terça-feira, 2 de dezembro de 2025


 

Miguel do Rosário: Dragão fulmina o tarifaço de Donald Trump

Enquanto os Estados Unidos passaram as últimas décadas torrando trilhões de dólares do contribuinte americano em guerras eternas, mudanças de regime e golpes de Estado, a China investiu em trens de alta velocidade, infraestrutura urbana, centros de pesquisa e universidades.

O resultado dessa diferença de foco é visível hoje: a China possui as maiores reservas internacionais do mundo, com mais de US$ 3,3 trilhões, equivalentes a 18% do seu PIB. Para comparação, as reservas americanas representam apenas 1,5% do PIB dos EUA – doze vezes menos que a China.

A solidez financeira chinesa fica ainda mais evidente na capacidade de cobrir sua dívida externa com reservas internacionais: 65,5% na China, contra míseros 1,6% nos Estados Unidos.

Diante da prepotência imperial dos Estados Unidos, a China interpôs sua vontade de viver e fazer comércio. Como escreveu o poeta Li Bai (701-762): “Não pretendo honras nem riquezas / só que não me abandone a primavera”.

Outros números impressionantes são os de comércio exterior, pois são transparentes e certificáveis – os números de exportação de um país precisam bater com os de importação do outro.

E aqui o contraste é gritante: a China atingiu um superávit comercial recorde de US$ 1,17 trilhão no acumulado de 12 meses até outubro de 2025.

Enquanto isso, os Estados Unidos amargam um déficit que já somava US$ 713,6 bilhões apenas nos primeiros oito meses do ano.

A ironia é que, enquanto a China divulga seus dados de outubro, os EUA ainda estão em agosto, um reflexo do atraso e da perda de transparência de um país que já foi padrão mundial em transparência estatística.

Os ataques infames de Donald Trump ao comércio internacional, que começaram com o chamado “Dia da Liberação” em 2 de abril de 2025, quando anunciou um tarifaço para o mundo inteiro, colocaram o comércio de bens em evidência.

A reação desastrosa dos mercados financeiros dos próprios Estados Unidos o forçou a recuar e tentar direcionar a medida como uma jogada geopolítica focada apenas na China, o que também não deu certo.

A China foi muito atacada, mas o que aconteceu foi o oposto do esperado: o país aumentou sua corrente de comércio mesmo reduzindo o intercâmbio com os Estados Unidos.

É uma vitória de todo o Sul Global, que esmaga o tarifaço e representa uma grande derrota geopolítica dos EUA e da extrema-direita internacional que se pendurou na reputação de Trump, em particular a da América Latina, como a de Milei e Bolsonaro.

A perda de relevância dos Estados Unidos para a balança comercial chinesa é notável. Em 2022, o comércio com os EUA representava quase metade do superávit total da China; hoje, essa participação despencou para apenas 26%.

Em termos de volume, a corrente de comércio entre China e EUA despencou 24,5% em apenas um ano: de US$ 59,7 bilhões em outubro de 2024 para US$ 45,1 bilhões em outubro de 2025.

O paradoxo é evidente: as tarifas de Trump conseguiram reduzir o comércio bilateral, mas fracassaram em afetar o saldo total chinês, que simplesmente encontrou novos e mais importantes parceiros comerciais. 

O principal deles foi o BRICS. Em uma inversão histórica, o comércio da China com os membros plenos do bloco (Brasil, Rússia, Índia, África do Sul, Irã, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Indonésia) ultrapassou o comércio com os EUA em meados de 2022.

A média móvel mensal da corrente de comércio entre a China e os membros plenos do BRICS saltou de US$ 60 bilhões em dezembro de 2021 para US$ 76,4 bilhões em outubro de 2025, um crescimento de 27%.

O fortalecimento das relações Sul-Sul se mostrou uma estratégia de diversificação geográfica bem-sucedida. 

Outro parceiro estratégico foi a ASEAN, que se aproxima dos níveis de comércio com os EUA. A média móvel mensal com o bloco do Sudeste Asiático atingiu US$ 86,5 bilhões em outubro de 2025, contra US$ 79,7 bilhões no mesmo mês do ano anterior, um crescimento de 8,5%.

A integração regional asiática se aprofundou, consolidando a liderança chinesa no comércio do continente.

Dois modelos de desenvolvimento estão em confronto. De um lado, a China avança sem alarde, com um grande esforço nacional para produzir, melhorar a qualidade de vida de seu povo e oferecer produtos de qualidade ao mundo. Essa filosofia se estende para além de suas fronteiras, financiando infraestrutura em outros países através da Iniciativa Cinturão e Rota, conectando continentes e promovendo desenvolvimento mútuo.

Do outro lado, o modelo americano prioriza sanções, guerras e agressões diplomáticas, com um histórico de financiar golpes de Estado e gerar instabilidade no mundo inteiro.

É a construção contra a destruição. A China investe em construir, enquanto o império e seus vassalos permanecem focados em estratégias de destruição.

A China está vencendo a guerra comercial sem precisar de uma única batalha militar, usando apenas a diplomacia e o comércio.

Como ensina Sun Tzu em “A Arte da Guerra”, “a suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”.

¨      Turistas do mundo, uni-vos… para comprar na China. Por Fernando Capotondo

Houve um tempo, durante a dinastia Tang, em que o deserto de Taklamakan não era um deserto, mas um corredor vivo. As pegadas se renovavam antes que o vento pudesse apagá-las, e a Rota da Seda funcionava como o maior sistema comercial do mundo. De Chang’an — então o cérebro imperial que organizava tudo, hoje Xi’an — partiam caravanas que podiam levar meio ano para alcançar o Mediterrâneo. Não era apenas comércio: era uma coreografia planetária que avançava no ritmo dos camelos. Ninguém precisava de marketing — a seda era sua própria embaixadora, e a porcelana terminava o trabalho com um brilho que nenhum império podia igualar. O Império do Meio não saía para vender. O mundo ia até a China, seduzido por sua combinação — às vezes exagerada — de luxo, mistério e necessidade.

Quinze séculos depois, Pequim volta a tirar poeira desse arquétipo, ainda que com novidades que os Tang atribuiriam à criatividade de Du Fu, um dos grandes poetas da época. Não há mais caravanas, mas planos quinquenais; as especiarias cederam lugar a estímulos fiscais e a códigos QR que funcionam como passaporte universal. Mas a lógica permanece. O objetivo é criar centros globais de consumo que operem como uma espécie de Rota da Seda 2.0, onde turistas internacionais voltem a experimentar aquilo que tanto fascinava mercadores persas e árabes: a sensação de que certas coisas só existem no gigante asiático. A diferença é que agora ninguém espera que o mundo venha por conta própria: a China convida, abre a porta, elimina o visto e promete reembolso de impostos antes mesmo que alguém pergunte o preço.

A decisão de transformar algumas cidades em enormes centros internacionais de consumo — estimulando ao máximo as compras de estrangeiros — é uma das metas do 15º Plano Quinquenal (2026-2030), segundo Liu Xiangdong, vice-diretor do Departamento de Informação e Pesquisa Científica do Centro de Intercâmbios Econômicos Internacionais da China (CIEICh).

Para Liu, “o desenvolvimento desse tipo de cidade e a expansão do consumo de turistas estrangeiros ajudarão na atualização e na melhora da qualidade dos setores comercial, turístico e cultural, além de elevar a popularidade e a influência das cidades chinesas no cenário internacional”.

As palavras de Liu dão continuidade a um movimento iniciado no começo de outubro, quando os ministérios do Comércio e das Finanças anunciaram a seleção iminente de 15 cidades-piloto, que receberiam entre US$ 15 milhões e US$ 30 milhões em dois anos para renovar centros comerciais, diversificar cenários de consumo, promover reembolsos de impostos para estrangeiros e ampliar serviços turísticos em vários idiomas.

Na prática, a China já vinha implementando desde 2018 medidas de incentivo ao comércio internacional, incluindo a atual política de ampliação da isenção de vistos e da otimização do reembolso de impostos a turistas estrangeiros, segundo a agência Xinhua.

Como resultado dessas políticas, o país registrou em 2024 cerca de 132 milhões de visitas internacionais, gerando US$ 94,2 bilhões em gastos — um aumento anual de 77,8%. Esses valores representaram cerca de 0,5% do PIB chinês, número visto com otimismo, apesar de ainda distante dos 1% a 3% das economias líderes nesse setor. “O que outros interpretariam como um problema, nós vemos como enorme potencial de crescimento do consumo estrangeiro”, disse o CIEICh.

<><> Operação sedução

A partir do nada original slogan “Comprar na China”, o plano prevê integrar lojas duty-free e de reembolso de impostos aos cada vez mais explorados recursos turísticos e culturais das cidades chinesas — como Pequim, Xangai, Guangzhou, Shenzhen e Xi’an.

A estratégia inclui aplicativos multilíngues para compras duty-free, destinados a resolver um temor clássico dos turistas: não entender duas palavras em chinês. Para isso, entram em cena ferramentas de tradução por IA e sistemas de pagamento móvel como Alipay e WeChat Pay, compatíveis com cartões internacionais.

“Nos empenharemos para garantir que consumidores de todo o mundo desfrutem de mais facilidades para chegar, mais comodidades ao viajar, mais compras gastando menos, e mais experiências de uma China aberta, inclusiva, diversificada e inovadora”, afirmou recentemente o vice-ministro do Comércio, Sheng Qiuping.

Nesse contexto, a Administração Estatal de Impostos informou que os reembolsos instantâneos de impostos tiveram melhora de 40% em eficiência em 2025, com mais de 7.200 lojas operando no país e um aumento de 186% no número de turistas beneficiados.

“Da última moda à eletrônica, o boom das compras na China está ganhando força junto com a tendência global de viajar pelo país”, disse o ministro da Cultura e Turismo, Sun Yeli, lembrando que cidadãos de 76 países já têm entrada sem visto (unilateral ou mútua) e que as isenções de trânsito foram ampliadas para 55 países e regiões.

Ao que tudo indica, já não há correntes para romper — apenas códigos QR para escanear.

¨      "O dólar não é mais confiável e precisamos de uma moeda internacional de reserva", alerta Paulo Nogueira Batista Júnior

O economista Paulo Nogueira Batista Júnior, ex-diretor executivo do FMI e ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), afirmou que o sistema financeiro internacional vive um momento de tensão estrutural e pode caminhar para um colapso súbito caso uma nova crise grave atinja as potências ocidentais. As declarações foram feitas em uma entrevista concedida à jornalista Liu Xin, âncora do programa The Point, da emissora chinesa CGTN.

Segundo o programa, o Sul Global já responde por mais de 40% da economia mundial e por 80% do crescimento global, aumentando sua relevância no comércio, na produção e nas finanças internacionais. Apesar desse avanço, Batista ressalta que os mecanismos de governança continuam congelados sob influência dos Estados Unidos e da Europa.

<><> “O Ocidente não aceita que o mundo mudou”

Logo no início da conversa, Liu Xin questiona por que reformas no sistema financeiro internacional, especialmente as votações do FMI, continuaram estagnadas por mais de uma década. Batista responde com clareza:

“Temos ao mesmo tempo o declínio do Ocidente — dos EUA e, ainda mais, da Europa — em termos relativos e, em alguns aspectos, também em termos absolutos, e a recusa desse eixo norte-atlântico em aceitar que o mundo está mudando.”

Ele acrescenta que essa resistência se traduz no bloqueio total, desde 2010, de qualquer iniciativa de modernização da governança do FMI:

“Eles não querem aceitar que já não têm o poder que tinham. Uma das formas de reagir é bloquear completamente qualquer reforma que torne mais representativas as instituições que eles controlam.”

Para Batista, a disputa tem um foco claro:

“A China é o país mais sub-representado entre as grandes economias. Em qualquer fórmula, ela teria que subir muito. Como eles querem manter a China para baixo, as reformas simplesmente não andam.”

<><> Risco de colapso da ordem financeira ocidental

Ao ser questionado por Liu Xin sobre o que pode acontecer diante do aumento das tensões entre um Sul Global ascendente e o Ocidente resistente, Batista descreve dois cenários possíveis.

