O
vírus e as palavras — A AIDS reconfigurou corpos, narrativas e o tempo
O
calendário ainda registra: primeiro de dezembro é o dia mundial da luta contra
a AIDS. Mais de quatro décadas, vivendo na sociedade de risco, evoco uma peça
publicitária de outrora: “se você não se cuidar, a AIDS vai te pegar”. Saltos
qualitativos foram observados na prevenção e no processo terapêutico. Podemos
afirmar que ela se tornou crônica? A chapeuzinho vermelho segue amarelando com
os seus medos ancestrais. Em 2025, vivemos com HIV/AIDS em outros patamares,
mas ela persiste nos nossos desassossegos cotidianos. Contar que é
soropositivo, nos dias de hoje, é uma confissão menos turbulenta? Quais
questões a AIDS recoloca para os nossos incertos tempos?
Nossos
corpos dariam um romance. O corpo de José Leonilson deu um filme. Ele e Herbert
Daniel, escritor de Meu corpo daria um romance, subjetivaram, na companhia das
letras e da arte, o prazer com risco de vida, cantado pelo Cazuza. Em “risco de
vida”, da dramaturgia teatral de Alberto Guzik, dois de seus desejantes
personagens literários afirmaram: “viver é o maior barato”. “Viver faz mal à
saúde”. Na contraluz literária, assim vivíamos e vivemos agora. Riscos para
todos, todas e todes.
A AIDS
faz parte dos nossos shows cotidianos? Na segunda metade dos anos 1990,
participei de conversa sobre o seguinte tema: “olha a cara dela. A AIDS não é
mais aquela”. E hoje, no ano de 2025? Qual a nova faceta da “peste gay” dos
“aidéticos” nos primórdios dos anos 1980? Qual a nova imagem da estigmatizante
pandemia daquela conjuntura histórica? A doença mudou o seu perfil
epidemiológico. Como estamos vivendo agora? Os medos medievais seguem nos dias
de hoje, na sociedade de riscos e incertezas. E o uso das camisinhas masculinas
e femininas? Esta última é usada pelas mulheres atuais? Perguntas disparadas
com a leitura de A paixão de JL (2015), filme de Carlos Nader.
Como a
AIDS se espalhou entre os diversos grupos populacionais, os impactos
socioeconômicos por ela gerados, a resposta da sociedade civil organizada,
através das suas organizações não governamentais e as políticas públicas
direcionadas à enfermidade focalizada, são capítulos de uma história social da
doença. A AIDS é exemplar para quem afirma: “um vírus só não faz doença”. Esta
é alvo de construções sociais, práticas discursivas e produções de sentido. Os
desdobramentos subjetivos do adoecer geram textos literários, fílmicos,
musicais e teatrais. Narrativas falantes dos múltiplos ais das nossas
existências.
“Ser gay hoje em dia é a mesma coisa que ser
judeu na Segunda Guerra Mundial”. Afirmação feita pelo artista visual José
Leonilson em seu diário íntimo, gravado em fitas cassete entre os anos de 1990
e 1993. Sonhos, memórias e ficções pessoais no ensaio poético de quem
subjetivou a AIDS no seu trabalho artístico. Os perigosos, os outsiders, os
discriminados, as vítimas de preconceitos e estigmatizações históricas foram
citados nas suas criações artísticas: aidéticos, homossexuais, mulheres,
ciganos, comunistas, negros, judeus, aleijados. Um “José Lasaro”, um Jó
arteiro, dá visualidade aos excluídos e oprimidos de uma história das
dominações. Na crueldade da experiência com a praga evocativa da lepra bíblica,
Leonilson questiona as razões do seu infortúnio: “Eu não fiz nada pra merecer
isso, sabe”.
Nos anos 1990, sexo seguro, prevenção, drogas,
adolescentes, mulheres, apoio psicológico aos portadores e um viva a vida eram
termos e expressões de referência bibliográfica em tempos de AIDS. Hervé
Guibert, partindo da sua própria experiência com a doença, escreveu o seu
“protocolo da compaixão”. A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
(ABIA) e o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (IMS-UERJ) publicaram a história social da AIDS no Brasil e no mundo.
Caio Fernando Abreu nas suas “pequenas epifanias” e cartas escritas do leito
hospitalar.
Do
prédio do Emílio Ribas paulistano, ele via as catacumbas cemiteriais do outro
lado da avenida. No cinema, a voz operística de Maria Callas em cena dramática
de Philadelphia. Em outros tons, a comédia musical Paciente Zero. As Horas,
livro de Michael Cunningham, ganhou versão cinematográfica. Entre os cineastas,
exalto o polêmico e provocador Derek Jarman, o criador de Sebastiane, Eduardo
II e Blue.
