Alice
de Souza: 18 milhões. O preço pago pela Nestlé, Bayer e empresários do agro na COP30 à
Embrapa
A
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, A Embrapa, principal referência em
pesquisa agropecuária no país e sustentada majoritariamente por recursos
públicos, recebeu ao menos R$ 17,8 milhões em patrocínios para atividades
ligadas à COP30. Entre elas, está a Agrizone, pavilhão controverso liderado
pela Embrapa para promover o agronegócio brasileiro — um dos maiores emissores
de gases de efeito estufa do país — como sustentável e até como solução para a
crise climática durante a cúpula. Documentos obtidos pelo Intercept Brasil, por
meio da Lei de Acesso à Informação, a LAI, revelam o quanto empresas como a
fabricante de pesticidas Bayer, a multinacional suíça de alimentos Nestlé e a
gigante automotiva Toyota, por meio da Fundação Toyota do Brasil, pagaram para
ter a marca vinculada às ações da Embrapa para a cúpula do clima da ONU ao
longo de 2025. Também descobrimos o quanto a Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil, a CNA, vinculada à Bancada Ruralista no Congresso Nacional,
aportou. A parceria de grandes organizações do agro, fabricantes de
agrotóxicos, montadora e empresas de alimentos ultraprocessados com a Embrapa,
no escopo da COP30 e da Agrizone, foi questionada por ambientalistas e ONGs por
conflito de interesses, e denunciada como estratégia de greenwashing, a
maquiagem verde de práticas ambientalmente danosas.
A
Articulação Nacional de Agroecologia, o Movimento dos Pequenos Agricultores e o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST, se posicionaram contra
esses patrocínios, criticando a aliança da Embrapa com setores responsáveis
pela crise climática e a captura corporativa da agenda climática. Apesar disso,
ruralistas planejam exportar o modelo da Agrizone para as próximas COPs, como a
COP31, marcada para acontecer na Turquia no próximo ano. Isso, na visão das entidades e de
especialistas consultados pelo Intercept, pode reforçar a imagem do agronegócio
como solução para a crise climática, enquanto as grandes corporações do setor
não mudam seus modelos de produção e permanecem contribuindo para poluir o
planeta e emitir mais gases do efeito estufa. Não há impeditivo legal para as
Embrapa receber esses patrocínios. Ainda assim, os valores envolvidos chamam
atenção por representarem uma fatia relevante do orçamento da empresa, que para
2025 é de R$ 364 milhões — o que levanta questionamentos sobre o grau de
influência dos patrocinadores privados sobre as prioridades da instituição.
As
ações da Embrapa para a COP30 se concentraram na iniciativa Jornada pelo Clima,
lançada em maio deste ano, que incluiu a realização de sete eventos por todos
os biomas brasileiros e a produção de um documento entregue à presidência da
cúpula, a partir dos debates dessa jornada. As ações da empresa pública também
envolveram atividades de comunicação, como a realização de viagens com
jornalistas nacionais e internacionais, espaços em feiras agropecuárias e a
instalação da Agrizone. A Embrapa lançou
dois lotes de patrocínio, com cotas para financiar a Agrizone, os eventos
regionais, estandes em feiras agropecuárias, a produção de um livro, além de
divulgações em um site e nas redes sociais. No primeiro lote, os valores
variaram entre R$ 2,5 milhões para patrocínio master e R$ 50 mil para a cota
chamada “bioma local”. No segundo, as cotas iam de R$ 300 mil a R$ 900 mil. As empresas precisavam responder a um
formulário de manifestação de interesse com os valores que desejavam aportar. O
Intercept teve acesso às respostas deste formulário, que culminaram na
celebração de contratos de patrocínio à Jornada pelo Clima. Apesar de divulgar
a marca de 15 patrocinadores no site da iniciativa, a Embrapa só disponibilizou
dados sobre oito deles no documento que nos enviou.
O maior
financiador das ações da entidade – e, consequentemente, da Agrizone – foi o
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, o Senar, entidade administrada pela
CNA. O Senar adquiriu quatro cotas de patrocínio master, totalizando R$ 10
milhões, quatro vezes mais do que o valor que estava público até então. A cota master também foi comprada pela
Organização das Cooperativas Brasileiras, a OCB, que pagou R$ 2,5 milhões. Já a
Bayer e a Nestlé, que nos documentos aparecem como cota master, mas no site
como diamante, fizeram negociações diretas com a Embrapa, em condição distinta
da manifestação de interesse, de acordo com a resposta obtida via LAI, e
desembolsaram R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão, respectivamente. Na cota diamante, cujo valor poderia chegar a
até R$ 1 milhão, a Fundação Toyota do Brasil pagou o valor máximo, enquanto a
empresa OCP Fertilizantes aportou R$ 300 mil. A OCP aparece como cota diamante
nos documentos, mas como patrocínio vitrine no site. O Ministério da Pesca e
Aquicultura, que também foi patrocinador, aparece na cota ouro nos documentos,
mas na cota biomas no site, e destinou R$ 500 mil. Por fim, o documento ainda
revela o valor patrocinado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura, o IICA: uma cota diamante no valor de R$ 1,078 milhão – cerca de
R$ 78 mil a mais do que o previsto para essa modalidade.
As
informações sobre os patrocínios foram solicitadas pelo Intercept por meio de
pedidos com base na LAI em julho deste ano, mas a Embrapa negou os dados,
inicialmente, alegando que não conseguia abrir o link do próprio formulário
criado pela entidade. Depois, afirmou que parte das informações já estava
pública, mas a divulgação de valores e condições de negociação se enquadraria
“como informação restrita por se tratarem de dados contratuais sensíveis”. De
acordo com o órgão, na ocasião, a exposição dessas informações “poderia afetar
as negociações da Embrapa com futuros parceiros e prejudicar os interesses” em
novas captações para esta ou outras iniciativas de parcerias, incluindo
projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Os dados referentes às cotas
aderidas pelas empresas só foram disponibilizados no fim de novembro, após
decisão da Controladoria-Geral da União, a CGU.
De
acordo com o site da jornada, também patrocinaram a Embrapa nas suas ações para
a COP30: Fundação Gates, Tereos, UPL, Caixa,
Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à
Fome, MDS; Morfo e Tropoc. Os valores pagos por elas, entretanto, não foram
divulgados. Em nota, a Embrapa alegou
que é uma empresa pública “dedicada ao desenvolvimento da ciência agropecuária
e ao atendimento, de forma ampla e inclusiva, de todos os segmentos da
agricultura do país”. A empresa, entretanto, não informou o valor exato desembolsado
por cada patrocinador, tampouco o que foi apresentado pelas patrocinadoras para
comprovar compromisso com a sustentabilidade. Em posicionamento publicado em
seu site, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária afirma que “é
equivocada a afirmação de que a Agrizone foi construída para expor soluções do
agronegócio na COP30”, assim como a acusação de práticas de greenwashing. A
instituição também alega que os patrocinadores foram selecionados por meio de
um processo público e democrático, no qual as empresas candidatas foram
avaliadas com base em critérios como atuação em iniciativas voltadas à
sustentabilidade dos sistemas de produção, histórico de parcerias com a Embrapa
e alinhamento aos princípios e objetivos da cúpula.
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Critérios seguem indisponíveis
Para se
habilitar como patrocinadoras das ações da Embrapa relacionadas à cúpula, de
fato, as empresas precisavam preencher requisitos relacionados ao alinhamento
com os objetivos da COP30, às diretrizes da Embrapa e ao compromisso com a
sustentabilidade, de acordo com o site da Jornada pelo Clima. Para tanto,
deveriam responder no formulário de manifestação de interesse de patrocínio
como as ações da instituição contribuem para os objetivos da COP30 e demonstrar
“o compromisso da entidade com práticas ambientais responsáveis e a construção
de um futuro mais sustentável”. De acordo com a determinação da CGU, essas
respostas também deveriam ter sido tornadas públicas, mas não foram. O
Intercept reiterou isso no processo e denunciou a falta de informações à CGU.
Por
meio da LAI, o Intercept teve acesso à minuta contratual utilizada como base
inicial para negociação das parcerias referentes aos patrocínios. No documento,
a Embrapa garantia ao patrocinador, além de visibilidade, ganhos de imagem ao
se associar com empresas “compromissadas com as transformações necessárias para
lidar e diminuir os impactos negativos das mudanças do clima”. Patrocinadores
master, como o Senar e o Sistema OCB tinham direito, por exemplo, à realização
de um evento técnico-institucional próprio, “salas especiais para ações
negociais e similares” dentro da Agrizone e participação de um dirigente na
série de eventos “Diálogos pelo Clima”, que rodou por sete cidades em todos os
biomas brasileiros. Eles também poderiam
indicar três convidados para participar de cada um desses eventos. A categoria
diamante, da qual fez parte a Toyota, a Nestlé e a Bayer, também dava direito a
salas negociais dentro da Agrizone e realização de evento próprio lá.
A OCB
esteve presente em três eventos na programação oficial da Agrizone. A Toyota e
a Bayer, em dois. A Nestlé esteve em um. A Agrizone foi apresentada durante a COP30
como uma “vitrine de inovação, ciência e cooperação internacional” e esteve
aberta durante os dias de realização da cúpula, de 10 a 21 de novembro, a menos
de dois quilômetros das áreas oficiais da conferência, a Blue Zone e a Green
Zone.
O local
de instalação do pavilhão também era estratégico, como mostrou a InfoAmazonia,
já que estava em frente ao espaço da Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura, a FAO. Segundo
o Ministério da Agricultura e Pecuária — órgão ao qual a Embrapa é vinculada e
que transferiu seu escritório para a Agrizone durante a COP30 —, o objetivo do
espaço era “apresentar como o agro brasileiro é parte da solução climática
global”, por meio da exposição de políticas públicas, tecnologias e modelos produtivos
supostamente sustentáveis que uniriam produção, conservação ambiental e
inclusão social.
O agro
levou ao espaço conceitos como “agricultura regenerativa” e “pecuária de baixo
carbono”, termos utilizados pelo setor para tentar influenciar as negociações
climáticas e considerados por ativistas e ONGs ambientalistas como propaganda
sustentável enganosa. A agricultura
regenerativa, por exemplo, foi tema de pelo menos 27 painéis dentro da
Agrizone, como mostrou o site DeSmog, embora o Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas, o IPCC, órgão científico da ONU, a considere uma abordagem
sem definição universal aceita e que sua capacidade real de mitigar as emissões
de gases do efeito estufa é duvidosa.
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Especialistas criticam parceria entre empresas e Embrapa
Integrante
do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia, o enviado especial
para Agricultura Familiar à COP30 Paulo Petersen classificou a associação da
Embrapa com as patrocinadoras durante a COP30 como um erro. “A Embrapa não podia se prestar a abrir um
espaço para empresas que estão sendo altamente contestadas. Por mais que a
legislação preserve, dizendo que não há conflito de interesse, há uma questão
moral aí”, afirma. De acordo com
Petersen, a Embrapa é uma instituição pública com capacidade para fazer uma
transição justa dos sistemas alimentares por meio de suas pesquisas, mas está
dando aval institucional – e não científico – ao agro. “O que a Embrapa fez em Belém não teve muito a
ver com ciência, teve a ver com marketing. Teve a ver com emprestar o seu
prestígio como instituição científica para as empresas que estão se
reposicionando discursivamente”, acrescenta Petersen. “Ali não se tratou de ciência, se tratou de
propaganda. Ela tem sua imagem arranhada, ficou mal na opinião pública”,
completa.
Para
Julia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo responsável e sustentável
do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, as empresas
patrocinadoras deveriam estar em espaço como a COP30 para serem cobradas e
responsabilizadas por suas práticas nocivas ao meio ambiente. “Mas o que a
gente observa é o contrário. Elas estão patrocinando estandes, distribuindo
brindes, com outdoors nas cidades inteiras, mostrando como elas são
sustentáveis”, afirma.
Como
mostrou reportagem da InfoAmazonia, um dos estandes mais visitados da Agrizone
durante a COP30 foi o da Nestlé, com filas de pessoas esperando para receber
brindes como garrafas reutilizáveis, chocolates e cafés em cápsula. Ainda durante a COP30, a própria Embrapa
divulgou que representantes dos países que poderiam ser sede da próxima COP a
procuraram interessados em replicar o modelo da Agrizone na próxima
conferência. Para Petersen, esse interesse é responsabilidade da própria
Embrapa. “O agronegócio estava sem saber se posicionar, queria fazer uma COP
paralela e eu acho que a Embrapa deu a solução para o agro [com a Agrizone]”,
lamenta.
Em 12
dias, 24 mil pessoas de 46 países diferentes passaram pela Agrizone, que
realizou 400 eventos. Quem esteve por lá, entretanto, afirmou que ficou
evidente a disparidade entre a estrutura montada para as grandes corporações e
para as ações da agricultura familiar. “A gente pode observar, olhando para
aquela estrutura, salas climatizadas, estandes organizados, tudo um luxo.
Quando, no mesmo espaço da Embrapa, a gente também foi conhecer a feira da
agricultura familiar, vimos diferença na estrutura. A gente viu ali condições
de trabalho muito ruins”, afirma Glória Batista, da coordenação nacional da
Articulação Semiárido Brasileiro, a ASA.
Segundo
ela, faltavam equipamentos básicos, como ventiladores, no espaço destinado aos
produtores agroecológicos. Para ela, isso é um reflexo do próprio comportamento
da Embrapa em geral. “Poucos pesquisadores da Embrapa têm uma visão na
perspectiva da agroecologia. O forte está voltado para as grandes corporações”,
acrescenta Batista.
O MDS
afirmou, em nota, que firmou com a Embrapa um Termo de Execução
Descentralizada, que não envolveu pagamento de patrocínio. Por isso, recebeu
uma área de 10 m² para instalação de um estande no Pavilhão de Exposição.
“Coube ao Ministério a responsabilidade por eventuais incrementos à montagem
básica do estande, mediante contratação direta com a montadora oficial do
evento ou com montadora própria”, disse o órgão em nota. A participação na Agrizone, segundo o órgão,
foi uma forma de “assegurar que as pautas de Segurança Alimentar e Nutricional
estivessem adequadamente representadas na COP30”.
Ao fim
da COP30, a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, afirmou que a Agrizone
trouxe “tecnologias para mostrar que a agricultura brasileira é uma dupla
solução para as mudanças climáticas”. Mas Julia Catão Dias, do Idec, alerta que
divulgar soluções tecnológicas também é uma forma de maquiar o impacto do agro
na crise climática, sendo inclusive mais sutil do que outras formas de
propaganda verde enganosa. “A
inteligência artificial estava sendo propagada, inclusive na Agrizone, como a
solução para a crise climática. E a gente não viu nenhuma contra narrativa a
isso, a não ser aquelas que vinham das organizações da sociedade civil”,
pontua.
Um dos
seis pilares da agenda de ação da COP30 era a transformação dos sistemas
alimentares e da agricultura, mas as negociações sobre os temas foram invadidas
por termos vagos e interesses empresariais, como mostrou o veículo britânico
Carbon Brief, fazendo com que a cúpula terminasse sem resultados substanciais
nessas áreas. Fora das negociações formais, houve a formalização e alguns
compromissos, como a Declaração de Belém sobre fome, pobreza e ação climática
centrada no ser humano, e o lançamento de um programa de combate ao desperdício
de alimentos, uma das fontes de emissão de gases do efeito estufa. O Brasil é
um dos apoiadores deste último.
Também
esperava-se da COP30 um roteiro para acabar com o desmatamento, e mais ênfase
na correlação entre o agro e a derrubada das florestas, mas isso também ficou
de fora do texto final da cúpula. “Realizamos
essa COP na Amazônia, com a presidência brasileira fazendo muito alarde sobre
as florestas, mas em silêncio absoluto quando se trata de nomear a maior ameaça
às florestas, que é a agroindústria em larga escala”, disse ao Carbon Brief
Teresa Anderson, líder global de justiça climática da Action Aid.
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O passivo das patrocinadoras e da própria Embrapa
De
acordo com a minuta do contrato de patrocínio, as empresas que apoiaram as
ações da Embrapa precisavam reconhecer, sem limitação, “a proibição de qualquer
forma de trabalho escravo, forçado ou análogo, trabalho infantil, a preservação
do meio ambiente, o cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho,
assim como o respeito aos consumidores, empregados, prestadores de serviços e
às comunidades estabelecidas nos locais onde desenvolvem suas atividades”. Ainda
que as informações enviadas pelas patrocinadoras para a Embrapa com provas de
que cumprem esses compromissos não estejam públicas, algumas empresas
patrocinadoras já foram denunciadas por ONGs e ambientalistas pelo seu impacto
negativo no meio ambiente.
A Bayer
e a Nestlé, por exemplo, foram alvo de protesto em frente à Agrizone promovido
pela Campanha em Defesa do Cerrado. A Nestlé já foi denunciada pela ONG Break
Free From Plastic como uma das maiores causadoras de poluição por plástico no
mundo e pela Fundação Changing Markets por não priorizar ações recomendadas
pela ciência. E não é só isso. A CNA, que administra o Senar, o principal
patrocinador da Embrapa na COP30, se autodenomina a voz do agro brasileiro. No
Congresso Nacional, a CNA faz lobby por meio da Bancada Ruralista e teve como
agenda em 2025 pautas como o apoio à redução de impostos a produtos
ultraprocessados, a votação massiva pela aprovação do PL da Devastação, que
flexibilizou as regras de licenciamento ambiental, e a criação de obstáculos
para a demarcação de terras indígenas. A entidade, inclusive, acionou o Supremo
Tribunal Federal, o STF, nesta semana pedindo a suspensão de novas homologações
e demarcações de terras indígenas, cujas portarias e decretos foram assinados
durante a própria COP30.
Um dos
projetos que a CNA afirmou apoiar neste ano legislativo foi o que estabelece o
Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes, para reduzir o custo
de produção de fertilizantes no Brasil. Enquanto isso, a confederação foi
contra projetos que proíbem ou restringem a pulverização aérea de agrotóxicos. A CNA anunciou neste ano que destinará R$ 100
milhões anuais para pesquisas da Embrapa – o valor representou 64% do orçamento
total para este fim em 2024. O aporte incluiria uma curadoria de entidades,
segundo informou na época a senadora e vice-presidente da Frente Parlamentar da
Agropecuária, FPA, Tereza Cristina, do PP do Mato Grosso do Sul, que foi
ministra da Agricultura durante o governo de Jair Bolsonaro. Procurada pelo Intercept, a CNA não respondeu
os questionamentos que fizemos sobre o patrocínio à Agrizone até a publicação
desta reportagem.
O
Brasil já é, hoje, o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, usando mais
agrotóxicos em suas lavouras do que China e Estados Unidos juntos. Os
agrotóxicos têm causado a contaminação de rios e populações na fronteira
agrícola do centro-oeste brasileiro. Algumas das maiores empresas do setor de
produção de agrotóxicos, como a Bayer e a UPL, eram patrocinadoras da Embrapa
na COP30. No ano passado, várias
entidades da América Latina denunciaram a Bayer na Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, por práticas sistemáticas de
violações dos direitos humanos à saúde, à alimentação, à água, ao meio
ambiente, à habitação, à terra, ao território e aos direitos dos povos
indígenas e das comunidades camponesas pelo uso de sementes geneticamente
modificadas e agroquímicos à base de glifosato. Um levantamento realizado pela Repórter Brasil
mostrou que o glifosato, agrotóxico mais vendido no Brasil – e fabricado pela
Bayer – é alvo de cerca de 1 mil ações na justiça brasileira por danos à saúde
de trabalhadores e comunidades vizinhas a plantações. Nos Estados Unidos, são
mais de 100 mil processos.
A Bayer
tenta promover o glifosato como uma “prática regenerativa”, ao alegar que ele
reduz as emissões do solo, mas ignora no seu discurso as emissões de gases na
produção dele. A empresa também investe massivamente em lobby, tendo realizado
752 reuniões com autoridades governamentais entre outubro de 2022 e julho de
2024, segundo levantamento do Joio e o Trigo e da agência Fiquem Sabendo. Procurada
pela reportagem, a Bayer não respondeu diretamente aos questionamentos sobre
valores e cotas adquiridas, bem como não afirmou como comprovou à Embrapa o
compromisso com práticas ambientais responsáveis. Em nota, a empresa destacou que
“historicamente tem sustentabilidade como um dos seus principais pilares
estratégicos e contribui globalmente com soluções inovadoras e iniciativas
ligadas à agricultura, saúde, transição energética e sistemas alimentares sustentáveis”.
Outra
patrocinadora, a Nestlé, também é alvo de críticas pelos seus impactos diretos
e indiretos no meio ambiente e na saúde dos brasileiros. Um relatório publicado
no ano passado pela Public Eye e a Rede Internacional em Defesa do Direito de
Amamentar, a Ibfan, por exemplo, mostra que a Nestlé vende produtos com teores
de açúcar mais elevados em países do Sul Global, como o Brasil, em relação aos
que vende em lugares como a Europa. Em
2023, uma investigação do The Bureau of Investigative Journalism, do Reino
Unido, publicada no Joio e o Trigo, mostrou que a Nestlé estava comprando
colágeno de gado criado em áreas desmatadas no Brasil. A empresa também já foi
acusada, na Europa, de mentir sobre o uso de embalagens 100% de plástico
reciclado. A Nestlé afirmou, em nota,
que a “participação na Agrizone se deu por meio de um chamamento público feito
pela Embrapa para grandes empresas, que, assim como a Nestlé, apoiam projetos
de pesquisa científica”. A organização afirmou que trabalha há três décadas em
parceria com a Embrapa e que, durante a COP30, firmou um convênio com a empresa
de pesquisa para “acelerar o desenvolvimento de pesquisas e soluções
tecnológicas, com o objetivo de reduzir emissões de gases do efeito estufa” na
produção de leite, cacau e café. Já a Toyota foi ligada, em reportagem
veiculada pela Repórter Brasil, a casos de trabalho escravo. Uma carvoaria em
Mirador, no interior do Maranhão, que faria parte da cadeia de fornecedores da
automotiva, teria mantido trabalhadores em condições análogas à escravidão,
segundo a reportagem. Há fotos de um deles amarrado depois de sofrer um
espancamento na carvoaria, diz o texto.
Durante
a COP30, o CEO da Toyota para a América Latina e Caribe, Rafael Chang, afirmou
desconhecer o caso. O Intercept procurou a Toyota para comentar o patrocínio à
Agrizone, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Além
das patrocinadoras, a própria Embrapa já foi alvo de denúncias de greenwashing
a favor do agro. Em setembro, o Intercept mostrou que a empresa, por meio do
Centro de Inteligência Bovina da Carne, o Cicarne, defendeu adotar uma
metodologia de cálculo de metano que favorece o agro, evita responsabilizá-lo
pelas mudanças climáticas e é criticada por especialistas e rejeitada pelo
IPCC.
O
metano é um dos gases do efeito estufa, e a maior parcela do metano emitido em
2023 no Brasil vem da pecuária, segundo o Observatório do Clima. Em 2023, o
agro brasileiro respondeu por 75,6% das emissões de metano, sendo 98%
originadas na pecuária. Dados do Sistema
de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o Seeg, do Observatório
do Clima, mostram que a agropecuária respondeu por 70% das emissões de gases do
efeito estufa no Brasil em 2024. Junto com as mudanças de uso da terra, como o desmatamento,
são as principais responsáveis por fazer do Brasil o quinto maior emissor do
planeta. “As empresas são muito sagazes
em disputar esse espaço [da COP30], porque na medida em que elas se colocam
como aquelas que estão promovendo a sustentabilidade, elas se eximem da
responsabilidade que têm de produzirem a própria crise climática e socioambiental”,
conclui Júlia Catão Dias, do Idec.
Fonte:
The Intercept

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