quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Pepe Escobar: O Teatro do Absurdo em 28 pontos

"O Plano de Paz” de 28 pontos do Dono do Circo para a Ucrânia pode ser visto como uma foca adestrada se exibindo em uma piscina para divertir as arquibancadas. E, em seguida,  passamos à próxima atração. 

Bem, se levado a sério – o que exigiria não um pouco, mas muito ceticismo – ele seria como o gêmeo do “plano” do Dono do Circo para Gaza, aqui com o objetivo de arrancar uma deplorável “vitória” daquilo que na verdade foi uma derrota estratégica para o Império do Caos.  

Chequemos as reações. Aqui vai a análise de Larry Johnson – que compartilho – mas, acima de tudo, o vídeo da estarrecedora entrevista de duas horas  que fizemos em meados da semana com a estelar  Maria Zakharova, a mais articulada porta-voz de um Ministério das Relações Exteriores do planeta. 

Em essência, o que a Sra. Zakharova nos disse foi que, em meados da semana, ainda não havia qualquer reação russa porque Moscou não havia recebido nada de concreto: “Quando tivermos alguma informação oficial, quando a recebermos por um canal competente, nós, naturalmente, estaremos sempre  abertos a trabalhar”.

O mesmo se aplica ao Kremlin. Do porta-voz da presidência, Dmitry Peskov: “Não, não recebemos nada de oficial. Vemos algumas inovações. Mas, oficialmente, não recebemos nada. E não houve qualquer discussão substantiva sobre essas questões”. 

A primeira resposta veio do Presidente Putin, e ela foi sucinta e extremamente ilustrativa: usando traje de camuflagem, visitando um centro de comando e insistindo que a atual situação em Kiev não pode mais ser descrita como uma “liderança política”, porque não passa de uma “organização criminosa”. 

Após alguns frenéticos dias inundados por um tsunami de versões urdidas pela mídia convencional do OTANistão, parecendo apoiar, mas essencialmente críticas ao documento de 28 pontos, alguém em Washington – e não necessariamente o intermediário russo Kirill Dmitriev – talvez o tenha entregado oficialmente ao Kremlin.

De modo que, nesta última sexta-feira, finalmente tivemos a resposta do próprio Presidente Putin, durante uma sessão dos membros permanentes do Conselho de Segurança da Rússia. 

Os principais pontos levantados por Putin devem ser ressaltados:  

Alasca: “A principal razão de ser da cúpula do Alasca, seu principal objetivo, foi que, durante a cúpula de  Anchorage confirmamos que, apesar de algumas questões complexas e difíceis, concordamos com as propostas e  nos dispusemos a demonstrar a flexibilidade necessária”. 

A reação do Sul Global: “Demos informações detalhadas sobre essas questões a todos os nossos amigos e parceiros do Sul Global – incluindo China, Índia, Coreia do Norte, África do Sul, Brasil e muitos outros países,  e também, é claro, aos estados da Organização do Tratado de Segurança Coletiva. Todos os nossos amigos e parceiros, e desejo enfatizar – sem exceção  – apoiaram esses acertos potenciais”. 

A não-reação dos Estados Unidos: “No entanto, após as negociações no Alasca, vimos uma certa pausa por parte dos Estados Unidos, e sabemos que isso se deve ao fato de a Ucrânia ter-se recusado a aceitar o plano de paz proposto pelo Presidente Trump. Creio que foi precisamente por essa razão que houve essa nova versão – que é, essencialmente, um plano atualizado consistindo em 28 pontos”. Note-se que “atualizado” é a palavra-chave operando aqui – indicando que se trata de uma extensão do Alasca. 

O que o documento de 28 pontos realmente significa: “Temos o texto que recebemos pelos canais de comunicação que mantemos com o governo dos Estados Unidos. Creio que também esse documento poderia formar a base de um acordo de paz definitivo, mas esse texto não vem sendo discutido conosco em substância. E posso sugerir a razão para tal. 

Essa razão, creio eu, continua sendo a mesma: o governo dos Estados Unidos ainda não conseguiu o consentimento da Ucrânia – a Ucrânia o rejeita. 

É evidente que a Ucrânia e seus aliados europeus continuam iludidos e ainda sonham em infligir uma derrota estratégica à Rússia no campo de batalha. Creio que essa postura se origina não tanto de falta de competência   – deixarei de lado esse tópico por enquanto  – mas sim da ausência de informação objetiva sobre a real situação no terreno”. 

Elaborando sobre a União Europeia e a Ucrânia: “Levando em conta toda a situação, nem a Ucrânia nem a Europa entendem as consequências desse caminho. Apenas um único exemplo recente – Kupyansk. Não faz muito tempo, em 4 de novembro – há apenas duas semanas – autoridades de Kiev afirmaram publicamente que nada mais que 60 soldados russos estavam na cidade, e que nos dias seguintes, segundo eles, as forças ucranianas a liberariam por completo. 