AIDS e
suas metáforas na companhia das letras de Susan Sontag. Bibliografia reforçada
com Estigma, de Erving Goffman. Histórias da AIDS nas páginas literárias, telas
fílmicas e composições musicais. O ponto de vista das ciências humanas é
destacado com a “sociologia de uma epidemia”, produzida por Michael Pollak. “A
literatura (des)construindo a AIDS” nas “histórias positivas” pesquisadas por
Marcelo Secron Bessa.
• Homem tem remissão do HIV após
transplante de células-tronco
Um
homem de 60 anos de Berlim, na Alemanha, tornou-se a sétima pessoa do mundo a
alcançar a remissão a longo prazo do HIV após receber um transplante de
células-tronco para o tratamento de leucemia. O caso foi relatado em estudo
publicado na Nature na segunda-feira (1º).
O
paciente havia sido diagnosticado com HIV em 2009 e, posteriormente,
desenvolveu leucemia mieloide aguda em 2015. Como parte do tratamento do
câncer, ele foi submetido a um transplante de células-tronco de um doador
compatível e entrou em remissão da infecção consequentemente.
Diferentemente
dos casos anteriores de remissão do HIV devido a um transplante de
células-tronco, o doador era "heterozigoto" para uma variante
genética chamada CCR5 Δ32, que bloqueia a principal porta de entrada do HIV nas
células. Isso significa que ele tinha apenas uma cópia dessa mutação, e não
duas. Mesmo assim, o paciente conseguiu interromper a terapia antirretroviral
três anos após o transplante e permanece livre do HIV.
Com
isso, o novo caso mostra que não é preciso ter duas cópias da mutação para
alcançar a remissão do HIV. Basta uma única cópia, o que amplia o número
potencial de doadores compatíveis e a chance de cura da infecção.
Além
disso, as descobertas recentes sugerem que outros fatores são fundamentais para
a remissão do HIV, como diminuição ou eliminação dos chamados
"reservatórios virais", células onde o vírus pode se esconder.
Segundo
os pesquisadores, antes do transplante, o paciente tinha o vírus intacto no
organismo. Depois do procedimento, mesmo após testes mais sensíveis, não foram
detectadas partículas virais capazes de se replicar, nem no sangue, nem em
tecidos. As respostas imunes específicas ao HIV diminuíram ou desapareceram, o
que indica que o vírus não estava mais ativo no corpo.
Para os
autores do estudo, o caso pode abrir caminhos para estratégias de cura do HIV
mais amplas e que não dependam somente do transplante. Mais pesquisas precisam
ser realizadas.
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Quem são os outros pacientes que atingiram a remissão?
O
primeiro caso de um paciente com HIV curado foi Thimothy Ray Brown, conhecido
como "paciente de Berlim". Ele foi diagnosticado com HIV em 1995, na
Alemanha, e recebeu o diagnóstico de leucemia em 2006.
O
segundo homem curado foi Adam Castillejo, que ficou conhecido como
"paciente de Londres". Ele tinha linfoma de Hodgkin e passou pelo
transplante de medula com material de um doador com a mutação no gene em maio
de 2016.
Em
2022, mais dois casos foram anunciados: em fevereiro, uma mulher foi submetida
a um tratamento com sangue do cordão umbilical de um doador com mutação no CC5
e células-tronco sanguíneas parcialmente compatíveis de um parente de primeiro
grau.
Pouco
tempo depois, em julho, foi divulgado o quarto caso de cura do HIV. O homem de
66 anos, que não quis revelar sua identidade, recebeu o apelido de
"paciente de City of Hope".
Em
2023, cientistas do Hospital Universitário de Düsseldorf, na Alemanha,
anunciaram o quinto paciente curado do HIV após transplante de medula óssea.
Conhecido como "paciente de Düsseldorf", ele também tinha leucemia e
recebeu células-tronco de um doador com genética resistente ao vírus, como os
casos anteriores.
No
mesmo ano, um homem na Suíça, apelidado de "paciente de Genebra",
apresentou remissão do vírus HIV após a realização de um transplante de medula
óssea. Seu caso também foi diferencial em relação aos anteriores, pois a medula
óssea recebida não possuía mutação CCR5 Δ32.
Fonte:
Por Francisco de Oliveira Barros Júnior, em A Terra é Redonda/CNN Brasil

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