”, reclama.
Ela
conta que vai com frequência ao médico por conta das alergias. Seu filho
de 15 anos tem problemas de pele causados por reações alérgicas aos poluentes
e, todas as quarta-feiras, precisa tomar uma injeção para alergia. Na primeira
semana de outubro, ela foi informada pela direção da escola onde estuda de que
o garoto não estava conseguindo acompanhar as aulas porque estava com os olhos
muito irritados.
No
fim de setembro, as queimadas no país agravaram os problemas dos moradores de
Vitória. O Núcleo de Pesquisa em Qualidade do Ar da Universidade Federal do
Espírito Santo (Ufes) concluiu que houve um aumento do pó preto na cidade.
Analisando amostras de ar, os pesquisadores também concluíram que as
crianças, ao inalar e ter contato com o pó preto, têm duas vezes mais chances
de desenvolver câncer do que adultos que tiveram contato com o material.
Baseado
nessas constatações da Ufes, na última semana de setembro, o Ministério
Público de Contas do município solicitou ao
Tribunal de Contas do estado uma fiscalização mais rígida dos compromissos
ambientais firmados pela Vale e ArcelorMittal, relativos à qualidade do ar na
região metropolitana da Grande Vitória, com intuito de colocar a proteção
ambiental como prioridade para a Corte no próximo ano.
“Temos
analisado que o desequilíbrio na orientação dos ventos, durante as estações do
ano, tem aumentado a deposição do pó, por exemplo. Não dá para colocar a culpa
disso apenas nas empresas, mas boa parte dos poluentes vem delas”, diz Elisa
Goulart, uma das pesquisadoras da Ufes, que atualmente desenvolve estudos a
respeito do plano de neutralização de gases do efeito estufa no Espírito
Santo.
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Empresas descumprem limites de emissões
Desde
2013, o Espírito Santo determinou limites de emissão de poluentes na cidade de
Vitória. Porém, de lá para cá, além de as empresas descumprirem a
legislação, não estão cumprindo também os Termos de Compromissos Ambientais
(TCAs) estabelecidos pelo Ministério Público (MP). Os TCAs destinados à Vale e ArcelorMittal orientam que as empresas estabeleçam formas de compensação
aos moradores afetados.
Em
2019, a ArcelorMittal foi multada em
R$ 9 milhões pela prefeitura da Serra, município localizado a 30 quilômetros de
Vitória, por “chuva” de pó preto no bairro Praia de Carapebus.
Este
ano, foi instalada uma CPI para investigar crimes ambientais provocados pela
Vale e ArcelorMittal na cidade. Uma audiência pública também foi realizada. “Há
um relatório parcial em produção a passos lentos”, disse o vereador André
Moreira (PSOL), que é vice-presidente da CPI e que solicitou a abertura da
comissão. Moreira foi responsável pela criação da primeira lei municipal
da cidade que determina os limites ambientais para o controle da qualidade de
ar.
A
Lei nº 10.011/2023 foi sancionada após uma série de pressões da sociedade
civil, mas encontrou resistência entre industriais. A Federação das Indústrias
do Espírito Santo (Findes) expediu uma liminar solicitando a suspensão da lei,
que foi acatada pela Justiça. Na época, a presidente da Findes era Cris
Samorini, que deixou o cargo neste ano após aceitar o convite para ser
vice-prefeita de Pazolini.
Ano
passado, o MP notificou as
mineradoras por ignorarem as recomendações previstas. Em 2019, inclusive, a
ArcelorMittal foi multada em
R$ 9 milhões pela prefeitura da Serra, município localizado a 30 quilômetros de
Vitória, por “chuva” de pó preto no bairro Praia de Carapebus. Antes disso, em
2016, a Polícia Federal interditou as empresas por excesso de poluentes no ar e no mar.
“A
CPI foi dominada por políticos alinhados com os interesses das empresas. Basta
ver que o prefeito nomeou Leonardo Monjardim (Novo) como presidente da
comissão, um vereador desinteressado com a causa. Não sendo suficiente, indicou
da sua base aliada três membros. Foi muita pressão para que eu entrasse, mas é
como se eu estivesse encurralado, enxugando gelo”, diz Moreira.
Durante
as sessões, Monjardim se mostrou contrário à criação da CPI. Ele foi reeleito
com 2.449 votos no primeiro turno, sendo o 16° vereador mais votado. Durante a
campanha recebeu apoio nas redes sociais do deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS), que junto a outros 24 parlamentares gaúchos apresentaram
projetos de lei flexibilizando legislações ambientais, após as enchentes no estado.
As
discussões trazidas durante as sessões da comissão foram calorosas. Monjardim
chegou a solicitar a retirada de ambientalistas e representantes de
organizações ambientais atuantes na cidade contra o fim da emissão do pó
preto.
Um
deles é Eraylton Moreschi, 70 anos, presidente da Juntos SOS ES Ambiental.
Membro há mais de anos do Conselho Municipal de Defesa do Meio
Ambiente (Condema), ele critica a atitude do
presidente da CPI. “Eu tenho o direito de manifestar minha repulsa contra a
presença das empresas poluidoras. Porém, enxergo que isso deixa explícito o
lado que o governo deseja proteger. Está claro que não somos nós moradores”,
comenta.
A
Juntos SOS ES Ambiental já protocolou denúncias contra as empresas emissoras do
pó preto por danos ambientais. A ArcelorMittal também é denunciada também pela
morte de peixes provocada pela solubilização do pó preto no oceano e descarte
de substâncias tóxicas provenientes de aço no rio Santa Maria da Vitória
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Empresas financiam políticos e associações de moradores
Não
é de hoje que o problema do pó preto persiste em Vitória. Instaladas durante a
ditadura militar, a Vale, a Samarco e a ArcelorMittal influenciaram a economia
da capital capixaba, que se tornou a cidade com a maior atividade portuária do
país, impulsionada pela produção das indústrias.
Políticos
do Espírito Santo, que já foi governado por Paulo Hartung – atual conselheiro
da Vale –, estão entre os mais beneficiados por doações da Vale. “Não importa se o candidato à
prefeitura é de direita ou esquerda, as empresas que ditam o funcionamento na
cidade, é o pó preto quem manda”, diz o vereador André Moreira (PSOL).
Há
uma semana, a Vale inaugurou o Parque Costeiro em Jardim Camburi, em Vitória. O
projeto faz parte das ações de recuperação da região norte da praia de Camburi
previstas em um dos TCAs. “Suspeito que essa inauguração seja tão próxima do
primeiro turno das eleições. O trágico de tudo isso é que tem crianças
brincando com partículas de ferro misturadas com a areia do parque”, disse um
representante de uma associação de um dos bairros próximos da empresa, que
falou com a reportagem em condição de sigilo.
A Pública questionou
a Vale sobre as denúncias de emissão de poluentes e sobre o parque. A empresa
informou que “busca o desenvolvimento territorial das localidades onde atua e
entende que o investimento social privado é uma forma efetiva de contribuir
neste contexto”. Além disso, “a empresa está implantando seu Plano Diretor
Ambiental, que conta com diversas ações para reduzir ao máximo a emissão de
poeira e aprimorar a gestão hídrica na Unidade Tubarão, em Vitória (ES). As
ações implantadas reduziram até a presente data cerca de 93% as emissões
difusas de poeira emitidas pela empresa em relação a 2010”.
A
ArcelorMittal também foi questionada, mas não respondeu até a publicação desta
reportagem. A Samarco também não enviou respostas.
A
reportagem também procurou também a assessoria de imprensa do prefeito Lorenzo,
mas não recebeu respostas.
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Na capital da soja,
agricultura familiar recebe migalhas e sofre preconceito do agro
É
difícil encontrar uma cidade que ilustra tão bem a diferença entre o
agronegócio e a agricultura familiar como Sorriso (MT), a 400 km da capital
Cuiabá, na rota da BR-163. Em 2023, o município foi o que mais lucrou com a
produção de soja no Brasil pelo quinto ano seguido, com algo em torno de R$ 8,3 bilhões. A soja produzida no local gera arrecadação de impostos
que, somados a outras fontes, renderam R$ 843 milhões em receitas para a prefeitura de Sorriso. Mas, do
outro lado, a agricultura familiar recebe migalhas do poder público local: em
2024, a prefeitura destinou cerca de R$ 2 milhões em investimentos para pequenos agricultores, ínfimo 0,2%
do valor recolhido em 2023.
“A
política usa a agricultura familiar para conseguir caminhão, maquinário,
trator, só que quando chega a gente tem de pagar uma taxa pra usar, pra fazer
um serviço de limpar ‘tocos’ na terra, tem de pagar outra taxa pra buscar
calcário, pra gente usar na terra”, disse à Agência Pública Márcio
Manoel da Silva, agricultor familiar e um dos fundadores do assentamento Jonas
Pinheiro, com 7,3 mil hectares na zona rural de Sorriso.
“Eles
usam a gente pra pegar o equipamento, mas não deixam a gente usar pra plantar
comida, plantar um pepino, uma hortaliça, um mamão”, afirmou seu Márcio, que
vive há mais de 20 anos na área. “Mas se fosse para plantar soja… liberavam
terras da União, empréstimos de banco público e privado, como sabemos que já
aconteceu com gente que mora aqui perto”, disse.
O
agricultor é casado com Maria Boaventura de Sousa Silva, a dona Sula,
presidente da Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais do Vale do Celeste
(Coopercel) – que atua na área do assentamento e produz alimentos orgânicos.
À Pública, dona Sula reforçou as críticas.
“Já
tivemos de ouvir gente dizendo que não adiantava dar caminhão e máquina pra
nós, porque aqui o povo não tem dinheiro nem pra abastecer o combustível. Gente
que não teve a coragem de vir perguntar da nossa condição, só tomaram os
equipamentos e pronto!”, disse.
Dona
Sula e seu Márcio afirmaram que nenhum dos candidatos à prefeitura – Leandro Carlos Damiani, o Damiani da TV (MDB), Alei
Fernandes (União) e Milton Ribas (PP) – foi ao assentamento para pedir votos às
famílias que vivem na área.
Para
o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da
Biodiversidade da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Thadeu Sobral
Souza, não apenas Sorriso, como todo o Nortão de Mato Grosso, ignoram a
importância da agricultura orgânica e familiar.
Para
o docente da UFMT, trata-se de uma consequência do modelo dominante no estado,
do agronegócio de monoculturas em larga escala. “Tirando Cuiabá, que existe há
séculos, e regiões próximas, o resto das cidades no estado eram pequenas, quase
inexistentes até a chegada do agronegócio. As pessoas que trabalham na área
realmente acreditam que o certo é produzir cada vez mais commodities,
então elas nem cogitam opções alternativas para a agricultura, não refletem
sobre os impactos de grande magnitude causados pelo agro”, disse Souza.
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Águas contaminadas? Para líder nas pesquisas, problema é esgotamento sanitário
Para
chegar no assentamento, é preciso sair da BR-163 por meio de uma pista vicinal,
andando mais de 6 km em uma estrada de terra. De um lado da via ficam as
pequenas propriedades do assentamento, com trechos mais estruturados e outros
com barracos improvisados em meio a congregações evangélicas e católicas; do
outro, uma cerca contínua, com um campo vasto esperando as primeiras chuvas
para o plantio da soja.
“A
gente tem de plantar nos ‘fundos’ do lote, senão o veneno espalha todo pela
nossa produção. Na época do plantio deles, é avião despejando veneno todo dia”,
disse seu Márcio.
“Antigamente,
quando ele [Márcio] trabalhava na cidade, tinha vezes que no caminho até a BR
ele tomava um banho de veneno, ficava com o cheiro impregnado o dia inteiro… o
avião despeja sem parar, pelo menos uma vez por ano a gente adoece”, afirmou
dona Sula.
Como
em outros municípios do Nortão de Mato Grosso, o abastecimento de água em
Sorriso se baseia em poços artesianos, tanto na cidade quanto no campo. O
uso de agrotóxicos nas lavouras da área, na região com a maior concentração de
terras no país de acordo com o IBGE, ameaça a qualidade das águas subterrâneas de todos, segundo
especialistas e pesquisadores.
“As
cidades do Nortão se consolidam a partir do modelo do latifúndio: tudo começou
com um ou dois donos de terra com fazendas gigantescas, que hoje em dia
necessitam cada vez mais do agrotóxico, do fertilizante químico e de outras
fontes que não são naturais, ambientalmente corretas”, afirma o professor da
UFMT Thadeu Sobral Souza.
“Com
o excesso de químicos e agrotóxicos, quando vem a chuva o que está impregnado
na produção agrícola infiltra no solo e escoa pelos córregos e rios na região.
Então temos uma água cada vez mais contaminada por aditivos químicos, por
veneno agrícola… isso sem contar o que vem do extremo norte, na divisa com o
Pará, onde há muitos garimpos despejando mercúrio nos rios”, disse Souza.
A
avaliação da qualidade das águas diante do uso descontrolado de agrotóxicos,
porém, não aparece nas campanhas dos favoritos à eleição em Sorriso: Damiani da
TV (MDB) e Alei Fernandes (União).
Líder
nas pesquisas de intenção de voto divulgadas até o momento, o candidato do
MDB disse à Pública que se preocupa com a qualidade dos recursos
hídricos, mas por outros motivos. “O campo não preocupa a gente, até porque nós
temos um terço do município preservado”, afirmou Damiani.
“Nossa
preocupação é com o esgotamento sanitário na cidade, que alcança menos de 30%
da população, e isso é um dano ambiental no município. Vou juntar uma equipe
técnica para fazer a avaliação precisa da qualidade das águas e do lençol
freático, porque a maioria das casas aqui usa fossa”, disse.
A
reportagem não conseguiu contato com o segundo colocado nas pesquisas de
intenção de voto, Alei Fernandes, até a publicação.
Fonte:
Agencia Pública
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