Mas eu gostaria de informar a vocês que, já naquele momento, em 4 de novembro, a cidade de Kupyansk estava tomada em sua quase totalidade pelas Forças Armadas Russas. Nossos rapazes, como eles dizem, estavam simplesmente terminando o serviço e libertando as últimas ruas e bairros. O destino da cidade já estava totalmente selado. 

O que isso nos diz? Ou as lideranças de Kiev não têm acesso a informações objetivas sobre a situação no front ou, caso tenham, são simplesmente incapazes de avaliá-las objetivamente”.

A Operação Militar Especial irá continuar: “Se Kiev não quer discutir a proposta do Presidente Trump e a rejeita, então ela – e os europeus que instigam a guerra – têm que entender que a situação de  Kupyansk irá, inevitavelmente, se repetir em outros setores importantes do front. Talvez não de forma tão rápida quanto gostaríamos, mas é inevitável que o desfecho venha a se repetir”.  

A conclusão inevitável: “De modo geral, a proposta é aceitável para nós, uma vez que ela conduz ao atingimento dos objetivos da operação militar especial por meios militares. Mas, como já afirmei muitas vezes, também estamos prontos para negociações de paz e para a resolução dos problemas por meios pacíficos. Isso, entretanto, requer uma discussão substantiva de todos os detalhes do plano proposto.  Estamos prontos para tal”.  

<><> Desconstruindo uma mixórdia incoerente 

Aqui, portanto, voltamos finalmente ao essencial – o que todos com um QI acima da temperatura ambiente e que venham acompanhando a guerra de procuração imperial contra a Rússia na Ucrânia já sabe: a Rússia está pronta para a paz, mas, nas palavras do próprio Putin, “está também satisfeita com a atual dinâmica da OME”. Porque essa dinâmica vem levando – de forma lenta, mas segura – à consecução de seus “objetivos” no campo de batalha. 

“Qualquer que tenha sido a verdadeira história por trás daqueles 28 pontos – supondo-se que ela tenha sido obra de Dmtriev e Witkoff, enfurnados em Miami durante três dias, com pitacos subsequentes do vil neocon Marco Rubio e do ativo sionista especialista em coisa nenhuma  Jared Kushner (!) – o “plano” confuso e até mesmo “pueril” posando de Hegêmona no Controle e caçoando dos BRICS/SCO é totalmente impraticável. 

Mas e se o plano fosse exatamente esse...? 

A nova e frenética versão é que o camiseta suada de Kiev recebeu um ultimato do Trump 2.0: nos termos de um novo “cronograma agressivo”, ele tem que concordar. Caso contrário... 

Os apoiadores de Kiev – a proverbial coleção de chihuahuas composta da União Europeia, da Comissão Europeia (CE) e dos “líderes” de capitais específicas – rejeitaram o documento de 28 pontos, assim como fez Kiev, desde o início.  

O documento de 28 pontos, na verdade, consegue a façanha de juntar uma incoerente mixórdia que é impraticável, não apenas para a Rússia, mas também para o combo União Europeia/OTAN. Alguns poucos exemplos:

Ponto 4: “Um diálogo Rússia/OTAN mediado pelos Estados Unidos será lançado a fim de resolver questões de segurança e promover cooperação”. A OTAN é criação intelectual do Império do Caos. Ela jamais irá “cooperar” com a “ameaça existencial” russa. 

Ponto 9: “Jatos de combate europeus serão posicionados na  Polônia”. O que significa que a OTAN estará pronta para atacar o território russo. 

Ponto 10: “A garantia de segurança oferecida pelos Estados Unidos [à Ucrânia] vem com duas condições: – Os Estados Unidos receberão indenização”. Isso é pura “oferta que não dá para recusar” ao estilo Máfia. 

Ponto 13: “A Rússia será reintegrada na economia global: 

• Retirada gradual das sanções 

• Cooperação econômica de longo prazo Estados Unidos/Rússia 

• Joint ventures em IA, energia, infraestrutura, terras raras e extração no Ártico

• A Rússia retorna ao G8”

É disso que se trata, segundo o próprio Dono do Circo: abocanhar os recursos russos. Além disso, a Rússia não precisa do G8: o foco de Moscou é nos BRICS/OCX.

Ponto 14: “Os ativos russos congelados serão alocados da seguinte maneira: 

• 100 bilhões de dólares serão usados na reconstrução da Ucrânia (gerenciada pelos Estados Unidos) 

• Os Estados Unidos receberão 50% dos lucros dos investimentos na reconstrução

• A Europa contribuirá com outros 100 bilhões de dólares 

• O restante dos ativos congelados irá para um veículo de investimentos conjuntos Estados Unidos/Rússia a fim de estreitar seus laços comerciais”.  

Esse é o cúmulo do Teatro do Absurdo: não apenas os Estados Unidos querem usar os fundos russos para reconstruir a Ucrânia - de cuja destruição eles participaram ativamente – mas os seus “10% para o Chefão”  se transformaram em taludos 50%.

Ponto 17: “Os Estados Unidos e a Rússia irão ampliar tratados de controle de armas nucleares, inclusive o Novo  START.” Essa não tem a menor chance: Moscou vem incessantemente afirmando que tratados de controle de armas nucleares não serão negociados com relação à OME. 

Ponto 21: “Acertos territoriais:

• Crimeia, Donetsk e Lugansk serão reconhecidas como de fato russas, inclusive pelos Estados Unidos. 

• Partes de Kherson e Zaporozhye tornar-se-ão zonas congeladas de “linhas de contato” (também com reconhecimento de fato)

• A Rússia concordará em abrir mão de outras áreas. 

• A Ucrânia irá se retirar das partes restantes de Donetsk; que tornar-se-ão zona tampão neutra reconhecida pela Rússia. 

• As forças russas não poderão entrar na zona tampão”.                    Esse não tem a menor chance – e não apenas para o combo União Europeia/OTAN/Kiev. Kherson e Zaporozhye, constitucionalmente, hoje são plenamente russas – e serão libertadas no campo de batalha. 

Ponto 26: “Anistia plena para todos as ações tomadas durante a guerra: nenhuma instauração de processo, nenhuma acusação de crimes de guerra”. Nenhuma chance. Kiev forçou que a minuta do documento empregasse o termo “anistia” em vez de “auditoria”. Moscou não aceitará nada menos que a exigência de que todos os membros de “organizações criminosas” sejam processados. Sim, haverá tribunais para crimes de guerra. 

Ponto 27: “O acordo será de cumprimento obrigatório e aplicado por um Conselho de Paz presidido por Donald J. Trump.” Isso é um replay de Gaza. Como se Putin e o Conselho de Segurança Russo fossem aceitar um “Conselho de Paz” presidido por um Dono do Circo cuja data de validade está prestes a expirar, para não falar de ficarem subordinados  aos perdedores em uma odiosa guerra por procuração. 

<><> Sobre uma conclusão bastante curiosa 

Uma conclusão plausível a ser tirada do documento de 28 pontos é que a seleta oligarquia que comanda o Império do Caos continua a gerenciar um esquema mafioso de proteção – e que a única maneira de livrar a cara do que na verdade foi a derrota estratégica no país 404 seria embolsar muita grana. 

Uma outra conclusão mais intrigante e plausível é que o documento de 28 pontos nunca contou com a concordância do combo União Europeia-Kiev. Trata-se exclusivamente de uma estratégia do Dono do Circo para cair fora do debacle na Novorossiya.

Trump já vem preparando terreno – tipo tentei de tudo, mas Zelensky não aceita. Agora, portanto, é problema exclusivamente dele – e de sua gangue – lado a lado com os chihuahuas europeus. A próxima atração: uma imediata mudança de narrativa. O que mais: o Império do Caos não consegue lidar com realidades, apenas com narrativas. 

O Trump 2.0 pode começar a trabalhar na melhora das relações Estados Unidos-Rússia  – enquanto culpa o combo União Europeia-Kiev pelo colapso do “processo de paz”. O importante é a ótica da operação de relações públicas do documento de 28 pontos: embalado como se estivesse pedindo a Moscou que aceitasse a uma solução de compromisso quando a Rússia vem ganhando no campo de batalha, ao mesmo tempo em que assegura que a “organização criminosa” de Kiev não aceite suas principais cláusulas.   

Final de jogo provisório: os chihuahuas da guerra continuarão latindo enquanto a Operação Militar Especial continua passando. 

¨      “A paz precisa ser digna”, diz Zelensky sobre proposta dos EUA

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, voltou a defender neste domingo (23) que qualquer acordo internacional para encerrar a guerra precisa garantir uma paz duradoura e justa. As declarações foram feitas enquanto representantes da Ucrânia e dos Estados Unidos participavam de uma nova rodada de conversas em Genebra.

Na ocasião, Zelensky reafirmou que o ponto central das negociações permanece travado pela recusa da Rússia em encerrar a ofensiva militar. Em publicação na rede X, o presidente ucraniano escreveu que “[Vladimir] Putin [presidente da Rússia] vem travando esta guerra com total desprezo por quantas das suas pessoas ele perde e por quantas das nossas ele mata”.

As discussões em Genebra ocorrem em meio à proposta de paz apresentada pelos Estados Unidos, que passou a ser debatida junto a aliados europeus. Os comentários de Zelensky, por sua vez, surgem depois de Trump afirmar que a liderança ucraniana demonstrou “zero gratidão” pela ajuda enviada por Washington, mesmo após diversas manifestações públicas de agradecimento por parte do presidente ucraniano e de outras autoridades de Kiev.

O governo da Ucrânia tem insistido que o diálogo precisa manter o foco na interrupção definitiva da ofensiva russa.

Para Zelensky, o objetivo maior segue inalterado. “É importante não esquecer o objetivo principal — parar a guerra da Rússia e evitar que ela volte a se inflamar”, afirmou. Em seguida, reforçou que o processo precisa estabelecer bases sólidas para a estabilidade futura. “E, para alcançar isso, a paz precisa ser digna”.

 

Fonte: Brasil 247

 

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