quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

O vírus e as palavras — A AIDS reconfigurou corpos, narrativas e o tempo

O calendário ainda registra: primeiro de dezembro é o dia mundial da luta contra a AIDS. Mais de quatro décadas, vivendo na sociedade de risco, evoco uma peça publicitária de outrora: “se você não se cuidar, a AIDS vai te pegar”. Saltos qualitativos foram observados na prevenção e no processo terapêutico. Podemos afirmar que ela se tornou crônica? A chapeuzinho vermelho segue amarelando com os seus medos ancestrais. Em 2025, vivemos com HIV/AIDS em outros patamares, mas ela persiste nos nossos desassossegos cotidianos. Contar que é soropositivo, nos dias de hoje, é uma confissão menos turbulenta? Quais questões a AIDS recoloca para os nossos incertos tempos?

Nossos corpos dariam um romance. O corpo de José Leonilson deu um filme. Ele e Herbert Daniel, escritor de Meu corpo daria um romance, subjetivaram, na companhia das letras e da arte, o prazer com risco de vida, cantado pelo Cazuza. Em “risco de vida”, da dramaturgia teatral de Alberto Guzik, dois de seus desejantes personagens literários afirmaram: “viver é o maior barato”. “Viver faz mal à saúde”. Na contraluz literária, assim vivíamos e vivemos agora. Riscos para todos, todas e todes.

A AIDS faz parte dos nossos shows cotidianos? Na segunda metade dos anos 1990, participei de conversa sobre o seguinte tema: “olha a cara dela. A AIDS não é mais aquela”. E hoje, no ano de 2025? Qual a nova faceta da “peste gay” dos “aidéticos” nos primórdios dos anos 1980? Qual a nova imagem da estigmatizante pandemia daquela conjuntura histórica? A doença mudou o seu perfil epidemiológico. Como estamos vivendo agora? Os medos medievais seguem nos dias de hoje, na sociedade de riscos e incertezas. E o uso das camisinhas masculinas e femininas? Esta última é usada pelas mulheres atuais? Perguntas disparadas com a leitura de A paixão de JL (2015), filme de Carlos Nader.

Como a AIDS se espalhou entre os diversos grupos populacionais, os impactos socioeconômicos por ela gerados, a resposta da sociedade civil organizada, através das suas organizações não governamentais e as políticas públicas direcionadas à enfermidade focalizada, são capítulos de uma história social da doença. A AIDS é exemplar para quem afirma: “um vírus só não faz doença”. Esta é alvo de construções sociais, práticas discursivas e produções de sentido. Os desdobramentos subjetivos do adoecer geram textos literários, fílmicos, musicais e teatrais. Narrativas falantes dos múltiplos ais das nossas existências.

 “Ser gay hoje em dia é a mesma coisa que ser judeu na Segunda Guerra Mundial”. Afirmação feita pelo artista visual José Leonilson em seu diário íntimo, gravado em fitas cassete entre os anos de 1990 e 1993. Sonhos, memórias e ficções pessoais no ensaio poético de quem subjetivou a AIDS no seu trabalho artístico. Os perigosos, os outsiders, os discriminados, as vítimas de preconceitos e estigmatizações históricas foram citados nas suas criações artísticas: aidéticos, homossexuais, mulheres, ciganos, comunistas, negros, judeus, aleijados. Um “José Lasaro”, um Jó arteiro, dá visualidade aos excluídos e oprimidos de uma história das dominações. Na crueldade da experiência com a praga evocativa da lepra bíblica, Leonilson questiona as razões do seu infortúnio: “Eu não fiz nada pra merecer isso, sabe”.

 Nos anos 1990, sexo seguro, prevenção, drogas, adolescentes, mulheres, apoio psicológico aos portadores e um viva a vida eram termos e expressões de referência bibliográfica em tempos de AIDS. Hervé Guibert, partindo da sua própria experiência com a doença, escreveu o seu “protocolo da compaixão”. A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) e o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ) publicaram a história social da AIDS no Brasil e no mundo. Caio Fernando Abreu nas suas “pequenas epifanias” e cartas escritas do leito hospitalar.

Do prédio do Emílio Ribas paulistano, ele via as catacumbas cemiteriais do outro lado da avenida. No cinema, a voz operística de Maria Callas em cena dramática de Philadelphia. Em outros tons, a comédia musical Paciente Zero. As Horas, livro de Michael Cunningham, ganhou versão cinematográfica. Entre os cineastas, exalto o polêmico e provocador Derek Jarman, o criador de Sebastiane, Eduardo II e Blue.