O primeiro seria um longo e doloroso processo de decadência, com sanções, pressões geopolíticas e desgaste institucional.

O segundo, mais abrupto, seria um colapso inesperado da ordem financeira ocidental, caso uma crise de grandes proporções — semelhante ou superior à de 2008 — atinja novamente os mercados norte-atlânticos:

“Se algo assim ocorrer, e é possível, haverá uma ruptura repentina na resistência do Ocidente simplesmente por falta de alternativas e de força.”

Segundo ele, países como China, Brasil, Rússia e outros emergentes não podem esperar:

“Não estamos na posição confortável de adiar iniciativas. Precisamos melhorar urgentemente as que já existem e criar novas, especialmente na área monetária e financeira.”

<><> A defesa de uma moeda internacional paralela

Um dos pontos centrais da entrevista é a proposta de Batista para um novo arranjo monetário internacional. Ele afirma que a dependência global do dólar se tornou um risco sistêmico:

“O dólar não é mais confiável por muitas razões. Precisamos de uma moeda internacional de reserva.”

Ele descarta que o renminbi (yuan) chinês possa cumprir esse papel sozinho:

“A China hesita — e eu entendo essa hesitação — em permitir que sua moeda desempenhe um papel internacional em larga escala.”

Diante disso, o economista sugere a construção de uma moeda paralela, não nacional, para uso exclusivamente internacional. Essa moeda seria emitida de forma conjunta por um grupo de países — não apenas os BRICS — e coexistiria com as moedas nacionais, sem interferir nas políticas domésticas:

“O que precisamos é de algo completamente diferente das moedas que existem hoje. Uma moeda que só desempenhe funções internacionais e não tenha papel doméstico em lugar algum.”

Batista sublinha a novidade histórica da proposta:

“É difícil porque nunca existiu nada assim na história mundial.”

<><> Limites do comércio em moedas nacionais

Liu Xin mencionou o avanço das transações em moedas nacionais entre países como China, Rússia, Índia e Brasil. Batista reconhece o progresso, mas insiste que esse mecanismo não resolve o principal desafio:

“Um sistema baseado apenas em moedas nacionais não entrega o que precisamos, porque não permite registrar adequadamente superávits e déficits comerciais.”

Ele citou o exemplo de Rússia e Índia:

“Se a Rússia acumula rupias — uma moeda não conversível e sujeita a riscos de desvalorização — ela não quer mantê-las. Não pode recorrer ao dólar porque o dólar é perigoso, e ao mesmo tempo, a China é relutante em ampliar demais o uso do renminbi.”

Daí a necessidade de uma moeda internacional alternativa.

<><> A divisão global já está dada

Ao analisar o cenário geopolítico, Batista diz considerar real a possibilidade de o mundo operar, por um período, em dois sistemas paralelos — um centrado no Ocidente, outro no eixo dos emergentes:

“Alguém aqui na China me disse que o mundo se divide entre quem usa WeChat e quem usa WhatsApp. Já temos dois mundos.”

No entanto, ele não descarta um horizonte futuro de convergência:

“Não descarto que em 30 anos essa divisão seja superada e tenhamos uma ordem realmente global, algo que nunca tivemos. O que havia era uma ordem ocidental imposta ao resto do planeta.”

<><> O papel de China, Brasil e outros grandes emergentes

Para Batista, a liderança do processo não poderá vir dos países mais vulneráveis, mas sim das economias emergentes de maior peso:

“Quando falamos em Sul Global, estamos falando de 140 países muito diversos. Muitos são vulneráveis à pressão ocidental. Cabe a países como China, Brasil, Rússia e Indonésia assumir um esforço especial.”

E conclui que o desafio exige confiança mútua, visão estratégica e coragem política.

<><> Uma entrevista marcante

A entrevista conduzida por Liu Xin é detalhada, direta e politicamente sofisticada, explorando com profundidade os dilemas da governança global e abrindo espaço para que Batista desenvolva análises complexas com clareza.

O diálogo evidencia o momento histórico de transição que o mundo vive — e os riscos, oportunidades e urgências que o acompanham.

 

Fonte: O Cafezinho/Brasil 247


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