Paulo
Henrique Arantes: A índole marginal de um arruaceiro
Chega a
ser hilário ver Eduardo Bolsonaro falando bobagens em quase todos os canais de
TV, vomitando teorias mirabolantes e, ainda hoje, jactando-se de uma fantasiosa
proximidade com Donald Trump. Sim, zero-três esteve ao vivo nas televisões no
sábado em que o pai foi preso. A figura e a oratória são de um adolescente
arruaceiro. Aliás, a vocação pela arruaça constitui a principal característica
da família em tela.
Jair
Bolsonaro tentou livrar-se de sua tornozeleira eletrônica com um ferro de
solda. Por óbvio, a patética tentativa integrava algum plano de fuga, alguma
estratégia estapafúrdia de sumir na confusão, derreter na quiçaça. A despeito
da gravidade legal, o ato é só mais uma dentre as inúmeras manifestações de uma
índole marginal, claramente transmitida aos filhos.
A mídia
gosta de ignorar a capivara de Bolsonaro quando analisa suas atitudes
presentes, tentando contextualizá-las na cena política atual, como se
perpetradas por um líder partidário. Está errado: um ser humano não pode ser
dissociado de sua essência moral nem de sua gênese psiquiátrica.
O
Bolsonaro que hoje viola tornozeleira é o mesmo que, em 1987, capitão do
Exército, planejou explodir bombas como ação reivindicatória de ajuste
salarial. Foi condenado pela Justiça Militar e, depois, absolvido pelo Superior
Tribunal Militar por falta de provas materiais. Para o ditador Ernesto Geisel,
aquele moleque era “um mau militar”. Registros internos da corporação dão
conta, por parte do capitão Bolsonaro, de descontrole emocional e avalições
negativas de temperamento.
Como
parlamentar – primeiro, vereador; depois, deputado federal –, Jair Bolsonaro
exaltou o A.I. 5 e o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra várias vezes.
Ameaçou colegas do Legislativo e jornalistas. Disse preferir ver um dos filhos
morto num acidente a assumir-se homossexual. Foi contumaz entusiasta da
violência policial, tendo chegado a afirmar que a morte de inocentes é
aceitável como efeito colateral da caça a bandidos.
Defendeu
– e, como presidente da República, atuou para tanto – o armamento da população
civil para que “resolvesse por conta própria” o problema da falta de segurança
pública. Apoiou motins de policiais. Incitou manifestações públicas pelo
fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.
Como
arruaça pouca é bobagem, Jair Bolsonaro hostilizou e tentou deslegitimar a
imprensa e a própria prática jornalística. Chegou a estimular apoiadores a
agredirem jornalistas fisicamente em atos públicos. Na pandemia, recomendou
medicamentos ineficazes, pregou contra a vacina e estimulou aglomerações.
Imitou pacientes com falta de ar.
Disse,
durante uma reunião ministerial, sem nenhum pudor, esperar que a Polícia
Federal protegesse familiares e amigos seus. Na política externa, sua conduta
foi inacreditável: ofendeu o presidente da França Emmanuel Macron, chegando a
fazer referência à aparência física da primeira-dama francesa. Afrontou a China
e a Argentina e manteve na chancelaria o medieval e negacionista Ernesto
Araújo.
Nos
seus derradeiros dias na Presidência da República, enquanto viajava aos Estados
Unidos numa espécie de fuga temporária, roubou, mediante ação determinada a
assessores, joias presenteadas ao Estado brasileiro pela Arábia Saudita
avaliadas em milhões de reais. Tudo isso foi coroado com a articulação de um
golpe de Estado, crime frustrado pelo qual foi condenado a 27 anos de cadeia,
como sabemos.
Há
muito mais, claro está. Mas esta pincelada serve para que a tentativa de violar
uma tornozeleira pareça nada além de mais uma arruaça levada a cabo pelo maior
arruaceiro da História do Brasil.
• O Brasil continuará tendo alucinações?
Por Moisés Mendes
O mundo
iria acabar com a prisão de Bolsonaro, mas continua do mesmo jeito e não há
sinais de que esteja ameaçado. As primeiras reações são frustrantes para quem
esperava a implosão de um levante verde-amarelo.
Flávio
Bolsonaro é quem mais se dedica à tentativa da resistência, com o apoio de
Tarcísio, Michelle, Sóstenes Cavalcante e do irmão Eduardo, com as mensagens
vindas dos Estados Unidos. Mas é pouco. Tem muita gente falante que está
calada.
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As
manifestações em Brasília, diante do prédio da Polícia Federal, e em São Paulo,
na Avenida Paulista, foram fracassadas. A situação é desoladora para quem
esperava uma comoção nacional.
O
bolsonarismo está atordoado com as informações acrescentadas ao que noticiam
desde a prisão do chefe da organização criminosa. Tudo é contra ele e contra a
extrema direita. A cada notícia, a situação de Bolsonaro só piora.
O bom
seria, para o fascismo, que ele tivesse sido preso depois de uma tentativa de
fuga espetacular pelas ruas de Brasília montado numa moto, com capacete
amarelo, jaqueta preta e uma bandeira do Brasil esvoaçante amarrada no pescoço.
Seria
fantástico ver Bolsonaro barrado a uma quadra da embaixada americana por um
comboio da Polícia Federal. Seria extasiante para a militância se ele fosse
apeado da moto com a mão erguida e fazendo arminha com os dedos.
Mas
não. Bolsonaro foi preso como um velhinho confuso e admitiu, candidamente, que
não sabia como desmontar uma tornozeleira. Resignado, com voz baixa, dizem que
dopado por remédios que não deveria ter tomado.
Esse
sujeito, que por sorte não teve o rosto filmado durante o flagrante em casa, é
o líder de quase metade do Brasil. Não é um líder imposto, mas eleito uma vez e
quase reeleito depois.
É o
ídolo de gente que ainda o esperava para que retornasse à atividade política,
depois de anistiado pelo Congresso. Num sábado, Bolsonaro acabou com os sonhos
de milhões de brasileiros.
O surto
que ele teria sofrido, quando tentou se livrar da tornozeleira, conforme os
próprios médicos, parece estar sob controle. É só ajustar a medicação.
Mas e o
Brasil, seu Jair? Como ajustar os remédios que o Brasil toma desde o golpe
contra Dilma em 2016, que tiveram doses reforçadas com a prisão de Lula em
2018?
O
Brasil continuará sob os efeitos da overdose de psicotrópicos lavajatistas e
bolsonaristas? Metade do Brasil antilulista e anticomunista permanecerá
surtada, principalmente em época de eleição?
É a
nossa grande dúvida. Como a alucinação de Bolsonaro vai repercutir nas bases
sociais e na turma que pretende sucedê-lo? Tarcísio e Michelle podem ser
abalados? Flavio é o cara agora?
A velha
direita continuará articulada a partir da força eleitoral de Bolsonaro, ou vai
conseguir se livrar dele? Teremos respostas aos poucos, até a eleição, sabendo
que serão muitas as notícias sobre novas tornozeleiras até lá. Tornozelo é o
que não falta.
• Basta juntar os pontos para concluir que
Bolsonaro fugiria para a embaixada dos Estados Unidos
Há
episódios políticos que exigem grandes elaborações analíticas. O caso da prisão
de Jair Bolsonaro, no entanto, não é um deles. A sequência de fatos envolvendo
o ex-presidente nas últimas 48 horas é tão óbvia e tão ululante, como diria
Nelson Rodrigues, que praticamente se torna autoexplicativa. Basta juntar os
pontos.
No dia
de ontem, Donald Trump revelou a jornalistas que cobrem a Casa Branca que havia
conversado com Bolsonaro na véspera e que os dois se encontrariam “em breve”.
Horas depois da conversa com Trump, já no fim da tarde de sexta, Bolsonaro
decidiu queimar sua tornozeleira eletrônica com um ferro de solda – “por
curiosidade", segundo ele.
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O
relatório da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal
descreve queimaduras por toda a circunferência do equipamento. À 00h07 de
sábado, o sistema acusou violação. Enquanto do lado de fora da casa
planejava-se a vigília convocada por Flávio Bolsonaro, do lado de dentro a
tornozeleira estava sendo rompida.
Por
isso mesmo, o ministro Alexandre de Moraes, ao retirar o sigilo do material,
foi direto: havia risco concreto de fuga. O condomínio onde Bolsonaro cumpria
prisão domiciliar fica a cerca de 13 quilômetros da embaixada dos Estados
Unidos. Quinze minutos de carro, talvez menos com a escolta improvisada dos
apoiadores. Não é necessário grande esforço para imaginar o destino.
Felizmente,
a Polícia Federal chegou antes. Por volta das seis da manhã, cumpriu o mandado
de prisão preventiva. A tornozeleira foi substituída por outra, desta vez sem
ferro de soldar por perto.
E então
veio o último ato. No mesmo fim de semana em que Bolsonaro foi preso tentando
violar o equipamento que o mantinha sob vigilância, a embaixada dos Estados
Unidos publicou uma nota atacando diretamente Alexandre de Moraes e afirmando
que o STF produz “vergonha e descrédito internacional”. Era a manifestação que
faltava para completar a cronologia: primeiro o telefonema entre Trump e
Bolsonaro, depois a tentativa de destruição da tornozeleira para a fuga, e
enfim a embaixada protestando – praticamente como quem passa recibo. Basta
seguir a ordem dos acontecimentos. A história está inteira, evidente, alinhada
no tempo.