AIDS e suas metáforas na companhia das letras de Susan Sontag. Bibliografia reforçada com Estigma, de Erving Goffman. Histórias da AIDS nas páginas literárias, telas fílmicas e composições musicais. O ponto de vista das ciências humanas é destacado com a “sociologia de uma epidemia”, produzida por Michael Pollak. “A literatura (des)construindo a AIDS” nas “histórias positivas” pesquisadas por Marcelo Secron Bessa.

•        Homem tem remissão do HIV após transplante de células-tronco

Um homem de 60 anos de Berlim, na Alemanha, tornou-se a sétima pessoa do mundo a alcançar a remissão a longo prazo do HIV após receber um transplante de células-tronco para o tratamento de leucemia. O caso foi relatado em estudo publicado na Nature na segunda-feira (1º).

O paciente havia sido diagnosticado com HIV em 2009 e, posteriormente, desenvolveu leucemia mieloide aguda em 2015. Como parte do tratamento do câncer, ele foi submetido a um transplante de células-tronco de um doador compatível e entrou em remissão da infecção consequentemente.

Diferentemente dos casos anteriores de remissão do HIV devido a um transplante de células-tronco, o doador era "heterozigoto" para uma variante genética chamada CCR5 Δ32, que bloqueia a principal porta de entrada do HIV nas células. Isso significa que ele tinha apenas uma cópia dessa mutação, e não duas. Mesmo assim, o paciente conseguiu interromper a terapia antirretroviral três anos após o transplante e permanece livre do HIV.

Com isso, o novo caso mostra que não é preciso ter duas cópias da mutação para alcançar a remissão do HIV. Basta uma única cópia, o que amplia o número potencial de doadores compatíveis e a chance de cura da infecção.

Além disso, as descobertas recentes sugerem que outros fatores são fundamentais para a remissão do HIV, como diminuição ou eliminação dos chamados "reservatórios virais", células onde o vírus pode se esconder.

Segundo os pesquisadores, antes do transplante, o paciente tinha o vírus intacto no organismo. Depois do procedimento, mesmo após testes mais sensíveis, não foram detectadas partículas virais capazes de se replicar, nem no sangue, nem em tecidos. As respostas imunes específicas ao HIV diminuíram ou desapareceram, o que indica que o vírus não estava mais ativo no corpo.

Para os autores do estudo, o caso pode abrir caminhos para estratégias de cura do HIV mais amplas e que não dependam somente do transplante. Mais pesquisas precisam ser realizadas.

<><> Quem são os outros pacientes que atingiram a remissão?

O primeiro caso de um paciente com HIV curado foi Thimothy Ray Brown, conhecido como "paciente de Berlim". Ele foi diagnosticado com HIV em 1995, na Alemanha, e recebeu o diagnóstico de leucemia em 2006.

O segundo homem curado foi Adam Castillejo, que ficou conhecido como "paciente de Londres". Ele tinha linfoma de Hodgkin e passou pelo transplante de medula com material de um doador com a mutação no gene em maio de 2016.

Em 2022, mais dois casos foram anunciados: em fevereiro, uma mulher foi submetida a um tratamento com sangue do cordão umbilical de um doador com mutação no CC5 e células-tronco sanguíneas parcialmente compatíveis de um parente de primeiro grau.

Pouco tempo depois, em julho, foi divulgado o quarto caso de cura do HIV. O homem de 66 anos, que não quis revelar sua identidade, recebeu o apelido de "paciente de City of Hope".

Em 2023, cientistas do Hospital Universitário de Düsseldorf, na Alemanha, anunciaram o quinto paciente curado do HIV após transplante de medula óssea. Conhecido como "paciente de Düsseldorf", ele também tinha leucemia e recebeu células-tronco de um doador com genética resistente ao vírus, como os casos anteriores.

No mesmo ano, um homem na Suíça, apelidado de "paciente de Genebra", apresentou remissão do vírus HIV após a realização de um transplante de medula óssea. Seu caso também foi diferencial em relação aos anteriores, pois a medula óssea recebida não possuía mutação CCR5 Δ32.

 

Fonte: Por Francisco de Oliveira Barros Júnior, em A Terra é Redonda/CNN Brasil

 

Nenhum comentário: