quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Paulo Henrique Arantes: A índole marginal de um arruaceiro

Chega a ser hilário ver Eduardo Bolsonaro falando bobagens em quase todos os canais de TV, vomitando teorias mirabolantes e, ainda hoje, jactando-se de uma fantasiosa proximidade com Donald Trump. Sim, zero-três esteve ao vivo nas televisões no sábado em que o pai foi preso. A figura e a oratória são de um adolescente arruaceiro. Aliás, a vocação pela arruaça constitui a principal característica da família em tela.

Jair Bolsonaro tentou livrar-se de sua tornozeleira eletrônica com um ferro de solda. Por óbvio, a patética tentativa integrava algum plano de fuga, alguma estratégia estapafúrdia de sumir na confusão, derreter na quiçaça. A despeito da gravidade legal, o ato é só mais uma dentre as inúmeras manifestações de uma índole marginal, claramente transmitida aos filhos.

A mídia gosta de ignorar a capivara de Bolsonaro quando analisa suas atitudes presentes, tentando contextualizá-las na cena política atual, como se perpetradas por um líder partidário. Está errado: um ser humano não pode ser dissociado de sua essência moral nem de sua gênese psiquiátrica.

O Bolsonaro que hoje viola tornozeleira é o mesmo que, em 1987, capitão do Exército, planejou explodir bombas como ação reivindicatória de ajuste salarial. Foi condenado pela Justiça Militar e, depois, absolvido pelo Superior Tribunal Militar por falta de provas materiais. Para o ditador Ernesto Geisel, aquele moleque era “um mau militar”. Registros internos da corporação dão conta, por parte do capitão Bolsonaro, de descontrole emocional e avalições negativas de temperamento.

Como parlamentar – primeiro, vereador; depois, deputado federal –, Jair Bolsonaro exaltou o A.I. 5 e o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra várias vezes. Ameaçou colegas do Legislativo e jornalistas. Disse preferir ver um dos filhos morto num acidente a assumir-se homossexual. Foi contumaz entusiasta da violência policial, tendo chegado a afirmar que a morte de inocentes é aceitável como efeito colateral da caça a bandidos.

Defendeu – e, como presidente da República, atuou para tanto – o armamento da população civil para que “resolvesse por conta própria” o problema da falta de segurança pública. Apoiou motins de policiais. Incitou manifestações públicas pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

Como arruaça pouca é bobagem, Jair Bolsonaro hostilizou e tentou deslegitimar a imprensa e a própria prática jornalística. Chegou a estimular apoiadores a agredirem jornalistas fisicamente em atos públicos. Na pandemia, recomendou medicamentos ineficazes, pregou contra a vacina e estimulou aglomerações. Imitou pacientes com falta de ar.

Disse, durante uma reunião ministerial, sem nenhum pudor, esperar que a Polícia Federal protegesse familiares e amigos seus. Na política externa, sua conduta foi inacreditável: ofendeu o presidente da França Emmanuel Macron, chegando a fazer referência à aparência física da primeira-dama francesa. Afrontou a China e a Argentina e manteve na chancelaria o medieval e negacionista Ernesto Araújo.

Nos seus derradeiros dias na Presidência da República, enquanto viajava aos Estados Unidos numa espécie de fuga temporária, roubou, mediante ação determinada a assessores, joias presenteadas ao Estado brasileiro pela Arábia Saudita avaliadas em milhões de reais. Tudo isso foi coroado com a articulação de um golpe de Estado, crime frustrado pelo qual foi condenado a 27 anos de cadeia, como sabemos.

Há muito mais, claro está. Mas esta pincelada serve para que a tentativa de violar uma tornozeleira pareça nada além de mais uma arruaça levada a cabo pelo maior arruaceiro da História do Brasil.

•        O Brasil continuará tendo alucinações? Por Moisés Mendes

O mundo iria acabar com a prisão de Bolsonaro, mas continua do mesmo jeito e não há sinais de que esteja ameaçado. As primeiras reações são frustrantes para quem esperava a implosão de um levante verde-amarelo.

Flávio Bolsonaro é quem mais se dedica à tentativa da resistência, com o apoio de Tarcísio, Michelle, Sóstenes Cavalcante e do irmão Eduardo, com as mensagens vindas dos Estados Unidos. Mas é pouco. Tem muita gente falante que está calada.

Play Video

As manifestações em Brasília, diante do prédio da Polícia Federal, e em São Paulo, na Avenida Paulista, foram fracassadas. A situação é desoladora para quem esperava uma comoção nacional.

O bolsonarismo está atordoado com as informações acrescentadas ao que noticiam desde a prisão do chefe da organização criminosa. Tudo é contra ele e contra a extrema direita. A cada notícia, a situação de Bolsonaro só piora.

O bom seria, para o fascismo, que ele tivesse sido preso depois de uma tentativa de fuga espetacular pelas ruas de Brasília montado numa moto, com capacete amarelo, jaqueta preta e uma bandeira do Brasil esvoaçante  amarrada no pescoço.

Seria fantástico ver Bolsonaro barrado a uma quadra da embaixada americana por um comboio da Polícia Federal. Seria extasiante para a militância se ele fosse apeado da moto com a mão erguida e fazendo arminha com os dedos.

Mas não. Bolsonaro foi preso como um velhinho confuso e admitiu, candidamente, que não sabia como desmontar uma tornozeleira. Resignado, com voz baixa, dizem que dopado por remédios que não deveria ter tomado.

Esse sujeito, que por sorte não teve o rosto filmado durante o flagrante em casa, é o líder de quase metade do Brasil. Não é um líder imposto, mas eleito uma vez e quase reeleito depois.

É o ídolo de gente que ainda o esperava para que retornasse à atividade política, depois de anistiado pelo Congresso. Num sábado, Bolsonaro acabou com os sonhos de milhões de brasileiros.

O surto que ele teria sofrido, quando tentou se livrar da tornozeleira, conforme os próprios médicos, parece estar sob controle. É só ajustar a medicação.

Mas e o Brasil, seu Jair? Como ajustar os remédios que o Brasil toma desde o golpe contra Dilma em 2016, que tiveram doses reforçadas com a prisão de Lula em 2018?

O Brasil continuará sob os efeitos da overdose de psicotrópicos lavajatistas e bolsonaristas? Metade do Brasil antilulista e anticomunista permanecerá surtada, principalmente em época de eleição?

É a nossa grande dúvida. Como a alucinação de Bolsonaro vai repercutir nas bases sociais e na turma que pretende sucedê-lo? Tarcísio e Michelle podem ser abalados? Flavio é o cara agora?

A velha direita continuará articulada a partir da força eleitoral de Bolsonaro, ou vai conseguir se livrar dele? Teremos respostas aos poucos, até a eleição, sabendo que serão muitas as notícias sobre novas tornozeleiras até lá. Tornozelo é o que não falta.

•        Basta juntar os pontos para concluir que Bolsonaro fugiria para a embaixada dos Estados Unidos

Há episódios políticos que exigem grandes elaborações analíticas. O caso da prisão de Jair Bolsonaro, no entanto, não é um deles. A sequência de fatos envolvendo o ex-presidente nas últimas 48 horas é tão óbvia e tão ululante, como diria Nelson Rodrigues, que praticamente se torna autoexplicativa. Basta juntar os pontos.

No dia de ontem, Donald Trump revelou a jornalistas que cobrem a Casa Branca que havia conversado com Bolsonaro na véspera e que os dois se encontrariam “em breve”. Horas depois da conversa com Trump, já no fim da tarde de sexta, Bolsonaro decidiu queimar sua tornozeleira eletrônica com um ferro de solda – “por curiosidade", segundo ele.

Play Video

O relatório da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal descreve queimaduras por toda a circunferência do equipamento. À 00h07 de sábado, o sistema acusou violação. Enquanto do lado de fora da casa planejava-se a vigília convocada por Flávio Bolsonaro, do lado de dentro a tornozeleira estava sendo rompida.

Por isso mesmo, o ministro Alexandre de Moraes, ao retirar o sigilo do material, foi direto: havia risco concreto de fuga. O condomínio onde Bolsonaro cumpria prisão domiciliar fica a cerca de 13 quilômetros da embaixada dos Estados Unidos. Quinze minutos de carro, talvez menos com a escolta improvisada dos apoiadores. Não é necessário grande esforço para imaginar o destino.

Felizmente, a Polícia Federal chegou antes. Por volta das seis da manhã, cumpriu o mandado de prisão preventiva. A tornozeleira foi substituída por outra, desta vez sem ferro de soldar por perto.

E então veio o último ato. No mesmo fim de semana em que Bolsonaro foi preso tentando violar o equipamento que o mantinha sob vigilância, a embaixada dos Estados Unidos publicou uma nota atacando diretamente Alexandre de Moraes e afirmando que o STF produz “vergonha e descrédito internacional”. Era a manifestação que faltava para completar a cronologia: primeiro o telefonema entre Trump e Bolsonaro, depois a tentativa de destruição da tornozeleira para a fuga, e enfim a embaixada protestando – praticamente como quem passa recibo. Basta seguir a ordem dos acontecimentos. A história está inteira, evidente, alinhada no tempo.

