Jaldes
Meneses: O parto do pós-bolsonarismo
A
semana de 26 de novembro de 2025 foi muito importante na redefinição do
tabuleiro político brasileiro. A prisão de Jair Bolsonaro e de militares de
alto escalão, como os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Wagner
Braga Neto e o Almirante Almir Garnier, por crimes contra a democracia,
constitui um evento de proporções históricas.
Mesmo
considerando, no essencial, adequadas as ressalvas pertinentes do historiador
Manuel Domingos no artigo “Ineditismo enganador” – afinal, o Artigo 142 da
Constituição permanece intocável –, é inegável que, pela primeira vez em 136
anos de República, um ex-presidente e seus apoiadores civis e militares foram
efetivamente responsabilizados por uma tentativa de golpe de Estado.
Este
ato, analisado à luz do livro Utopia autoritária brasileira (2025) de Carlos
Fico, rompe com uma tradição secular de impunidade que perpassou cerca de 15
movimentos golpistas, cujos autores foram sistematicamente anistiados,
perdoados ou reincorporados à ordem política. O Manifesto de Intelectuais,
publicado nos jornais de 1/12/2025, afirma que “Esse fato não pode ser tratado
como rotina institucional nem como mero desdobramento processual. Ele
representa uma inflexão histórica” (“Intelectuais divulgam carta sobre prisão
de Bolsonaro e generais: ‘inflexão histórica’”).
Certamente
por lapso, os intelectuais não mencionam o Artigo 142 no Manifesto, mas
recorrem, sem citar a fonte, à classificação advinda de Samuel P. Huntington,
em A ordem política nas sociedades em mudança (1975), do Brasil como uma
sociedade irremediavelmente “pretoriana”.
Este
momento representa o ápice, ainda em desenvolvimento que pode ser truncado, de
uma lenta e difícil consolidação de mecanismos de autodefesa da democracia
constitucional. A mensagem é poderosa: a estratégia de mobilizar quartéis para
subverter instituições não será mais tratada como um “movimento político” a ser
absorvido, mas como crime a ser punido. A noção de que uma figura civil apoiada
por setores militares está acima da lei foi, ao menos neste caso, juridicamente
desmontada.
Contudo,
este marco de afirmação democrática não ocorre no vácuo. Paradoxalmente, ele
ilumina com mais clareza a emergência de um projeto de poder reacionário que
busca reconfigurar o Estado brasileiro em moldes profundamente autoritários e
oligárquicos. Enquanto a Justiça enterra o corpo político de Jair Bolsonaro, o
“protozoário” do bolsonarismo – sua essência autoritária, antipetista e
antissistema – busca novos hospedeiros.
O
Brasil se encontra, assim, mais uma vez em uma encruzilhada histórica: de um
lado, a possibilidade de fortalecer definitivamente os alicerces civis e
democráticos; de outro, o risco de ver consolidado um projeto que representa a
mais grave regressão política e social de nossa história republicana.
A
prisão de Jair Bolsonaro forçou a extremidade direita do espectro político a se
reorganizar. Conforme analisou o cientista político Christian Lynch – e os
acontecimentos no Congresso desta semana, que tiveram como corolário a briga de
Davi Alcolumbre e Hugo Motta com o governo e a cereja do bolo, a demonstração
de força, intra corpus ao parlamento, mas com o cioso apoio da bancada rural,
da rejeição dos vetos presidenciais à “PEC da Devastação”, demonstram –,
estamos diante de um ensaio de “rebelião do establishment direitoso”.
Este
segmento, encapsulado na figura do “Centrão”, nunca desejou o bolsonarismo em
sua forma caótica, de veleidades antissistêmicas e neofascistas, que se mostrou
um passivo de governança – a pandemia escancarou esse conservadorismo, abrindo
espaço para o retorno do velho Lula. Embora tenha engolido Lula, as antigas
desconfianças do companheiro de viagem petista permanecem, pois as classes
dominantes, antigas e novas, jamais almejaram um Estado ativo,
desenvolvimentista ou progressista – ou seja, tudo que amalgama a ideologia
difusa do lulismo.
Quem
decifrou essa charada, já em escritos dos anos 1970 sobre a ditadura e o início
da transição “democrática” (uma outra época, sem dúvida, mas origem causal das
estruturas vigentes transformadas pela ação do tempo social), foi o velho FHC
em livros e artigos, principalmente no manual de astúcia tática intitulado
Autoritarismo e democratização (1975): nossas classes dominantes são liberais
em sentido muito específico – são alérgicas a qualquer projeto político que
pretenda montar sua própria “burguesia de Estado”.
O
projeto em curso no centro nervoso das classes dominantes hegemônicas, que
envolve a maioria do Congresso, é potencialmente mais perigoso: a instauração
de uma versão contemporânea e muito pior da República Velha. Trata-se de
consolidar as práticas já existentes em um regime oligárquico controlado pelo
Congresso, que funcione como protetor orgânico de três pilares fundamentais: o
agronegócio, o rentismo do capital fictício desregulado (personificado na Faria
Lima) e o capital estrangeiro.
Este
projeto não é uma mera volta ao passado, mas uma fusão perversa do
patrimonialismo oligárquico com as finanças globalizadas. Pertence a um passado
museológico os tempos de vigência no Brasil do famoso “tripé” industrializante
estudado por Peter Evans em A tríplice aliança (1980) – multinacionais,
empresas nacionais e estatais.
O
objetivo de hoje é totalmente outro: operar a consolidação do que se pode
chamar de “Estado jagunço” ou “criminobrás”, onde as fronteiras entre o
financismo e o crime organizado se borram completamente. O Banco Central correu
nesta semana para pôr “alguma ordem na orgia” com regulações post factum. Mas a
verdadeira regulação, a “eutanásia do rentista” proposta por ninguém menos que
Lord Keynes, soaria, nos dias de hoje, como uma proposta saneadora vinda direto
do hospício do bom senso.
Este
projeto de poder pós-Bolsonaro foi esboçado com notável clareza em editoriais
como o da Folha de S.Paulo de 26/11/25, que, com o sugestivo título “Placas
tectônicas sob o conflito entre governo e Congresso”, aborda as camadas
internas que esse conflito abriga e disfarça.
Sua
arquitetura repousa sobre a possibilidade de três tendências interligadas: (a)
O “bolsonarismo sem Jair Bolsonaro”: Manutenção da agenda econômica
ultraliberal, do conservadorismo moral e da pulsão autoritária, porém sem a
figura “underground” e “disfuncional” do ex-presidente. É a essência sem o
personagem, uma estratégia para capturar a base eleitoral fiel de Jair
Bolsonaro – que detém os votos que os outros líderes da direita não têm –
enquanto se oferece uma roupagem de “pragmatismo” ao restante do eleitorado.
(b) O
cesarismo parlamentar: concentração de poder no Legislativo, um
“semipresidencialismo informal” onde o Congresso, dominado pelo Centrão,
torna-se o centro gravitacional do Estado. Este sistema não visa ampliar a
representatividade, mas operar um mecanismo eficiente de proteção às franjas
criminosas do capital financeiro e de barganha com o agronegócio, funcionando
como um filtro que bloqueia qualquer agenda progressista oriunda do Executivo.
(c) As
Forças Armadas como “Poder Moderador”: perpetuação da tutela militar sobre a
política civil, um poder extraconstitucional onde os quartéis se autodelegam a
função de árbitro de última instância dos conflitos políticos. Isso garante um
lastro de força para o regime e mantém a espada de Dâmocles sobre qualquer
tentativa de aprofundamento democrático que ameace os interesses do
establishment.
Este
regime, radicalmente antipopular e antidemocrático, representa a forma
teleológica do neoliberalismo no Brasil. Sua expressão política natural não
pode ser uma democracia liberal clássica, mas sim um estado policial-jagunço de
compra e venda de proteção. Tivemos um ensaio deste formato no governo de
Michel Temer, mas a nova versão, se eleita, carregaria tinturas ainda mais
reacionárias e de extrema direita.
A mídia
tradicional, embora decadente, ainda desempenha um papel crucial na
viabilização deste projeto, atuando menos como cão de guarda e mais como
cúmplice ativo e interveniente. A cobertura do caso Banco Master, por exemplo,
mostrada no programa Fantástico, da Rede Globo, apresentada no domingo
23/11/25, é emblemática: embora dotadas de todos os recursos do jornalismo
investigativo, provendo algumas denúncias muito graves, ao fim e ao cabo,
contudo, resultou numa reportagem que falhou em esclarecer aos leigos o mais
importante.
Não
esclareceu devidamente a proposta de compra pelo BRB, ignorou jogar no ar a
complexa engenharia financeira em cascata, não explorou as ligações com o crime
organizado e, principalmente e mais importante, não citou um só político do
Centrão envolvido na tramoia. Na reportagem deste domingo, agora sobre o caso
da REFIT e dos devedores contumazes, novamente, não é citado nominalmente
nenhum agente político relevante. Tudo é resumido superficialmente a um
problema de sonegação, aparentemente desprovido de tentáculos políticos.
Este
não é um caso isolado. Segue o mesmo padrão do soterramento do escândalo das
Americanas. No fundo, essa cobertura superficial revela-se funcional ao
capitalismo rentista que sustenta o projeto pós-bolsonarista. Ela esconde a
natureza fraudulenta de uma “lumpem burguesia falida e rentista”, cujas folias
já eram criticadas em 1932 por Oswald de Andrade em O rei da vela – uma peça
que se mostra assustadoramente atual.
Como já
não escreveu literalmente Bertold Brecht, por isso lhe é corretamente
atribuído, “é melhor fundar um banco do que assaltar um banco” (ou uma loja de
Secos e Molhados como as Americanas), e a grande mídia, ao não investigar a
fundo esses escândalos, acaba por normalizar o assalto.
O
pós-bolsonarismo enfrenta um paradoxo eleitoral: a extrema direita é forçada a
cultuar a figura de um líder preso e inconveniente, não por lealdade, mas por
dependência de seus votos. Abriu-se a bolsa de apostas para o sucessor do
antigo líder nas urnas de 2026, com Tarcísio de Freitas à frente (pode ser
também Ratinho Jr.), que precisa navegar na ambiguidade: jurar fidelidade à
base, mas deslocá-la do centro do poder real.
O
caminho a seguir dependerá fundamentalmente do desfecho eleitoral de 2026. Para
que o projeto do “Estado policial constitucional” seja vitorioso, seus
idealizadores sabem que é imperativo derrotar Lula e destruir – ou reduzir a
esquerda a uma força política secundária no Brasil. Neste sentido, há neste
projeto também algo da pasmaceira institucional da República Velha.
A
eleição não será sobre uma mera alternância de governo, mas sobre a definição
do regime político que governará o Brasil nas próximas décadas: uma democracia
que busca se aprofundar e superar suas mazelas históricas, ou um regime
oligárquico e semipolicial, a expressão política terminal de um capitalismo
rentista e predatório.
Rei
morto, rei posto. A morte do corpo não acaba com o protozoário. A prisão de
Jair Bolsonaro é a morte do corpo político que abrigou a doença. Contudo, o
“antipetismo” e a cultura da “personalidade autoritária”, o protozoário, seguem
vivos e ativos. A semana que passou começou a redefinir os contornos da
política brasileira. Nos brindou com uma vitória histórica – a prisão dos
generais e de Jair Bolsonaro.
No
entanto, também desnudou a verdadeira batalha que se avizinha: não mais contra
o outsider que surgiu como um “raio em céu azul” em 2018, junto com seu séquito
de personagens bizarros (que nem Marx ou Victor Hugo imaginariam n’O 18 de
Brumário), mas contra uma estrutura de poder em transformação, que articula o
capital financeiro, a oligarquia política, setores dominantes do agronegócio e
a tutela militar, com a cumplicidade de uma mídia que insiste em não ver (ou em
não mostrar) os alicerces do criminobrás sendo erguidos diante de nossos olhos.
O
Brasil está, de fato, em sua mais decisiva encruzilhada contemporânea neste
primeiro quartel do século XXI.
• Janethe Fontes: A história não se repete
O
autoritarismo no Brasil não é uma sequência de eventos isolados, mas um fio
contínuo que se reinventa, sempre usando o mesmo manual: o medo do “comunismo”
como espantalho para preservar privilégios elites, o controle da narrativa e a
instrumentalização de instituições
• O fio invisível das repetições
Embora
já se tenha falado muito sobre a tentativa de golpe de 2023, sinto – sobretudo
em sala de aula do Ensino Médio – que boa parte da sociedade ainda não percebeu
as conexões entre esse episódio e os golpes militares que o precederam. Muitos
o relativizam; outros, ainda hoje, o apoiam – mesmo sem compreender plenamente
suas motivações, apenas repetindo o coro das forças que se uniram em torno do
autoritarismo. Creio, portanto, que, se não formos capazes de enxergar essa
continuidade, corremos o risco de repetir, em breve, o mesmo erro – talvez de
modo ainda mais brutal e irreversível.
E é
justamente essa repetição disfarçada que me leva a refletir sobre o fio
invisível que atravessa nossa história: uma linha que, embora se apresente como
progresso, conduz sempre ao mesmo ponto – a crença de que o autoritarismo é o
preço necessário da ordem. O que muda são os uniformes, os slogans e os meios
de comunicação. O que permanece é o mesmo medo: do outro, do pobre, do
pensamento crítico, da liberdade.
Desde
1937, quando Getúlio Vargas justificou o golpe do Estado Novo com a farsa do
Plano Cohen, até 2023, quando extremistas tomaram a Praça dos Três Poderes
clamando por “intervenção militar”, o discurso é o mesmo – apenas traduzido em
novas linguagens. O inimigo muda de rosto, mas nunca de função: é o bicho-papão
ideológico necessário para que a elite conserve o privilégio sob a máscara da
moral.
A
história não se repete, como disse Karl Marx – ela insiste. E insiste porque a
estrutura social que a produz continua a mesma.
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O “pai dos pobres” e o autoritarismo paternal
A
Revolução de 1930 colocou Getúlio Vargas no poder com o discurso da
modernização e da justiça social. O país precisava de ordem, diziam – e, em
nome dessa ordem, dissolveram o Congresso e impuseram, em 1937, a Constituição
Polaca, inspirada nos regimes totalitários europeus.
A
figura de Getúlio Vargas foi esculpida com perfeição simbólica pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O rádio, então o meio de
comunicação mais popular, transformou o “chefe” em pai e a política em
liturgia. Vargas era o “pai dos pobres” – expressão que disfarçava a essência
do autoritarismo: o controle das vozes que poderiam ser ouvidas.
O
Estado Novo criou direitos trabalhistas, mas sob vigilância. Os sindicatos
passaram a existir apenas com autorização estatal. Era o corporativismo
paternalista – a inclusão subordinada. Como analisou Florestan Fernandes, o
povo brasileiro foi convidado a participar da nação como súdito agradecido, não
como cidadão consciente.
O Plano
Cohen, forjado pelo Estado-Maior do Exército, simbolizou a gênese do medo
político no Brasil moderno: a invenção do inimigo interno como fundamento do
poder. A ideia de proteger a pátria do comunismo – esse conceito elástico que
cabe em qualquer ameaça — nascia ali como retórica permanente das elites.
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Entre Jânio e Jango – medo como método
A
renúncia de Jânio Quadros em 1961 abriu uma crise que serviria de laboratório
para o golpe de 1964. Seu vice, João Goulart, defendia as Reformas de Base –
agrária, bancária, educacional e eleitoral –, buscando corrigir desigualdades
estruturais. Mas, como denunciava Florestan Fernandes, a democracia no Brasil
só se torna perigosa quando começa a incluir os pobres.
Os
setores conservadores reagiram com violência simbólica. O anticomunismo voltou
a ser o espantalho de sempre. E, sob o pretexto da fé, a Marcha da Família com
Deus pela Liberdade levou milhares às ruas, embalados por hinos religiosos e
slogans moralistas. A religião foi instrumentalizada como escudo político do
medo – o mesmo mecanismo que, décadas depois, voltaria às telas e púlpitos das
igrejas neopentecostais.
O golpe
civil-militar de 1964, apoiado por empresários, pela grande mídia e pelo
governo dos Estados Unidos, mergulhou o país em duas décadas de censura e
tortura. Os militares chamaram-no de “Revolução Redentora” – o nome pomposo que
disfarça a violência. Como toda revolução de mentira, ela começou prometendo
liberdade e terminou produzindo silêncio.
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Ditadura, silêncio e resistência
Os
porões do DOPS e do DOI-CODI tornaram-se laboratórios do medo. A tortura era
método, a censura, rotina, e o exílio, destino. Mas, mesmo na escuridão, a
resistência germinava.
A
canção “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil, ecoava como oração e
denúncia: “Pai, afasta de mim esse cálice / de vinho tinto de sangue”. A arte
se fez trincheira quando a palavra foi proibida. Como observa Jessé Souza, a
arte, quando se transforma em denúncia, é o último refúgio da verdade.
A
repressão não era exclusividade brasileira. No Chile, Salvador Allende tombou
em 1973 defendendo a democracia. “A história não perdoará aqueles que traíram o
mandato do povo”. Na Argentina, o golpe de 1976 produziu cerca de trinta mil
vítimas da ditadura. E no Uruguai, Pepe Mujica – preso por 14 anos, a maior
parte em isolamento absoluto – demonstrou que a dignidade não se destrói nem
com grades, nem com torturas.
Esses
regimes formaram a Operação Condor, uma aliança repressiva continental com
apoio dos EUA. A violência virou política de Estado, e o silêncio – política
continental.
Com a
Lei da Anistia (1979), o Brasil iniciou o caminho de volta à democracia. Mas a
conciliação teve um custo: o perdão aos algozes. O país tentou se reconciliar
sem lembrar, curar sem tocar a ferida.
Como
nos ensinou Paulo Freire, “a educação muda pessoas, e pessoas transformam o
mundo”. Mas sem memória, a educação se torna anestesia. O esquecimento virou
estratégia de sobrevivência das elites, e o autoritarismo, em vez de ser
extinto, apenas se recolheu – esperando o momento de ressurgir.
Em 8 de
janeiro de 2023, manifestantes invadiram os prédios dos Três Poderes em
Brasília, pedindo intervenção militar e questionando eleições legítimas. A
cena, transmitida ao vivo, parecia inédita – mas era uma nova versão (remake)
do velho enredo.
Os
tanques deram lugar aos tweets; o medo, às fake news; e a retórica da “salvação
nacional” ressurgiu sob novas bandeiras. Mas algo permaneceu intocado: o medo
do comunismo – o velho espantalho que, desde 1937, é ressuscitado sempre que a
elite teme perder privilégios.
O
“comunismo” virou o rótulo de tudo o que ameaça o poder: educação crítica,
diversidade, consciência racial, igualdade de gênero e até políticas sociais
básicas.
É o
mesmo bicho-papão ideológico que justificou o auto-golpe de 1937, o golpe
civil-militar de 1964 e que, em 2023, foi atualizado nas redes, pintando
professores, artistas e jornalistas como “inimigos da nação”.
Durante
as eleições de 2022, esse discurso foi amplificado. Púlpitos religiosos foram
transformados em palanques eleitorais; pregadores confundiram fé com voto; e o
medo, novamente, tornou-se evangelho. A religião, que deveria humanizar, foi
politizada como arma de guerra cultural.
Ao
mesmo tempo, o Judiciário e o discurso moralista da “anticorrupção” foram
instrumentalizados para neutralizar vozes progressistas e legitimar
perseguições seletivas. Era a velha tática da elite latino-americana: usar a
lei e a moral como instrumentos de poder.
O que
mudou foi o meio – não o enredo. A mesma elite ressentida, o mesmo moralismo, o
mesmo ataque à escola e ao pensamento crítico. Mas também, como antes, a mesma
resistência: professores, artistas, estudantes, jornalistas. A história
insistia.
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O eco que teima em voltar
“A
história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” (Karl
Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, 1852).
Como
lembrou Marx, a primeira vez é tragédia, a segunda é farsa. Mas no Brasil – e
em toda a América Latina –, a farsa é o eco prolongado da tragédia que teima em
voltar. A cada geração, o autoritarismo muda de nome e de forma, mas continua a
disputar corações, mentes e algoritmos.
Cabe à
educação crítica, à arte e à memória impedir que o riso cínico da farsa apague
o luto da tragédia. Porque esquecer – como ensinou a história – é sempre o
primeiro passo para repetir.
Fonte:
A Terra é Redonda

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