Lula,
UE e Venezuela: como o Brasil pode ajudar a frear a intervenção dos EUA
No
coração da nova disputa imperial na América Latina, a ameaça de intervenção
norte-americana na Venezuela permanece viva — mas encontra hoje um obstáculo
inesperado: a articulação estratégica do Brasil. Lula, operando com precisão,
coordena pressões diplomáticas, constrói convergências e reorganiza a região de
modo a tornar a aventura militar dos EUA mais cara, mais arriscada e menos
legitimável para a União Europeia. Este artigo revela como essa engrenagem
funciona e por que ela pode estar freando, de forma decisiva, o impulso
intervencionista.
<><>
O tabuleiro invisível
A
ameaça de uma intervenção norte-americana na Venezuela voltou ao centro do
tabuleiro latino-americano, reacendendo a sombra de uma ruptura militar que
poderia incendiar toda a região. A maior parte do debate público enxerga apenas
a superfície: declarações de Washington, exercícios militares no Caribe, a
crise venezuelana que nunca se resolve. Mas o que realmente determina o rumo
desse conflito está abaixo da espuma — na disputa entre potências, no choque
entre frações do capital imperial e na capacidade dos países sul-americanos de
organizarem uma resposta coerente. É nesse subterrâneo que o Brasil, sob a
liderança de Lula, atua com precisão estratégica.
A
diplomacia brasileira não eliminou a ameaça de intervenção, e qualquer leitura
honesta precisa reconhecer isso. O que Lula fez — e segue fazendo — é muito
mais complexo e decisivo: reorganizou o custo geopolítico da aventura
norte-americana. Ao reconstruir a integração regional, acionar a CELAC,
reativar pontes com a UE e defender a autodeterminação sem capitular às
pressões do Norte, o Brasil transformou a equação estratégica. A União
Europeia, que antes oscilava entre sanções e hesitação, hoje encontra no Brasil
uma âncora para resistir à lógica militarista de Washington. Não por altruísmo,
mas por interesse material: estabilidade, previsibilidade e ambiente seguro
para seus investimentos dependem de uma América do Sul sem guerra.
Este
artigo parte do materialismo histórico-dialético para decifrar esse movimento
invisível. Mostra como Lula opera na zona onde se cruzam imperialismo,
comércio, energia, soberania e diplomacia. E demonstra por que o Brasil pode
estar, neste momento, freando — de forma concreta, ainda que silenciosa — a
rota de colisão que os Estados Unidos tentam impor à Venezuela. A ameaça
persiste, mas a correlação de forças mudou. E mudou porque o Brasil voltou a
pesar no mundo.
O que
está em jogo na Venezuela — imperialismo, petróleo e controle regional
A crise
venezuelana nunca foi apenas sobre democracia, eleições ou autoritarismo. Esses
elementos existem, mas são usados como linguagem moral para justificar um
conflito que é, em sua essência, econômico, energético e geopolítico. A
Venezuela concentra uma das maiores reservas de petróleo do planeta, possui gás
em abundância e ocupa um corredor estratégico entre o Caribe e a bacia
amazônica — exatamente a área onde os Estados Unidos projetam, há décadas, sua
lógica de controle hemisférico. Quem controla a Venezuela não controla um
governo, controla um pedaço essencial do metabolismo energético do sistema
imperial.
O
interesse norte-americano não está apenas no petróleo venezuelano, mas no
efeito sistêmico que sua perda de influência teria sobre o conjunto da região.
Uma Venezuela soberana fragiliza a Doutrina Monroe, abre espaço para BRICS,
reduz a capacidade de Washington de disciplinar governos latino-americanos e
ameaça a hegemonia energética dos EUA no Atlântico. Por isso a retórica de
“restauração democrática” convive com sanções brutais, estrangulamento
econômico e exercícios militares no Caribe: trata-se de impor custos
insuportáveis a Caracas até forçar uma mudança de regime ou justificar uma
intervenção.
A União
Europeia, embora alinhada a Washington em vários pontos, enxerga a Venezuela a
partir de outra lógica material. Para Bruxelas, uma explosão militar seria
desastrosa: ampliaria fluxos migratórios, desestabilizaria países vizinhos onde
empresas europeias investem bilhões e destruiria o ambiente político necessário
para avançar no acordo Mercosul-UE. A guerra serviria aos EUA — não à Europa. É
essa assimetria que explica por que a UE resiste à via militar, mesmo adotando
sanções e críticas ao governo Maduro.
A
disputa, portanto, é tripla:
EUA
querem disciplinamento e controle; UE quer estabilidade e acesso econômico; a
Venezuela tenta sobreviver entre essas forças.
E é
justamente nesse intervalo — entre a máquina militar norte-americana e a
racionalidade econômica europeia — que o Brasil tem espaço para agir.
A
posição da União Europeia — estabilidade ou colapso
A União
Europeia olha para a Venezuela com cautela não apenas por interesses
econômicos, mas porque seu foco estratégico já está comprometido em outra
frente: o leste europeu. Desde 2022, Bruxelas vive em estado permanente de
tensão com a Rússia, escalando sanções, expandindo bases da OTAN e atuando em
um conflito que Moscou tenta, a todo custo, evitar transformar em guerra aberta
continental. Para a Europa, qualquer turbulência na América do Sul seria um
desvio de energia estratégica. A UE não tem capacidade — nem interesse — de
administrar simultaneamente um conflito militar no Caribe e outro às portas da
Ucrânia. Ela precisa de estabilidade no hemisfério sul para sustentar a própria
escalada no hemisfério norte.
Nesse
contexto, a intervenção dos Estados Unidos na Venezuela não é apenas
indesejável para a Europa: é perigosamente inoportuna. Uma guerra no Caribe
dividiria recursos diplomáticos, fragmentaria alianças, pressionaria ainda mais
os sistemas políticos europeus já dominados pela extrema-direita e ampliaria a
dependência militar de Washington num momento em que a UE tenta manter algum
grau de autonomia estratégica frente aos EUA. Para enfrentar a Rússia — ou
tensionar a Rússia — a Europa precisa de um continente latino-americano quieto,
previsível e cooperativo. E é exatamente isso que a diplomacia de Lula oferece:
um amortecedor regional que permite à UE conduzir sua agenda no leste europeu
sem que o fogo da América Latina saia de controle.
Para
entender por que a União Europeia resiste à lógica intervencionista
norte-americana, é preciso abandonar qualquer ilusão de que Bruxelas age por
princípios morais. A Europa opera, como qualquer bloco capitalista central,
movida por interesses materiais: segurança, estabilidade, previsibilidade e
manutenção de seus fluxos econômicos. Uma intervenção dos EUA na Venezuela
destruiria todos esses pilares ao mesmo tempo.
Do
ponto de vista europeu, a Venezuela é menos um “problema político” e mais um
epicentro de risco sistêmico. Uma guerra no Caribe geraria deslocamentos
humanos em massa, ampliando o fluxo migratório para a Europa num momento em que
a extrema-direita avança sobre o continente. Uma convulsão regional
desestabilizaria Colômbia, Brasil e Guiana — países onde empresas europeias têm
investimentos bilionários em energia, infraestrutura, logística e mineração. E,
talvez o ponto mais sensível de todos: a intervenção comprometeria o ambiente
político necessário para viabilizar o acordo Mercosul-UE, que hoje é tratado
por Berlim, Paris e Madrid como uma das últimas grandes oportunidades de
projeção econômica europeia no Sul Global.
Para um
bloco que enfrenta estagnação industrial, crise agrícola, perda de
competitividade e dependência tecnológica crescente dos EUA e da China, a
América do Sul representa uma rara zona de expansão possível. Mas essa expansão
exige paz, instituições estáveis e governos negociáveis — não marines
desembarcando no litoral de La Guaira. A UE não pode permitir que a política
externa norte-americana transforme sua principal oportunidade de reconstrução
geopolítica em um novo Iraque às portas do Atlântico Sul.
É por
isso que Bruxelas tem respondido à crise venezuelana com uma fórmula
aparentemente contraditória: sanções seletivas, críticas ao governo Maduro e,
ao mesmo tempo, rejeição total à via militar. Na chave materialista, não há
contradição alguma: a Europa tenta equilibrar seu alinhamento formal ao
Ocidente com a necessidade objetiva de evitar que Washington detone a região
onde ela pretende investir.
E
justamente nesse ponto surge o papel do Brasil: a UE só consegue sustentar sua
rejeição à intervenção porque existe, na América do Sul, um ator capaz de
organizar a estabilidade regional sem se submeter aos EUA. Esse ator é Lula. É
por isso que, quando o Brasil fala em diálogo, eleições e zona de paz, Bruxelas
escuta. E quando o Brasil recusa a linguagem militar, a UE tem espaço para
recusar junto — sem romper a coesão do Ocidente.
<><>
A volta de Lula e a reconstrução do eixo sul-americano
Quando
Lula volta ao poder, o tabuleiro regional não é o mesmo de 2003. A UNASUL foi
esvaziada, a CELAC perdeu ritmo, o Mercosul passou anos paralisado, a
extrema-direita ocupou governos-chave e a própria ideia de integração
latino-americana parecia um projeto derrotado. Ao mesmo tempo, a América do Sul
se tornou alvo prioritário da guerra híbrida, das campanhas de desinformação e
das estratégias de disciplinamento econômico. Era o ambiente ideal para uma
política externa alinhada a Washington, não para um projeto de soberania
regional.
Lula
escolhe ir na direção oposta. A primeira movimentação é simbólica e estratégica
ao mesmo tempo: recolocar o Brasil no centro das instâncias regionais. Retoma a
CELAC com vigor, reabre canais com governos de esquerda, centro e até direita
pragmática, convoca cúpulas em Brasília e insiste na ideia da América do Sul
como zona de paz. Não se trata de nostalgia do ciclo progressista anterior, e
sim de reconstruir a infraestrutura política mínima para que a região fale em
bloco diante de Washington, Bruxelas e Pequim.
Ao
aproximar Petro, AMLO, Boric, Sheinbaum, Arce e outros governos, Lula
reconstrói algo que o imperialismo tentou desmontar na última década: a
percepção de que a soberania de cada país está diretamente ligada à capacidade
de agir em conjunto. A mensagem é simples e materialista. Isolados, Brasil,
Venezuela ou Colômbia são presa fácil para sanções, tarifas e intervenções.
Articulados em rede, passam a ter poder de barganha sobre energia, alimentos,
minerais, logística e clima.
É essa
malha de relações que prepara o terreno para a atuação brasileira na crise
venezuelana. Lula não fala em nome da Venezuela, fala em nome de uma região que
se recusa a ser transformada em corredor militar de ninguém. E, ao fazer isso,
oferece à União Europeia um interlocutor regional com legitimidade para
negociar saídas políticas, sem que a UE precise se alinhar à lógica do conflito
total dos Estados Unidos.
<><>
A engrenagem diplomática brasileira — contenção sem confronto
A força
da diplomacia de Lula na crise venezuelana não está em gestos grandiloquentes,
mas no mecanismo preciso que ele aciona para reordenar a correlação de forças
sem provocar uma escalada direta com os Estados Unidos. É uma engrenagem
construída peça por peça, seguindo a racionalidade própria de um país em
desenvolvimento que precisa defender sua soberania sem romper com as estruturas
que garantem sua sobrevivência econômica. A lógica é materialista: conter a
intervenção não é gritar contra ela, é torná-la inviável.
O
primeiro movimento é o princípio da autodeterminação. Lula repete, em toda
arena internacional, que apenas o povo venezuelano pode decidir seu destino.
Não é uma frase protocolar: é um escudo jurídico e político que confronta
frontalmente o argumento norte-americano de “intervenção humanitária”. Ao
transformar a disputa em questão de soberania, Lula obriga a UE a se alinhar ao
direito internacional — e não ao apetite militar de Washington.
O
segundo pilar é a recusa explícita à via militar. Sem teatro, sem bravata, o
Brasil afirma que a América do Sul é uma zona de paz. Essa mensagem, repetida
em cúpulas regionais, reuniões do G20, encontros bilaterais e declarações
multilaterais, funciona como barreira institucional: a intervenção passa a ser
interpretada não como ação cirúrgica, mas como violação da ordem regional. Lula
insere a Venezuela em um arcabouço coletivo no qual qualquer ataque externo
representa uma ruptura com toda a América do Sul.
O
terceiro movimento é a defesa da suspensão das sanções. Lula critica, desde
2023, quando volta ao poder, o bloqueio econômico que estrangula a sociedade
venezuelana. Ao afirmar que “as sanções só punem o povo”, ele desorganiza a
narrativa moral dos EUA e atrai a UE para a posição de que a crise deve ser
resolvida pela política, não pelo castigo coletivo. Isso reduz o consenso
europeu em torno da escalada e enfraquece o discurso de “pressão máxima”.
O
quarto pilar é a capacidade de dialogar com todos os atores: UE, EUA, Petro,
Boric, AMLO, Caricom. O Brasil se coloca onde nenhum outro país consegue estar:
como mediador aceito por quem se odeia entre si. É essa posição única que
permite a Lula defender a Venezuela sem defender Maduro, proteger a
institucionalidade regional sem blindar abusos, e organizar saídas eleitorais
sem aderir à retórica intervencionista.
Essa
engrenagem, quando acionada em conjunto, produz um efeito nítido: o Brasil
torna qualquer intervenção norte-americana mais cara, mais arriscada e menos
justificável. Lula não derrota a lógica imperial; ele a empurra para um terreno
onde ela perde tração. E faz isso mantendo o Brasil protegido de retaliações
descontroladas, preservando a economia nacional e ampliando a legitimidade
internacional do país.
A
guerra tarifária dos EUA contra o Brasil — disciplinamento imperial
A
ofensiva tarifária de Washington contra o Brasil, intensificada ao longo de
2025, não é um episódio isolado nem uma disputa comercial convencional. Ela faz
parte da mesma arquitetura de poder que sustenta as sanções contra a Venezuela
e a ameaça permanente de intervenção militar. Tarifas, bloqueios e presença
militar são expressões distintas de uma mesma lógica: a manutenção da hegemonia
imperial através do disciplinamento econômico.
As
tarifas impostas pelos Estados Unidos — atingindo aço, alumínio, produtos
agrícolas e setores industriais estratégicos — têm dois objetivos centrais. O
primeiro é punir o Brasil por não se alinhar integralmente à política externa
norte-americana. A aproximação com o BRICS, a defesa da América do Sul como
zona de paz, a crítica às sanções contra Caracas e a busca por regulação
soberana das big techs colocaram Lula fora da moldura esperada para um país
“semiperiférico”. O segundo objetivo é demonstrar força, criando um efeito
pedagógico regional: mostrar aos vizinhos que qualquer gesto de autonomia pode
ser castigado com velocidade e intensidade.
Mas a
guerra tarifária também revela os limites estruturais do imperialismo
norte-americano. Ao mesmo tempo em que tenta disciplinar o Brasil, Washington
depende profundamente de commodities brasileiras, de cadeias produtivas
integradas e da estabilidade geopolítica da região. A tentativa de intimidar o
Brasil produz, paradoxalmente, maior convergência entre Brasília e Bruxelas: a
UE vê no comportamento de Washington uma ameaça não apenas à Venezuela, mas à
própria racionalidade econômica do Ocidente. O Brasil se torna, assim, parceiro
indispensável para qualquer estratégia europeia de contenção ao caos.
Lula
responde a essa ofensiva com a mesma tática empregada na crise venezuelana:
contenção sem capitulação. Critica as tarifas, ameaça recorrer à OMC, aciona
parceiros comerciais, diversifica mercados e reforça alianças com UE, BRICS e o
Sul Global — tudo isso sem romper os canais diplomáticos com os EUA. É um jogo
fino: enfrentar a coerção econômica, manter estabilidade interna e seguir
atuando como pivô regional. Na prática, o Brasil transforma a guerra tarifária
em um catalisador de autonomia diplomática, ampliando sua capacidade de
negociação tanto com a Europa quanto com os países latino-americanos.
Ao
conectar Venezuela, tarifas e integração regional, a lógica fica evidente: a
intervenção militar e a pressão econômica são braços diferentes do mesmo
projeto de recolonização hemisférica. E a atuação de Lula — firme, paciente e
estrutural — reorganiza o tabuleiro de modo que essa ofensiva encontre
resistência onde não encontrava antes.
<><>
Por que a UE se ancora no Brasil? — convergência de interesses
A
decisão da União Europeia de resistir à escalada intervencionista dos Estados
Unidos não nasce de simpatia por Maduro nem de alinhamento automático ao
Brasil. Ela nasce de algo muito mais concreto: uma convergência estrutural de
interesses. A Europa precisa de estabilidade na América do Sul. O Brasil é hoje
o único ator capaz de oferecê-la.
O
cálculo europeu é simples. Uma intervenção militar na Venezuela detonaria três
explosões simultâneas. A primeira seria migratória. A UE já enfrenta pressões
internas devastadoras com a ascensão da extrema-direita; uma nova onda de
deslocados — mesmo indireta — teria impacto imediato nas eleições e nas
políticas domésticas do bloco. A segunda explosão seria econômica. Empresas
europeias investem pesadamente em energia, infraestrutura e logística no
Brasil, na Colômbia e no Cone Sul. A instabilidade regional destruiria cadeias
produtivas e atrasaria projetos estratégicos por anos. A terceira seria
política: o acordo Mercosul-UE, peça central da tentativa europeia de recuperar
protagonismo global, se tornaria inviável.
A
Europa sabe que Washington não se importa com esses custos — porque eles recaem
sobre os outros. A lógica militar dos EUA opera por maximização de poder, não
por racionalidade econômica. Já a UE depende justamente da racionalidade:
contratos, previsibilidade, ambiente seguro para investimento. Por isso a
Europa precisa desesperadamente que alguém na América do Sul sustente a via
política e contenha a via militar.
Esse
alguém é o Brasil. Mais especificamente, é o Brasil de Lula.
A UE vê
em Lula três atributos que não encontra em nenhum outro país da região. O
primeiro é legitimidade continental: Lula conversa com a diplomacia
venezuelana, com a oposição, com Petro, com Boric, com Sheinbaum e com governos
de direita pragmática. O segundo é credibilidade internacional: ao defender
clima, democracia, combate à fome e multilateralismo, Lula se torna um parceiro
ideal para uma Europa que tenta se apresentar como potência normativa. O
terceiro é capacidade de articulação: o Brasil recuperou a habilidade de
organizar líderes sul-americanos em torno de princípios mínimos — paz,
soberania e solução política.
Para a
UE, apoiar a posição brasileira não significa desafiar os EUA; significa evitar
que os EUA destruam as bases da própria estratégia europeia no Sul Global.
Quando Lula exige diálogo, a Europa respira. Quando Lula recusa a via militar,
a Europa ganha cobertura política para recusar também. Quando Lula reorganiza a
região, a UE vê a única saída possível para manter seus investimentos, proteger
suas fronteiras políticas e preservar seu projeto econômico.
É por
isso que Bruxelas se ancora no Brasil. Não por generosidade, mas porque o
Brasil oferece a única alternativa viável à tempestade. E porque, nos cálculos
de longo prazo do capital europeu, Lula é hoje o fiador da estabilidade que
eles não conseguem produzir sozinhos.
<><>
Lula como amortecedor geopolítico — o freio possível à intervenção
A crise
venezuelana expõe, com nitidez rara, o lugar singular que o Brasil ocupa hoje
no sistema internacional. Lula não é a figura que encerra conflitos; é a figura
que altera seu custo estrutural. Ele não impede a intervenção norte-americana —
seria ilusório afirmar isso —, mas faz algo mais sofisticado e decisivo:
transforma a intervenção em uma escolha politicamente tóxica, economicamente
irracional e diplomaticamente isolada. É esse deslocamento de terreno que
caracteriza o papel de um amortecedor geopolítico.
O papel
de amortecedor não é passivo. Ele surge quando um país semiperiférico, munido
de capital diplomático, legitimidade regional e capacidade de articulação, cria
condições objetivas para reduzir a margem de manobra de uma potência imperial.
Lula opera exatamente nesse intervalo. Ao reconstruir o eixo sul-americano, ao
pautar a zona de paz, ao articular UE e CELAC e ao exigir soluções políticas, o
Brasil reorganiza a distribuição de custos e benefícios da guerra. A
intervenção, que para Washington é manobra de poder, para a UE vira ameaça
existencial. Para os vizinhos, vira ruptura regional. Para o sistema
internacional, vira afronta à ordem jurídica.
Nesse
novo arranjo, os Estados Unidos continuam capazes de agir militarmente — mas o
fazem sob resistência crescente, em um ambiente onde perderiam apoio europeu,
enfrentariam instabilidade regional e pagariam um preço diplomático alto demais
para um conflito que não oferece retorno estratégico imediato. O Brasil, com
sua política externa de contenção sem confronto, cria exatamente esse quadro:
torna a guerra desinteressante para quem antes estava disposto a bancá-la.
Lula
não protege Maduro; protege a região. Ele não salva a Venezuela por
paternalismo; faz da estabilidade sul-americana uma estratégia de soberania
ampliada. E, ao atuar assim, se transforma na principal barreira política entre
a América do Sul e a máquina militar do hemisfério norte. É um freio real —
ainda que parcial — na engrenagem da intervenção.
Hoje,
tudo indica que a ameaça persiste e se intensifica. Mas também é evidente que,
sem o Brasil de Lula, ela estaria infinitamente mais próxima de se concretizar.
Hoje, a Casa Branca não enfrenta apenas Caracas; enfrenta um continente
articulado e uma Europa que, pressionada por seus próprios interesses, se
afastou da lógica da força na América Latina. E essa reconfiguração não
aconteceu espontaneamente. Ela tem centro, nome e direção: o Brasil voltou ao
tabuleiro, e Lula recolocou o hemisfério em outro ritmo.
<><>
Conclusão — O Brasil entre a guerra e a paz
A crise
venezuelana está longe de terminar, e a ameaça de intervenção norte-americana
continua pairando sobre a região. Mas o tabuleiro é outro. A América do Sul
voltou a falar com voz própria, a União Europeia se afastou da aventura militar
e os custos da escalada aumentaram de forma significativa. Nada disso aconteceu
por acaso. A transformação é resultado direto da capacidade brasileira de
reorganizar o espaço político sul-americano e de reposicionar a região frente
ao imperialismo contemporâneo.
Lula
opera no limite superior possível para um país semiperiférico: defende a
autodeterminação sem endossar abusos, critica sanções sem se isolar, recusa a
via militar sem desafiar frontalmente os Estados Unidos, articula lideranças
regionais sem criar rupturas internas e oferece à Europa a única alternativa
racional à guerra. É uma diplomacia que não se perde em gestos simbólicos nem
em ilusões voluntaristas; é cálculo material, compreensão histórica e leitura
precisa das correlações de força.
Nesse
sentido, o Brasil se tornou o ponto de inflexão da crise. Não porque impede a
intervenção, mas porque a torna menos provável, menos legítima e menos útil. A
UE só sustenta sua posição contra a via militar porque encontra no Brasil a
estabilidade que Washington não consegue fornecer. Os vizinhos só conseguem
defender a zona de paz porque o Brasil recuperou o papel de articulador. O Sul
Global só encontra narrativa coerente porque Lula recolocou a soberania no
centro do debate.
O imperialismo não recua por moralidade; recua quando o custo sobe. Em 2025, esse custo subiu. SLula, UE e Venezuela: como o Brasil pode ajudar a frear a intervenção dos EUA
No
coração da nova disputa imperial na América Latina, a ameaça de intervenção
norte-americana na Venezuela permanece viva — mas encontra hoje um obstáculo
inesperado: a articulação estratégica do Brasil. Lula, operando com precisão,
coordena pressões diplomáticas, constrói convergências e reorganiza a região de
modo a tornar a aventura militar dos EUA mais cara, mais arriscada e menos
legitimável para a União Europeia. Este artigo revela como essa engrenagem
funciona e por que ela pode estar freando, de forma decisiva, o impulso
intervencionista.
<><>
O tabuleiro invisível
A
ameaça de uma intervenção norte-americana na Venezuela voltou ao centro do
tabuleiro latino-americano, reacendendo a sombra de uma ruptura militar que
poderia incendiar toda a região. A maior parte do debate público enxerga apenas
a superfície: declarações de Washington, exercícios militares no Caribe, a
crise venezuelana que nunca se resolve. Mas o que realmente determina o rumo
desse conflito está abaixo da espuma — na disputa entre potências, no choque
entre frações do capital imperial e na capacidade dos países sul-americanos de
organizarem uma resposta coerente. É nesse subterrâneo que o Brasil, sob a
liderança de Lula, atua com precisão estratégica.
A
diplomacia brasileira não eliminou a ameaça de intervenção, e qualquer leitura
honesta precisa reconhecer isso. O que Lula fez — e segue fazendo — é muito
mais complexo e decisivo: reorganizou o custo geopolítico da aventura
norte-americana. Ao reconstruir a integração regional, acionar a CELAC,
reativar pontes com a UE e defender a autodeterminação sem capitular às
pressões do Norte, o Brasil transformou a equação estratégica. A União
Europeia, que antes oscilava entre sanções e hesitação, hoje encontra no Brasil
uma âncora para resistir à lógica militarista de Washington. Não por altruísmo,
mas por interesse material: estabilidade, previsibilidade e ambiente seguro
para seus investimentos dependem de uma América do Sul sem guerra.
Este
artigo parte do materialismo histórico-dialético para decifrar esse movimento
invisível. Mostra como Lula opera na zona onde se cruzam imperialismo,
comércio, energia, soberania e diplomacia. E demonstra por que o Brasil pode
estar, neste momento, freando — de forma concreta, ainda que silenciosa — a
rota de colisão que os Estados Unidos tentam impor à Venezuela. A ameaça
persiste, mas a correlação de forças mudou. E mudou porque o Brasil voltou a
pesar no mundo.
O que
está em jogo na Venezuela — imperialismo, petróleo e controle regional
A crise
venezuelana nunca foi apenas sobre democracia, eleições ou autoritarismo. Esses
elementos existem, mas são usados como linguagem moral para justificar um
conflito que é, em sua essência, econômico, energético e geopolítico. A
Venezuela concentra uma das maiores reservas de petróleo do planeta, possui gás
em abundância e ocupa um corredor estratégico entre o Caribe e a bacia
amazônica — exatamente a área onde os Estados Unidos projetam, há décadas, sua
lógica de controle hemisférico. Quem controla a Venezuela não controla um
governo, controla um pedaço essencial do metabolismo energético do sistema
imperial.
O
interesse norte-americano não está apenas no petróleo venezuelano, mas no
efeito sistêmico que sua perda de influência teria sobre o conjunto da região.
Uma Venezuela soberana fragiliza a Doutrina Monroe, abre espaço para BRICS,
reduz a capacidade de Washington de disciplinar governos latino-americanos e
ameaça a hegemonia energética dos EUA no Atlântico. Por isso a retórica de
“restauração democrática” convive com sanções brutais, estrangulamento
econômico e exercícios militares no Caribe: trata-se de impor custos
insuportáveis a Caracas até forçar uma mudança de regime ou justificar uma
intervenção.
A União
Europeia, embora alinhada a Washington em vários pontos, enxerga a Venezuela a
partir de outra lógica material. Para Bruxelas, uma explosão militar seria
desastrosa: ampliaria fluxos migratórios, desestabilizaria países vizinhos onde
empresas europeias investem bilhões e destruiria o ambiente político necessário
para avançar no acordo Mercosul-UE. A guerra serviria aos EUA — não à Europa. É
essa assimetria que explica por que a UE resiste à via militar, mesmo adotando
sanções e críticas ao governo Maduro.
A
disputa, portanto, é tripla:
EUA
querem disciplinamento e controle; UE quer estabilidade e acesso econômico; a
Venezuela tenta sobreviver entre essas forças.
E é
justamente nesse intervalo — entre a máquina militar norte-americana e a
racionalidade econômica europeia — que o Brasil tem espaço para agir.
A
posição da União Europeia — estabilidade ou colapso
A União
Europeia olha para a Venezuela com cautela não apenas por interesses
econômicos, mas porque seu foco estratégico já está comprometido em outra
frente: o leste europeu. Desde 2022, Bruxelas vive em estado permanente de
tensão com a Rússia, escalando sanções, expandindo bases da OTAN e atuando em
um conflito que Moscou tenta, a todo custo, evitar transformar em guerra aberta
continental. Para a Europa, qualquer turbulência na América do Sul seria um
desvio de energia estratégica. A UE não tem capacidade — nem interesse — de
administrar simultaneamente um conflito militar no Caribe e outro às portas da
Ucrânia. Ela precisa de estabilidade no hemisfério sul para sustentar a própria
escalada no hemisfério norte.
Nesse
contexto, a intervenção dos Estados Unidos na Venezuela não é apenas
indesejável para a Europa: é perigosamente inoportuna. Uma guerra no Caribe
dividiria recursos diplomáticos, fragmentaria alianças, pressionaria ainda mais
os sistemas políticos europeus já dominados pela extrema-direita e ampliaria a
dependência militar de Washington num momento em que a UE tenta manter algum
grau de autonomia estratégica frente aos EUA. Para enfrentar a Rússia — ou
tensionar a Rússia — a Europa precisa de um continente latino-americano quieto,
previsível e cooperativo. E é exatamente isso que a diplomacia de Lula oferece:
um amortecedor regional que permite à UE conduzir sua agenda no leste europeu
sem que o fogo da América Latina saia de controle.
Para
entender por que a União Europeia resiste à lógica intervencionista
norte-americana, é preciso abandonar qualquer ilusão de que Bruxelas age por
princípios morais. A Europa opera, como qualquer bloco capitalista central,
movida por interesses materiais: segurança, estabilidade, previsibilidade e
manutenção de seus fluxos econômicos. Uma intervenção dos EUA na Venezuela
destruiria todos esses pilares ao mesmo tempo.
Do
ponto de vista europeu, a Venezuela é menos um “problema político” e mais um
epicentro de risco sistêmico. Uma guerra no Caribe geraria deslocamentos
humanos em massa, ampliando o fluxo migratório para a Europa num momento em que
a extrema-direita avança sobre o continente. Uma convulsão regional
desestabilizaria Colômbia, Brasil e Guiana — países onde empresas europeias têm
investimentos bilionários em energia, infraestrutura, logística e mineração. E,
talvez o ponto mais sensível de todos: a intervenção comprometeria o ambiente
político necessário para viabilizar o acordo Mercosul-UE, que hoje é tratado
por Berlim, Paris e Madrid como uma das últimas grandes oportunidades de
projeção econômica europeia no Sul Global.
Para um
bloco que enfrenta estagnação industrial, crise agrícola, perda de
competitividade e dependência tecnológica crescente dos EUA e da China, a
América do Sul representa uma rara zona de expansão possível. Mas essa expansão
exige paz, instituições estáveis e governos negociáveis — não marines
desembarcando no litoral de La Guaira. A UE não pode permitir que a política
externa norte-americana transforme sua principal oportunidade de reconstrução
geopolítica em um novo Iraque às portas do Atlântico Sul.
É por
isso que Bruxelas tem respondido à crise venezuelana com uma fórmula
aparentemente contraditória: sanções seletivas, críticas ao governo Maduro e,
ao mesmo tempo, rejeição total à via militar. Na chave materialista, não há
contradição alguma: a Europa tenta equilibrar seu alinhamento formal ao
Ocidente com a necessidade objetiva de evitar que Washington detone a região
onde ela pretende investir.
E
justamente nesse ponto surge o papel do Brasil: a UE só consegue sustentar sua
rejeição à intervenção porque existe, na América do Sul, um ator capaz de
organizar a estabilidade regional sem se submeter aos EUA. Esse ator é Lula. É
por isso que, quando o Brasil fala em diálogo, eleições e zona de paz, Bruxelas
escuta. E quando o Brasil recusa a linguagem militar, a UE tem espaço para
recusar junto — sem romper a coesão do Ocidente.
<><>
A volta de Lula e a reconstrução do eixo sul-americano
Quando
Lula volta ao poder, o tabuleiro regional não é o mesmo de 2003. A UNASUL foi
esvaziada, a CELAC perdeu ritmo, o Mercosul passou anos paralisado, a
extrema-direita ocupou governos-chave e a própria ideia de integração
latino-americana parecia um projeto derrotado. Ao mesmo tempo, a América do Sul
se tornou alvo prioritário da guerra híbrida, das campanhas de desinformação e
das estratégias de disciplinamento econômico. Era o ambiente ideal para uma
política externa alinhada a Washington, não para um projeto de soberania
regional.
Lula
escolhe ir na direção oposta. A primeira movimentação é simbólica e estratégica
ao mesmo tempo: recolocar o Brasil no centro das instâncias regionais. Retoma a
CELAC com vigor, reabre canais com governos de esquerda, centro e até direita
pragmática, convoca cúpulas em Brasília e insiste na ideia da América do Sul
como zona de paz. Não se trata de nostalgia do ciclo progressista anterior, e
sim de reconstruir a infraestrutura política mínima para que a região fale em
bloco diante de Washington, Bruxelas e Pequim.
Ao
aproximar Petro, AMLO, Boric, Sheinbaum, Arce e outros governos, Lula
reconstrói algo que o imperialismo tentou desmontar na última década: a
percepção de que a soberania de cada país está diretamente ligada à capacidade
de agir em conjunto. A mensagem é simples e materialista. Isolados, Brasil,
Venezuela ou Colômbia são presa fácil para sanções, tarifas e intervenções.
Articulados em rede, passam a ter poder de barganha sobre energia, alimentos,
minerais, logística e clima.
É essa
malha de relações que prepara o terreno para a atuação brasileira na crise
venezuelana. Lula não fala em nome da Venezuela, fala em nome de uma região que
se recusa a ser transformada em corredor militar de ninguém. E, ao fazer isso,
oferece à União Europeia um interlocutor regional com legitimidade para
negociar saídas políticas, sem que a UE precise se alinhar à lógica do conflito
total dos Estados Unidos.
<><>
A engrenagem diplomática brasileira — contenção sem confronto
A força
da diplomacia de Lula na crise venezuelana não está em gestos grandiloquentes,
mas no mecanismo preciso que ele aciona para reordenar a correlação de forças
sem provocar uma escalada direta com os Estados Unidos. É uma engrenagem
construída peça por peça, seguindo a racionalidade própria de um país em
desenvolvimento que precisa defender sua soberania sem romper com as estruturas
que garantem sua sobrevivência econômica. A lógica é materialista: conter a
intervenção não é gritar contra ela, é torná-la inviável.
O
primeiro movimento é o princípio da autodeterminação. Lula repete, em toda
arena internacional, que apenas o povo venezuelano pode decidir seu destino.
Não é uma frase protocolar: é um escudo jurídico e político que confronta
frontalmente o argumento norte-americano de “intervenção humanitária”. Ao
transformar a disputa em questão de soberania, Lula obriga a UE a se alinhar ao
direito internacional — e não ao apetite militar de Washington.
O
segundo pilar é a recusa explícita à via militar. Sem teatro, sem bravata, o
Brasil afirma que a América do Sul é uma zona de paz. Essa mensagem, repetida
em cúpulas regionais, reuniões do G20, encontros bilaterais e declarações
multilaterais, funciona como barreira institucional: a intervenção passa a ser
interpretada não como ação cirúrgica, mas como violação da ordem regional. Lula
insere a Venezuela em um arcabouço coletivo no qual qualquer ataque externo
representa uma ruptura com toda a América do Sul.
O
terceiro movimento é a defesa da suspensão das sanções. Lula critica, desde
2023, quando volta ao poder, o bloqueio econômico que estrangula a sociedade
venezuelana. Ao afirmar que “as sanções só punem o povo”, ele desorganiza a
narrativa moral dos EUA e atrai a UE para a posição de que a crise deve ser
resolvida pela política, não pelo castigo coletivo. Isso reduz o consenso
europeu em torno da escalada e enfraquece o discurso de “pressão máxima”.
O
quarto pilar é a capacidade de dialogar com todos os atores: UE, EUA, Petro,
Boric, AMLO, Caricom. O Brasil se coloca onde nenhum outro país consegue estar:
como mediador aceito por quem se odeia entre si. É essa posição única que
permite a Lula defender a Venezuela sem defender Maduro, proteger a
institucionalidade regional sem blindar abusos, e organizar saídas eleitorais
sem aderir à retórica intervencionista.
Essa
engrenagem, quando acionada em conjunto, produz um efeito nítido: o Brasil
torna qualquer intervenção norte-americana mais cara, mais arriscada e menos
justificável. Lula não derrota a lógica imperial; ele a empurra para um terreno
onde ela perde tração. E faz isso mantendo o Brasil protegido de retaliações
descontroladas, preservando a economia nacional e ampliando a legitimidade
internacional do país.
A
guerra tarifária dos EUA contra o Brasil — disciplinamento imperial
A
ofensiva tarifária de Washington contra o Brasil, intensificada ao longo de
2025, não é um episódio isolado nem uma disputa comercial convencional. Ela faz
parte da mesma arquitetura de poder que sustenta as sanções contra a Venezuela
e a ameaça permanente de intervenção militar. Tarifas, bloqueios e presença
militar são expressões distintas de uma mesma lógica: a manutenção da hegemonia
imperial através do disciplinamento econômico.
As
tarifas impostas pelos Estados Unidos — atingindo aço, alumínio, produtos
agrícolas e setores industriais estratégicos — têm dois objetivos centrais. O
primeiro é punir o Brasil por não se alinhar integralmente à política externa
norte-americana. A aproximação com o BRICS, a defesa da América do Sul como
zona de paz, a crítica às sanções contra Caracas e a busca por regulação
soberana das big techs colocaram Lula fora da moldura esperada para um país
“semiperiférico”. O segundo objetivo é demonstrar força, criando um efeito
pedagógico regional: mostrar aos vizinhos que qualquer gesto de autonomia pode
ser castigado com velocidade e intensidade.
Mas a
guerra tarifária também revela os limites estruturais do imperialismo
norte-americano. Ao mesmo tempo em que tenta disciplinar o Brasil, Washington
depende profundamente de commodities brasileiras, de cadeias produtivas
integradas e da estabilidade geopolítica da região. A tentativa de intimidar o
Brasil produz, paradoxalmente, maior convergência entre Brasília e Bruxelas: a
UE vê no comportamento de Washington uma ameaça não apenas à Venezuela, mas à
própria racionalidade econômica do Ocidente. O Brasil se torna, assim, parceiro
indispensável para qualquer estratégia europeia de contenção ao caos.
Lula
responde a essa ofensiva com a mesma tática empregada na crise venezuelana:
contenção sem capitulação. Critica as tarifas, ameaça recorrer à OMC, aciona
parceiros comerciais, diversifica mercados e reforça alianças com UE, BRICS e o
Sul Global — tudo isso sem romper os canais diplomáticos com os EUA. É um jogo
fino: enfrentar a coerção econômica, manter estabilidade interna e seguir
atuando como pivô regional. Na prática, o Brasil transforma a guerra tarifária
em um catalisador de autonomia diplomática, ampliando sua capacidade de
negociação tanto com a Europa quanto com os países latino-americanos.
Ao
conectar Venezuela, tarifas e integração regional, a lógica fica evidente: a
intervenção militar e a pressão econômica são braços diferentes do mesmo
projeto de recolonização hemisférica. E a atuação de Lula — firme, paciente e
estrutural — reorganiza o tabuleiro de modo que essa ofensiva encontre
resistência onde não encontrava antes.
<><>
Por que a UE se ancora no Brasil? — convergência de interesses
A
decisão da União Europeia de resistir à escalada intervencionista dos Estados
Unidos não nasce de simpatia por Maduro nem de alinhamento automático ao
Brasil. Ela nasce de algo muito mais concreto: uma convergência estrutural de
interesses. A Europa precisa de estabilidade na América do Sul. O Brasil é hoje
o único ator capaz de oferecê-la.
O
cálculo europeu é simples. Uma intervenção militar na Venezuela detonaria três
explosões simultâneas. A primeira seria migratória. A UE já enfrenta pressões
internas devastadoras com a ascensão da extrema-direita; uma nova onda de
deslocados — mesmo indireta — teria impacto imediato nas eleições e nas
políticas domésticas do bloco. A segunda explosão seria econômica. Empresas
europeias investem pesadamente em energia, infraestrutura e logística no
Brasil, na Colômbia e no Cone Sul. A instabilidade regional destruiria cadeias
produtivas e atrasaria projetos estratégicos por anos. A terceira seria
política: o acordo Mercosul-UE, peça central da tentativa europeia de recuperar
protagonismo global, se tornaria inviável.
A
Europa sabe que Washington não se importa com esses custos — porque eles recaem
sobre os outros. A lógica militar dos EUA opera por maximização de poder, não
por racionalidade econômica. Já a UE depende justamente da racionalidade:
contratos, previsibilidade, ambiente seguro para investimento. Por isso a
Europa precisa desesperadamente que alguém na América do Sul sustente a via
política e contenha a via militar.
Esse
alguém é o Brasil. Mais especificamente, é o Brasil de Lula.
A UE vê
em Lula três atributos que não encontra em nenhum outro país da região. O
primeiro é legitimidade continental: Lula conversa com a diplomacia
venezuelana, com a oposição, com Petro, com Boric, com Sheinbaum e com governos
de direita pragmática. O segundo é credibilidade internacional: ao defender
clima, democracia, combate à fome e multilateralismo, Lula se torna um parceiro
ideal para uma Europa que tenta se apresentar como potência normativa. O
terceiro é capacidade de articulação: o Brasil recuperou a habilidade de
organizar líderes sul-americanos em torno de princípios mínimos — paz,
soberania e solução política.
Para a
UE, apoiar a posição brasileira não significa desafiar os EUA; significa evitar
que os EUA destruam as bases da própria estratégia europeia no Sul Global.
Quando Lula exige diálogo, a Europa respira. Quando Lula recusa a via militar,
a Europa ganha cobertura política para recusar também. Quando Lula reorganiza a
região, a UE vê a única saída possível para manter seus investimentos, proteger
suas fronteiras políticas e preservar seu projeto econômico.
É por
isso que Bruxelas se ancora no Brasil. Não por generosidade, mas porque o
Brasil oferece a única alternativa viável à tempestade. E porque, nos cálculos
de longo prazo do capital europeu, Lula é hoje o fiador da estabilidade que
eles não conseguem produzir sozinhos.
<><>
Lula como amortecedor geopolítico — o freio possível à intervenção
A crise
venezuelana expõe, com nitidez rara, o lugar singular que o Brasil ocupa hoje
no sistema internacional. Lula não é a figura que encerra conflitos; é a figura
que altera seu custo estrutural. Ele não impede a intervenção norte-americana —
seria ilusório afirmar isso —, mas faz algo mais sofisticado e decisivo:
transforma a intervenção em uma escolha politicamente tóxica, economicamente
irracional e diplomaticamente isolada. É esse deslocamento de terreno que
caracteriza o papel de um amortecedor geopolítico.
O papel
de amortecedor não é passivo. Ele surge quando um país semiperiférico, munido
de capital diplomático, legitimidade regional e capacidade de articulação, cria
condições objetivas para reduzir a margem de manobra de uma potência imperial.
Lula opera exatamente nesse intervalo. Ao reconstruir o eixo sul-americano, ao
pautar a zona de paz, ao articular UE e CELAC e ao exigir soluções políticas, o
Brasil reorganiza a distribuição de custos e benefícios da guerra. A
intervenção, que para Washington é manobra de poder, para a UE vira ameaça
existencial. Para os vizinhos, vira ruptura regional. Para o sistema
internacional, vira afronta à ordem jurídica.
Nesse
novo arranjo, os Estados Unidos continuam capazes de agir militarmente — mas o
fazem sob resistência crescente, em um ambiente onde perderiam apoio europeu,
enfrentariam instabilidade regional e pagariam um preço diplomático alto demais
para um conflito que não oferece retorno estratégico imediato. O Brasil, com
sua política externa de contenção sem confronto, cria exatamente esse quadro:
torna a guerra desinteressante para quem antes estava disposto a bancá-la.
Lula
não protege Maduro; protege a região. Ele não salva a Venezuela por
paternalismo; faz da estabilidade sul-americana uma estratégia de soberania
ampliada. E, ao atuar assim, se transforma na principal barreira política entre
a América do Sul e a máquina militar do hemisfério norte. É um freio real —
ainda que parcial — na engrenagem da intervenção.
Hoje,
tudo indica que a ameaça persiste e se intensifica. Mas também é evidente que,
sem o Brasil de Lula, ela estaria infinitamente mais próxima de se concretizar.
Hoje, a Casa Branca não enfrenta apenas Caracas; enfrenta um continente
articulado e uma Europa que, pressionada por seus próprios interesses, se
afastou da lógica da força na América Latina. E essa reconfiguração não
aconteceu espontaneamente. Ela tem centro, nome e direção: o Brasil voltou ao
tabuleiro, e Lula recolocou o hemisfério em outro ritmo.
<><>
Conclusão — O Brasil entre a guerra e a paz
A crise
venezuelana está longe de terminar, e a ameaça de intervenção norte-americana
continua pairando sobre a região. Mas o tabuleiro é outro. A América do Sul
voltou a falar com voz própria, a União Europeia se afastou da aventura militar
e os custos da escalada aumentaram de forma significativa. Nada disso aconteceu
por acaso. A transformação é resultado direto da capacidade brasileira de
reorganizar o espaço político sul-americano e de reposicionar a região frente
ao imperialismo contemporâneo.
Lula
opera no limite superior possível para um país semiperiférico: defende a
autodeterminação sem endossar abusos, critica sanções sem se isolar, recusa a
via militar sem desafiar frontalmente os Estados Unidos, articula lideranças
regionais sem criar rupturas internas e oferece à Europa a única alternativa
racional à guerra. É uma diplomacia que não se perde em gestos simbólicos nem
em ilusões voluntaristas; é cálculo material, compreensão histórica e leitura
precisa das correlações de força.
Nesse
sentido, o Brasil se tornou o ponto de inflexão da crise. Não porque impede a
intervenção, mas porque a torna menos provável, menos legítima e menos útil. A
UE só sustenta sua posição contra a via militar porque encontra no Brasil a
estabilidade que Washington não consegue fornecer. Os vizinhos só conseguem
defender a zona de paz porque o Brasil recuperou o papel de articulador. O Sul
Global só encontra narrativa coerente porque Lula recolocou a soberania no
centro do debate.
O
imperialismo não recua por moralidade; recua quando o custo sobe. Em 2025, esse
custo subiu. Subiu porque o Brasil voltou a contar. E porque Lula, com todas as
contradições inerentes ao exercício do poder, recolocou o país no lugar que faz
diferença: entre a guerra e a paz, entre a coerção e a autonomia, entre a
submissão e a soberania.
A
história ainda não terminou. Mas, pela primeira vez em muitos anos, a América
do Sul disputa o rumo do conflito — e não apenas reage a ele. Isso, por si só,
já é uma vitória estratégica.
Fonte:
Por Reynaldo José Aragon Gonçalves, em Brasil 247ubiu porque o Brasil voltou a contar. E porque Lula, com todas as
contradições inerentes ao exercício do poder, recolocou o país no lugar que faz
diferença: entre a guerra e a paz, entre a coerção e a autonomia, entre a
submissão e a soberania.
A
história ainda não terminou. Mas, pela primeira vez em muitos anos, a América
do Sul disputa o rumo do conflito — e não apenas reage a ele. Isso, por si só,
já é uma vitória estratégica.
Fonte:
Por Reynaldo José Aragon Gonçalves, em Brasil 247

Nenhum comentário:
Postar um comentário