Thomas
Münzer: O céu na terra pela revolução
Decapitado
pela nobreza há 500 anos, teólogo alemão pregou um “reinado de Deus” sem
classes sociais e propriedade privada. Instigou a revolta plebeia. Liderou a
construção de uma Comuna. E lutou até o fim por uma utopia concreta, ao lado de
seu exército com sete mil camponeses...
Este
ano, revolucionários do mundo inteiro celebram a memória de Thomas Münzer
(1490-1525), executado em Mühlhausen em 27 de maio de 1525. Pregador anabatista
e um dos líderes religiosos da Guerra dos Camponeses no Sacro Império
Romano-Germânico no século XVI, ele foi um verdadeiro dirigente revolucionário.
Nascido
em uma família de artesãos pobres, estudou teologia e foi ordenado padre, mas
em 1519 aderiu a Martinho Lutero. Pouco depois, em 1521, redigiu o Manifesto de
Praga, um apelo à revolta contra “a prostituta da Babilônia”, a Igreja de Roma.
No entanto, logo passou a criticar Lutero por sua conivência com os poderosos.
Em 1524, em seu Sermão aos príncipes, atacou com veemência a autoridade da
Igreja e do Império. Aliado ao movimento camponês anabatista, pregou o
restabelecimento da Igreja apostólica – por meio da violência, se necessário –
para se preparar o mais rápido possível ao reino de Cristo. Em fevereiro de
1525, Thomas Münzer e seu grupo tomaram o poder em Mühlhausen, na Turíngia,
onde instauraram uma espécie de poder revolucionário radical e igualitário,
aliado à revolta camponesa. Místico e milenarista, inspirado pela doutrina
medieval da “Terceira Era”, de Joachim de Flore, Münzer também foi um
revolucionário que denunciou o poder dos ricos e a cumplicidade de Lutero com
os príncipes. Como os anabatistas, exigia que seus seguidores praticassem o
batismo de adultos. Na tradição apocalíptica, anunciou a iminência do Fim dos
Tempos e do Julgamento. Em seus sermões em Wittenberg (1523), tentou incitar
artesãos e camponeses contra os príncipes reinantes e os poderes eclesiásticos.
Decidido
a juntar-se à revolta camponesa, em maio de 1525 Thomas Münzer assumiu o
comando de um exército de 7 mil camponeses que se preparava para combater os
príncipes em Frankenhausen. A batalha ocorreu em 15 de maio: mal equipados e
inexperientes, os camponeses foram massacrados pelos exércitos principescos,
compostos por mercenários profissionais fortemente armados e com canhões.
Ferido, Münzer foi capturado em uma casa em Frankenhausen, onde havia se
refugiado. Após ser torturado, foi decapitado em Mühlhausen (Turíngia), diante
de uma plateia de representantes da alta nobreza. Sua cabeça empalada foi
exposta nas muralhas da cidade para que todo o povo pudesse ver.
Uma
inscrição na parede da cidade de Heldrungen o estigmatizou como archifanaticus
patronus et capitaneus seditiosorum rusticorum – uma homenagem involuntária…
Os
socialistas alemães, desde o século XIX, encontraram na Guerra dos Camponeses
do século XVI e na figura de Thomas Münzer uma fonte de inspiração e um
precedente histórico fundamental.
Notadamente,
é o caso de Friedrich Engels, que lhes dedicou um de seus principais – senão o
mais importante – estudos históricos: o livro As guerras camponesas na Alemanha
(1850). Seu interesse e fascínio vêm, provavelmente, do fato de que essa
revolta foi a única tradição verdadeiramente revolucionária da história alemã.
Ao analisar a Reforma Protestante e a crise religiosa da virada do século na
Alemanha em termos de luta de classes, Engels distingue três campos que se
enfrentam no terreno de batalha político-religioso: o campo católico
conservador, composto pelo poder do Império, dos prelados e de parte dos
príncipes, da nobreza rica e do patriciado das cidades; o partido da Reforma
Luterana burguesa moderada, que agrupava os elementos proprietários de oposição,
a massa da pequena nobreza, a burguesia e mesmo uma parte dos príncipes, que
esperavam enriquecer por meio do confisco dos bens da Igreja. Por fim, os
camponeses e os plebeus constituíam um partido revolucionário, “cujas
reivindicações e doutrinas foram melhor expressas por Thomas Münzer”.
Essa
análise dos confrontos religiosos sob a ótica das classes sociais antagônicas é
notável, mesmo que Engels pareça considerar a religião apenas como uma
“máscara” ou “cobertura” (Decke) por trás da qual se escondem “os interesses,
necessidades e reivindicações das diferentes classes”. No caso de Münzer, ele
afirma que este “dissimulava” suas convicções revolucionárias sob uma
“fraseologia cristã” ou uma “máscara bíblica”; e que se dirigia ao povo “na
linguagem do profetismo religioso” porque esta era “a única que eles eram
capazes de compreender na época”. A dimensão especificamente religiosa do
milenarismo de Münzer, sua força espiritual e moral, sua profundidade mística
autenticamente vivida, estão ausentes dessa abordagem.
Ao
mesmo tempo, Engels não esconde sua admiração pela figura do profeta quiliasta,
cujas ideias ele descreve como “quase comunistas” e “religiosas
revolucionárias”:
Sua
doutrina política correspondia exatamente a esta concepção religiosa
revolucionária e superava as relações sociais e políticas vigentes, assim como
sua teologia superava as concepções religiosas da época. […] Este programa, que
era menos a síntese das reivindicações dos plebeus e mais uma genial
antecipação das condições de emancipação dos elementos proletários que se
encontravam em estado rudimentar entre estes plebeus, exigia a instauração
imediata na terra do Reino de Deus, do reinado milenar dos profetas, mediante o
retorno da Igreja à sua origem e a supressão de todas as instituições que
estivessem em contradição com esta Igreja, supostamente primitiva, mas, na
realidade, completamente nova. Para Münzer, o reinado de Deus nada mais era que
uma sociedade na qual não haveria mais nenhuma diferença de classes, nenhuma
propriedade privada ou nenhum poder de Estado estrangeiro, autônomo, em
oposição aos membros da sociedade.
O que é
sugerido neste surpreendente parágrafo não é apenas a função contestatória e
até revolucionária de um movimento religioso, mas também sua dimensão
presciente, sua função utópica. Aqui, estamos nos antípodas da teoria do
“reflexo”: longe de ser a simples “expressão” das condições vigentes, a
doutrina político-religiosa de Münzer aparece como uma “antecipação genial” das
futuras aspirações comunistas. Há neste texto uma nova pista, que não é
explorada por Engels, mas que será, mais tarde, ricamente desenvolvida por
Ernst Bloch, desde seu ensaio de juventude sobre Thomas Münzer até seu opus
major, O princípio esperança.
Para um
balanço sóbrio e imparcial da contribuição de Engels ao estudo sócio-histórico
da Reforma, podemos recorrer ao prefácio de Leonard Krieger na edição inglesa
do livro (1967):
A
conexão entre as seitas radicais e as classes “plebeu-camponesas” – a conexão
que permitiu a Engels realizar suas análises históricas mais penetrantes –
continua sendo a única relação precisa aceita por historiadores situados de
ambos os lados da linha divisória marxista. Entretanto, mesmo que a prioridade
atribuída por Engels aos interesses sociais e à correlação unívoca entre as
diferentes confissões religiosas e as classes sociais não tenha sido amplamente
aceita, é indiscutível a importância da dimensão social para os conflitos
religiosos da era da Reforma, e a descoberta de como essa relação pôde
funcionar continua sendo uma das questões vivas para a historiografia europeia.
Quase
um século depois, em 1921, o jovem Ernst Bloch publicou seu Thomas Münzer,
teólogo da revolução, um tributo entusiástico – por parte de um marxista
libertário – ao líder dos anabatistas e uma análise detalhada de suas
proclamações. A dimensão apocalíptica do discurso de Münzer é destacada com
admiração:
Aqui,
não se lutava por tempos melhores, mas pelo fim de todos os tempos: falando de
maneira apropriada, era uma propaganda apocalíptica da ação. Não para superar
as dificuldades terrenas numa civilização eudemonista, mas para […] a irrupção
do Reino.
Em uma
interpretação com tom anarquista, Bloch percebe a doutrina de Münzer e dos
anabatistas como uma negação da autoridade do Estado e de todas as leis
impostas de fora, “quase antecipando Bakunin”. Münzer pregava uma “república
mística e universal” e até mesmo “algo ainda mais profundo: uma comunidade
completa de bens, o retorno às origens cristãs, a rejeição de toda autoridade
pública”.
Para
Bloch, Münzer estava nos antípodas da divinização luterana do Estado e do
“capitalismo como religião” de Calvino. Ele descreve o apelo de Münzer aos
mineiros em 1525 como uma “declaração de guerra às casas de Baal”, e até como
“o mais apaixonado, o mais furioso manifesto revolucionário de todos os tempos”
– infelizmente, sem grande resultado.
Logo
depois, em Frankenhausen, o “exército revolucionário e messiânico” de
camponeses, mal armado – sem artilharia nem pólvora – e sem um estado-maior
experiente, foi inspirado, mas não comandado por Münzer, e acabou sendo
exterminado pelos senhores.
Ernst
Bloch vê Thomas Münzer como um momento crucial da história subterrânea da
revolução, que vai dos cátaros, valdenses e albigenses até Rousseau, Weitling e
Tolstói: uma imensa tradição que busca “dar fim ao medo, ao Estado e a todo
poder desumano”.
Quem
seriam hoje os herdeiros de Thomas Münzer e dessa história subterrânea? Ernst
Bloch evoca Karl Liebknecht e Lênin, e conclui seu ensaio desejando uma
aliança: “entre o marxismo e o sonho do incondicionado […], no mesmo plano de
campanha”. O ensaio de Bloch foi escrito num momento, 1921, em que a revolução
na Alemanha ainda parecia possível. Daí esta conclusão surpreendente do livro:
“Erguendo-se sobre os escombros de uma civilização arruinada, eis que se eleva
o espírito da utopia indestrutível”.
Fonte:
Por Michael Löwy, em Outras Palavras

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