Às vezes, a política produz enigmas complexos. Desta vez, no entanto, Bolsonaro, com a ajuda de Trump, fez questão de deixar tudo simples demais. Basta juntar os pontos.

•        Direita brasileira precisa abandonar o extremismo e aceitar a democracia como único caminho possível

Ainda imersa na desorientação provocada pela prisão justa mas tardia de Jair Bolsonaro, a direita no Brasil deveria aproveitar a histórica janela de oportunidade que o país abre e virar a página do extremismo, se reagrupar sob valores condizentes com a democracia. Seria a maior contribuição ao país deste segmento político que tanta destruição provocou pelo menos desde o Golpe de 2016.

Parece uma missão quase impossível, dado o esfacelamento de valores democráticos, iniciado pelo PSDB quando questionou a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff em 2014. No entanto, se defendemos a democracia, precisamos apoiar o direito ao pensamento contraditório, às posições divergentes da nossa. Esta premissa é a essência da convivência democrática. Aceitar esta máxima, entretanto, está a anos-luz de distância de ser condescendente com o autoritarismo, com a exaltação de valores incompatíveis com a vida, como a negropolítica e idolatria a torturadores, o racismo, a misoginia, a lgbtfobia.

Infelizmente, até o momento não visualizamos no Brasil uma direita comprometida com estes valores democráticos. Que defenda sua visão sem querer se impor pela mentira, pela força ou por apoios externos ao do povo brasileiro.

Não teremos estabilidade institucional enquanto o pensamento antagônico ao da esquerda for dominado por vândalos da democracia, por arruaceiros e charlatões. O Brasil precisa resgatar a política como instrumento de progressos sociais eeconômicos, construir novas formas de forjar consensos, que não envolvam defesa de ditaduras, negacionismo e morte de pessoas.

Chega da política dos sobressaltos e solavancos. É hora de jogar fora a chave da cadeia de Jair Bolsonaro, deixar toda a familicia a cargo da Justiça e seguir adiante rumo a disputas políticas circunscritas nos termos da democracia e da Constituição brasileira.

•        Mesmo após prisão, enfrentar bolsonarismo é tarefa crucial, aponta liderança do MST

“A centralidade da nossa força tem que passar pelo enfrentamento do bolsonarismo, que continua solto”, afirma Ceres Hadich, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. Ela comentou, na manhã deste sábado (22), a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), detido preventivamente pela Polícia Federal.

“Claro que há um sentimento de alívio, por todos os crimes que ele cometeu enquanto presidente, pela postura durante a pandemia, por todas as causas pelas quais vem sendo acusado e mesmo condenado. Há uma relativa alegria, euforia, alívio. Isso faz parte da humanidade das pessoas: poder sentir isso por nós, pelos nossos, por saber que é mais do que uma prisão justa – é uma prisão necessária”, disse Hadich, ao ser questionada sobre como o movimento popular recebeu a notícia da detenção.

Apesar disso, a militante destaca que o momento exige cautela, já que a disputa de narrativas e os desdobramentos políticos ainda devem se intensificar nos próximos dias. Segundo ela, é preciso observar “com o que dialoga este momento da prisão e quais serão os desfechos, não só da condenação em si, mas dos fatos políticos que possam derivar dela”.

“Acho que cenas dos próximos capítulos ainda vão se abrir, mas, a princípio, temos acompanhado este momento com muita expectativa. Que este seja um passo importante para a condenação efetiva e o cumprimento da pena, o que também nos traz um sentimento de justiça”, afirmou.

A representante do MST também comentou a coincidência simbólica da data desta sexta-feira, 22, que remete ao número usado por Bolsonaro nas urnas nas últimas eleições presidenciais. “Coincidência ou não, hoje é um dia 22 que nunca mais será o mesmo depois dessa data marcante, com a prisão do ex-presidente”, disse.

“Novembro também traz uma simbologia importante, porque é um mês de lutas, de resistência popular. Do ponto de vista da nossa disputa e do embate com a extrema-direita, este momento não só deve ser celebrado, como intensificado, para que possamos seguir fazendo esse debate junto à sociedade brasileira.”

 

Fonte: Brasil 247/Brasil de Fato

 

Nenhum comentário: