É
verdade que os átomos são imortais?
Nada
vem de lugar nenhum; nada pode se transformar em coisa alguma.
Esta
ideia começou a se definir em tempos remotos. Na cosmologia da Antiguidade, no
Oriente Médio e no início da civilização grega, por exemplo, já existia a noção
de que o universo foi formado com material eterno.
Muitos
séculos e pensamentos depois, surgiria a frase: "Na natureza, nada se
cria, nada se perde; tudo se transforma."
Antoine
Lavoisier (1743-1794), o pai da química moderna, foi quem demonstrou este
princípio fundamental da ciência em 1785. Ele é conhecido como a lei da
conservação da matéria.
As
unidades básicas dessa matéria eterna são os átomos. Isso quer dizer que os
átomos são imortais?
E, se
for verdade, por que tudo o que é vivo, composto de átomos, morre algum dia?
Estas
são perguntas imensas sobre algo diminuto. Para não nos perdermos, vamos
começar pelo princípio, com o físico Marco van Leeuwen, do Laboratório Nacional
de Física de Partículas da Holanda (Nikhef, na sigla em holandês).
"Até
onde sabemos, a maior parte da matéria que conhecemos provém do Big Bang,
quando a densidade de energia era tão grande que não havia matéria",
explica ele.
"Tudo
era energia, mas, à medida que se expandia e resfriava, era produzida a
matéria."
Toda
essa matéria é composta de átomos, desde a água que corre até as nuvens até as
estrelas no firmamento. E cada átomo tem duas partes principais.
"O
núcleo, que contém prótons e nêutrons, e uma nuvem de elétrons", prossegue
van Leeuwen.
Mas o
número de prótons, nêutrons e elétrons pode se alterar, "de forma que não
permanecem necessariamente iguais".
Os
prótons podem se transformar em nêutrons e vice-versa. Isso é importante, pois
seu delicado equilíbrio é o que fornece aos diferentes átomos suas propriedades
únicas.
Se o
número de prótons ou nêutrons mudar, o tipo de átomo se altera. Isso significa
que ele se transforma em outro elemento.
"Um
exemplo é o potássio, que encontramos nas bananas", explica o físico.
"Se ele se decompuser, irá se transformar em cálcio, um elemento
totalmente diferente."
Além
disso, os átomos podem se desintegrar ao desprenderem prótons e nêutrons,
transformando-se em átomos novos menores.
Mas
isso significa que o átomo original desaparece? Que os átomos não são imortais?
"Esta
é uma pergunta interessante", indica van Leeuwen.
"Uma
forma de responder é que, para o físico, o átomo sobrevive, mas só muda um
pouco. Já para o químico, se você transformar o potássio em cálcio ou outra
coisa, é uma substância completamente diferente."
Para o
físico, os átomos são imortais, no sentido de que, mesmo se perderem algumas
partículas, eles continuam sendo o átomo original. É como uma caneca que perdeu
sua asa. Ela continua sendo uma caneca, embora talvez seja melhor chamá-la de
copo.
Mas o
que aconteceria se o menor átomo de todos — o hidrogênio, que só tem um próton
e um elétron — perdesse qualquer um dos dois?
Ele
deixaria de ser um átomo? Deixaria de ser, de existir?
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Diferente, mas igual
"Um
átomo de hidrogênio é supersimples", confirma o físico teórico Matthew
McCullough, da Organização Europeia de Investigação Nuclear, conhecida como
Cern, na Suíça. Ele se dedica a tentar compreender como se comportam as
partículas que compõem o nosso universo.
A
questão é se esses átomos tão simples se desintegram. "Pelo que sabemos,
não", afirma ele.
Mas o
fato de nunca termos visto isso acontecer não significa que não possa ocorrer.
É
possível que os átomos de hidrogênio percam partículas muito lentamente para
podermos detectar as mudanças. E, quando o primeiro deles conseguir, nós, seres
humanos, talvez já estejamos extintos.
"Mas
podemos calcular um limite de tempo de desintegração de um próton",
explica McCullough. "Parece que leva mais de 10³⁴ anos." Ou seja, 10,
seguido de 34 zeros.
Do
ponto de vista humano, esse tempo é muito maior que a duração da nossa espécie
e muito mais do que a provável duração da vida na Terra e do nosso Sistema
Solar.
Na
verdade, é muito maior que a própria idade do universo: é o tempo transcorrido
desde o Big Bang, multiplicado duas vezes por um trilhão.
Com
isso, parece que os átomos de hidrogênio poderão ser os melhores candidatos a
serem imortais.
"Esta
é uma questão basicamente especulativa", destaca McCullough. "Em
termos práticos, sim, eu diria que os átomos são imortais. Mas, em termos
absolutos, não acredito que sejam."
Então,
tecnicamente, os átomos podem não ser imortais, incluindo o menor átomo, o
hidrogênio, que poderia se desintegrar em um raio de luz.
Mas
essa desintegração levaria tanto tempo que, do ponto de vista da vida no
planeta Terra, podemos simplesmente ignorá-la.
Até
aqui, se você estiver disposto a aceitar que um tipo de átomo que se transforma
em outro (como o de potássio, que se decompõe em cálcio) continua sendo o
mesmo, os átomos parecem imortais.
Mas o
que acontece se formos ao Cern, que abriga o Grande Colisor de Hádrons, onde as
partículas colidem entre si a toda velocidade? Isso poderia destruir um átomo?
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Assassinos de átomos
O Cern
é o maior laboratório de física de partículas do mundo. É lá que o físico van
Leeuwen trabalha no Grande Experimento Colisor de Íons (Alice, na sigla em
inglês).
"O
que fazemos é gerar colisões de íons de chumbo com níveis muito altos de
energia", explica ele. "Eles se transformam quase completamente em
energia pura e, depois, se desfazem em muitos pedaços."
"Nessas
colisões, produzimos uma temperatura muito alta, 100 mil vezes a do núcleo do
Sol. E, a essas temperaturas, o núcleo derrete, gerando um líquido que consiste
principalmente de quarks e glúons."
Os
quarks e glúons são partículas diminutas, que formam os prótons e nêutrons do
núcleo do átomo. Quando fazemos dois átomos se chocarem, obtemos o que os
especialistas chamam de plasma de quarks-glúons.
O átomo
fica "completamente destruído", segundo van Leeuwen, o que elimina
sua imortalidade.
A
pergunta seria se este tipo de colisão de dois átomos em alta velocidade ocorre
fora dos laboratórios. A resposta é sim.
"Existem
no universo partículas de alta energia, que chamamos de raios cósmicos",
explica o físico. "E, quando elas atingem um átomo, também podem
destruí-lo."
"Isso
ocorre ocasionalmente na atmosfera. Se a energia for suficientemente alta, ela
esquenta tanto o núcleo que ele evapora, ou derrete."
Os
átomos não colidem com os raios cósmicos com muita frequência, mas isso
acontece e ali termina sua vida eterna... se não tiverem o azar de passar pelo
experimento de van Leeuwen.
"Somos
assassinos de átomos", confessa ele.
Então,
os átomos não são imortais.
Mas a
grande maioria dos átomos que compõem o planeta Terra continuará por aqui
quando morrermos, quando nossos filhos morrerem e até quando a raça humana for
extinta.
Por
isso, embora não sejam tecnicamente imortais, bem que poderiam ser, do nosso
ponto de vista como seres mortais.
Mas,
então, por que tudo o que é vivo morre?
"Acredito
que exista uma diferença entre a imortalidade e a mortalidade em comparação com
a vida", destaca a astrobióloga Betül Kaçar, da Universidade de
Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos.
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Átomos que pensam
Kaçar
procura vida além da Terra. Por isso, ela pensa muito na vida em si.
"Somos
compostos de produtos químicos", prossegue ela. "Não há dúvida
disso."
"Mas,
certamente, ocorreu algo único no nosso planeta, que não observamos em nenhum
outro lugar. Este é o único lugar onde os átomos fazem a transição para um
estado que exibe comportamento vivo."
Mas o
que faz com que alguns átomos se unam em uma estrela assombrosa, mas que não
está viva, e outros se unam para produzir vida? O que tem de especial um grupo
de átomos que faz com que algo esteja vivo?"
"Imagine
um floco de neve", explica Kaçar. "Alguns produtos químicos se
reúnem, adotam uma forma estável e existem por algum tempo."
Se,
nesse período de tempo, eles pudessem gerar "outros flocos de neve, que
produziriam mais flocos de neve, formassem uma comunidade, que formaria um
bioma completo, que formaria um ecossistema completo que mudaria o
planeta", essa configuração exata de átomos seria considerada viva.
Mas os
flocos de neve simplesmente derretem. Já as bactérias, as plantas e os animais
podem gerar novas versões de si mesmos.
"Esta
é a diferença entre uma coleção de átomos estáticos e a vida. Ela continua
sendo a mesma química, mas a vida é a química que tem memória", afirma
ela.
"Talvez
precisemos separar a vida da sua composição e tentar extraí-la como um
comportamento. Para isso, entram em jogo a reprodução, a concorrência, a
cooperação e as diferentes dinâmicas ao longo do tempo."
A vida,
portanto, é mais que uma combinação de diferentes átomos. A questão é a forma
de interação desses átomos entre si.
Esta
definição pode parecer vaga, mas descrever a vida é uma tarefa muito difícil.
"Definitivamente,
precisamos resistir às narrativas simples", prossegue Kaçar. "Sim, é
claro que podemos observar que a vida precisa se reproduzir, mas muitas
substâncias também podem criar outras substâncias."
"Existe
uma espécie de química da inteligência, por assim dizer, codificada na
capacidade da vida. E precisamos compreender como surge este tipo de
comportamento a partir de um simples conjunto de substâncias. É nisso que
estamos trabalhando."
Mas
existem coisas que sabemos.
"Existem
milhões de vezes mais átomos no seu corpo do que o número estimado de estrelas
no universo conhecido", segundo ela.
E os
muitos átomos que nos compõem não são desperdiçados quando morremos. Eles
passam a fazer parte de outras vidas, desde outros seres humanos até pequenos
micróbios.
"Em
um sentido muito profundo, somos imortais, pois nossos átomos, depois que
tivermos partido, estarão aqui e serão fonte de alimento para outra
coisa", afirma Kaçar.
"Até
mesmo depois que os seres humanos se extinguirem, haverá diferentes formas de
vida neste planeta que irão prosperar com isso. Neste sentido, somos
eternos."
Além
disso, somos uma versão de vida com "uma habilidade que acreditamos que
nenhuma outra criatura vivente possui: a capacidade de questionar, de
perguntar, de se maravilhar".
"Se
você pensar nisso, podemos ser a única composição de átomos no Universo que
reflete sobre sua própria existência. Basicamente, somos um conjunto de átomos
que questiona sua própria mortalidade."
Fonte:
BBC News

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