Miguel
do Rosário: Dragão fulmina o tarifaço de Donald Trump
Enquanto
os Estados Unidos passaram as últimas décadas torrando trilhões de dólares do
contribuinte americano em guerras eternas, mudanças de regime e golpes de
Estado, a China investiu em trens de alta velocidade, infraestrutura urbana,
centros de pesquisa e universidades.
O
resultado dessa diferença de foco é visível hoje: a China possui as maiores
reservas internacionais do mundo, com mais de US$ 3,3 trilhões, equivalentes a
18% do seu PIB. Para comparação, as reservas americanas representam apenas 1,5%
do PIB dos EUA – doze vezes menos que a China.
A
solidez financeira chinesa fica ainda mais evidente na capacidade de cobrir sua
dívida externa com reservas internacionais: 65,5% na China, contra míseros 1,6%
nos Estados Unidos.
Diante
da prepotência imperial dos Estados Unidos, a China interpôs sua vontade de
viver e fazer comércio. Como escreveu o poeta Li Bai (701-762): “Não
pretendo honras nem riquezas / só que não me abandone a primavera”.
Outros
números impressionantes são os de comércio exterior, pois são transparentes e
certificáveis – os números de exportação de um país precisam bater com os de
importação do outro.
E aqui
o contraste é gritante: a China atingiu um superávit comercial recorde de US$
1,17 trilhão no acumulado de 12 meses até outubro de 2025.
Enquanto
isso, os Estados Unidos amargam um déficit que já somava US$ 713,6 bilhões
apenas nos primeiros oito meses do ano.
A
ironia é que, enquanto a China divulga seus dados de outubro, os EUA ainda
estão em agosto, um reflexo do atraso e da perda de transparência de um país
que já foi padrão mundial em transparência estatística.
Os
ataques infames de Donald Trump ao comércio internacional, que começaram com o
chamado “Dia da Liberação” em 2 de abril de 2025, quando anunciou um tarifaço
para o mundo inteiro, colocaram o comércio de bens em evidência.
A
reação desastrosa dos mercados financeiros dos próprios Estados Unidos o forçou
a recuar e tentar direcionar a medida como uma jogada geopolítica focada apenas
na China, o que também não deu certo.
A China
foi muito atacada, mas o que aconteceu foi o oposto do esperado: o país
aumentou sua corrente de comércio mesmo reduzindo o intercâmbio com os Estados
Unidos.
É uma
vitória de todo o Sul Global, que esmaga o tarifaço e representa uma grande
derrota geopolítica dos EUA e da extrema-direita internacional que se pendurou
na reputação de Trump, em particular a da América Latina, como a de Milei e
Bolsonaro.
A perda
de relevância dos Estados Unidos para a balança comercial chinesa é notável. Em
2022, o comércio com os EUA representava quase metade do superávit total da
China; hoje, essa participação despencou para apenas 26%.
Em
termos de volume, a corrente de comércio entre China e EUA despencou 24,5% em
apenas um ano: de US$ 59,7 bilhões em outubro de 2024 para US$ 45,1 bilhões em
outubro de 2025.
O
paradoxo é evidente: as tarifas de Trump conseguiram reduzir o comércio
bilateral, mas fracassaram em afetar o saldo total chinês, que simplesmente
encontrou novos e mais importantes parceiros comerciais.
O
principal deles foi o BRICS. Em uma inversão histórica, o comércio da China com
os membros plenos do bloco (Brasil, Rússia, Índia, África do Sul, Irã, Egito,
Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Indonésia) ultrapassou o comércio com os EUA
em meados de 2022.
A média
móvel mensal da corrente de comércio entre a China e os membros plenos do BRICS
saltou de US$ 60 bilhões em dezembro de 2021 para US$ 76,4 bilhões em outubro
de 2025, um crescimento de 27%.
O
fortalecimento das relações Sul-Sul se mostrou uma estratégia de diversificação
geográfica bem-sucedida.
Outro
parceiro estratégico foi a ASEAN, que se aproxima dos níveis de comércio com os
EUA. A média móvel mensal com o bloco do Sudeste Asiático atingiu US$ 86,5
bilhões em outubro de 2025, contra US$ 79,7 bilhões no mesmo mês do ano
anterior, um crescimento de 8,5%.
A
integração regional asiática se aprofundou, consolidando a liderança chinesa no
comércio do continente.
Dois
modelos de desenvolvimento estão em confronto. De um lado, a China avança sem
alarde, com um grande esforço nacional para produzir, melhorar a qualidade de
vida de seu povo e oferecer produtos de qualidade ao mundo. Essa filosofia se
estende para além de suas fronteiras, financiando infraestrutura em outros
países através da Iniciativa Cinturão e Rota, conectando continentes e
promovendo desenvolvimento mútuo.
Do
outro lado, o modelo americano prioriza sanções, guerras e agressões
diplomáticas, com um histórico de financiar golpes de Estado e gerar
instabilidade no mundo inteiro.
É a
construção contra a destruição. A China investe em construir, enquanto o
império e seus vassalos permanecem focados em estratégias de destruição.
A China
está vencendo a guerra comercial sem precisar de uma única batalha militar,
usando apenas a diplomacia e o comércio.
Como
ensina Sun Tzu em “A Arte da Guerra”, “a suprema arte da guerra é
derrotar o inimigo sem lutar”.
¨
Turistas do mundo, uni-vos… para comprar na China. Por
Fernando Capotondo
Houve
um tempo, durante a dinastia Tang, em que o deserto de Taklamakan não era um
deserto, mas um corredor vivo. As pegadas se renovavam antes que o vento
pudesse apagá-las, e a Rota da Seda funcionava como o maior sistema comercial
do mundo. De Chang’an — então o cérebro imperial que organizava tudo, hoje
Xi’an — partiam caravanas que podiam levar meio ano para alcançar o
Mediterrâneo. Não era apenas comércio: era uma coreografia planetária que
avançava no ritmo dos camelos. Ninguém precisava de marketing — a seda era sua
própria embaixadora, e a porcelana terminava o trabalho com um brilho que
nenhum império podia igualar. O Império do Meio não saía para vender. O mundo
ia até a China, seduzido por sua combinação — às vezes exagerada — de luxo,
mistério e necessidade.
Quinze
séculos depois, Pequim volta a tirar poeira desse arquétipo, ainda que com
novidades que os Tang atribuiriam à criatividade de Du Fu, um dos grandes
poetas da época. Não há mais caravanas, mas planos quinquenais; as especiarias
cederam lugar a estímulos fiscais e a códigos QR que funcionam como passaporte
universal. Mas a lógica permanece. O objetivo é criar centros globais de
consumo que operem como uma espécie de Rota da Seda 2.0, onde turistas
internacionais voltem a experimentar aquilo que tanto fascinava mercadores
persas e árabes: a sensação de que certas coisas só existem no gigante
asiático. A diferença é que agora ninguém espera que o mundo venha por conta
própria: a China convida, abre a porta, elimina o visto e promete reembolso de
impostos antes mesmo que alguém pergunte o preço.
A
decisão de transformar algumas cidades em enormes centros internacionais de
consumo — estimulando ao máximo as compras de estrangeiros — é uma das metas do
15º Plano Quinquenal (2026-2030), segundo Liu Xiangdong, vice-diretor do
Departamento de Informação e Pesquisa Científica do Centro de Intercâmbios
Econômicos Internacionais da China (CIEICh).
Para
Liu, “o desenvolvimento desse tipo de cidade e a expansão do consumo de
turistas estrangeiros ajudarão na atualização e na melhora da qualidade dos
setores comercial, turístico e cultural, além de elevar a popularidade e a
influência das cidades chinesas no cenário internacional”.
As
palavras de Liu dão continuidade a um movimento iniciado no começo de outubro,
quando os ministérios do Comércio e das Finanças anunciaram a seleção iminente
de 15 cidades-piloto, que receberiam entre US$ 15 milhões e US$ 30 milhões em
dois anos para renovar centros comerciais, diversificar cenários de consumo,
promover reembolsos de impostos para estrangeiros e ampliar serviços turísticos
em vários idiomas.
Na
prática, a China já vinha implementando desde 2018 medidas de incentivo ao
comércio internacional, incluindo a atual política de ampliação da isenção de
vistos e da otimização do reembolso de impostos a turistas estrangeiros,
segundo a agência Xinhua.
Como
resultado dessas políticas, o país registrou em 2024 cerca de 132 milhões de
visitas internacionais, gerando US$ 94,2 bilhões em gastos — um aumento anual
de 77,8%. Esses valores representaram cerca de 0,5% do PIB chinês, número visto
com otimismo, apesar de ainda distante dos 1% a 3% das economias líderes nesse
setor. “O que outros interpretariam como um problema, nós vemos como enorme
potencial de crescimento do consumo estrangeiro”, disse o CIEICh.
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Operação sedução
A
partir do nada original slogan “Comprar na China”, o plano prevê integrar lojas
duty-free e de reembolso de impostos aos cada vez mais explorados recursos
turísticos e culturais das cidades chinesas — como Pequim, Xangai, Guangzhou,
Shenzhen e Xi’an.
A
estratégia inclui aplicativos multilíngues para compras duty-free, destinados a
resolver um temor clássico dos turistas: não entender duas palavras em chinês.
Para isso, entram em cena ferramentas de tradução por IA e sistemas de
pagamento móvel como Alipay e WeChat Pay, compatíveis com cartões
internacionais.
“Nos
empenharemos para garantir que consumidores de todo o mundo desfrutem de mais
facilidades para chegar, mais comodidades ao viajar, mais compras gastando
menos, e mais experiências de uma China aberta, inclusiva, diversificada e
inovadora”, afirmou recentemente o vice-ministro do Comércio, Sheng Qiuping.
Nesse
contexto, a Administração Estatal de Impostos informou que os reembolsos
instantâneos de impostos tiveram melhora de 40% em eficiência em 2025, com mais
de 7.200 lojas operando no país e um aumento de 186% no número de turistas
beneficiados.
“Da
última moda à eletrônica, o boom das compras na China está ganhando força junto
com a tendência global de viajar pelo país”, disse o ministro da Cultura e
Turismo, Sun Yeli, lembrando que cidadãos de 76 países já têm entrada sem visto
(unilateral ou mútua) e que as isenções de trânsito foram ampliadas para 55
países e regiões.
Ao que
tudo indica, já não há correntes para romper — apenas códigos QR para escanear.
¨ "O dólar não é
mais confiável e precisamos de uma moeda internacional de reserva", alerta
Paulo Nogueira Batista Júnior
O
economista Paulo Nogueira Batista Júnior, ex-diretor executivo do FMI e
ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), afirmou que o
sistema financeiro internacional vive um momento de tensão estrutural e pode
caminhar para um colapso súbito caso uma nova crise grave atinja as potências
ocidentais. As declarações foram feitas em uma entrevista concedida à
jornalista Liu Xin, âncora do programa The Point, da emissora chinesa CGTN.
Segundo
o programa, o Sul Global já responde por mais de 40% da economia mundial e por
80% do crescimento global, aumentando sua relevância no comércio, na produção e
nas finanças internacionais. Apesar desse avanço, Batista ressalta que os
mecanismos de governança continuam congelados sob influência dos Estados Unidos
e da Europa.
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“O Ocidente não aceita que o mundo mudou”
Logo no
início da conversa, Liu Xin questiona por que reformas no sistema financeiro
internacional, especialmente as votações do FMI, continuaram estagnadas por
mais de uma década. Batista responde com clareza:
“Temos
ao mesmo tempo o declínio do Ocidente — dos EUA e, ainda mais, da Europa — em
termos relativos e, em alguns aspectos, também em termos absolutos, e a recusa
desse eixo norte-atlântico em aceitar que o mundo está mudando.”
Ele
acrescenta que essa resistência se traduz no bloqueio total, desde 2010, de
qualquer iniciativa de modernização da governança do FMI:
“Eles
não querem aceitar que já não têm o poder que tinham. Uma das formas de reagir
é bloquear completamente qualquer reforma que torne mais representativas as
instituições que eles controlam.”
Para
Batista, a disputa tem um foco claro:
“A
China é o país mais sub-representado entre as grandes economias. Em qualquer
fórmula, ela teria que subir muito. Como eles querem manter a China para baixo,
as reformas simplesmente não andam.”
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Risco de colapso da ordem financeira ocidental
Ao ser
questionado por Liu Xin sobre o que pode acontecer diante do aumento das
tensões entre um Sul Global ascendente e o Ocidente resistente, Batista
descreve dois cenários possíveis.
O
primeiro seria um longo e doloroso processo de decadência, com sanções,
pressões geopolíticas e desgaste institucional.
O
segundo, mais abrupto, seria um colapso inesperado da ordem financeira
ocidental, caso uma crise de grandes proporções — semelhante ou superior à de
2008 — atinja novamente os mercados norte-atlânticos:
“Se
algo assim ocorrer, e é possível, haverá uma ruptura repentina na resistência
do Ocidente simplesmente por falta de alternativas e de força.”
Segundo
ele, países como China, Brasil, Rússia e outros emergentes não podem esperar:
“Não
estamos na posição confortável de adiar iniciativas. Precisamos melhorar
urgentemente as que já existem e criar novas, especialmente na área monetária e
financeira.”
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A defesa de uma moeda internacional paralela
Um dos
pontos centrais da entrevista é a proposta de Batista para um novo arranjo
monetário internacional. Ele afirma que a dependência global do dólar se tornou
um risco sistêmico:
“O
dólar não é mais confiável por muitas razões. Precisamos de uma moeda
internacional de reserva.”
Ele
descarta que o renminbi (yuan) chinês possa cumprir esse papel sozinho:
“A
China hesita — e eu entendo essa hesitação — em permitir que sua moeda
desempenhe um papel internacional em larga escala.”
Diante
disso, o economista sugere a construção de uma moeda paralela, não nacional,
para uso exclusivamente internacional. Essa moeda seria emitida de forma
conjunta por um grupo de países — não apenas os BRICS — e coexistiria com as
moedas nacionais, sem interferir nas políticas domésticas:
“O
que precisamos é de algo completamente diferente das moedas que existem hoje.
Uma moeda que só desempenhe funções internacionais e não tenha papel doméstico
em lugar algum.”
Batista
sublinha a novidade histórica da proposta:
“É
difícil porque nunca existiu nada assim na história mundial.”
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Limites do comércio em moedas nacionais
Liu Xin
mencionou o avanço das transações em moedas nacionais entre países como China,
Rússia, Índia e Brasil. Batista reconhece o progresso, mas insiste que esse
mecanismo não resolve o principal desafio:
“Um
sistema baseado apenas em moedas nacionais não entrega o que precisamos, porque
não permite registrar adequadamente superávits e déficits comerciais.”
Ele
citou o exemplo de Rússia e Índia:
“Se
a Rússia acumula rupias — uma moeda não conversível e sujeita a riscos de
desvalorização — ela não quer mantê-las. Não pode recorrer ao dólar porque o
dólar é perigoso, e ao mesmo tempo, a China é relutante em ampliar demais o uso
do renminbi.”
Daí a
necessidade de uma moeda internacional alternativa.
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A divisão global já está dada
Ao
analisar o cenário geopolítico, Batista diz considerar real a possibilidade de
o mundo operar, por um período, em dois sistemas paralelos — um centrado no
Ocidente, outro no eixo dos emergentes:
“Alguém
aqui na China me disse que o mundo se divide entre quem usa WeChat e quem usa
WhatsApp. Já temos dois mundos.”
No
entanto, ele não descarta um horizonte futuro de convergência:
“Não
descarto que em 30 anos essa divisão seja superada e tenhamos uma ordem
realmente global, algo que nunca tivemos. O que havia era uma ordem ocidental
imposta ao resto do planeta.”
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O papel de China, Brasil e outros grandes emergentes
Para
Batista, a liderança do processo não poderá vir dos países mais vulneráveis,
mas sim das economias emergentes de maior peso:
“Quando
falamos em Sul Global, estamos falando de 140 países muito diversos. Muitos são
vulneráveis à pressão ocidental. Cabe a países como China, Brasil, Rússia e
Indonésia assumir um esforço especial.”
E
conclui que o desafio exige confiança mútua, visão estratégica e coragem
política.
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Uma entrevista marcante
A
entrevista conduzida por Liu Xin é detalhada, direta e politicamente
sofisticada, explorando com profundidade os dilemas da governança global e
abrindo espaço para que Batista desenvolva análises complexas com clareza.
O
diálogo evidencia o momento histórico de transição que o mundo vive — e os
riscos, oportunidades e urgências que o acompanham.
Fonte:
O Cafezinho/Brasil 247

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