Quem
paga a conta pela privatização da energia?
Um dos
legados mais perversos da privatização do setor elétrico foi o aumento
desproporcional, em relação à situação econômica do país, das tarifas pagas
pelos consumidores de baixa tensão. Com a liberalização econômica, a partir de
1995 pelo governo FHC, foi adotada para o reajuste das tarifas a metodologia do
“Preço Teto Incentivado” (price cap), que fixou valores considerados “adequados
(?)” para remunerar e amortizar os investimentos, e cobrir os custos
operacionais, além das empresas receberem o benefício de reajustes e revisões.
As
cláusulas contratuais e as regras que interferem no aumento tarifário pós
privatização provocaram impactos significativos no bolso dos consumidores, e na
qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias, além de contribuírem
para o aumento do índice inflacionário. Fatores como: os mecanismos de reajuste
e revisão tarifária, a cobertura de custos de geração, e o equilíbrio
econômico-financeiro; criaram um ecossistema favorável às empresas privadas, o
“capitalismo sem risco”.
Os
reajuste e revisão tarifária previstas nos chamados “contratos de privatização”
preveem reajustes anuais na data de aniversário da privatização, e revisões
periódicas, geralmente a cada quatro ou cinco anos, com a justificativa de
garantir o denominado “equilíbrio econômico-financeiro” das empresas, com o
custo repassado para o consumidor. Além do reajuste extraordinário, que é o
aumento de tarifa pontual e excepcional, autorizado pela Agência Nacional de
Energia Elétrica (ANEEL), fora do cronograma regular de reajustes. Outra
aberração cometida contra o consumidor foi aplicar nos reajustes o Índice Geral
de Preços ao Mercado (IGP-M), que historicamente tende a subir mais que o
índice aplicado para a inflação, para o reajuste salarial, o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE.
Utilizado
para justificar as altas tarifas são os encargos setoriais e subsídios que
financiam políticas públicas, e que são repassados aos consumidores. As
bandeiras tarifárias criadas em 2015, foi outro mecanismo que contribuiu para
aumentar o caixa das concessionárias e penalizar o consumidor. A justificativa
foi de ressarcir as empresas desde que ocorresse qualquer interferência que
afetasse os preços da energia por elas adquiridas. É, ou não é um capitalismo
sem risco?
A
partir de 2025 começou a findar a vigência, estipulada de 30 anos, dos
contratos de privatização dos serviços públicos de distribuição de energia
elétrica. Duas situações se apresentaram para o poder público: decidir se
prorroga o contrato ou faz uma relicitação. A prerrogativa desta decisão é do
poder concedente, o Ministério de Minas e Energia. Outra alternativa seria a
estatização das concessionárias sem custos, que lamentavelmente não estavam nos
planos governamentais. A opção do Ministério de Minas e Energia, foi a da
renovação dos contratos.
Ao
longo dos 30 anos depois da primeira privatização, o setor elétrico acumulou
poucos êxitos, muitas frustrações e decepções com promessas não cumpridas. De
uma maneira geral, as empresas não cumpriram os regramentos, os requisitos e
indicadores de qualidade dos serviços prestados, além da prometida modicidade
tarifária. O que poderia caracterizar como “quebra de contrato”. Todavia a
“força” do lobby garantiu a renovação dos contratos com modificações pontuais,
sendo uma delas a de utilizar como índice para reajuste das tarifas, o IPCA.
Alivio que será sentido, mas que não afetará significativamente o valor final
da conta de luz.
O
ministro Alexandre Silveira (sempre ele, o das “boas ideias”) defendeu a
renovação dos contratos alegando que, se assim não acontecesse, poderia “ter um
declínio na qualidade” e até risco de “colapsar o setor de distribuição”. Foram
declarações realizadas no programa ”Roda Viva” da TV Cultura (24/11), para
justificar a decisão de não abrir novas licitações. Infelizmente são alegações
superficiais, com déficit de transparência, sem os devidos esclarecimentos e
explicações que a escolha tomada exige.
Segundo
estudo de junho de 2025 da Associação Brasileira dos Comercializadores de
Energia Elétrica (ABRACEEL) intitulado “Evolução dos preços e tarifas de
energia”, a tarifa de energia elétrica em 15 anos (2010-2024) subiu 55% acima
da inflação. No mesmo período as tarifas acumularam aumento de 177%, passando
de R$ 112,00/MWh, para 310,00/MWh. No mesmo período, o índice oficial da
inflação, o IPCA, cresceu 122%. Considerando tais números os resultados para as
distribuidoras foram excelentes. Fica claro que enquanto as tarifas sobem de
elevador, o salário do trabalhador(a), quando corrigido pela inflação, sobe
pela escada.
É
verificado que se a tarifa média de energia cresce mais que a inflação,
significa que a eletricidade está ficando mais cara em termos reais em relação
ao conjunto dos demais preços da economia. A consequência para os consumidores
é uma redução do seu poder de compra, em especial para as famílias de baixa
renda, que destinam maior parte do orçamento para pagar a conta de luz.
Levantamento
do Instituto Pólis e do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria
Estratégica, ao entrevistar duas mil pessoas em julho de 2023, mostrou que 36%
das famílias gastam mais da metade do orçamento para pagar a conta de luz e
gás. E que a conta de luz e a alimentação, constituem o maior impacto no
orçamento de quase metade (49%) das famílias brasileiras. Tais despesas são
ainda mais importantes para quem recebe até um salário mínimo, e entre pessoas
negras e moradoras das regiões Norte e Nordeste
O peso
da conta de luz é considerado um dos principais gastos para os brasileiros, e
seu custo elevado pode levar muitas famílias, especialmente as mais pobres, a
dificuldades financeiras, como deixar de comprar alimentos para pagar as contas
básicas.
A
tentativa governamental de rever minimamente normas que penalizam os
consumidores com tarifas abusivas, e combater a desastrosa prestação de
serviços por parte das concessionárias foi uma decepção, através do que foi
chamado de modernização do marco regulatório com a PEC 1304/2025.
Os
lobbies que atuam no setor elétrico desvirtuaram o projeto original. O agora
Projeto de Lei de Conversão no 10 (PLV), com as modificações aprovadas pelo
Congresso Nacional terão o efeito contrário, pois irá aumentar os custos
pressionando a tarifa dos consumidores, além de distorcer o planejamento do
setor.
Com 20
vetos a trechos do PLV foi sancionado em 25/11 pelo presidente da República em
exercício, e transformado na Lei 15.269. Como esperado, os vetos atingiram os
pontos mais polêmicos que comprometem o objetivo inicial do governo federal.
Todavia ficou explicitado mais uma vez a contradição entre o discurso e a
prática do governo federal. Mesmo o Ministério de Meio Ambiente e Mudança do
Clima se posicionar contrariamente, o Ministério de Minas e Energia foi
atendido e, mantido o dispositivo que prorroga a compra de energia das
termelétricas a carvão mineral, o mais poluente e mais caro dos combustíveis
fósseis.
Assim
fica comprometido efetivamente que as contas de energia diminuam para o
consumidor, o que parece longe de ocorrer, e nem atender os acordos
internacionais para diminuição das emissões de gases de efeito estufa. Quem
viver, verá.
Fonte:
Por Heitor Scalambrini Costa, no EcoDebate

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