Às
vezes, a política produz enigmas complexos. Desta vez, no entanto, Bolsonaro,
com a ajuda de Trump, fez questão de deixar tudo simples demais. Basta juntar
os pontos.
• Direita brasileira precisa abandonar o
extremismo e aceitar a democracia como único caminho possível
Ainda
imersa na desorientação provocada pela prisão justa mas tardia de Jair
Bolsonaro, a direita no Brasil deveria aproveitar a histórica janela de
oportunidade que o país abre e virar a página do extremismo, se reagrupar sob
valores condizentes com a democracia. Seria a maior contribuição ao país deste
segmento político que tanta destruição provocou pelo menos desde o Golpe de
2016.
Parece
uma missão quase impossível, dado o esfacelamento de valores democráticos,
iniciado pelo PSDB quando questionou a derrota de Aécio Neves para Dilma
Rousseff em 2014. No entanto, se defendemos a democracia, precisamos apoiar o
direito ao pensamento contraditório, às posições divergentes da nossa. Esta
premissa é a essência da convivência democrática. Aceitar esta máxima,
entretanto, está a anos-luz de distância de ser condescendente com o
autoritarismo, com a exaltação de valores incompatíveis com a vida, como a
negropolítica e idolatria a torturadores, o racismo, a misoginia, a lgbtfobia.
Infelizmente,
até o momento não visualizamos no Brasil uma direita comprometida com estes
valores democráticos. Que defenda sua visão sem querer se impor pela mentira,
pela força ou por apoios externos ao do povo brasileiro.
Não
teremos estabilidade institucional enquanto o pensamento antagônico ao da
esquerda for dominado por vândalos da democracia, por arruaceiros e charlatões.
O Brasil precisa resgatar a política como instrumento de progressos sociais
eeconômicos, construir novas formas de forjar consensos, que não envolvam
defesa de ditaduras, negacionismo e morte de pessoas.
Chega
da política dos sobressaltos e solavancos. É hora de jogar fora a chave da
cadeia de Jair Bolsonaro, deixar toda a familicia a cargo da Justiça e seguir
adiante rumo a disputas políticas circunscritas nos termos da democracia e da
Constituição brasileira.
• Mesmo após prisão, enfrentar
bolsonarismo é tarefa crucial, aponta liderança do MST
“A
centralidade da nossa força tem que passar pelo enfrentamento do bolsonarismo,
que continua solto”, afirma Ceres Hadich, da direção nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio
Brasil de Fato. Ela comentou, na manhã deste sábado (22), a prisão do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), detido preventivamente pela Polícia Federal.
“Claro
que há um sentimento de alívio, por todos os crimes que ele cometeu enquanto
presidente, pela postura durante a pandemia, por todas as causas pelas quais
vem sendo acusado e mesmo condenado. Há uma relativa alegria, euforia, alívio.
Isso faz parte da humanidade das pessoas: poder sentir isso por nós, pelos
nossos, por saber que é mais do que uma prisão justa – é uma prisão
necessária”, disse Hadich, ao ser questionada sobre como o movimento popular
recebeu a notícia da detenção.
Apesar
disso, a militante destaca que o momento exige cautela, já que a disputa de
narrativas e os desdobramentos políticos ainda devem se intensificar nos
próximos dias. Segundo ela, é preciso observar “com o que dialoga este momento
da prisão e quais serão os desfechos, não só da condenação em si, mas dos fatos
políticos que possam derivar dela”.
“Acho
que cenas dos próximos capítulos ainda vão se abrir, mas, a princípio, temos
acompanhado este momento com muita expectativa. Que este seja um passo
importante para a condenação efetiva e o cumprimento da pena, o que também nos
traz um sentimento de justiça”, afirmou.
A
representante do MST também comentou a coincidência simbólica da data desta
sexta-feira, 22, que remete ao número usado por Bolsonaro nas urnas nas últimas
eleições presidenciais. “Coincidência ou não, hoje é um dia 22 que nunca mais
será o mesmo depois dessa data marcante, com a prisão do ex-presidente”, disse.
“Novembro
também traz uma simbologia importante, porque é um mês de lutas, de resistência
popular. Do ponto de vista da nossa disputa e do embate com a extrema-direita,
este momento não só deve ser celebrado, como intensificado, para que possamos
seguir fazendo esse debate junto à sociedade brasileira.”
Fonte:
Brasil 247/Brasil de Fato

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