terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Moraes pede comprovação do histórico clínico de Augusto Heleno

Relator do processo da trama golpista, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou neste sábado (29) comprovação do histórico de saúde do general Augusto Heleno para decidir sobre pedido da defesa de cumprimento da pena de 21 anos em prisão domiciliar, devido ao diagnóstico de Alzheimer e a antecedentes de transtorno depressivo e transtorno misto ansioso depressivo.

De acordo com a defesa do general, que tem 78 anos e está custodiado em uma cela especial do Comando Militar do Planalto (CMP), em Brasília, ele apresenta sintomas psiquiátricos e cognitivos desde 2018.

Em despacho, Moraes cobrou a anexação de documentos comprobatórios do histórico do estado de saúde do ex-ministro de Jair Bolsonaro.

"Não foi juntado aos autos nenhum documento, exame, relatório, notícia ou comprovação da presença dos sintomas contemporâneos aos anos de 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023; período, inclusive, em que o réu exerceu o cargo de Ministro de Estado do Gabinete de Segurança Institucional, cuja estrutura englobada a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) - responsável por informações de inteligência sensíveis à Soberania Nacional -, uma vez que, todos os exames que acompanham o laudo médico foram realizados em 2024", apontou o magistrado do STF.

A concessão do regime de prisão domiciliar em favor de Augusto Heleno recebeu parecer favorável da Procuradoria Geral da República (PGR), em manifestação publicada nesta sexta-feira (28), mas a decisão final sobre o pleito caberá ao STF.

Alexandre de Moraes determinou que a defesa de Heleno junte aos autos, no prazo de 5 dias, o exame inicial que teria identificado ou registrado sintomas ou diagnóstico de demência mista (Alzheimer e vascular) e todos os relatórios, exames, avaliações médicas, neuropsicológicas e psiquiátricas produzidos desde 2018, "inclusive prontuários, laudos evolutivos, prescrições e documentos correlatos que comprovem o alegado".

O magistrado também solicitou "documentos comprobatórios da realização de consultas e os médicos que acompanharam a evolução da demência mista, Alzheimer e vascular durante todo esse período".

Por fim, Moraes pediu esclarecimento, por parte da defesa, se em virtude do cargo ocupado entre 2019 e 2022, o réu teria comunicado ao serviço de saúde da Presidência da República, do Ministério ou a algum órgão seu diagnóstico de deterioração cognitiva.

<><> Condenação

Augusto Heleno, o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais cinco aliados começaram a cumprir pena nesta terça-feira (25) após o Supremo Tribunal Federal (STF)determinar o fim do processo para os réus do Núcleo 1 da trama golpista que planejava impedir a posse de Luís Inácio Lula da Silva como presidente da República em 2023..

A condenação ocorreu no dia 11 de setembro. Por 4 votos a 1, a Primeira Turma do STF condenou os sete réus pelos crimes de:

Organização criminosa armada,

Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,

Golpe de Estado,

Dano qualificado pela violência e grave ameaça e

Deterioração de patrimônio tombado.

•        Diagnóstico de Alzheimer de Heleno é de 2025, e não de 2018, diz defesa

A defesa do general Augusto Heleno apresentou, na tarde deste sábado (29/11), ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um documento com esclarecimentos sobre o estado de saúde do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo de Jair Bolsonaro (PL). Segundo os advogados, a informação de que Heleno teria recebido diagnóstico de Alzheimer em 2018 está incorreta. O parecer definitivo, afirmam, foi firmado apenas em janeiro de 2025.

Os detalhes dos laudos médicos protocolados no processo foram revelados pelo Correio na quarta-feira, um dia após Moraes determinar a prisão de Heleno, condenado a 21 anos por envolvimento na trama golpista. A manifestação foi protocolada horas depois de o ministro determinar, à defesa, a apresentação dos documentos que comprovem o diagnóstico de Alzheimer, no prazo de cinco dias.

Diferentemente do relatado por Heleno ao ser interrogado pela médica responsável pelo exame de corpo de delito, a data de 2018 decorreu de um equívoco, alega a defesa. “[...] O que, provavelmente, deve ter sido um equívoco por parte do perito ao indagar ao Requerente sobre seu estado de saúde, considerando que apresenta diagnóstico de Alzheimer e não tem condições de explanar sobre marcos temporais.”

Com exceção desse episódio, os advogados afirmam que não há menção à data de 2018 como início da doença. A defesa técnica apresentou alegações de que Heleno manifestou os primeiros sinais de falha de memória no fim de 2022, mas que o diagnóstico definitivo, com base médica, ocorreu apenas em janeiro deste ano.

<><> Cronologia

Os relatórios médicos protocolados na quarta-feira evidenciam a cronologia do quadro clínico do general, com resultados de exames, remédios prescritos e pareceres de consultas periódicas. Em dezembro de 2022, constam os primeiros sinais de falhas de memória. Em 2023 e 2024, Heleno passou por averiguações médicas, exames e acompanhamento com médicos psiquiatra e geriatra. Em janeiro de 2025, confirma a defesa, veio o diagnóstico de demência mista: Alzheimer e demência vascular.

Na manifestação, a defesa anexou uma planilha com a evolução do estado de saúde do general, com registros que vão de 2000 a 23 de novembro de 2025. Este último, detalhando a emissão do relatório médico especializado, em que reitera que o tratamento em regime fechado eleva as chances de agravamento do estado de saúde, em caráter irreversível.

Ao final, a defesa pede a concessão da prisão domiciliar de Heleno, em caráter humanitário, com urgência.

•        O grito de Ulysses, o golpe de 1964 e a prisão dos generais golpistas. Por Gustavo Tapioca

Na terça-feira, 22 de novembro de 2025, o Brasil atravessou o marco que faltava. Generais de quatro estrelas, almirantes e ministros de Estado começaram a cumprir longas penas de prisão por atentarem contra a democracia. Pela primeira vez na história, a farda descobriu que não é dona do país. A democracia — tantas vezes humilhada, chantageada e ameaçada — levantou-se e disse, como Ulysses em 1988: “Tenho nojo da ditadura.”

O ciclo iniciado com a violência armada de 1889 — quando o marechal Deodoro da Fonseca liderou um movimento militar que derrubou Dom Pedro II — aprofundado pela tortura de 1964 e ressuscitado pelo bolsonarismo, termina agora atrás das grades.

<><> O mito que transformou covardia em projeto

Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses, caiu como sempre viveu: covarde, teatral, patético, tentando manipular uma tornozeleira cumprindo prisão domiciliar. Mas Bolsonaro jamais foi o cérebro. Ele foi o biombo — o boneco colorido colocado na frente de um projeto fardado e autoritário que, durante décadas, transitou livre pelos subterrâneos da República.

Caiu Jair Bolsonaro. Caíram Braga Netto, Almir Garnier, Augusto Heleno, Paulo Sérgio, Anderson Torres. Caiu o círculo militar que acreditou que o Brasil ainda era o latifúndio privado dos quartéis. E cai, sobretudo, o mito da farda como licença para destruir o Estado de Direito.

<><> O 8 de janeiro nasceu em 1964

O golpe de 1964 ensinou, geração após geração, que as Forças Armadas eram “poder moderador”, “árbitro”, “reserva moral”, “última instância”.

Mentira. Propaganda. Ideologia de caserna.

Essa mentira produziu 21 anos de ditadura, milhares de perseguidos, centenas de desaparecidos e torturados. Um país inteiro traumatizado. E essa mentira continuou viva porque o Brasil nunca puniu seus torturadores.

A sentença que recai agora sobre generais golpistas não é só sobre 2023. Ela é, sobretudo, o que o país não teve coragem de enfrentar em 1979, quando anistiou os torturadores. Um deles ídolo dos Bolsonaros — um dos mais sádicos torturadores da “safra” dos anos 1970 — exaltado em camisetas que homenageiam Carlos Alberto Brilhante Ustra, “o pavor de Dilma Rousseff”, no dizer cúmplice de Jair Bolsonaro.

<><> A memória dos torturados exige este momento

O livro Brasil: Nunca Mais revelou ao país, com documentos da própria Justiça Militar, o inventário da barbárie: Choques elétricos, Pau-de-arara, Estupros, Execuções, Afogamentos, Desaparecimentos, Corpos nunca encontrados.

Foram mais de 700 processos — e nenhum torturador punido. A democracia pós-1985 deveu às vítimas a justiça que nunca veio. As prisões dos generais de 2025 não compensam a omissão. Mas finalmente deixam claro: quem conspira contra a democracia não terá o mesmo destino dos torturados — a porta da frente da história.

<><> O pecado original que gerou o golpismo

A anistia que perdoou torturadores também perdoou a ideia de que militares podem tudo. Ela inoculou o vírus que renasceu sob Bolsonaro. Foi o pacto que permitiu que, em pleno século XXI, generais acreditassem poder derrubar um governo eleito com fake news, culto messiânico, sabotagem institucional e manifestações nos portões dos quartéis clamando por intervenção militar, com a baderna generalizada do 8 de janeiro.

A sentença da história é clara: se o Brasil tivesse julgado seus torturadores, nenhum general teria ousado conspirar em 2023. A impunidade é mãe do golpe. A punição é a única vacina.

<><> O filho político do porão

Entre todos os condenados, Augusto Heleno tem um significado especial. Não é apenas um general. É o herdeiro direto da linha-dura. Formou-se politicamente como ajudante de ordens de Silvio Frota, o mais autoritário e golpista dos generais da ditadura.

De Frota, Heleno aprendeu o ódio à política civil, o desprezo pela democracia, a fantasia de tutela militar, o gosto pela conspiração. Entre 1974 e 1977, período em que Frota ocupou o Ministério do Exército, a ditadura assassinou alguns dos casos mais emblemáticos de presos políticos mortos sob custódia: Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho.

Heleno levou as lições do chefe Frota para dentro do governo Bolsonaro. E agora termina onde tantos dos seus mestres deveriam ter terminado: na cadeia. É o fim simbólico de uma linhagem. A derrota histórica de um projeto.

<><> O papel do Supremo

O Congresso hesitou. Governadores se omitiram. A mídia hegemônica normalizou o golpe continuado do governo Bolsonaro e seus generais. As Forças Armadas fingiram surpresa. Quem segurou a República foi o STF. Não por ativismo, mas porque, diante do fascismo, defender a Constituição é dever — não escolha.

Ao condenar generais golpistas, o Supremo inscreveu seu nome na tradição das Cortes que impedem países inteiros de desabar.

<><> “Traidor da Constituição é traidor da pátria"

No dia 5 de outubro de 1988, quando ergueu a Constituição diante de um Congresso lotado, Ulysses Guimarães não apenas promulgou uma Carta — ele acendeu uma sentença moral contra todos os que haviam comandado, servido ou aplaudido o regime de 1964. Sua mensagem atravessou 37 anos para aparecer mais atual do que nunca.

Seu famoso brado, “Tenho nojo da ditadura”, não foi figura de linguagem. Foi acusação direta. Foi dedo em riste. Foi a voz do Brasil que sobreviveu aos porões e aos covardes que os administravam.

Hoje, quando generais — herdeiros diretos da mentalidade que Ulysses repudiou — são presos, em 2025, por tentar outro golpe, suas palavras ganham um sentido ainda mais afiado. Ulysses sabia que a ditadura não acabava numa assinatura, mas num enfrentamento moral permanente.

Aqui está o trecho mais célebre do discurso de Ulysses Guimarães na sessão solene de 5 de outubro de 1988, quando promulgou a Constituição Cidadã:

“Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amor e repulsa. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria.”

•        Para entender a gênese do fascismo-bolsonarismo. Por Jair de Souza

As mazelas do fascismo estão de volta para atormentar a vida das classes trabalhadoras. Para os que temos um pouco mais de tempo no percurso da estrada da vida, este ressurgimento pode chegar a ser um tanto inexplicável. É difícil entender como, mesmo após as nefastas experiências ocorridas na primeira metade do século passado, essas correntes de extrema direita tenham regressado ao cenário principal do mundo político de uma maneira para nada desprezível.

Porém, jamais seremos capazes de compreender os mecanismos que possibilitaram o ressurgimento vigoroso dessa ideologia ultrarreacionária, sem estudar a evolução das estruturas sócio-econômicas nas quais o fascismo se ampara. E as bases do fascismo estão profundamente assentadas no capitalismo em sua fase mais oligopolizada, ou seja, nos momentos em que o capitalismo ingressa em uma etapa de acentuada crise.

Em condições de normalidade e pujança, as chances de o fascismo se impor são quase nulas. Como podemos constatar ao rever a história, em períodos em que o capitalismo não se sente ameaçado, as lideranças de tipo fascista costumam ser desprezadas e rejeitadas pelos próprios capitalistas, que as veem como grotescas e vulgares.

Mas, tudo muda drasticamente quando as relações de dominação do capitalismo oligopolizado já não conseguem ser aceitas pelas massas populares sem grandes resistências. Nos momentos em que o descontentamento popular atinge níveis tão elevados que as massas deixam de acreditar que seja possível sair de sua tragédia por meio de reacomodações cosméticas, o fascismo passa a ser visto com outros olhos pelas elites sócio-econômicas que antes o viam com desdém.

A mudança de atitude das classes dominantes em relação com as lideranças de cunho fascistoide não se deve a nenhuma variação no sentimento de asco que lhes nutriam anteriormente. É que, acima de quaisquer outras questões, os senhores do grande capital sabem que, em primeiro lugar, devem preservar as estruturas do sistema de exploração do qual dependem para manter seus privilégios. Nestas circunstâncias de crise intensa e ameaça a seus interesses, o fascismo desponta como a principal alternativa de transformar tudo na superfície para que nada mude nas estruturas. Em outras palavras, o fascismo é a tábua de salvação do grande capital nos momentos de grandes tormentas.

Assim, para neutralizar a fúria das massas, recorre-se a certos anjos da guarda que, embora dotados de feições pouco palatáveis, são úteis na tentativa de redirecionar a sanha popular para que os interesses reais dos capitalistas não sejam atingidos. Por isso, não é de estranhar a peculiaridade de que as grandes lideranças fascistas tenham sido, e continuem sendo, figuras notoriamente grotescas. Na verdade, não apresentar nada que as identifique, em termos de modos e costumes, com as classes dominantes é quase que condição sine qua non para alguém ter êxito como fascista. É preciso falar e se comportar de maneira tão vulgar a ponto de que o povo não sinta que elas façam parte das elites exploradoras tradicionais.

Nos grandes expoentes do fascismo de quase todos os tempos e lugares, como Mussolini, na Itália, Hitler, na Alemanha, Milei, na Argentina, Bolsonaro, no Brasil, é comum que predominem as características que ressaltam sua pouca qualificação, sua incultura, sua grosseria, sua falta de fineza, ou seja, tudo aquilo que as elites sócio-econômicas considerariam repugnante para si própria em condições normais. É o preço que têm de pagar para que seus sagrados interesses de classe não sejam violados.

Como a burguesia não consegue angariar apoio entre os setores populares com sua própria cara, são os fascistas que cumprem esse papel. É contra o fascismo que as classes trabalhadoras acabam tendo de se chocar no dia a dia. O principal recurso utilizado pelos fascistas para se imporem politicamente é o emprego da violência para acuar e intimidar seus adversários. No entanto, quando são encarados sem temor, os fascistas demonstram sua enorme covardia. Então, a melhor receita para o trato com fascistas é jamais demonstrar-lhes medo, sempre enfrentá-los com coragem e determinação.

Como forma de ilustrar o panorama que tentei esboçar nas linhas anteriores, gostaria de recomendar que assistam (ou voltem a assistir) àquele tido como um dos principais filmes já produzidos em todos os tempos. Refiro-me ao clássico Novecento, de Bernardo Bertolucci, que trata da questão da gênese do fascismo na Itália nos períodos prévios à Segunda Guerra Mundial. Sugiro que o façam, não apenas para deleitarem-se com sua inegável qualidade artística, senão que também para tê-lo como um valioso instrumento para refletir e entender melhor a variante do fascismo da qual somos vítimas no Brasil atual, o bolsonarismo.

 

Fonte: JB/Correio Braziliense/Brasil 247

 

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